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Processo n.º 302/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu
não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante do
acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de Janeiro de 2008.
2 – O reclamante contesta a decisão sumária com base nas razões que
condensou nas seguintes proposições do seu discurso argumentativo:
«a) Com a devida vénia, contrariamente à douta decisão sumária aqui em apreço, a
ratio decidendi do concretamente decidido é, efectivamente, a inconstitucional
interpretação normativa dada pelo tribunal recorrido ao artigo único do
Decreto-Lei nº 220/91, de 17 de Julho, cuja constitucionalidade é aqui
questionada pelo recorrente.
b) Tal como resulta do requerimento de interposição, a norma cuja
inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie consta do artigo único
do Decreto-Lei n°220/91, de 17 de Julho, na interpretação que lhe foi dada pela
sentença do Tribunal “a quo” e confirmada pelo Tribunal “ad quem”, que, (1)
recusando-se a reconhecer eficácia retroactiva da revogação anulatória prevista
naquela norma, (2) aplicou a chamada “teoria da indemnização” (segundo a qual um
funcionário ilegalmente afastado tem direito a uma indemnização, com base em
acto ilícito praticado, mas a exercer através da competente acção, onde tem de
provar o ilícito e os danos sofridos).
c) Ao contrário da interpretação normativa dada pelo tribunal recorrido, deve
ser desde logo reconhecido pelo Tribunal Constitucional que o Decreto-Lei nº
220/91, de 17 de Julho operou, já, a revogação anulatória de todas as normas e
medidas de natureza administrativa de afastamento compulsivo “por motivos de
natureza ideológica” - como o acto do MEIC de 1975 que atingiu o recorrente —
com fundamento na inconstitucionalidade das mesmas.
d) Esta é, tipicamente, uma questão de interpretação conforme à Constituição, da
competência do Tribunal Constitucional, nos termos na alínea b) do nº 1 do
artigo 70° da LTC, com importantes reflexos na decisão dos autos
e) É que, uma vez reconhecida a eficácia retroactiva daquela revogação
anulatória, daí decorre, directamente, que deveria ter sido anulado o acto
impugnado do Reitor da Universidade de Lisboa, de 15/10/1998, que, recusando-se
a reconhecer a eficácia retroactiva daquela revogação, indeferiu o requerimento
do recorrente no sentido de lhe serem pagas as remunerações que deixou de
receber durante o tempo em que esteve ilegalmente afastado do serviço, mas que
teria recebido se não fosse a inconstitucional demissão, acrescida de juros
moratórios e demais consequências legais (segundo a chamada “teoria do
vencimento”).
f) Esta consequência é, não simples construção doutrinária ou jurisprudencial,
mas imposição directa do Decreto-Lei nº 220/91, de 17 de Julho, na única
interpretação possível conforme à Constituição, como corolário do princípio da
legalidade (reconstituição da situação actual hipotética), o princípio da tutela
jurisdicional efectiva, o direito fundamental à reparação, e o princípio da
proporcionalidade, postulado pelo princípio do Estado de Direito democrático
(artigos 2°, 18°, nº 2, 20°, nºs 1 e 5, 22° e 268°, nº 4 da Constituição da
República).
g) À luz do Estado de Direito democrático, é inconstitucional a interpretação do
Decreto-Lei nº 220/91, de 17 de Julho, segundo a qual o funcionário público
demitido “por motivos ideológicos” não tem direito, independentemente de
quaisquer considerações relativas ao dano efectivo, às remunerações intercalares
que teria auferido se não fosse a demissão com esse fundamento inconstitucional,
violador de direitos fundamentais.
h) Sucede que, em face da interpretação tão clara e categórica do acórdão
recorrido, de que o Decreto-Lei nº 220/91 não tem por fundamento a
inconstitucionalidade da demissão, e que, ainda que fosse inconstitucional a
demissão do recorrente das funções docentes que exercia, este apenas teria
direito a uma indemnização mediante alegação e prova dos prejuízos sofridos, a
exercer através da respectiva acção de indemnização, nos termos do Decreto-Lei
nº 48051, de 21/11/67, temos que o acórdão recorrido vem claramente recusar -se
a reconhecer eficácia retroactiva da revogação anulatória prevista no
Decreto-Lei n°220/91 e, assim, negar o direito do recorrente a receber
integralmente, independentemente de quaisquer considerações relativas ao dano
efectivo, as remunerações intercalares que teria auferido se não fosse
inconstitucionalmente afastado, acrescidas de juros moratórios.
i) Em face da ratio decidendi do acórdão recorrido, é inegável que a decisão da
questão de constitucionalidade suscitada tem importantes reflexos no desfecho do
presente processo, estando assim preenchido o requisito do recurso de
constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 700 da LTC.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser julgada procedente
a presente reclamação e, consequentemente, ser o recurso admitido e o recorrente
notificado para alegações, prosseguindo os autos até uma decisão final que
conheça do seu mérito.».
3 – A entidade recorrida não respondeu.
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul, de 10 de Janeiro de 2008, dizendo no respectivo requerimento
de interposição:
«[…]
A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie consta do
artigo único do Decreto-Lei n°220/91, de 17 de Julho, na interpretação que lhe
foi dada pela sentença do Tribunal “a quo” e confirmada pelo Tribunal “ad quem”,
que, recusando-se a reconhecer eficácia retroactiva da revogação prevista
naquela norma, aplicou a chamada “teoria da indemnização” (segundo a qual um
funcionário ilegalmente afastado tem direito a uma indemnização, com base em
acto ilícito praticado, mas a exercer através da competente acção, onde tem de
provar os danos sofridos).
Além de ilegal (art. 145°, nº 2, do CPA), esta interpretação do artigo único do
Decreto-Lei nº 220/91, de 17 de Julho, é inconstitucional quando aplicada à
específica situação dos autos, relativamente a funcionário público
compulsoriamente afastado do seu cargo de professor auxiliar da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, por despacho do Ministro da Educação e
Investigação Científica de 04/10/1975, despacho esse proferido com fundamento
“em comprometimento com o regime anterior, tendo ocupado o cargo de Secretário
de Estado”.
Com efeito, tal despacho constitui um acto juridicamente inexistente ou
absolutamente nulo, viciado de inconstitucionalidade por ofensa de direitos
fundamentais (art. 133°, nº 1, alínea d), do CPA), por infringir não só o núcleo
essencial do direito fundamental à igualdade na aplicação da lei, mas, também,
do mesmo passo, os direitos fundamentais da liberdade de consciência e ensino,
da igualdade e liberdade no acesso a cargos públicos, da segurança no emprego e
do direito ao trabalho, reconhecidos não só na Constituição da República (arts.
1°, 9°, 12°, 13°, 18°, 26°, 41°, 43°, 50°, 53°, 58° e 269°, nº 3), como também
na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 (arts.
1°, 2°, 3°, 7°, 11°, 12°, 18°, 19°, 21° e 23°), e na Constituição de 33 (arts.
5°, § 2 e 115°).
Contrariamente ao acórdão recorrido, a chamada “teoria do vencimento” (segundo a
qual um funcionário ilegalmente afastado tem direito às remunerações
correspondentes ao período de afastamento do serviço) é a única que oferece uma
solução lógica e juridicamente compatível com os princípios do Estado de Direito
(formalmente enunciado no art. 2° da Constituição da República) em matéria de
actos administrativos juridicamente inexistentes ou absolutamente nulos,
viciados de inconstitucionalidade por ofensa de direitos fundamentais, conforme
oportunamente se pretende demonstrar nas alegações.
A inconstitucionalidade suscitada foi arguida nas alegações de recurso para o
Tribunal Central Administrativo Sul, ora tribunal recorrido, designadamente nas
alíneas h) a 1) das respectivas conclusões, a fls….
Por não ter decidido conforme as referidas conclusões das alegações,
considera-se que o acórdão recorrido violou os arts. 2°, 3° nºs 2 e 3, 90º,
alínea b), 13°, 16°, 18°, nºs 1 e 3, 200º, nºs 1 e 5, 22°, 202°, n°2, 204°,
266°, nºs 1 e 2, e 268°, nºs 4 e 5, da Constituição, sem prejuízo de outras
normas ou princípios constitucionais ou legais, oficiosamente cognoscíveis pelo
Tribunal Constitucional nos termos do art. 79°-C Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual versão.
Finalmente, nos termos do nº 2 do art. 134° do CPA, onde se estabelece que a
nulidade dos actos administrativos é invocável e pode ser declarada a todo o
tempo por qualquer tribunal, não pode deixar de ser apreciada pelo Tribunal
Constitucional – ainda que incidentalmente –, a questão logicamente antecedente
relativa à inexistência ou nulidade absoluta apontadas ao despacho do Ministro
da Educação e Investigação Científica de 04/10/1975 (cf. conclusões a) a g) das
alegações de recurso), que está na origem do caso dos autos, para se concluir
pela inconstitucionalidade da norma invocada, com o sentido em que ela foi
interpretada e aplicada no caso concreto, por parte da decisão recorrida, em
matéria de actos administrativos juridicamente inexistentes ou absolutamente
nulos, viciados de inconstitucionalidade por ofensa de direitos fundamentais.
Face ao acima exposto, por ser legal, tempestivo e interposto por parte
legítima, deve ser admitido o recurso nos termos e com os efeitos requeridos».
2 – A decisão recorrida negou provimento ao recurso jurisdicional
interposto pelo recorrente de sentença proferida pelo então Tribunal
Administrativo do Círculo de Lisboa, que, por seu lado negara provimento ao
recurso contencioso interposto pelo mesmo recorrente contra acto de
indeferimento de pedido por ele formulado proferido pelo Reitor da Universidade
de Lisboa, estribando-se nos seguintes fundamentos de direito:
«3. O Direito.
Antes de mais, há que tomar posição sobre a nulidade assacada à sentença sob
recurso.
Na óptica do recorrente, a decisão enferma de omissão da pronúncia (cominada de
nulidade por força do artigo 668º nº 1, alínea d), do CPC) por não ter conhecido
da totalidade dos factos que suportam os vícios integrados na causa de pedir;
não apreciou a questão da nulidade ou até inexistência do despacho do Ministro
da Educação e Investigação Científica (MEIC) de 4/10/75, que rescindira o
contrato do recorrente como Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa (FDUL); a sua desconformidade com as normas da actual
CRP, como também do artigo 5º § 2º da Constituição de 1933, e artigos 1º, 2º,
3º, 7º, 11º, 12º, 18º, 19º, 21º e 23º da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, de 10/12/48.
Ora, como vem relatado, vem pedida a anulação contenciosa do despacho do Reitor
da Universidade de Lisboa (UL) de 28/10/98, que indeferira o requerimento do
Prof. Doutor A. no sentido de lhe serem reconhecidos e pagos todos os seus
direitos patrimoniais não recebidos entre 1975 e 1992.
Por isso, à sentença cumpria apenas apreciar a validade ou invalidade do acto
recorrido em face dos seus fundamentos e não de quaisquer outros, que o seu
destinatário ou o próprio Tribunal divise.
Como se defende no despacho de sustentação, citando o Ac. do TCA de 28/5/98
(Rec. nº 737/98), “o objecto do recurso contencioso é o acto tal e qual foi
proferido, e não o acto que, propiciado embora pelas circunstâncias, não atingiu
a dignidade da existência. É claro que a sentença que decide o recurso
contencioso não tem que se pronunciar sobre o acto hipotético que poderia estar
na vez do praticado.”
Cumpre recordar que, como refere o recorrente, o questionado despacho do Reitor
da UL indeferiu a sua pretensão com o fundamento de que a revogação operada pelo
DL nº 220/91, de 17/7, não tinha efeitos retroactivos (e apenas subsidiariamente
de que nunca lhe assistira o direito à retribuição pelo trabalho prestado, pois
esteve afastado de funções, não prestando serviço), pelo que no recurso
contencioso apenas podia ter sido impugnada esta causa de pedir, a conhecer na
sentença respectiva.
Podemos assim concluir que este recurso contencioso não podia ultrapassar os
limites desse despacho indeferidor do Reitor da UL e suas motivações, não
havendo que apreciar na sentença (como pretende o ilustre recorrente) a nulidade
ou até inexistência do despacho do MEIC de 4/10/75, rescindindo arbitrariamente
o seu contrato como Professor Auxiliar da FDUL, por violação do princípio das
igualdade configurando acto criminoso, razão porque aquela mesma sentença não
padece do invocado vício de omissão de pronúncia.
Motivo porque vai indeferida a arguição da nulidade, e julgadas improcedentes as
conclusões a) a g) do recurso.
4. De acordo com o Prof. Doutor A., deveria a sentença recorrida ter reconhecido
que o DL nº 220/91, de 17/7, operara a revogação anulatória de todos os recursos
e medidas administrativas propiciadores do seu afastamento compulsivo da função
pública por motivos de natureza ideológica, como a que o atingiu em 1974, com
fundamento na sua inconstitucionalidade.
Mas, como se diz na sentença e aqui se confirma, não parece legítimo
particularizar situações concretas, uma vez que o diploma em questão não
distinguiu se as mesmas se reportam a actos administrativos nulos, anuláveis ou
até válidos, por conformes às normas legais ao tempo aplicáveis.
E, não tendo o legislador referido expressamente a produção de efeitos
retroactivos ao diploma, terá pretendido esses efeitos apenas ex nunc.
Partindo do princípio de que foi ilegal o afastamento do recorrente das funções
docentes que exercia, há que apreciar os danos que tal ilegalidade lhe teria
causado, quer ao nível pessoal, quer ao profissional de elevadíssima craveira.
Esses prejuízos, contudo, só poderão ser apreciados devidamente na respectiva
acção de indemnização, nos termos do DL nº 48051, de 21/11/67, perante os dados
de facto que forem colocados à disposição do julgador, respeitando-se
naturalmente as regras do contraditório.
Não tendo o recorrente exercido de facto funções docentes na FDUL no período
reportado nos autos, há que presumir ter sofrido prejuízo material por não ter
percebido os respectivos vencimentos.
Esse prejuízo, contudo, terá que ser confrontado com o valioso currículo
científico do Prof. Doutor A., evidenciado a fls. 46 dos autos (inclusivamente
nos anos posteriores a 1974), em parecer favorável à sua nomeação como Professor
Associado da FDUL, nos termos do artigo 88º nº 1, alínea c), do Estatuto da
Carreira Docente Universitária ao tempo vigente.
Isto significa que, ao contrário do pretendido pelo recorrente, a sentença não
estava em condições de declarar a inconstitucionalidade de todas as normas e
medidas administrativas revogadas pelo DL nº 220/91, nem a desse próprio diploma
legal, nem cometeu qualquer erro de julgamento ao manter o impugnado despacho do
Reitor da UL, por não dispor de elementos bastantes para decidir de modo
diverso.
Mostrando-se, pois, improcedentes as demais conclusões do recurso, terá este que
improceder também».
3 – Nas alegações apresentadas naquele recurso jurisdicional, o
recorrente concluiu do seguinte jeito o seu discurso argumentativo:
«a) Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida é parcialmente nula e
assenta numa deficiente interpretação e aplicação da lei, traduzindo-se, por
conseguinte, numa decisão ilegal;
b) No caso vertente a causa de pedir é complexa, pois não obstante o acto
recorrido (que é um acto de recusa de execução), facto essencial que serve de
fundamento à pretensão do RECORRENTE é o afastamento compulsório emergente da
rescisão do seu contrato como professor auxiliar da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, por despacho do Ministro da Educação e Investigação
Científica de 4 de Outubro de 1975, com fundamento “em comprometimento com o
regime anterior, tendo ocupado o cargo de Secretário de Estado”;
c) De acordo com a lei processual, compete ao tribunal pronunciar-se sempre
sobre o pedido com referência à causa de pedir, em todas as vertentes que esta
possa revestir, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia (art. 668º, nº 1
alínea d) do CPC), pois que só assim se podem delimitar os efeitos de caso
julgado;
d) Há, assim, omissão de pronúncia porquanto a douta sentença recorrida não
conheceu da totalidade dos factos que suportam os vícios integrados na causa de
pedir e que servem de fundamento à pretensão do recorrente;
e) Há também omissão de pronúncia na medida em que essa sentença deixou de
apreciar a questão da nulidade ou, até, da inexistência daquele despacho, a qual
foi suscitada pelo Recorrente e, ademais, é de conhecimento oficioso, atentos os
vícios que lhe são imputados;
f) A resposta a estas questões é imprescindível para o correcto julgamento do
recurso contencioso, dado ser constituído por factos e actos inter-conexionados
que se sucedem no tempo;
g) Assim, na solução dada ao julgamento da causa, não poderia ter deixado de se
conhecer, julgar e declarar a nulidade ou, até, a inexistência jurídica do
despacho do Ministro da Educação e Investigação Científica de 4 de Outubro de
1975, que rescindiu o contrato do recorrente como Professor Auxiliar da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa com fundamento 'em
comprometimento com o regime anterior, tendo ocupado o cargo de Secretário de
Estado'. Por: violação não só do núcleo essencial do direito fundamental à
igualdade na aplicação da lei, mas, também, do mesmo passo, dos direitos
fundamentais da liberdade de consciência e ensino, da igualdade e liberdade no
acesso a cargos públicos, da segurança no emprego e do direito ao trabalho,
reconhecidos não só na actual Constituição da República Portuguesa (artigos nºs
1°, 9°, 12°, 13°, 18°, 26°, 41°, 43°, 50°, 53° e 58°), como também no §2° do
art. 5° da Constituição de 1933 e na Declaração Universal dos Direitos do Homem,
de 10 de Dezembro de 1948 (artigos nºs 1°, 2°, 3°, T, 11°, 12°, 18°, 19°, 21° e
23°);
h) Por outro lado, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida,
deveria, desde logo, ter-se reconhecido que o Decreto-lei n°220/91, de 17 de
Julho operou, já, a revogação anulatória de todas as normas e medidas de
natureza administrativa de afastamento compulsivo por motivos de natureza
ideológica – como o acto que atingiu o recorrente – com fundamento na
inconstitucionalidade das mesmas;
i) Consequentemente, a revogação em causa é dotada de efeitos retroactivos,
operando 'ex tunc' (cfr. nº 2 do art. 145° do CP A);
j) Em consonância, deve ser anulado o acto do Reitor da Universidade de Lisboa,
de 15.10.98, que, recusando-se a reconhecer a eficácia retroactiva daquela
revogação, indeferiu o requerimento do recorrente no sentido de lhe serem pagas
as remunerações que deixou de receber durante o tempo em que esteve ilegalmente
afastado do serviço, mas que teria recebido se não fosse a inconstitucional
demissão, acrescidas de juros moratórios e demais consequências legais;
k) A teoria do vencimento, da anulação ou da reconstituição da situação actual
hipotética é a única que oferece uma solução juridicamente compatível com os
princípios do Estado de Direito em matéria de declaração de nulidade de actos
administrativos juridicamente inexistentes ou absolutamente nulos, viciados de
inconstitucionalidade por ofensa de direitos fundamentais.
l) É inconstitucional o Decreto-lei n°220/91 na interpretação em se baseia a
sentença recorrida para aplicar a chamada 'teoria da indemnização', por ofensa
ao princípio da legalidade e da tutela jurisdicional efectiva, se aplicada em
relação a funcionário público afastado do cargo em virtude de acto juridicamente
inexistente ou nulo violador de direito fundamental por acto criminoso, como o
acto de afastamento compulsório que atingiu o RECORRENTE, nomeadamente por
violação dos arts. 18°, nºs 1 e 3, 20°, nºs 1 e 5, 202°, nº 2, 204°, 266°, nºs 1
e 2 e 268°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
m) Em cumprimento da sentença de anulação, devem ser liquidados e pagos os
direitos patrimoniais reclamados pelo RECORRENTE».
4 – O recurso de constitucionalidade foi admitido pelo tribunal a
quo. Todavia, como resulta do disposto no n.º 3 do art.º 76.º da LTC, esse
despacho não vincula o Tribunal Constitucional.
E porque se desenha uma situação processual que se enquadra na
hipótese normativa recortada no n.º 1 do art.º 78.º-A da mesma LTC, passa a
decidir-se imediatamente:
5.1 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da
Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, disposição esta que
se limita a reproduzir o comando constitucional, apenas pode consubstanciar-se
numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão
recorrida haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento
normativo do aí decidido – a sua ratio decidendi normativa.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e
incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra
recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da
constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da
natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. José Manuel M.
Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e
actualizada, 2007, pp. 31 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94,
publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94,
publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma
linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II
Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de
citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de
Outubro de 2000).
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de
poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua
reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas sucede quando a
norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja
constituído a ratio decidendi da decisão recorrida.
Por outro lado, nada impede que, ao invés de se suscitar a
inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas um seu segmento
ou uma determinada dimensão normativa (cf., entre a abundante jurisprudência do
Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no DR, II Série, de 7
de Setembro de 1994 –: “ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode
questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma
interpretação que do mesmo se faça (…) esse sentido (essa dimensão normativa) do
preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado
inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de,
tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a
saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não
deve ser aplicado por, desse modo, violar a constituição”), contudo, em tal
hipótese, é necessário que a norma que se coloca à apreciação do Tribunal
Constitucional tenha sido, efectivamente, aplicada in casu com a interpretação
que se entende inconstitucional (e que tenha constituído a ratio decidendi do
juízo proferido) – cf., nesse sentido, entre outros, o Acórdão n.º 139/95,
publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º volume, 1995, o Acórdão
n.º 197/97, publicado no Diário da República II Série, n.º 299, de 29 de
Dezembro de 1998 e, mais recentemente, o Acórdão n.º 214/03, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt.
5.2 – Como ressalta do requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, o que o recorrente verdadeiramente controverte é a resposta
dada pela decisão recorrida quanto às alegadas questões de nulidade da sentença
da 1.ª instância, bem como a interpretação nela defendida quanto ao recorte da
hipótese regida pelo Decreto-Lei n.º 220/91, de 17 de Julho e à eficácia
temporal dos efeitos jurídicos nele instituídos.
Na verdade, a decisão recorrida, contra o entendimento do recorrente
expendido nas suas alegações do recurso, entendeu que o objecto do recurso
contencioso interposto pelo recorrente era apenas o acto reitoral, de 28 de
Outubro de 1998, que havia denegado a sua pretensão de pagamento das
remunerações correspondentes ao período em que esteve afastado das funções de
professor da Faculdade de Direito de Lisboa (4 de Outubro de 1975 a 1992) e a
causa de pedir as ilegalidades alegadas de que o mesmo pudesse padecer.
Sobre censura do tribunal administrativo, no recurso contencioso em
apreciação, não estava – entendeu essa decisão –, ao contrário do sustentado
pelo recorrente, o despacho do Ministro da Educação e Investigação Científica,
de 4 de Outubro de 1975, que havia rescindido compulsoriamente o contrato como
professor auxiliar do recorrente com a Faculdade de Direito de Lisboa, com
fundamento “em comprometimento com o regime anterior, tendo ocupado o cargo de
Secretário de Estado”, nem os vícios (integrantes de eventual causa de pedir em
outra eventual acção administrativa) que o mesmo lhe apodava (como “violação não
só do núcleo essencial do direito fundamental à igualdade na aplicação da lei”,
“[…] dos direitos fundamentais da liberdade de consciência e ensino, da
igualdade e liberdade no acesso a cargos públicos, da segurança no emprego e do
direito ao trabalho, reconhecidos na actual Constituição da República Portuguesa
– artigos 1.º, 9.º, 12.º, 13.º, 18.º, 26.º, 41.º, 43.º, 50.º, 53.º, e 58.º -
como também no § 2.º do art.º 5.º da Constituição de 1933 e na declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 – artigos 1.º, 2.º,
3.º, T, 11.º, 12.º, 18.º, 19.º, 21.º e 23.º”), independentemente dos efeitos que
esses vícios demandassem (inexistência, nulidade ou anulabilidade).
Nesta linha de raciocínio, concluiu o acórdão pela improcedência das
questões de nulidade da decisão judicial impugnada.
E tendo julgado cingido o objecto do recurso contencioso apenas ao
acto reitoral de 1998 e aos vícios alegados respeitantes a ele, o tribunal
recorrido acabou por ajuizar, uma vez mais contra a posição do recorrente, que o
Decreto-Lei n.º 220/91, de 17 de Julho, invocado como fundamento no despacho
contenciosamente impugnado com o sentido de operar a revogação de “todas as
normas e medidas administrativas que fundamentaram o afastamento compulsivo, por
motivos de natureza ideológica, de docentes das universidades portuguesas” sem
efeitos retroactivos, não dispunha directamente sobre as situações concretas
“uma vez que o diploma em questão não distinguiu se as mesmas se reportam a
actos administrativos nulos, anuláveis ou até válidos, por conformes às normas
legais ao tempo aplicáveis”, e que, “não tendo o legislador referido
expressamente a produção de efeitos retroactivos ao diploma, terá pretendido
esses efeitos apenas ex nunc”.
Ora, destes considerandos tirou o tribunal a conclusão de não
poderem os danos alegados pelo recorrente ser fundados em tal acto reitoral.
Depois, em jeito de obiter dictum, afirmou o tribunal que “partindo
do princípio de que foi ilegal o afastamento do recorrente das funções docentes
que exercia [por virtude do despacho do MEIC, de 4/10/1975, não objecto do
recurso e das suas causas de pedir], há que apreciar os danos que tal
ilegalidade lhe teria causado, quer ao nível pessoal, quer ao profissional de
elevadíssima craveira”.
Mas, logo de seguida, o tribunal a quo concluiu que “esses
prejuízos, contudo, só poderão ser apreciados devidamente na respectiva acção de
indemnização, nos termos do DL. nº 48051, de 21/11/67, perante os dados de facto
que forem colocados à disposição do julgador, respeitando-se naturalmente as
regras do contraditório”.
E dentro da mesma linha discursiva de antecipação teórica, continuou
o aresto a afirmar que “não tendo o recorrente exercido de facto funções
docentes na FDUL no período reportado nos autos, há que presumir ter sofrido
prejuízo material por não ter recebido os respectivos vencimentos”, mas que
“esse prejuízo, contudo, terá que ser confrontado com o valioso currículo
científico….”.
Resulta claro do exposto que a decisão recorrida não reconheceu ao
recorrente o direito a ser indemnizado com base na procedência das alegadas
causas de pedir respeitantes ao acto reitoral contenciosamente impugnado e,
consequentemente, em que termos essa indemnização haveria de ser determinada –
se por aplicação da denominada “teoria do vencimento”, se por aplicação da
“teoria da indemnização”.
As considerações tecidas pelo tribunal relativamente ao direito a
ser indemnizado com fundamento na hipotética ilegalidade (outra diferente causa
de pedir) do despacho do MEIC, de 1975, correspondem a uma mera manifestação do
ponto de vista do julgador se em causa estivesse essa questão, mas sem que
predeterminem qual a solução concreta da mesma, caso venha a ser proposta a
acção e pelo modo que se considera adequado a acção judicial pertinente.
Assim sendo, verifica-se que a norma cuja inconstitucionalidade o
recorrente pretende ver apreciada não foi aplicada como fundamento normativo da
concreta decisão: a improcedência do pedido de pagamento dos danos alegados,
efectuado pelo recorrente, não decorreu, de qualquer jeito, da sua aplicação.
Deste modo, conclui-se pela inverificação do pressuposto específico
do recurso de constitucionalidade, de a norma cuja apreciação se pretende haver
constituído ratio decidendi do concretamente decidido.
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.».
B – Fundamentação
5 – O reclamante não logra afastar a bondade dos fundamentos em que
se abona a decisão recorrida, raciocinando em completo alheamento do que nela se
fixa como sendo o objecto do recurso contencioso – o acto reitoral de 28 de
Outubro de 1998 – e a causa de pedir da sua impugnação judicial e não o acto do
MEIC de 1975.
Da argumentação que desenvolve resulta claro que o que o reclamante
verdadeiramente refuta é, quer a interpretação do direito infraconstitucional –
no caso, o artigo único do Decreto-Lei n.º 220/91, de 17 de Junho – que o
acórdão recorrido sufragou, quer a solução concreta que deu à causa, ou seja, a
correcção da decisão judicial “em si própria”, em jeito de um recurso de reexame
dentro dos tribunais de instância da respectiva ordem judicial.
No entanto, como se sabe, não cabe na competência do Tribunal
Constitucional controlar a correcção do juízo de determinação do direito
infraconstitucional feito pela decisão recorrida, ou seja, se o direito aplicado
é o bom direito, mas apenas se o direito aplicado é não direito, por
constitucionalmente inválido, nem o juízo de aplicação desse direito às
circunstâncias e especificidades do caso concreto (juízo subsuntivo).
A interpretação a que, no plano do direito infraconstitucional,
chegou o acórdão recorrido apresenta-se como um dado para o Tribunal
Constitucional.
Não pode, assim, este Tribunal controlar, no plano do direito
infraconstitucional, a correcção da interpretação que o tribunal a quo deu
aquela disposição do Decreto-Lei n.º 220/91 e, divergindo da posição que tomou,
alinhar pelo recorrente e concluir que essa disposição legal “operou, já, a
revogação de todas as normas e medidas de natureza administrativa de afastamento
compulsivo como o acto do MEIC de 1975 que atingiu o recorrente – com fundamento
na inconstitucionalidade das mesmas”, abrangendo essa revogação a anulação ex
tunc dos efeitos produzidos por este acto e o reconhecimento do direito ao
funcionário público afastado a ser indemnizado com base na “teoria do
vencimento”.
Note-se, de resto, que independentemente do acórdão recorrido haver
equacionado o direito do reclamante a ser indemnizado com base numa suposta
ilegalidade do acto do MEIC que o afastou das suas funções docentes a título
meramente hipotético, jamais se poderá ver nessa sua posição qualquer adesão, no
que importa aos termos como essa indemnização deveria ser determinada, à
denominada “teoria da indemnização”, como se assinalou na decisão reclamada.
Por outro lado, importa reconhecer que – e ao contrário do que o
reclamante sustenta – , mesmo que se houvesse de concluir que a revogação ditada
pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 220/91 consubstanciava, também, a concreta
revogação ex tunc do acto do MEIC de 1975, com fundamento na sua ilegalidade
(derivada da inconstitucionalidade da lei nele aplicada) e que esta acarretava a
sua nulidade, daí não teria de retirar-se, como constituindo seu postulado
consequente e necessário, qualquer conclusão no sentido de o direito à
indemnização do funcionário atingido, fundado na ilegalidade dessa actuação
administrativa, se tinha forçosamente de concretizar por aplicação da “teoria do
vencimento” e não “pela teoria da indemnização”.
É que quer uma quer a outra teoria convive perfeitamente, dentro da
racionalidade do sistema jurídico, quer com a anulabilidade quer com a nulidade
do acto-fundamento desse direito à indemnização.
Temos, pois, de concluir que a reclamação não procede.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa
de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 2 de Julho de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos