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Processo n.º 69/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I.
Relatório
1.
Na acção de despejo que corre termos no 4.º Juízo Cível do Porto, em
que é autora A. e réus B. e sua mulher C., foi proferido despacho com o seguinte
teor:
“Vêm os réus a fls. 103 arguir nulidade processual nos termos do art. 201.º do
CPC em virtude de ter sido proferida sentença sem se ter esgotado o prazo para
apresentarem a respectiva contestação, bem como argúem a nulidade da própria
citação, porquanto não foram observadas todas as formalidades prescritas na lei
nos termos do art. 198º do citado diploma legal, nos termos ali constantes.
Mais invocam a inconstitucionalidade da interpretação caso se sufrague o
entendimento de que a citação da ré mulher retroage ao momento em que foi
contactada pelo solicitador da execução, bem como que a formalidade do n.º 5 do
art. 239º do CPC não tenha de ser cumprida nos termos por si indicados e bem
assim que o momento em que a ré mulher foi notificada para os efeitos do n.º 5
do citado normativo não releva para a contagem do prazo para contestar, por a
mesma atentar contra o princípio do contraditório por condicionar e restringir o
efectivo direito de defesa, atentando-se, assim, contra o princípio
constitucional do acesso aos tribunais consagrado no art. 20.º da CRP.
Notificada, a parte contrária pugna pela inatendibilidade do requerido alegando,
em síntese, que se os réus não exerceram nos autos, em tempo, o direito à defesa
que lhes assistia apenas de si próprios se poderão queixar, tendo ambos sido
regularmente citados nos termos da lei, constituindo, aliás, a conduta dos réus
nesta acção, violação grave do dever de cooperação consagrado no art. 266º e
266º-A, ambos do CPC.
Apreciando.
A questão que se coloca e que importa dilucidar prende-se em determinar quando
ocorreu no caso vertente o dies a quo do prazo para contestar que, in casu se
traduz em apurar se aquele prazo se inicia no dia imediato à recusa do citando e
a que se alude no n.º 4 do art. 239.º do CPC, ou se tal prazo, tal como advogam
os réus, se iniciará no dia imediato ao recebimento da notificação estabelecida
no n.º 5 do citado normativo.
Ora afigura-se-nos que a natureza da notificação estabelecida no n.º 5 do art.
239.º do CPC assume natureza semelhante aqueloutra que se encontra estabelecida
no art. 241.º do CPC.
Significa isto, portanto, que in casu embora a lei adjectiva imponha o
cumprimento da aludida formalidade complementar afigura-se-nos que na economia
do preceito tal formalidade não contende com o início do prazo para contestar, o
qual se verificou no momento em que o solicitador de execução certificou a
recusa da citanda em assinar a certidão ou a receber o respectivo duplicado.
Porque assim, inexiste, pois, a apontada nulidade, inexistindo também a apontada
inconstitucionalidade já que a citanda não ficou em condições de assegurar a
efectiva defesa dos seus direitos por facto somente a ela imputável face à
recusa por si assumida em receber os duplicados e proceder à assinatura da
certidão”.
Os interessados B. e C. recorreram deste despacho, mas a Relação do
Porto, por acórdão de 22 de Novembro de 2007, negou-lhes provimento ao agravo,
assim confirmando a decisão recorrida, com os seguintes fundamentos:
“[…]
Questões suscitadas no recurso a conhecer em primeiro lugar:
- a citação não ocorre com o preenchimento da formalidade prevista no n.º 4 do
art. 239.º, mas apenas com o cumprimento do n.º 5 do mesmo preceito, sendo a
partir dessa data que começa o prazo para contestar;
- cumprimento tardio pela secretaria do disposto no n.º 5 do art. 239.º;
- falta de certificação de que a agravante foi advertida de que a recusa da
citação não obviava à realização da mesma;
- qual deve entender-se ser a intenção legislativa;
- atentado contra as garantias de defesa e do contraditório;
- inconstitucionalidade das normas dos n.ºs 4 e 5 do art. 239.º, na
interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal recorrido.
Apesar de estar em causa a citação da Ré mulher, não podemos esquecer que nos
encontramos no âmbito da sociedade conjugal, pelo que, em princípio, a citação
dos RR. far-se-ía conjuntamente, sem necessidade de dois actos formais
distintos. O que aconteceu foi que a A. não identificou a Ré mulher na p.i. Mas,
como se pode verificar pela informação prestada nos autos pelo R. marido, os
cônjuges residem na mesma morada, pelo que logo se vê que não faz qualquer
sentido argumentar-se que a Ré não teve conhecimento da instauração desta acção,
mesmo antes de ter sido formalmente contactada pela solicitadora de execução.
Como assim, a situação que temos é de terem sido citados em alturas distintas os
cônjuges.
A argumentação da agravante coaduna-se mais com a chamada citação indirecta, do
que com a situação vivida nos autos.
Neste caso, a citanda foi objecto de citação na sua própria pessoa, por meio de
solicitador de execução, visto que a carta registada que lhe foi dirigida veio
devolvida, por não ter sido reclamada.
Ora, as cautelas previstas na lei para a citação indirecta não têm justificação
no caso de a citação se processar na pessoa do próprio citando.
No caso de citação por via postal (art. 236.º), considera-se a mesma feita no
dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na
própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado
por terceiro, embora se admita que o citando possa demonstrar que a carta lhe
não foi oportunamente entregue, ilidindo assim a presunção de citação (art.
238.º/1).
Por maioria de razão, se deve considerar efectuada a citação em caso de recusa
por parte da pessoa directamente contactada.
E que assim é, di-lo o próprio n.º 4 do art. 239.º, ao prever para a situação de
recusa do citando em assinar a certidão ou receber o duplicado, o que pressupõe
que a citação está feita, independentemente disso, e o n.º 5 do mesmo artigo, ao
mandar que a secretaria notifique ainda o citando, enviando-lhe carta registada
com a indicação de que o duplicado nela se encontra à sua disposição.
Se a citação se não considerasse feita, a norma não mandava notificar o citando,
mas citá-lo, já que a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de
que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se
defender, empregando-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma
pessoa interessada na causa – n.º 1 do art. 228.º; ao passo que a notificação
serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento
de um facto – n.º 2.
Por aqui se vê que a lei não confunde citação e notificação e, se menciona no
n.º 5 do art. 239.º a notificação, é porque já considera feita a citação nos
termos do n.º 4.
Aliás, tem de haver um princípio ético de responsabilização da pessoa que é
abordada para ser citada e que, contra os mais elementares deveres de cidadania,
se recusa a receber a citação. As pessoas são livres de agir como entenderem,
mas não podem, depois, alijar a responsabilidade dos actos que livremente
praticaram.
A solicitadora de execução lavrou a certidão de fls. 69-70, da qual consta o
processo, o tribunal onde corre termos, o nome da A. e de seu marido, como réu,
e a recusa da Ré mulher em receber e assinar a certidão, tendo sido informada,
nos termos do n.º 4 do art. 239.º, de que o duplicado e os documentos ficavam à
sua disposição na secretaria judicial.
Isso basta para que se tenha como feita a citação.
Da certidão não consta a advertência que a solicitadora fez ao reencaminhar os
elementos ao tribunal – fls. 68 –, isto é, que alertou a Ré de que estava
citada, mas isso resulta de lhe ter sido dito que os elementos necessários se
encontravam à sua disposição no tribunal e da própria recusa, pois ninguém
recusa sem saber o que está a recusar.
A lei apenas manda que se observe, em caso de recusa, o disposto no n.º 4 do
artigo 239.º, e isso foi feito, como decorre da certidão.
Passemos, agora, à análise do cumprimento do n.º 5 do preceito.
Tem toda a razão a agravante quando afirma que é inadmissível que a secretaria
leve dois meses e meio a dar cumprimento ao disposto no n.º 5 do art. 239.º.
Efectivamente, apesar de o preceito o não fixar, o prazo para o respectivo
cumprimento não pode ser de tal modo dilatado que tome esse acto despiciendo.
O art. 241.º manda que a advertência a fazer ao citando (e aqui encontramos mais
um argumento para rebater a tese da agravante a propósito da utilização do termo
citando, já que, muito embora a lei considere a pessoa citada – art. 238.º/1 –
continua a chamar-lhe citando) mediante carta registada, se execute no prazo de
dois dias.
O n.º 5 do art. 239.º não fixa qualquer prazo para essa notificação. Quiçá
porque naqueloutro não houve contacto directo com o citando, havendo que
submeter a advertência a maior rigor, e aqui há um contacto pessoal, apenas não
totalmente concretizado por recusa do visado.
Como seja, não sofre dúvida que a notificação prevista no n.º 5 do art. 239.º
tem de ser feita com oportunidade, que o mesmo é dizer com celeridade,
naturalmente antes de se esgotar o prazo para a contestação.
No caso, a recusa ocorreu em 27.8.2005 e o cumprimento do n.º 5 do art. 239.º em
10.11.2005, portanto em tempo manifestamente inoportuno.
Todavia, essa notificação não encerra mais do que já havia sido comunicado à Ré
aquando da recusa, pelo solicitador de execução.
Como, então, tratar o incumprimento atempado da obrigação prevista na norma?
No acórdão da Relação de Coimbra de 10-01-2006 (Sousa Pinto), in www.dgsi.pt,
com que concordamos inteiramente e cujos fundamentos adoptamos, escreveu-se:
Nas situações, como a presente, em que o citando se recusa a receber os
duplicados da petição inicial, dos documentos que a acompanham e da nota de
citação e ainda a assinar a respectiva certidão, prevê a lei que o solicitador
dê conhecimento ao citando de que tais elementos ficam à sua disposição na
secretaria judicial, devendo fazer constar da certidão de citação a ocorrência
verificada (n.º 4 do art.º 239.º).
Por último, no que concerne ao formalismo de tal forma de citação, em que se
regista a recusa por parte do citando de receber os duplicados e/ou assinar a
respectiva certidão de citação, refere o n.º 5 deste art.º 239.º que “... a
secretaria notifica ainda o citando, enviando-lhe carta registada com a
indicação de que o duplicado nela se encontra à sua disposição”.
No caso em apreço comprovou-se que este formalismo não foi respeitado (alínea I)
dos factos provados), sendo certo porém que todos os procedimentos anteriores e
ora descritos o foram (vd. teor da certidão de fls. 57).
Com efeito, em 25 de Agosto de 2004, o citando foi directamente abordado pelo
solicitador da execução que lhe terá dado a conhecer que contra si e outros
impendia uma acção intentada por “B...”, a que correspondia o processo n.º
1189/04, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu e que o mesmo deveria
contestá-la no prazo de 20 dias, sob pena de, não o fazendo, tal importar a
confissão dos factos articulados pela autora. Tendo o citando recusado o
recebimento do duplicado e da nota de citação, bem como a assinatura da certidão
de citação, foi informado de que aqueles elementos ficariam à sua disposição na
secretaria judicial.
O art.º 198.º, n.º 1, refere que “... é nula a citação quando não hajam sido, na
sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei”, tal, sem prejuízo
da verificação das situações expressamente previstas no art.º 195.º, o que, no
caso, não sucede. A nossa lei de processo distingue entre os casos de falta de
citação – art.º 195.º – e os de nulidade de citação – art.º 198.º. Estes, são
desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão dum acto
prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem
o formalismo requerido – Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo
Civil, pág. 176, e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 373.
Por seu turno, o n.º 4 desse art.º 198.º refere que a arguição de uma nulidade
só será atendida “se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citando”.
Entendemos que a omissão do cumprimento do citado n.º 5 do art.º 239.º – não
notificação do citando, por carta registada, de que o duplicado da petição
inicial se encontrava à disposição deste na secretaria do tribunal – se traduz
na omissão duma formalidade prescrita na lei, logo representará nulidade da
citação, nos termos previstos no indicado art.º 198.º, n.º 1.
Com efeito, a circunstância do solicitador da execução ter feito expressa
referência ao facto do citando poder encontrar os elementos que se recusou
receber, na secretaria do tribunal, não afastava a obrigação da secretaria
proceder a tal notificação pois que a lei prevê as duas formas, cumulativas, de
dar a conhecer ao citando essa realidade.
Importará agora saber se essa omissão podia ou não prejudicar a defesa do
citado, pois que só na afirmativa tal arguição de nulidade poderá ser atendida
(n.º 4 do art.º 198.º).
Aqui a resposta será negativa.
É sabido que a citação é um acto processual essencial que visa assegurar o
direito do demandado a defender-se, de molde a evitar ser surpreendido por uma
decisão judicial não esperada, constituindo tal o corolário lógico do princípio
do contraditório (art.º 3.º, n.º 1) Cfr. Antunes Varela, ob. citada, págs.
266-267.
Mas se assim é, também não pode descurar-se que o direito de defesa do demandado
não poderá traduzir-se na adopção de comportamentos que levem a que se
inviabilize a possibilidade de realização da Justiça face à demanda apresentada
pelo Autor.
É face à ponderação desses dois valores que o legislador, pese embora admita a
existência de situações que se traduzam em nulidades da citação, ainda assim
admite que possam não ser atendidas caso a falta cometida não prejudique a
defesa do citado.
Ora, no caso em apreço, e contrariamente ao referido pelo agravante, o prazo
para o mesmo contestar a acção, contava-se a partir do dia em que foi abordado
pessoalmente pelo solicitador de execução, e em que lhe foram fornecidos
oralmente todos os elementos para que ele pudesse apresentar a sua defesa, e não
a partir da data em que receberia a carta registada notificando-o de que os
duplicados se encontravam à sua disposição na secretaria judicial.
Tal resulta da própria letra da lei, pois que no indicado n.º 5 do art.º 239.º,
apenas se refere que a carta registada se destina a dar a conhecer ao citando
que o duplicado nela (secretaria) se encontra à sua disposição. Se o legislador
pretendesse extrair outros efeitos jurídicos de tal notificação, designadamente
que o prazo se iniciaria com ela, tê-lo-ia dito por certo.
Efectivamente, noutra situação, mais gravosa para o demandado, em que a citação
não é concretizada directamente na pessoa deste, mas em terceiro, ou mesmo
apenas com a afixação na porta de nota de citação, sem a presença de ninguém
ligado à pessoa daquele, embora com a presença de duas testemunhas, que poderão
ser em absoluto estranhas à pessoa do citando (citação com hora certa – art.º
240.º), a lei ainda assim considera que o início do prazo para a contestação
ocorre no dia designado para a sua concretização, prevendo apenas que a tal
prazo acresça uma dilação de cinco dias (art.º 252.º-A, n.º 1, al. a)).
E compreende-se que assim seja, pois que de outro modo estar-se-ia a atribuir um
prazo mais dilatado a alguém que pelo simples facto de se recusar a receber os
duplicados ou a assinar a certidão, só veria o seu prazo para contestar a acção
iniciar-se após ter recebido a carta a indicar-lhe que os duplicados se
encontravam na secretaria judicial, descriminando-se assim aquele outro citando
que, cumprindo o seu dever cívico de assinar a respectiva certidão e receber os
duplicados, veria o seu prazo iniciar-se desde logo com essa assinatura. Seria
compensar aqueles que de certa forma se colocam em posição de não cooperar com a
Justiça.
Ora, entendendo-se como se entende que o início do prazo para a contestação
ocorre a partir da data em que o citando foi abordado pelo solicitador de
execução, tendo este informado devidamente aquele da existência de acção contra
si e referindo-lhe onde a mesma se encontrava a correr termos e o prazo que lhe
era dado para contestá-la, não se vislumbra em que medida é que a defesa do
Réu/agravante saiu prejudicada pelo facto de não ter recebido a carta registada
informando-o de que os duplicados se encontravam na secretaria à sua disposição.
Com efeito, o conteúdo da notificação referida no art.º 239.º, n.º 5, não colide
com o direito de defesa do agravante, tanto mais que a informação que iria ser
prestada através da indicada notificação por carta, já o fora antes, por forma
oral e directa, por parte do solicitador de execução ao ora recorrente.
Como refere Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, pág.
341, em anotação a este n.º 4 do art.º 198.º, a exigência de que a falta seja
susceptível de prejudicar a defesa do citado constitui a garantia de o regime
instituído ser utilizado apenas para realizar o seu objectivo, isto é, evitar a
restrição ou supressão prática do direito de defesa e não para finalidades
puramente formais ou dilatórias.
Do que se deixa dito há pois que concluir que a arguida nulidade não pode ser
atendida, por se entender que a omissão verificada não prejudicou a defesa do
citado.
No caso vertente esta evidência torna-se ainda mais nítida, se nos não
esquecermos de que a Ré e o marido, há muito citado, vivem na mesma casa, em
aparente economia comum.
Defende a agravante que a posição tomada é um atentado contra as garantias de
defesa.
Não vemos que assim seja. A citada recusou-se a assinar a certidão de citação e
a receber o duplicado. Fê-lo em liberdade, sem qualquer justificação, apenas
porque lhe não apeteceu, optando por obstaculizar ao cumprimento de um dever por
parte da solicitadora de execução, e por incumprir uma obrigação cívica que
impendia sobre si própria. No entanto, fez-se-lhe saber onde se podia dirigir
para receber esses elementos. Só foi levantar a cópia da p.i. em 14.11.2005
porque quis, já que o cumprimento do n.º 5 do art. 239.º em 10.11.2005 nada
adiantou ao que já sabia.
Por isso, não foi denegada qualquer garantia de defesa ou do contraditório.
Finalmente, suscita a agravante a inconstitucionalidade da interpretação feita
dos n.ºs 4 e 5 do art. 239.º.
Quer-nos parecer que é a única que pondera as responsabilidades de ambas as
partes perante o processo.
Há que não esquecer que o princípio da cooperação se impõe às próprias partes,
que devem concorrer para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição
do litígio – art. 266.º/1 do CPC.
Não se vê como a pessoa a quem se dirige pessoalmente um solicitador de execução
e que se recusa a assinar a certidão e a receber o duplicado ainda pode
argumentar que lhe cerceiam direitos e que a interpretação dada às normas
aplicáveis é inconstitucional.
Entendemos, assim, que não ocorre qualquer inconstitucionalidade na
interpretação veiculada no despacho […]”.
2.
Inconformados, B. e C., recorrem para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade “das normas
constantes do nº 4 e do nº 5 do art. 239º do Código de Processo Civil, na
interpretação segundo a qual, no caso da citação por contacto pessoal do
solicitador de execução, o réu ficar citado quando se recusa a assinar a
certidão ou a receber o duplicado e não apenas a partir do momento em que recebe
da secretaria judicial a comunicação prescrita naquele nº 5”.
Acrescentam que “tais normas, nessa interpretação adoptada pelo Tribunal da
Relação do Porto, violam o princípio do contraditório e o princípio da proibição
da indefesa ínsitos no direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado
no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, porquanto a interpretação
adoptada condiciona e restringe de forma grave e intolerável o efectivo direito
de defesa”.
Concluíram a sua alegação nos seguintes termos:
“ (…)
1. No caso da citação por contacto pessoal por solicitador de execução, nos
termos do art. 239º do CPC, ocorrendo a recusa prevista no nº 4, nem por isso o
réu (que a lei designa apenas por citando) se considera citado.
2. Tal citação só se concretizará quando a secretaria judicial dirigir ao réu
(que a lei continua a designar por citando) a comunicação prescrita no nº 5 do
mesmo artigo.
3. A partir desse momento, o réu passa de citando a citado e começa a correr o
prazo para contestar.
4. Enquanto essa comunicação não se fizer, o réu não está nem deve considerar-se
citado.
5. É inaceitável que a secretaria demore cerca de dois meses e meio a cumprir o
n.º 5 do art. 239.º do CPC e que, tendo-o feito, abra conclusão logo quatro dias
depois, induzindo a ideia de que se mostra esgotado o prazo da contestação.
6. Tal actuação da secretaria, seja o cumprimento muito tardio do nº 5 do art.
239.º do CPC, seja a abertura da conclusão para sentença, sem estar esgotado o
prazo da contestação, configuram irregularidades passíveis de influírem, como
influíram, na decisão da causa, sendo fonte de nulidade, a qual invocada logo
que dela houve percepção, o que aconteceu quando foi notificada a sentença,
proferida no pressuposto de que os Recorrentes não tinham contestado a acção.
7. Não é aceitável uma solução que sancione erros ou omissões da secretaria
judicial, mais a mais quando daí decorre uma imediata e irreversível situação de
indefesa para a parte, por não ficar assegurado um efectivo contraditório.
8. Não está certificado nos autos que a Recorrente mulher foi advertida de que a
recusa prevista no n.º 4 o art. 239.º do CPC implicava que ficasse logo citada.
9. Sobre este ponto, apenas está certificado nos autos o que consta de fls. 70,
cujo teor é inequívoco no sentido de que a Recorrente mulher não foi advertida
que deveria considerar-se citada desde o momento do contacto pessoal da
Solicitadora de Execução.
10. O caso dos autos não é equiparável à situação prevista no art. 241.º do CPC,
pois aí é a própria a lei dizer expressamente que há citação, tal como diz no
caso do nº 3 do art. 237º-A do CPC, cujo regime também não é aplicável ao caso
dos autos.
11. Até à vigência do DL n.º 38/2003, que deu a actual redacção ao art. 239º do
CPC, a referida recusa, quando o contacto pessoal era feito por funcionário
judicial, implicava que o recusante ficasse logo citado.
12. No entanto, a evolução legislativa revela que o legislador pretendeu
afastar-se dessa solução, quando o contacto pessoal é feito por solicitador de
execução, como denota a expressão citando usada nos nºs. 4 e 5 do actual art.
239.º do CPC, enquanto anteriormente nos correspondentes nºs. 2 e 3 a expressão
usada era citado.
13. A solução adoptada na decisão recorrida, ao confirmar o decidido em
instância, sancionou uma conduta errada da secretaria judicial e atenta
gravemente contra as garantias de defesa e contraditório.
14. Há inconstitucionalidade, por violação do princípio do contraditório e do
princípio da proibição da indefesa ínsitos no direito de acesso ao direito e aos
tribunais consagrado no art. 20.º da CRP, das normas dos nºs. 4 e nº 5 do art.
239.º do CPC, na interpretação adoptada, segundo a qual, no caso da citação por
contacto pessoal do solicitador de execução, o réu fica citado quando se recusa
a assinar a certidão ou a receber o duplicado, e não apenas a partir do momento
que recebe a comunicação prescrita naquele nº 5.
15. Deve ser revogado a douto acórdão recorrido, que deve ser substituído por
decisão que reconheça a tempestividade da contestação apresentada nos autos, com
todas as inerentes e sequências, aí se incluindo a revogação da sentença que, em
1.ª instância, julgou procedente a acção, com fundamento na falta de contestação
(…)”.
A recorrida, A., apresentou a sua contra-alegação, cumprindo agora decidir.
II.
Fundamentação
3.
No presente recurso discute-se a questão de saber se é
inconstitucional, por violação do princípio do contraditório e do princípio da
proibição da indefesa ínsitos no direito de acesso ao direito e aos tribunais
consagrado no artigo 20º da Constituição, a norma retirada dos nº 4 e 5 do
artigo 239º do Código de Processo Civil, no sentido de considerar citado o réu –
no caso da citação por contacto pessoal do solicitador de execução – no momento
em que ele se recusa a assinar a certidão e a receber o duplicado da petição
inicial, e não apenas a partir do momento em que a secretaria judicial o
notifica de que o duplicado que recusou aí se encontra à sua disposição.
O citado preceito do Código de Processo Civil apresenta, no que
agora importa, a seguinte redacção:
Artigo 239.º
Citação por solicitador de execução
ou funcionário judicial
1. Frustrando-se a via postal, a citação é efectuada mediante contacto do
solicitador de execução com o citando.
2. Os elementos a comunicar ao citando, nos termos do artigo 235.º, são
especificados pelo próprio solicitador, que elabora nota com essas indicações
para ser entregue ao citando.
3. No acto da citação, o solicitador entrega ao citando a nota referida no
número anterior, bem como o duplicado da petição inicial, recebido da secretaria
e por esta carimbado, e a cópia dos documentos que a acompanhem, e lavra
certidão, que o citado assina.
4. Recusando-se o citando a assinar a certidão ou a receber o duplicado, o
solicitador dá-lhe conhecimento de que o mesmo fica à sua disposição na
secretaria judicial, mencionando tais ocorrências na certidão do acto.
5. No caso previsto no número anterior, a secretaria notifica ainda o citando,
enviando-lhe a carta registada com a indicação de que o duplicado nela se
encontra à sua disposição.
6. [...]”
A redacção do preceito resulta da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º
38/2003 de 8 de Março. Visou-se, neste diploma, instituir em termos inovatórios,
conforme nota Carlos Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. I, Almedina, 2ª edição, pg. 228), a citação mediante contacto pessoal do
solicitador de execução, solução que passa a ser a forma normal da 'consumação
da citação' sempre que se tiver frustrado a via postal registada, como, no caso,
aconteceu. Na verdade, esclarece o mesmo Autor, a citação por funcionário
judicial passará a ser 'meramente subsidiária e residual', só tendo lugar em
duas situações: quando não houver solicitador de execução inscrito no círculo
judicial, ou quando o autor tenha declarado, na petição inicial, que a pretende.
Transferiram-se, assim, para o solicitador de execução as competências cometidas
ao funcionário de justiça na execução dessa tarefa, designadamente – conforme
prevê o n.º 2 do aludido artigo 239º, com referência ao artigo 235º –, quanto à
elaboração da nota de citação, quanto à entrega do duplicado da petição inicial
e da cópia dos documentos que a acompanham, quanto à advertência de que o
citando 'fica citado para a acção a que o duplicado se refere', com
identificação do 'tribunal, juízo, vara e secção por onde corre o processo, se
já tiver havido distribuição'(artigo 235º n.º 1), e com indicação do 'prazo
dentro do qual pode oferecer a defesa, [...] e as cominações em que incorre no
caso de revelia' (artigo 235º n.º 2). Tais são os elementos que deve conter a
nota que o solicitador de execução elabora 'para ser entregue ao citando'.
Conforme revela o citado Autor (ob. cit. pg. 212), o legislador procurou desta
forma assegurar a indispensável e necessária “eficácia na feitura das citações”,
em observância de princípios relacionados com a celeridade processual e a
realização da justiça em tempo útil.
O preceito exige ainda que, para além da advertência que deve ser imediatamente
feita pelo solicitador de execução, se o citando se recusar a receber o
duplicado ou a assinar a certidão da citação, o tribunal o notifique, por carta
registada, de que o duplicado está à sua disposição na secretaria judicial.
Ora, é precisamente o funcionamento concreto desta obrigação, imposta aos
serviços de secretaria do tribunal onde corre o processo, que motiva a questão
de inconstitucionalidade que constitui objecto do recurso; na verdade, mostra-se
comprovado que a secretaria fez expedir a carta em 10 de Novembro de 2005,
apesar de o contacto com o solicitador de execução ter ocorrido em 27 de Agosto
do mesmo ano. Sustentam os recorrentes que a solução adoptada na decisão
recorrida, considerando executada a citação na data em que a citanda foi
contactada pelo solicitador de execução, e não na data em que recebeu a
notificação da secretaria, sancionou uma conduta errada 'que atenta gravemente
contra as garantias de defesa e contraditório'. Seria, então, inconstitucional,
'por violação do princípio do contraditório e do princípio da proibição da
indefesa ínsitos no direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no
artigo 20.º da Constituição, a interpretação adoptada das normas dos nºs. 4 e 5
do artigo 239.º do Código de Processo Civil segundo a qual, no caso da citação
por contacto pessoal do solicitador de execução, o réu fica citado quando se
recusa a assinar a certidão ou a receber o duplicado, e não apenas a partir do
momento que recebe a comunicação prescrita naquele nº 5.'
Cumpre desde já reconhecer que a tese dos recorrentes se fundamenta
essencialmente em considerações relativas à correcta interpretação do direito
ordinário.
Só assim se compreendem as desnecessárias referências à 'actuação da
secretaria', que, no entender dos recorrentes, configuraria uma irregularidade
passível de influir na decisão da causa e fonte de nulidade processual, e à
acusação de que a decisão recorrida teria aprovado 'erros ou omissões da
secretaria judicial', determinantes da 'imediata e irreversível situação de
indefesa para a parte, por não ficar assegurado um efectivo contraditório'. São
de entender da mesma forma as referências feitas nas conclusões 8. e 9. da
alegação a pretensas irregularidades processuais também ocorridas na execução da
diligência.
Na verdade, tal alegação aproxima o objecto do recurso do julgamento efectuado,
em vez de o focar na norma, alegadamente inconstitucional, nele aplicada.
Cumpre, no entanto, esclarecer que não compete ao Tribunal Constitucional
sindicar as decisões dos tribunais em si mesmo consideradas, não lhe cabendo,
por isso, averiguar se a norma questionada foi correctamente aplicada pelo
tribunal recorrido, ou se ocorreram 'erros ou omissões' da secretaria judicial
ou outras irregularidades na execução da citação, matéria dependente da
averiguação e valoração de factos integrada na típica função jurisdicional cuja
sindicância está excluída da competência do Tribunal Constitucional; ao Tribunal
compete apenas averiguar se a norma efectivamente aplicada na decisão recorrida,
questionada no recurso, ofende a Constituição.
Aliás, a errada colocação da questão de inconstitucionalidade que constitui
objecto do presente recurso explica a deficiente alegação de
inconstitucionalidade da norma. É que, para sustentar a ocorrência de uma
solução normativa 'que atenta gravemente contra as garantias de defesa e
contraditório' não basta invocar a verificação de um pretenso erro de julgamento
cometido no tribunal recorrido para, a partir daí, construir a tese da
desconformidade constitucional da norma; não pode, em suma, partir-se de um
postulado lógico que inclua a consequência constitucionalmente proibida, para se
chegar a um julgamento de desconformidade constitucional da norma impugnada.
Posto isto, vejamos.
4.
Recorde-se que a norma impugnada – norma que os recorrentes enunciaram como
objecto do presente recurso – é a retirada dos nº 4 e 5 do artigo 239º do Código
de Processo Civil no sentido de considerar citado o réu, no caso da citação por
contacto pessoal do solicitador de execução, no momento em que ele se recusa a
assinar a certidão e a receber o duplicado da petição inicial, e não apenas a
partir do momento em que a secretaria judicial o notifica de que o duplicado que
recusou aí se encontra à sua disposição.
O Tribunal tem entendido o contraditório, exigido no artigo 20º da Constituição,
essencialmente como o direito de ser ouvido em juízo, do qual retira uma
genérica proibição de indefesa, isto é, a proibição da limitação intolerável do
direito de defesa do cidadão perante o tribunal onde se discutem questões que
lhe dizem respeito.
Conforme se diz, por exemplo, no Acórdão 473/94 (os acórdãos do Tribunal podem
ser consultados em http://www.tribunalconstitucional.pt):
2 - A Constituição acolhe e define no artigo 2º o princípio do Estado de direito
democrático, individualizando depois no artigo 20º, nº 1, como um dos seus
subprincípios concretizadores, o direito de acesso aos tribunais.
Este direito inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, o direito de
acção, isto é, o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao
conhecimento de um órgão jurisdicional, solicitando a abertura de um processo
com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão de sobre ela se
pronunciar mediante decisão fundamentada.
Mas, para além do direito de acção, que se materializa através do processo,
compreendem-se, no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: (a) o direito
a prazos razoáveis de acção ou de recurso; (b) o direito a uma decisão judicial
sem dilações indevidas; (c) o direito a um processo justo baseado nos princípios
da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser
aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; (d) o direito a um
processo de execução, ou seja, o direito a que, através do órgão jurisdicional
se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença
proferida pelo tribunal.
Há-de ainda assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual 'a
proibição da `indefesa' que consiste na privação ou limitação do direito de
defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem
questões que lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial
efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á
sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais
de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de
alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses' (cfr. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed.,
Coimbra, 1993, pp. 163 e 164 e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pp.
82 e 83).
Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do
Tribunal Constitucional, caracterizando o acórdão nº 86/88, Diário da República,
II série, de 22 de Agosto de 1988, o direito de acesso aos tribunais como sendo
'entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve
chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e
independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das
regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas
razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do
adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cfr. Manuel
de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 364)'.
A citação – “acto processual essencial que visa assegurar o direito do
demandado a defender-se, de molde a evitar ser surpreendido por uma decisão
judicial não esperada, constituindo tal o corolário lógico do princípio do
contraditório” (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 266) –
inscreve-se neste domínio, visa concretizar a possibilidade de o particular
exercer o seu direito de alegar perante o tribunal, evitando a ocorrência de
prejuízos efectivos para os seus interesses. Traduz-se essencialmente na
comunicação ao interessado de que corre contra ele um processo num determinado
tribunal, e na informação sobre os meios que pode usar em sua defesa. Trata-se,
na verdade, de uma diligência imposta pela garantia do correcto funcionamento
das regras do contraditório, consagrado no artigo 20.º da Constituição.
Tal como se assevera no Acórdão n.º 330/2001, retomando a orientação firmada nos
Acórdãos n.º 358/98 e n.º 249/97:
«[...] o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim,
de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem
de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal,
em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as
partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa,
essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de
acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, que
prescreve que “a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos”.
A ideia de que, no Estado de Direito, a resolução judicial dos litígios tem que
fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o
Tribunal a tinha posto em relevo no acórdão n.º 404/87 (publicado nos Acórdãos
do Tribunal Constitucional, volume 10º, páginas 391 e seguintes). E, no acórdão
n.º 62/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 18º,
páginas 153 e seguintes) sublinhou-se que o princípio da igualdade das partes e
o princípio do contraditório “possuem dignidade constitucional, por derivarem,
em última instância, do princípio do Estado de Direito”.[...]»
Na concreta modelação do processo, o legislador tem, naturalmente, uma ampla
margem de liberdade na construção das soluções que adopta, estando, todavia,
constitucionalmente vinculado a garantir o tal direito a ser ouvido perante o
tribunal onde se discutem questões que lhe dizem respeito. Ora, deve
reconhecer-se que a norma em causa não afecta este direito, antes garante ao
interessado o acervo de informação que é essencial ao exercício da oportunidade
processual de 'ser ouvido' perante o tribunal. Na verdade, a norma impõe que no
contacto ocorrido com o citando, o solicitador de execução lhe transmita
pessoalmente a identificação do tribunal onde corre o processo, o prazo dentro
do qual pode oferecer a defesa, as cominações em que incorre no caso de revelia,
e lhe entregue o duplicado da petição e cópia dos documentos que a acompanham;
para além disso, a norma impõe que o solicitador comunique ao interessado 'que
fica citado para a acção'.
É certo que o interessado, no exercício da liberdade de condução da sua vida e
dos seus negócios, pode desprezar tal oportunidade; mas a verdade é que, como se
viu, o solicitador de execução transmite todas as informações essenciais ao
exercício do contraditório, nada mais sendo acrescentado com a notificação
postal da secretaria judicial.
Por isso, não se afigura desrazoável que a norma assuma que o citando, a quem
pessoalmente se dirige o solicitador de execução, mas que se recusa a assinar a
certidão e a receber o duplicado está, ainda assim, em condições de poder
exercer eficazmente a sua defesa.
Não se afigura, nestes termos, constitucionalmente censurável a
interpretação adoptada que considera no caso da citação por contacto pessoal do
solicitador de execução, o réu ficar citado quando se recusa a assinar a
certidão ou a receber o duplicado, e não apenas a partir do momento que recebe a
comunicação prescrita naquele nº 5, não havendo, pois, pelos fundamentos
expostos, violação da Constituição, designadamente do disposto no n.º 1 do seu
artigo 20.º.
III.
Decisão
5.
Em consequência, o Tribunal Constitucional decide negar provimento
ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 1 de Julho de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos