Imprimir acórdão
Processo n.º 22/2008
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A., LDA, na sequência de notificação da ERC – Entidade Reguladora para a
Comunicação Social para proceder ao pagamento da taxa de regulação e supervisão
(TRS) relativa ao ano de 2006, no valor de € 178 , deduziu impugnação judicial
da respectiva liquidação junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta
Delgada.
A impugnante fundamentou a sua pretensão no facto da taxa de regulação e
supervisão que lhe foi liquidada, no valor de € 178,00, ser um verdadeiro
imposto, do que decorre a inconstitucionalidade orgânica das normas do Regime
das Taxas da ERC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, que a
criaram.
A impugnada contestou, defendendo estarmos perante uma taxa, pelo que não
assistia razão à impugnante, devendo, como tal, ser julgada improcedente a
impugnação.
A impugnada juntou cópia de parecer emitido sobre a temática em causa.
O Magistrado do Ministério Público proferiu parecer, pugnando pela improcedência
da impugnação.
Foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação, com os seguintes
fundamentos:
“A questão que se nos coloca gira em torno da consideração de duas das
características que distinguem as figuras da taxa e do imposto, tal como se nos
deparam na taxa de regulação e supervisão.
E isto na medida em que, se se entender que estamos perante um imposto, terá o
Governo legislado em matéria de competência reservada sem a competente
autorização legislativa. Daí decorrendo a inconstitucionalidade orgânica do
diploma que instituiu a TRS, por preterição do princípio constitucional da
legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República ou de
decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização legislativa do
Parlamento (a Constituição, ao atribuir à Assembleia da República a competência
para legislar sobre a criação de impostos, só a estes se reporta, e não também
às taxas, pois quanto a estas, apenas está incluída na reserva de competência da
Assembleia da República a definição do regime geral das taxas e não de toda a
disciplina jurídica, geral ou especial, a elas atinente – cfr. alínea i) do nº 1
do artigo 165º da CRP).
A impugnante defende, ao contrário da impugnada, não se surpreender na TRS a
feição de bilateralidade que diferencia a taxa do imposto, nem tampouco a
consequente proporcionalidade entre a taxa e o serviço pelo qual é devida, já
que o seu montante estaria dependente da capacidade económica do contribuinte e
não da dimensão do serviço concreta e individualmente prestado.
Vejamos.
Dispõe o artigo 4º da Lei Geral Tributária, respectivamente nos seus 1. e 2.,
que «os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada,
nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património» e
«as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de
um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao
comportamento dos particulares».
São, pois, notas essenciais distintivas entre taxa e imposto quer a
correspondência daquela a uma prestação específica ou individualizável
(bilateralidade) quer o necessário equilíbrio entre a prestação consubstanciada
pela taxa e a sua contra-prestação, sob pena de frustração daquela
correspondência, revertendo-se para o espírito do imposto (proporcionalidade).
Compulsados os preceitos dos artigos 4º a 7º do Regime de Taxas da ERC,
referentes à TRS, julgo dever concluir estarmos perante uma verdadeira taxa.
Nesse aspecto, e acompanhando o parecer junto em cópia a fls 58 e sgs (fls 88 e
sgs), admitem-se no artigo 165º, alínea i), «outras contribuições financeiras a
favor das entidades públicas», figuras híbridas que, gozando da característica
da bilateralidade, serão uma espécie de “taxas colectivas, por destinadas à
retribuição de serviços públicos que são prestados a toda uma categoria de
pessoas”. Sendo esse o caso da TRS.
Por outro lado, compulsando os preceitos do diploma em causa, verifica-se desde
logo a enunciação de um princípio geral que reporta o quantitativo da taxa às
categoria e subcategoria de intensidade reguladora necessária – artigo 4º, nº 2.
Sendo que, no artigo 5º, nº 1, se preceitua que o montante da taxa para cada
categoria é “calculado de acordo com os custos relativos imputáveis a cada uma
delas pelo desenvolvimento da actividade contínua e prudencial permanente de
regulação e supervisão”. E, no artigo 6º, se fixam os critérios para as diversas
subcategorias. Por fim, no artigo 7º, regula-se o método de fixação concreta da
TRS, que se regerá por critérios marcadamente casuísticos, relativos ao tipo de
serviço efectivamente prestado – volume de trabalho, complexidade da actividade
reguladora, alcance geográfico e impacte da actividade.
Não parece, portanto, legítimo afirmar que a taxa em causa não respeite o
necessário equilíbrio entre a prestação consubstanciada pela taxa e a sua
contra-prestação, princípio de proporcionalidade inerente a qualquer taxa.
Estaremos, pois perante uma verdadeira taxa, que não um imposto, não sendo nesse
particular inconstitucional o DL nº 103/2006, de 7 de Junho, que aprovou o
Regime das Taxas da ERC.”
Desta sentença foi interposto recurso pela impugnante para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro,
e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), nos seguintes termos:
“Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes dos
artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 7º do regulamento anexo ao Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7
de Junho;
Tais normas, em desenvolvimento dos artºs 50º e 51º da Lei n.º 53/2005, de 8 de
Novembro, violam o artº 165º, n.º 1, alínea i), e artºs 103º, n.ºs 2 e 3, todos
da Constituição da República Portuguesa”
A recorrente apresentou alegações, com as seguintes conclusões:
“1. No desenvolvimento do disposto nos art.ºs 50.º e 51.º da Lei n.º 53/2005, de
8 de Novembro, o Regulamento anexo ao Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho,
no seu art.º 3.º n.º 3, alínea a), criou uma taxa de regulação e supervisão, a
qual deverá ser suportada pelas entidades que exerçam a respectiva actividade no
sector da comunicação social;
2. A jurisprudência e a Doutrina são unânimes em que o que caracteriza um
tributo como taxa ou como imposto não é a respectiva designação mas o seu âmbito
material;
3. Para que um tributo seja qualificado como taxa é necessário que pela mesma
haja lugar a uma contraprestação específica individualizada ou individualizável;
4. Quer as taxas, quer ainda as outras contribuições financeiras a favor de
outra entidades públicas, devem ter definido o regime geral cuja aprovação é da
competência da Assembleia da República, sem prejuízo de autorização ao Governo –
alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP;
5. Encontram-se as taxas, por força do disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da
CRP, abrangidas pelo princípio da legalidade só podendo ser criadas nos estritos
termos definidos pela CRP;
6. Este reforço dos poderes parlamentares foi claramente reforçado com a revisão
constitucional de 1997, no que respeita à inclusão da designada parafiscalidade
na qual as taxas se incluem, conforme Prof.s Jorge Miranda e Rui Medeiros in CRP
anotada, Tomo II, 2006, Coimbra Editora, págs. 536;
7. Mesmo que a realidade material constante do art.º 3.º, n.º 3, alínea a) do
Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, fosse uma taxa, ainda assim carecia de
lei de autorização da Assembleia da República para que fosse respeitado o
princípio da legalidade.
8. Porém, à taxa de regulação e supervisão criada pelo citado artº 3.º, n.º 3,
alínea a) do D.L. 103/2006, de 7 de Junho, não corresponde qualquer
contrapartida individualizável, sendo materialmente um imposto.
9. Imposto que foi criado sem a indispensável autorização legislativa concedida
ao governo, violando-se o disposto no art.º 165.º, n.º 1, alínea i) da C.R.P.;
10. Como também violaria se fosse havida como taxa uma contribuição financeira
por falta de aprovação prévia do respectivo regime geral.
Termos em que e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado
procedente por provado, declarando-se inconstitucional o disposto na alínea a)
do n.º 3 do art.º 3.º, do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, emitido na
sequência dos art.ºs 50.º e 51.º da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, por
violação do disposto nos art.ºs 103.º, n.º 2 e 3, e alínea i) do n.º 1 do art.º
165.º da Constituição da República Portuguesa.”
Juntou cópia de parecer.
A recorrida apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
“A. A decisão recorrida não merece qualquer juízo de censura porquanto a taxa de
regulação e supervisão constitui uma verdadeira taxa, criada de acordo com as
regras constitucionais e no estrito e rigoroso cumprimento da lei,
designadamente do disposto na Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, no D. L. n.º
103/2006 e na Portaria n.º 653/2006, de 29 de Junho.
B. Em cumprimento do preceituado no artigo 39.º da CRP, incumbe à ERC a tarefa
de proceder à regulação do sector da comunicação social o que, naturalmente,
exige uma intervenção dituturna em garantia do pluralismo, da liberdade de
expressão dos cidadãos e da liberdade de imprensa dos meios de comunicação
social, do equilíbrio entre valores contrapostos e entre os interesses do
mercado e as finalidades do serviço público ou as exigências da actuação na
esfera pública.
C. A distinção entre as figuras da taxa e do imposto tem sido objecto de
abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional e assenta, em síntese, nos
critérios estruturais da bilateralidade e da proporcionalidade a que a taxa de
regulação e supervisão dá integral cumprimento.
D. A letra do artigo 4.º do D.L. n.º 103/ 2006 é, por si só, elucidativa quanto
à existência de uma contraprestação e quanto à respectiva natureza: mediante o
pagamento da taxa de regulação e supervisão, os operadores beneficiam de um
serviço público que se consubstancia na regulação e supervisão do sector onde se
insere, i.e., na monitorização e acompanhamento contínuo e regular, que
assegura aos regulados – como a recorrente – a conservação das condições
institucionais de pluralismo, liberdade de expressão e até de concorrência,
indispensáveis ao cumprimento das garantias constitucionais em sede de
liberdade de imprensa ou comunicação social.
E. Concretamente, a recorrente beneficiou desta contraprestação por parte da
ERC.
F. No que se reporta ao critério da proporcionalidade, não subsistem quaisquer
dúvidas que a relação entre o valor a pagar a título de taxa e o serviço
concretamente prestado pela ERC se orienta por uma pauta de estrita
proporcionalidade, ou que – delimitando o critério pela negativa como se faz na
jurisprudência prolatada pelo Tribunal Constitucional – não se verifica, in
casu, uma «desproporção manifesta ou flagrante» entre o custo do serviço e a sua
utilidade para os meios de comunicação social.
G. Com efeito, o cálculo da taxa de regulação e supervisão é efectuado por
reporte a um escrupuloso catálogo de categorias de meios de comunicação social
e subcategorias de acordo com a diferente intensidade das actividades de
regulação e supervisão postuladas em cada situação, o que implica que pagará
mais, a título de taxa, quem obriga a ERC a uma actividade mais intensa de
regulação e supervisão.
H. Para mais, o facto de o legislador ter estabelecido uma taxa anual para a
remuneração global dos serviços de regulação e supervisão em nada belisca a
natureza de taxa do tributo em apreço nos presentes autos, nem tão-pouco o
transmuta num «imposto de repartição», pois nada impede que se opte por um
modelo de pagamento global de um conjunto de serviços em detrimento de uma
quantificação casuística do valor a pagar.
I. Todavia, ainda que não entendesse que a taxa de regulação e supervisão se
consubstancia numa verdadeira taxa – hipótese levantada à cautela por mero dever
de patrocínio – a receita em causa apenas poderia ser incluída na terceira
categoria tributária prevista na CRP: «contribuições financeiras a favor de
entidades públicas» (cf. al. i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP), categoria esta
que tem agora na Constituição um tratamento em tudo igual e paralelo ao que é
dado pela Lei Fundamental às taxas.
J. Na verdade, com a consagração deste terceiro tipo de tributos, o legislador
constitucional veio assim dar cobertura ao conceito de parafiscalidade,
admitindo a existência de figuras híbridas que partilham a natureza dos impostos
e, ao mesmo tempo, a natureza das taxas, facto que resulta logo da leitura dos
trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997 quanto ao tratamento e
natureza que o legislador constitucional pretendeu atribuir às chamadas
contribuições financeiras.
K. É, de resto, opinião de Cardoso da Costa, Gomes Canotilho e Vital Moreira,
que a configuração e o regime das contribuições financeiras poderá ser efectuado
por diploma governamental e regulado por via regulamentar, desde que observados
os condicionalismos da lei-quadro competente, circunstância que, naturalmente,
garantiria, em qualquer caso, a conformidade constitucional da taxa de regulação
e supervisão.
L. Acrescente-se ainda que esta inovação constitucional de 1997 veio, aliás,
corroborar uma corrente jurisprudencial do próprio Tribunal Constitucional que,
de há muito e sob formas variadas, reconhecia a plena legitimidade de um tertium
genus; o qual, não configurando uma taxa em sentido estritamente técnico, também
repelia a aplicação do regime mais gravoso e exigente dos impostos.
Termos em que deverá negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a
decisão recorrida que julgou a impugnação improcedente, com todas as
consequências legais.”
*
Fundamentação
1. Do objecto do recurso
O objecto do recurso de constitucionalidade é inicialmente delimitado pelo
conteúdo do requerimento que o interpõe.
No requerimento apresentado pela aqui recorrente, esta declara pretender a
fiscalização pelo Tribunal Constitucional “das normas constantes dos artºs 3º,
4º, 5º, 6º e 7º do regulamento anexo ao Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de
Junho”.
Nas alegações de recurso apresentadas é invocada a inconstitucionalidade
orgânica das normas contidas nos “artigos 3º e 4º do Regulamento Anexo ao
Decreto-Lei n.º 1033/2006, de 7 de Junho”, na medida em que prevêem a cobrança
duma taxa de regulação e supervisão pela Entidade Reguladora para a Comunicação
Social (ERC), a qual, pela sua natureza, só poderia ser aprovada pela Assembleia
da República sob a forma de lei.
Reduziu-se, pois, nas alegações de recurso o objecto deste às normas que criam a
taxa de regulação e supervisão a favor da ERC, invocando-se a sua
inconstitucionalidade orgânica.
Essa taxa encontra-se prevista nos artigos 3.º, n.º 3, a), e 4.º do Regime de
Taxas da ERC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho.
Na medida em que o objecto do recurso pode ser restringido pelo conteúdo das
respectivas alegações, deve o presente recurso cingir-se às normas constantes
dos artigos 3.º, n.º 3, a), e 4.º, do Regime de Taxas da ERC, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho.
2. Da constitucionalidade da taxa de regulação e supervisão da ERC
2.1. As entidades reguladoras independentes
Sem que se ignore a existência de figurinos aparentados em épocas mais recuadas
(v.g., os organismos de coordenação económica), pode dizer-se que as entidades
estatais independentes “reguladoras” ou “de supervisão”de determinados sectores
da actividade económica surgiram em Portugal no final do século XX e início do
século XXI, acompanhando um movimento europeu de liberalização de sectores
anteriormente sujeitos a monopólios estatais, no desenvolvimento de uma ideia
proclamada de que o mercado e as regras da concorrência constituem as melhores
vias para a promoção do desenvolvimento económico e de uma sociedade de
bem-estar.
Com desconfiança na eficácia da “mão invisível” do mercado, criaram-se
estruturas de controlo do funcionamento deste, já não numa óptica proteccionista
do sector intervencionado, como ocorria em tempos mais recuados, mas sim de
defesa e fomento do próprio mercado e de uma sã concorrência, para protecção do
interesse de toda a comunidade, em geral, e dos utentes dos serviços prestados
pela actividade em causa, em particular (vide sobre este tipo de autoridades
administrativas independentes VITAL MOREIRA e FERNANDA MACÃS, em “Autoridades
Reguladoras Independentes. Estudo e Projecto de Lei-Quadro”, ed. de 2003, da
Coimbra Editora, JOÃO NUNO CALVÃO DA SILVA, em “O Estado regulador, as
autoridades reguladoras independentes e os serviços de interesse geral”, em
“Temas de integração”, nº 20, pág. 173-209, ed. de 2005, da Almedina, JOSÉ LUCAS
CARDOSO, em “Autoridades administrativas independentes e Constituição”, ed. de
2002, da Coimbra Editora, JOÃO CONFRARIA em “Regulação e concorrência –
Desafios do século XXI, ed. 2005, da Universidade Católica, e ANA ROQUE, em
“Regulação do Mercado: novas tendências”, ed. de 2004, da Quid Juris ?).
Apesar de existirem algumas diferenças nas funções das diferentes entidades,
criadas algo desordenadamente por ausência duma Lei-Quadro, em regra, passou a
caber-lhes a tarefa de regulamentar o funcionamento do mercado do respectivo
sector, propor e ser ouvida sobre as medidas legislativas que pudessem afectar
esse sector, implementar e supervisionar a aplicação das regras criadas e
sancionar as infracções às mesmas.
E, seguindo modelo há muito existente nos EUA, procurou-se que essas entidades
fossem o mais possível independentes, quer do Governo, quer dos diferentes
operadores no mercado, de modo a garantir um distanciamento face ao Estado,
enquanto operador concorrente, a conferir credibilidade e autoridade à gestão do
mercado e a assegurar a maior isenção em sectores económicos sensíveis.
Tentou-se garantir essa independência sobretudo ao nível orgânico – forma de
designação e destituição dos seus corpos dirigentes –, funcional – exercício da
função com sujeição à lei e sem superintendência – e também financeiro –
obtenção de receitas próprias.
E foi assim que surgiram em Portugal entidades como a Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários, em 1991, a Entidade Reguladora do Sector Eléctrico, em
1995, o Instituto Regulador de Águas e Resíduos, em 1997 (agora Entidade
Reguladora das Águas e Resíduos) o Instituto Nacional de Aviação Civil, em 1998,
o Instituto Nacional de Transporte Ferroviário, em 1998 (agora Instituto da
Mobilidade e dos Transportes Terrestres), a Autoridade Nacional das Comunicações
(que resultou duma transformação do ICP) em 2001, a Autoridade da Concorrência,
em 2003, a Entidade Reguladora da Saúde, em 2003, e, em 2005, a Entidade
Reguladora da Comunicação Social (a ERC).
2.2. Os antecedentes da ERC
Com a política de nacionalizações que marcou o pós-25 de Abril de 1974, o Estado
assumiu o controlo de diversas publicações, tornando-se o grande detentor dos
meios de Comunicação Social, pelo que sentiu-se a necessidade de garantir a
independência destes face ao poder político.
Daí que a C.R.P. de 1976 tenha previsto a criação de Conselhos de Informação,
constituídos por representantes dos partidos políticos com assento na Assembleia
da República, que assegurassem o respeito pelo pluralismo ideológico (artigo
39.º, n.º 3), o que foi concretizado pela Lei n.º 78/77, de 26 de Outubro, tendo
sido criados os Conselhos de Informação para a R.T.P., para a R.D.P., para a
Imprensa e para a ANOP.
A Revisão Constitucional de 1982 alterou a redacção do artigo 39.º da C.R.P.,
passando este a prever, em substituição dos Conselhos de Informação, a
existência de um único Conselho de Comunicação Social (n.º 2 a 4), composto por
11 membros eleitos pela Assembleia da República, com poderes para assegurar uma
orientação geral para os diversos órgãos da comunicação social que respeitasse o
pluralismo ideológico.
Em 1983, a Lei n.º 28/83, de 6 de Setembro, extinguiu os Conselhos de
Informação, criando em sua substituição o Conselho de Comunicação Social, que
funcionava junto da Assembleia da República.
Com a adesão de Portugal às Comunidades Europeias iniciou-se um processo de
liberalização do sector da comunicação social, nomeadamente através da
possibilidade de atribuição de licenças a estações de rádio privadas, autorizada
pelo Decreto-Lei n.º 338/88, de 28 de Setembro, e a concessão de licenças a
novas estações de televisão privadas, possibilitada pela Revisão Constitucional
de 1989, que eliminou da Constituição a proibição anteriormente contida no
artigo 38.º, nº 7, passando a dispor que “as estações emissoras de radiodifusão
e de radiotelevisão só podem funcionar mediante licença a conferir por concurso
público, nos termos da lei.”
Este processo de liberalização trouxe “novos problemas a um sector que exige a
impermeabilização de direitos e princípios fundamentais frente a poderosos
interesses políticos e económicos” (GOMES CANOTILHO, no parecer junto aos autos,
a fls. 12).
Por isso, com a mesma Revisão Constitucional de 1989 é criada a Alta Autoridade
para a Comunicação Social, em substituição do Conselho da Comunicação Social.
Com uma composição heterogénea competia a este órgão independente garantir o
direito à informação, à liberdade de imprensa e à independência dos meios de
comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem como a
possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e o
exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política (artigo
39.º, n.º 1, da C.R.P.). Esta nova entidade foi regulada inicialmente pela Lei
n.º 15/90, de 30 de Junho, e, posteriormente, pela Lei n.º 43/98, de 6 de
Agosto.
Mas a sexta Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/2004
determinou no artigo 39.º o seguinte:
“1. Cabe a uma entidade administrativa independente assegurar nos meios de
comunicação social:
a) O direito à informação e a liberdade de imprensa;
b) A não concentração da titularidade dos meios de comunicação social;
c) A independência perante o poder político e o poder económico;
d) O respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais;
e) O respeito pelas normas reguladoras das actividades de comunicação social;
f) A possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião;
g) O exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política.
2. A lei define a composição, as competências, a organização e o funcionamento
da entidade referida no número anterior, bem como o estatuto dos respectivos
membros, designados pela Assembleia da República e por cooptação destes.”
Determinou-se, assim, a substituição da Alta Autoridade para a Comunicação
Social por uma figura inserida no modelo das novas entidades administrativas
independentes, admitido no artigo 267.º, n.º 3, da C.R.P..
Conforme resulta dos trabalhos preparatórios da Revisão Constitucional de 2004,
a substituição da Alta Autoridade para a Comunicação Social por uma nova
entidade administrativa independente, foi exigida pela necessidade
dominantemente sentida de redefinir o modelo de regulação do sector da
comunicação social, perante a ineficácia demonstrada por aquela Autoridade face
aos novos desafios colocados pela crescente acção dos media, uma vez que se
constatava uma“desadequação de competências, uma rigidez da composição do
estatuto e uma forma exuberante na desregulação do sector, com um incumprimento
sistemático das regras em vigor, com a violação recorrente dos mais elementares
direitos e garantias dos cidadãos.” (intervenção do deputado Jorge Neto no DAR,
II série, de 4-2-2004, pág. 159) ou “a diminuta capacidade de impor o
cumprimento das normas, em particular na área dos conteúdos televisivos, o facto
de haver uma crise de organização, dificuldades de salvaguarda e garantia dos
direitos, liberdades e garantias essenciais dos cidadãos e alguma dificuldade de
competência técnica, de meios de fiscalização e de financiamento” (intervenção
do deputado Alberto Martins, no DAR, II Série, de 4-2-2004, pág. 159).
Daí que se considerasse ser “imprescindível, desde logo, para salvaguardar os
direitos fundamentais, proteger os meios de comunicação e os públicos mais
vulneráveis, para garantir a pluralidade de conteúdos, e, para isso, tem de ser
uma autoridade altamente especializada, capaz de definir estratégias e políticas
de regulação, dar instruções ao Governo, sobretudo, emitir recomendações ao
Governo, fiscalizar o cumprimento das suas regras e das normas de regulação e
punir, no âmbito das suas competências, que são competências de punição
fundamentalmente administrativas, as infracções que sejam cometidas.” (Alberto
Martins, na int. e loc. cit., pág. 160).
Esta nova entidade deveria ter uma composição com origem directa e indirecta na
Assembleia da República, com intervenção duma maioria de 2/3 dos deputados
(artigo 163.º, n.º 1, h), da C.R.P.) de modo a evitar o seu controlo pela
maioria parlamentar, tendo-lhe sido atribuídas as novas competências de
assegurar a não concentração da titularidade dos meios de comunicação social e o
respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais, e pelas normas
reguladoras das actividades de comunicação social (artigo 39.º, n.º 1, b), d), e
e), da C.R.P.).
2.3. A ERC
Foi no cumprimento do comando constitucional acima transcrito que a Lei n.º
53/2005, de 8 de Novembro, procedeu à extinção da Alta Autoridade para a
Comunicação Social e à criação da nova entidade – a ERC -, aprovando, em anexo,
os seus Estatutos.
Na perseguição da finalidade de assegurar uma eficaz independência da nova
entidade, sem prejuízo da obtenção de meios de financiamento suficientes,
consagrou-se no artigo 50.º, dos Estatutos da ERC:
“Constituem receitas da ERC:
a) As verbas provenientes do Orçamento do Estado;
b) As taxas e outras receitas a cobrar junto das entidades que prosseguem
actividades no âmbito da comunicação social, a que se refere o artigo 6.º;
c) As taxas e outras receitas cobradas no âmbito da atribuição de títulos
habilitadores aos operadores de rádio e de televisão;
d) O produto das coimas por si aplicadas e o produto das custas processuais
cobradas em processos contra-ordenacionais;
e) O produto das sanções pecuniárias compulsórias por si aplicadas pelo
incumprimento de decisões individualizadas;
f) O produto da aplicação de multas previstas em contratos celebrados com
entidades públicas ou privadas;
g) Quaisquer outras receitas, rendimentos ou valores que provenham da sua
actividade ou que por lei ou contrato lhe venham a pertencer ou a ser
atribuídos, bem como quaisquer subsídios ou outras formas de apoio financeiro;
h) O produto da alienação de bens próprios e da constituição de direitos sobre
eles;
i) Os juros decorrentes de aplicações financeiras;
j) O saldo de gerência do ano anterior.”
Assim, uma parcela significativa do orçamento da ERC é suportada por receitas
próprias, como “taxas” a cobrar junto das entidades que prosseguem actividades
no âmbito da comunicação social, produto de coimas, sanções pecuniárias
compulsórias, multas ou outras receitas provenientes do exercício da sua
actividade, ou da alienação de bens, como forma de garantir a sua independência
perante o poder político.
Na verdade, como refere João Confraria, “com autonomia financeira e patrimonial,
e receitas próprias e suficientes para a sua actividade, uma autoridade está
relativamente protegida da necessidade de negociar o seu quinhão anual no
orçamento e está menos sujeita a interferências do governo em matéria de
realização das despesas que decorrem da sua actividade (…) procura-se evitar que
por via orçamental o governo possa exercer pressão indirecta sobre as decisões,
comprometendo a sua independência” (na ob. e loc. cit.).
Relativamente às taxas, o artigo 51.º, dos Estatutos da ERC, determinou o
seguinte:
“1 - Os critérios da incidência, os requisitos de isenção e o valor das taxas
devidas como contrapartida dos actos praticados pela ERC são definidos por
decreto-lei, a publicar no prazo de 60 dias a contar da entrada em vigor da
presente lei.
2 - As taxas referidas no número anterior devem ser fixadas de forma objectiva,
transparente e proporcionada.
3 - De acordo com os critérios fixados pelo presente artigo, a regulamentação da
incidência e do valor das taxas devidas como contrapartida dos actos praticados
pela ERC é definida por portaria conjunta do Ministro das Finanças e do membro
do Governo responsável pela comunicação social.
4 - As taxas devidas como contrapartida dos actos praticados pela ERC serão
suportadas pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social,
independentemente do meio de difusão utilizado, na proporção dos custos
necessários à regulação das suas actividades.
5 - As taxas devidas como contrapartida dos actos praticados pela ERC são
liquidadas semestralmente, em Janeiro e Julho, com excepção daquelas que sejam
inferiores ao salário mínimo nacional, as quais são liquidadas anualmente em
Janeiro.”
Foi o Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, quem aprovou o Regime de Taxas da
ERC, que estabeleceu um sistema de taxas tripartido: a taxa de regulação e
supervisão, a taxa por serviços prestados e a taxa por emissão de títulos
habilitadores.
É a primeira cuja constitucionalidade orgânica é posta em causa no presente
recurso, pelo que é apenas essa que cumpre analisar.
2.4. A “taxa” de regulação e supervisão
O Regime de Taxas da ERC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho,
prevê, nos seus artigos 3.º, n.º 3, a), e 4º, como meio de financiamento da ERC
a cobrança do seguinte tributo, que qualifica como taxa:
Artigo 3.º
(Natureza e espécies de taxas da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação
Social)
(…)
3 - As taxas da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social integram-se
nas seguintes categorias:
a) Taxa de regulação e supervisão;
(…)
Artigo 4.º
(Taxa de regulação e supervisão)
1 - Ao abrigo da alínea b) do artigo 50.º e do n.º 1 do artigo 51.º dos
Estatutos da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados pela
Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, a taxa de regulação e supervisão visa
remunerar os custos específicos incorridos pela ERC - Entidade Reguladora para a
Comunicação Social no exercício da sua actividade da regulação e supervisão
contínua e prudencial.
2 - Estão sujeitas à taxa de regulação e supervisão todas as entidades que
prossigam, sob jurisdição do Estado Português, actividades de comunicação
social, sendo o quantitativo da taxa calculado em conformidade com a categoria
em que se inserem e com a subcategoria de intensidade reguladora necessária.
O regime específico desta taxa encontra-se regulado nos subsequentes artigos 5.º
a 7.º:
Artigo 5.º
(Categorias da taxa de regulação e supervisão)
1 - A taxa de regulação e supervisão incide sobre os operadores das seguintes
categorias de meios e suportes de comunicação social, sendo o seu montante
calculado de acordo com os custos relativos imputáveis a cada uma delas pelo
desenvolvimento da actividade contínua e prudencial permanente de regulação e
supervisão:
a) Imprensa;
b) Rádio;
c) Televisão;
d) Cabo;
e) Comunicações móveis;
f) Sítios informativos submetidos a tratamento editorial.
2 - Integram a categoria de imprensa as agências noticiosas, as publicações
periódicas, informativas ou doutrinárias de âmbito nacional, regional, local ou
destinadas às comunidades portuguesas no estrangeiro.
3 - Integram a categoria de rádio os serviços de programas radiofónicos de
âmbito internacional, nacional, regional e local.
4 - Integram a categoria de televisão os serviços de programas televisivos e
respectivos conteúdos complementares de âmbito internacional, nacional, regional
ou local.
5 - Integram a categoria de cabo os operadores que disponibilizem ao público,
através de redes de comunicação electrónica, serviços de programas de rádio ou
de televisão, na medida em que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e
agregação.
6 - Integram a categoria de comunicações móveis os operadores de comunicações
móveis que forneçam serviços de programas de rádio ou de televisão, na medida em
que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e agregação, ou que disponibilizem
regularmente ao público conteúdos submetidos a tratamento editorial e
organizados como um todo coerente.
7 - Integram a categoria de sítios informativos submetidos a tratamento
editorial os operadores que forneçam serviços de programas de rádio ou de
televisão, na medida em que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e agregação,
ou que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicação
electrónica, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um
todo coerente.
8 - A mera disponibilização ao público, através de sítios informativos
submetidos a tratamento editorial, de conteúdos que já se encontrem disponíveis
em suportes distintos do suporte electrónico não implica a sujeição ao pagamento
de taxa de supervisão e regulação.
Artigo 6.º
(Subcategorias da taxa de regulação e supervisão)
1 - Cada categoria referida no artigo anterior é dividida em subcategorias,
atenta a diferente intensidade das actividades contínuas e prudenciais de
regulação e supervisão exigidas pela diversidade de tipologias específicas das
entidades que prosseguem actividades de comunicação social.
2 - A inclusão das entidades que prosseguem actividades de comunicação social em
cada uma das referidas subcategorias é determinada:
a) Pela complexidade técnica da actividade reguladora;
b) Pelo volume de trabalho repercutido na actividade reguladora;
c) Pelas características técnicas do meio de comunicação utilizado;
d) Pelo alcance geográfico do meio de comunicação utilizado.
3 - Na categoria de imprensa integram-se nas subcategorias de:
a) Regulação alta - as publicações periódicas de informação geral diárias e
semanais de âmbito nacional e as agências noticiosas;
b) Regulação média - as publicações periódicas de informação geral, diárias e
semanais de âmbito regional, as publicações diárias de informação especializada
e as publicações que somente se encontrem disponíveis em suporte electrónico;
c) Regulação baixa - as publicações periódicas de informação geral com
periodicidade diversa da anteriormente prevista, as publicações periódicas de
informação especializada de periodicidade não diária e as publicações periódicas
doutrinárias.
4 - Na categoria de rádio integram-se nas subcategorias de:
a) Regulação alta - os serviços de programas de âmbito nacional;
b) Regulação média - os serviços de programas de âmbito regional e os de âmbito
internacional;
c) Regulação baixa - os serviços de programas de âmbito local.
5 - Na categoria de televisão integram-se nas subcategorias de:
a) Regulação alta - os serviços de programas generalistas com cobertura de
âmbito nacional;
b) Regulação média - os serviços de programas temáticos, os serviços de
programas com cobertura de âmbito regional ou local, bem como os de âmbito
internacional.
6 - Na categoria de comunicações móveis integram-se na subcategoria de regulação
alta os operadores de comunicações móveis que forneçam conteúdos de comunicação
social.
7 - Na categoria de cabo os operadores que disponibilizem ao público, através de
redes de comunicação electrónica, serviços de programas de rádio ou de
televisão, na medida em que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e agregação,
integram-se nas subcategorias de:
a) Regulação alta - quando a respectiva cobertura abranja mais de metade do
território nacional;
b) Regulação média - quando a respectiva cobertura abranja dois ou mais
distritos ou uma Região Autónoma;
c) Regulação baixa - quando a respectiva cobertura abranja apenas um distrito.
8 - Na categoria de sítios informativos submetidos a tratamento editorial
integram-se na subcategoria de regulação alta os operadores que disponibilizem
regularmente ao público, através de redes de comunicação electrónica, conteúdos
submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente.
Artigo 7.º
(Distribuição dos encargos em sede de taxa de regulação e supervisão)
1 - O método de fixação da taxa de regulação e supervisão, constante do anexo II
ao presente decreto-lei e do qual faz parte integrante, assenta numa
distribuição dos encargos de regulação e supervisão contínuas e prudenciais
entre os diversos operadores de comunicação social, segundo os seguintes
critérios:
a) Volume de trabalho repercutido na actividade reguladora;
b) Complexidade técnica da actividade reguladora;
c) Características técnicas do meio de comunicação utilizado;
d) Alcance geográfico do meio de comunicação utilizado;
e) Impacte da actividade desenvolvida pelo operador de comunicação social.
2 - Os critérios repercutidos no método de fixação da taxa de regulação e
supervisão constante do anexo II ao presente decreto-lei e do qual faz parte
integrante determinam o quantitativo da taxa a suportar, que será reproduzido
por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das
finanças e da comunicação social, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º
dos Estatutos da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados
pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro.
Por estas disposições é criada uma “taxa” que visa remunerar os custos
específicos despendidos pela ERC no exercício da sua actividade contínua e
prudencial de regulação e supervisão de toda a comunicação social.
Esta taxa deve ser paga por todas as entidades que prossigam, sob jurisdição do
Estado Português, actividades de comunicação social, e o seu quantitativo é
calculado em conformidade com a intensidade da função regulatória e supervisora
que exige cada entidade, atendendo às características técnicas, alcance
geográfico, volume e impacto social relativo da actividade de comunicação social
desenvolvida pelo operador em causa.
Para este efeito o legislador procedeu à classificação dos diversos meios de
comunicação social em várias categorias, sendo o valor da taxa calculado em
função da subsunção de cada entidade a uma determinada categoria e subcategoria,
estabelecidas em função da actividade de regulação e supervisão exigida à ERC,
em abstracto, tendo em consideração os critérios indicados.
No orçamento da ERC para o ano de 2007 previa-se que a cobrança desta taxa
resultasse no apuramento da receita de € 800.000,00.
2.5. Da qualificação da “taxa” de regulação e supervisão
Uma vez que a recorrente para sustentar a sua posição da inconstitucionalidade
orgânica das normas questionadas, defende que esta “taxa”, além do mais, deve
ser qualificada como um autêntico imposto, importa relembrar a distinção entre
os conceitos dos diferentes tipos de tributo, tendo presente que a C.R.P. não
indica qualquer critério distintivo, sendo necessário recorrer aos conceitos
constantes da Lei Geral Tributária (artigo 4.º), aprovada pelo Decreto-Lei n.º
398/98, de 17 de Dezembro.
“1 - Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada,
nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.
2 - As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização
de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao
comportamento dos particulares.
(…)”.
Estas definições legais limitaram-se a recolher os ensinamentos dominantes da
doutrina fiscal (vide, entre outros, TEIXEIRA RIBEIRO, em “Lições de Finanças
Públicas”, pág. 267, da ed. de 1977, da Coimbra Editora, CARDOSO DA COSTA, em
“Curso de Direito Fiscal”, pág. 4-19, da 2.ª Edição, da Almedina, SOUSA FRANCO,
em “Finanças Públicas e Direito Financeiro”, volume II, pág. 58-73, da 4.ª
Edição, da Almedina, DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA LEITE DE CAMPOS, em “Direito
Tributário”, pág. 27-29, da ed. de 1996, da Almedina, CASALTA NABAIS, em
“Direito fiscal”, pág. 20-32, da 3ª ed., da Almedina,, NUNO SÁ GOMES, em “Manual
de Direito Fiscal”, vol. 1, pág. 73-79, da 12.ª ed., do Rei dos Livros, SALDANHA
SANCHES, em “Manual de Direito Fiscal”, pág. 22-37, da 3.ª Edição, da Coimbra
Editora, EDUARDO PAZ FERREIRA, em “Ainda a propósito da distinção entre impostos
e taxas: o caso da taxa municipal devida pela realização de infra-estruturas
urbanísticas”, em “Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 380, pág. 63-81, e XAVIER DE
BASTO e LOBO XAVIER, em “Ainda a propósito da distinção entre taxa e imposto: a
inconstitucionalidade dos emolumentos notariais e registrais devidos pela
constituição de sociedades e pelas modificações dos respectivos contratos, na
R.D.E.S., n.º 1 e 3, de 1994, pág. 3 e seg.), os quais foram, alias, adoptados
pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (uma resenha desta jurisprudência
foi efectuada por CASALTA NABAIS, em “Jurisprudência do Tribunal Constitucional
em matéria fiscal”, no B.F.D.U.C. n.º 69 (1993), págs. 387 e seg., e por CARDOSO
DA COSTA, em “O enquadramento constitucional dos impostos em Portugal: a
jurisprudência do Tribunal Constitucional”, em “Perspectivas Constitucionais –
Nos 20 anos da Constituição de 1976”, vol. II, pág. 397 e seg.).
O imposto, enquanto prestação unilateral, não corresponde a nenhuma
contraprestação específica atribuída ao contribuinte por parte do Estado; ele
terá apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais.
Ao carácter unilateral da prestação de imposto contrapõe-se a natureza
sinalagmática das taxas.
A sinalagmaticidade que caracteriza as quantias pagas a título de taxa só
existirá quando se verifique uma contrapartida resultante da relação concreta
com um bem semipúblico, que, por seu turno, se pode definir como um bem público
que, satisfaz, além de necessidades colectivas, necessidades individuais (vide
TEIXEIRA RIBEIRO, em “Noção jurídica de taxa”, na “Revista de Legislação e de
Jurisprudência”, ano 117.º, pág. 291).
A taxa “pressupõe, ou dá origem, a uma contraprestação específica resultante de
uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e
um bem ou serviço público”, sendo “grande a variabilidade do conteúdo jurídico
do conceito, resultante da diversidade das situações que geram as obrigações de
taxa e das múltiplas delimitações formais da respectiva noção financeira” (SOUSA
FRANCO, na ob. cit., págs. 63-64).
Mas, fugindo a esta divisão dicotómica dos tributos, tem sido apontada a
existência de outras figuras marginais designadas como tributos parafiscais
(artigo 3.º, n.º 1, a), da Lei Geral Tributária), nos quais se incluem, com
especial visibilidade, as contribuições cobradas para a cobertura das despesas
de pessoas colectivas públicas não territoriais, que resultam numa verdadeira
consignação subjectiva de receitas (sobre os tributos parafiscais, nomeadamente
as referidas contribuições, vide ALBERTO XAVIER, em “Manual de direito fiscal”,
vol. I, pág. 64 e seg., da ed. de 1974, SOUSA FRANCO, ob. cit., pág. 74 e seg.,
CASALTA NABAIS, em “Direito fiscal”, pág. 32, da 3ª ed., da Almedina, e em “O
dever fundamental de pagar impostos”, pág. 256 e seg., da ed. de 1998, da
Almedina, e SALDANHA SANCHES, na ob. cit., pág. 58-65). A criação de tais
contribuições a favor de determinadas pessoas colectivas públicas distintas da
Administração estadual, regional ou local, visam o seu sustento financeiro,
escapando à disciplina jurídica clássica, como forma de evitar o crescimento do
défice das contas públicas e contornar a rigidez do regime dos impostos, através
da previsão de meios financeiros mais dúcteis.
Como escreveu SOUSA FRANCO:
“Nas contribuições parafiscais há (…) uma maior agilidade atribuída à
administração pública, quanto ao modo de criação e agravamento e quanto ao
próprio regime geral dessas receitas, tornando mais fácil o seu processo de
lançamento, liquidação e cobrança” (na ob. cit., pág. 76).
Após estes considerandos, cabe agora perguntar se é possível, conforme pretende
a Recorrente, atribuir a natureza de imposto, à “taxa” sub judice. Obviamente,
na economia do presente recurso de constitucionalidade, apenas relevará o regime
jurídico concreto da “taxa de regulação e supervisão”, sendo completamente
irrelevante o nomen juris atribuído na lei.
Como resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7
de Junho, a “taxa” de regulação e supervisão é precisamente uma contribuição
para o financiamento da acção quotidiana da ERC, a qual é exigida pela natureza
da actividade desenvolvida pelos sujeitos passivos da taxa. São os custos do
serviço de monitorização e acompanhamento contínuo e permanente de cada entidade
que prossiga actividades de comunicação social, operando nesse mercado, em ordem
a assegurar o cumprimento das competências que estão atribuídas à ERC, que esta
taxa visa satisfazer.
Sendo a actividade desenvolvida por essas entidades a causa da necessidade da
ERC ter que empreender acções de regulação e de supervisão contínuas, e
beneficiando aquelas da vigilância no cumprimento das regras estabelecidas para
o sector e da efectiva concorrência ao nível dos produtos oferecidos,
entendeu-se que devem os seus agentes contribuir proporcionalmente para o
financiamento dos custos dessas acções essenciais à existência de um mercado
plural. Foi esta a filosofia que presidiu à criação desta “taxa”.
Não estamos, pois, no seu aspecto dominante, perante uma participação nos gastos
gerais da comunidade, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, nem
perante a retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade
pública ao sujeito passivo, pelo que a referida “taxa” não se pode qualificar
nem como imposto, nem como uma verdadeira taxa, sendo tais tributos antes
qualificáveis como contribuições, incluídas na designação genérica dos tributos
parafiscais (vide, adoptando esta qualificação relativamente às “taxas”
financiadoras da actividade das entidades reguladoras, GOMES CANOTILHO e VITAL
MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa anotada”, vol. I, pág. 1095,
da 4ª ed., da Coimbra Editora, CARDOSO DA COSTA, em “Sobre o princípio da
legalidade das “taxas” (e das “demais contribuições financeiras”)”, em Estudos
em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu
nascimento”, pág. 805, e SÉRGIO VASQUES, em “As taxas de regulação económica em
Portugal: uma introdução”, em “As taxas de regulação económica em Portugal”,
pág. 34, da ed. de 2008, da Almedina).
Resolvida a questão da qualificação do tributo em análise, importa agora
verificar se a C.R.P. exige que a sua previsão conste de lei aprovada pela
Assembleia da República, conforme defende a recorrente.
2.6. Da reserva de lei formal em matéria tributária
A criação de impostos foi na nossa história constitucional, apesar das
incertezas manifestadas entre 1945 e 1971, após o esvaziamento da competência
legislativa da Assembleia Nacional resultante da Revisão Constitucional de 1945,
matéria sempre reservada à aprovação parlamentar (sobre a evolução desta
competência legislativa, vide JORGE MIRANDA, em “A competência legislativa no
domínio dos impostos e as chamadas receitas parafiscais”, na R.F.D.U.L., vol.
XXIX (1988), pág. 9 e segs. e ANA PAULA DOURADO, em “O princípio da legalidade
fiscal: tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre
apreciação”, pág. 50 e segs.).
A fidelidade a esta exigência não deixa de ter justificação no princípio dos
ideais liberais “no taxation without representation”, correspondente à ideia de
que, sendo o imposto um confisco da riqueza privada, a sua legitimidade tem de
resultar duma aprovação dos representantes directos do povo, numa lógica de
auto-tributação, a qual permitirá a escolha de tributos bem acolhidos pelos
contribuintes e, por isso, eficazes (sobre uma mais aprofundada justificação da
reserva de lei fiscal, vide ANA PAULA DOURADO, na ob. cit., pág. 75-84).
Foi esta a opção da Constituição de 1976, que deixou de fora desta exigência as
taxas (sobre esta opção, vide o Parecer da Comissão Constitucional n.º 30/81, in
Pareceres da Comissão Constitucional, 17.º volume, pág. 91, da ed. da INCM, o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 205/87, em “Acórdãos do Tribunal
Constitucional”, 9º vol., pág. 209, e CASALTA NABAIS, em “Jurisprudência do
Tribunal Constitucional em matéria fiscal”, no B.F.D.U.C. n.º 69 (1993), págs.
407-408).
Os termos do texto constitucional, antes da Revisão operada em 1997, suscitavam
uma representação dicotómica dos tributos, pelo que a doutrina e a
jurisprudência procuravam equiparar os apelidados tributos parafiscais à
categoria dos impostos, ou das taxas, para concluírem se a sua criação estava ou
não sujeita ao princípio da reserva de lei formal (vide NUNO DE SÁ GOMES, em
“Manual de Direito Fiscal”, vol. I, pág. 315 e seg., da 12ª ed., do Rei dos
Livros, SOUSA FRANCO, na ob. cit., pág. 74-76, e CASALTA NABAIS, em “O dever
fundamental de pagar impostos”, pág. 256-257, da ed. de 1998, da Almedina).
No que respeita às contribuições cobradas para a cobertura das despesas de
pessoas colectivas públicas não territoriais, assumia algum relevo a posição de
as incluir na categoria dos impostos, exigindo que a sua previsão constasse de
lei aprovada pela Assembleia da República (vide, neste sentido, ALBERTO XAVIER,
na ob. cit., pág. 73-75, JORGE MIRANDA, na ob.cit., pág. 22-24, e o Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 1239/96, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”,
35.º vol., pág. 145, relativo à taxa devida à Comissão Reguladora de Produtos
Químicos e Farmacêuticos).
Esta qualificação visava combater o já acima apontado objectivo da subtracção
destas receitas ao regime clássico da legalidade tributária e do orçamento do
Estado, considerado um “perigoso aventureirismo fiscal”.
Contudo, a alteração introduzida na redacção da alínea i), do n.º 1, do artigo
165.º, da C.R.P. (anterior alínea i), do n,º 1, do artigo 168.º), pela Revisão
Constitucional de 1997, veio obrigar a uma reformulação dos pressupostos da
discussão sobre a existência de uma reserva de lei formal em matéria de
contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas colectivas
públicas não territoriais.
Onde anteriormente o artigo 168.º, n.º 1, i), da C.R.P. dizia que “é da
exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes
matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema
fiscal (…)”, passou a constar que “é da exclusiva competência da Assembleia da
República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
(…) i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais
contribuições financeiras a favor das entidades públicas (…).
Para efeitos de submissão dos diversos tipos de tributo ao princípio da reserva
de lei formal a nova redacção do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da C.R.P.,
autonomizou a categoria das “contribuições financeiras”, a par dos impostos e
das taxas.
Conforme resulta da consulta dos trabalhos parlamentares da Revisão
Constitucional de 1997, a referência às contribuições financeiras constante da
alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P., procurou abranger precisamente
o mencionado tertium genus, incluindo as contribuições cobradas para a cobertura
das despesas de pessoas colectivas públicas não territoriais. Conforme, nessa
altura, esclareceu o deputado Vital Moreira: “a expressão 'contribuições
financeiras' foi aquela que se encontrou para ser mais neutra, para não se falar
em contribuições especiais, em contribuições parafiscais, que é aquilo a que a
doutrina normalmente se refere: são as chamadas taxas dos antigos institutos de
coordenação económica, as actuais chamadas taxas das comissões vitivinícolas
regionais ou seja, toda uma série de contribuições financeiras que não são taxas
em sentido técnico mas que são contribuições criadas para e a favor de
determinadas entidades reguladoras e para sustentar financeiramente as mesmas.
Penso que não devemos entrar nesta discussão teórica e por isso a escolha da
expressão 'contribuições financeiras' foi aquela que se encontrou mais neutra
para que a doutrina continue livre para fazer as suas discussões teóricas
doutrinárias.” (In DAR , II Série, de 30-10-1996, pág. 1381).
O artigo 165.º, n.º 1, i), da C.R.P., passou a referir-se a três categorias de
tributos, continuando os impostos sujeitos à reserva da lei formal, enquanto,
relativamente às taxas e às contribuições financeiras, apenas a definição do seu
regime geral tem que respeitar essa reserva de competência, podendo a concreta
criação deste tipo de tributos, ao contrário dos impostos, ser efectuada por
diploma legislativo governamental, sem necessidade de autorização parlamentar.
O legislador constitucional entendeu que a melhor maneira de enquadrar
juridicamente as “contribuições financeiras a favor de entidades públicas”, sem
perder agilidade na sua criação, era a de exigir a aprovação apenas de um regime
geral pelo parlamento, não sendo necessária a intervenção deste na criação
individual de tais tributos e na definição do seu regime em concreto. A
legitimidade na introdução na ordem jurídica deste tipo de tributos, passou a
bastar-se com a definição do seu regime geral pela Assembleia da República.
Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das
contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à
reserva da lei formal.
O princípio da legalidade, relativamente àquelas apenas exige que o parlamento
legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais,
comuns às diferentes contribuições financeiras, os quais devem estar presentes
na criação específica de cada uma delas, o que já não necessita duma intervenção
ou autorização parlamentar, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua
a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua
incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
Aquele regime geral das contribuições financeiras, cuja definição compete à
Assembleia da República, deve conter os seus princípios estruturantes, bem como
as regras elementares respeitantes aos seus elementos essenciais comuns, sendo
certo que é difícil imaginar que se consigam subordinar a um mesmo quadro
normativo figuras tão diferentes quanto aquelas que se podem abrigar neste novo
conceito intermédio. Daí que se preveja a necessidade de elaborar diferentes
regimes gerais para cada um dos tipos destas figuras tributárias (vide, neste
sentido, SÉRGIO VASQUES, na ob. cit., pág. 38).
Sucede, porém, que ultrapassada uma década sobre esta alteração do texto
constitucional, ainda não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições
financeiras, omissão a que não serão alheias as mencionadas dificuldades de
estabelecer um regime unificado e a crescente intervenção do direito comunitário
neste domínio (vide, neste sentido, SÉRGIO VASQUES, na ob. cit., pág. 39-40).
Esta inércia legislativa lança algumas dúvidas sobre a licitude das
contribuições financeiras entretanto criadas sem a existência do enquadramento
geral previsto no artigo 165.º, n.º 1, i), da C.R.P..
Enquanto Gomes Canotilho e Vital Moreira, se limitam a qualificar essas dúvidas
como “sérias” (na ob. cit., pág. 1096), Sérgio Vasques considera que “até à
edição de um regime geral que enquadre estas figuras tributárias, quando quer
que ela suceda, dever-se-á continuar a subordinar a criação e disciplina das
taxas de regulação económica a intervenção parlamentar e a censurar como
organicamente inconstitucionais aquelas que o sejam por decreto-lei simples” (na
ob.cit., pág. 40), entendendo Cardoso da Costa que “seria de todo inaceitável
atribuir à introdução da reserva parlamentar em apreço (…) seja o efeito, seja o
propósito, de paralisar ou bloquear a autonomia da acção governamental num
domínio que afinal lhe é próprio, tornando-a dependente em toda a medida de uma
intervenção parlamentar prévia: tal não seria compatível com a dinâmica e as
necessidades da vida do Estado.” (na ob. cit., pág. 803).
Contudo, relativamente à “taxa de regulação e supervisão” criada pelos artigos
3.º, n.º 3, a), e 4º, do Regime de Taxas da ERC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
103/2006, de 7 de Junho, as dúvidas resultantes da falta de aprovação pela
Assembleia da República de um regime geral “das contribuições financeiras a
favor de entidades públicas” não têm razão de existir, perante a normação
primária relativa a esta “taxa”, constante dos Estatutos da ERC, aprovados pela
Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro.
Na verdade, neste diploma, a Assembleia da República, permitiu a cobrança de
“taxas e outras receitas…junto das entidades que prosseguem actividades no
âmbito da comunicação social” (artigo 50.º, b)), determinando que “os critérios
de incidência, os requisitos de isenção e o valor das taxas devidas como
contrapartida dos actos praticados pela ERC” fossem “definidos por decreto-lei”
(artigo 51.º, n.º 1).
Apesar da equivocidade da referência a “taxas devidas como contrapartida dos
actos praticados pela ERC”, verifica-se que esta previsão tem um sentido amplo,
abrangendo as contribuições financeiras que podem ser cobradas pela actividade
corrente de regulação e supervisão exercida pela ERC, conforme resulta do
disposto no n.º 4, do mesmo artigo 51.º, dos Estatutos da ERC, aprovados pela
Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro.
Aí se determina que “as taxas devidas como contrapartida dos actos praticados
pela ERC serão suportadas pelas entidades que prosseguem actividades de
comunicação social, independentemente do meio de difusão utilizado, na
proporção dos custos necessários à regulação das suas actividades”. Ao
apontar-se como critério de referência da determinação do montante destas taxas
os custos da ERC no exercício da sua acção corrente de regulação das actividades
de comunicação social, não oferece dúvidas que o disposto quanto a “taxas” nos
artigos 50.º e 51.º, dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/20005, de 8
de Novembro, abrange a “taxa de regulação” que veio a ser prevista no artigo
4.º, do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho.
Apesar do artigo 51º, n.º 1, dos Estatutos da ERC, conferirem ao Governo a
possibilidade de definir, por acto legislativo “os critérios de incidência, os
requisitos de isenção e o valor das taxas devidas como contrapartida dos actos
praticados pela ERC”, isso não impediu que a Assembleia da República, nos n.º 2,
4 e 5, do mesmo artigo, enunciasse as seguintes regras gerais que devem presidir
à criação das referidas “taxas”:
“(…)
2 - As taxas referidas no número anterior devem ser fixadas de forma objectiva,
transparente e proporcionada.
(…)
4 - As taxas devidas como contrapartida dos actos praticados pela ERC serão
suportadas pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social,
independentemente do meio de difusão utilizado, na proporção dos custos
necessários à regulação das suas actividades.
5 - As taxas devidas como contrapartida dos actos praticados pela ERC são
liquidadas semestralmente, em Janeiro e Julho, com excepção daquelas que sejam
inferiores ao salário mínimo nacional, as quais são liquidadas anualmente em
Janeiro.”
Deste modo, a Assembleia da República, além de apontar os princípios gerais que
devem presidir à fixação das taxas a favor da ERC, determinou a sua incidência,
o âmbito dos seus sujeitos passivos, o critério para a fixação do seu valor e
até os prazos para o seu pagamento.
Esta normação parlamentar, especialmente destinada a possibilitar a aprovação
pelo Governo de taxas a favor da ERC, incluindo a taxa pela sua actividade
corrente de regulação e supervisão da comunicação social, é suficiente para,
relativamente a esta concreta taxa, se considerarem atingidos os objectivos
constitucionais visados com a exigência de um regime geral das contribuições
financeiras a favor de entidades públicas.
Na verdade, verifica-se que os representantes directos do povo tiveram
intervenção na definição dos princípios e das regras elementares respeitantes
aos elementos essenciais da taxa de regulação e supervisão a favor da ERC,
prevista nos artigos 3.º, n.º 3, a), e 4º, do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de
Junho, pelo que, sendo esta uma “contribuição financeira a favor de entidade
pública”, a sua consagração em decreto-lei não fere a exigência de reserva de
lei formal imposta no artigo 165.º, n.º 1, i), da C.R.P., não sofrendo as normas
aí contidas de inconstitucionalidade orgânica.
Deste modo, dever ser julgado improcedente o recurso interposto.
*
Decisão
Pelo exposto julga-se improcedente o recurso interposto por A., Limitada, para o
Tribunal Constitucional, da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e
Fiscal de Ponta Delgada em 23-10-2007.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidade de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
*
Lisboa, 2 de Julho de 2008
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos