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Processo nº 503/2007
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. O representante do Ministério Público junto dos Juízos de Execução do Porto
interpôs, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), recurso para este
Tribunal da decisão proferida em 7 de Março de 2007 pela 3.ª Secção do 1.º Juízo
de Execução do Porto, que “decidiu recusar a aplicação das normas constantes do
Anexo da Lei n.º 34/2004 e da Portaria n.º 1085-A/2004, publicada no D.R. I-B de
31 de Agosto de 2004, por serem inconstitucionais e violarem o disposto no art.º
20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que impõem que
o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício de apoio
judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado
familiar independentemente de o requerente fruir esse rendimento”. Pode ler-se
na fundamentação da decisão recorrida:
Estabelece o artigo 204°, da CRP que nos feitos submetidos a julgamento não
podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os
seus princípios, o que implica que a questão relativa à inconstitucionalidade é
do conhecimento oficioso.
Conforme referem os Srs. Prof. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in C.R.P.
Anotada, pág. 796 e 797), quanto ao artigo 282° da CRP; “Este preceito significa
que a função jurisdicional integra também a fiscalização da constitucionalidade
e que os tribunais – todos e cada um deles – têm o poder e o dever de confrontar
com a lei fundamental as normas infraconstitucionais que sejam chamados a
aplicar, tendo de recusar-se a aplicá-las se elas não forem compatíveis com ela
(...). Desde que considere que uma norma é inconstitucional, o tribunal não pode
aplicá-la em nenhuma circunstância – recusa de aplicação da norma
inconstitucional –, salvo se em recurso o juízo de inconstitucionalidade vier a
ser revogado. Tal é o teor expresso deste preceito (“não podem os tribunais
aplicar”). Desaplicada a norma por motivo de inconstitucionalidade, o tribunal
deve aplicar a norma que teria de aplicar na ausência da norma julgada
inconstitucional – que tanto pode ser a norma que anteriormente regulava a
matéria, uma norma subsidiariamente aplicável ao caso ou directamente uma norma
constitucional –, podendo porém dar-se o caso de não subsistir qualquer norma
uma vez afastada a norma julgada inconstitucional, devendo então a causa ser
julgada em conformidade.
A questão a decidir prende-se com a questão de saber se o executado tem ou não
direito ao apoio que peticionou, dado que o mesmo aufere em 2006 uma pensão de
343,45 Euros e a esposa aufere 223,24 Euros, de pensão, sendo que tais valores
são inferiores ao salário mínimo nacional quer em 2006 quer em 2007.
Cumpre referir que realizando os cálculos de acordo com o simulador que existe
no site da CRSS, dado ter-se em conta o agregado familiar, se obtém a decisão
dada pela CRSS, ou seja, de acordo com a fórmula de cálculo prevista na lei
actual do apoio Judiciário, o requerente apenas teria direito ao pagamento
faseado tal como foi decidido.
Como é sabido a nova Lei do Apoio Judiciário decidiu para se apreciar a
insuficiência económica estabelecer uma fórmula de cálculo rígida, que permite
determinar de forma matemática se uma dada família ou um agregado familiar tem
direito à protecção jurídica. Tal fórmula consta dos artigos 6°, 7º, 8° e 9° da
Portaria n° 1085/2004 de 31/8 que concretiza o que se deve entender por
rendimento relevante e explicita a fórmula de calcular esse rendimento.
Portanto a Lei 34/2004 veio implementar uma reforma profunda no que respeita à
concretização do que é a insuficiência económica para efeitos de apoio
judiciário, atento o artigo 8°. O n° 5 desse artigo estabelece que a prova e a
apreciação da insuficiência económica devem ser feitas de acordo com os
critérios estabelecidos e publicados em anexo à presente lei.
Sobre tal matéria foi já proferido douto Acórdão do Tribunal Constitucional n°
654/2006, publicado no D.R. II Série, de 19/1/2007, que decidiu: «Julga
inconstitucional por violação do n°1 do artigo 20° da constituição da República
Portuguesa, o anexo à Lei 34/2004 de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6° a
10° da Portaria n°1085-A/2004 de 31/8, na parte em que impõe que o rendimento
relevante para efeitos de concessão de apoio Judiciário seja necessariamente
determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o
requerente de protecção usufruir de tal rendimento.».
Refere o citado Acórdão, que vamos seguir de perto, que o n° 5 do artigo 8° da
lei em análise delimita o direito ao acesso ao direito e aos tribunais, por
critérios de apreciação tabelados e fixados, por recurso a uma fórmula
matemática. Nesta altura, e ao contrário da anterior lei do apoio judiciário,
deixou de se atender ao caso concreto e passou a ter-se uma norma fechada e a
pondera-se critérios estritos económico-financeiros.
Entende o citado Tribunal que o uso de uma fórmula matemática para se apreciar a
situação de insuficiência económica nos termos dos artigos 6° a 10º da citada
Portaria, traduz-se numa delimitação do direito de aceder aos tribunais.
Mas a aplicação desta fórmula no caso conduz a um resultado que, salvo o devido
respeito por melhor entendimento, não se mostra conforme o direito fundamental
de acesso ao direito e aos tribunais porque implica uma restrição desse direito
e numa violação do princípio da igualdade (é que o requerente recebe um valor
inferior ao salário mínimo mesmo a considerar-se a pensão de 2006).
Neste caso resulta que só se tivesse em conta o rendimento do requerente que o
mesmo teria de acordo com a fórmula, direito ao apoio total, mas como se integra
o valor da pensão da esposa, dado ser do mesmo agregado familiar, recusou-se o
apoio e apenas se concedeu na modalidade do pagamento faseado. Por outras
palavras fazendo-se as contas ao valor 44648,85 no simulador da CRSS (o valor da
pensão vezes 13 meses) o requerente teria direito ao apoio judiciário, mas
tendo-se em conta o valor da pensão da esposa tal conduz a conceder o pagamento
faseado.
Entende-se no citado Acórdão que tal se traduz numa violação dos princípios da
proporcionalidade e igualdade.
Assim, entende-se que o único rendimento a ter em conta é o do requerente –
343,45 Euros – e tal rendimento é inferior ao salário mínimo o qual é
estabelecido como o mínimo da dignidade humana.
Portanto, entende o tribunal não aplicar a norma acima mencionada por se
entender que se viola o artigo 20°, n°1 da CRP que estabelece que a todos é
assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus interesses e
direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência económica.
Actualmente a apreciação em concreto da insuficiência económica do requerente
passou a ter lugar a título excepcional (artigo 20°, n° 2 da Lei e 2° da
Portaria), ao contrário do que ocorria na lei anterior. A fórmula considera
todos os rendimentos do agregado familiar do interessado, isto é, todas as
pessoas que vivam em economia comum com o requente, sendo que tal valoração é
feita de maneira rígida e tabelar através de uma «fórmula matemática» (artigos
6° a 10º da Portaria citada).
A aplicação do anexo e destes artigos não garante o acesso ao direito e aos
tribunais, dado que o valor do rendimento relevante é determinado pelo do
agregado familiar independentemente de o requerente fruir ou não desse
rendimento do terceiro que integra a economia comum (mas tal poderá não ser
assim, poderão existir conflitos). Tal como se refere no citado Acórdão o dever
de alimentos não compreende as despesas relativas à taxa de justiça, e como tal
não se pode dar como assente que o requerente dispõe do valor da pensão da
esposa (cfr. Lei n° 6/200 1, de 11/5).
Portanto, o tribunal entende que as normas do Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria
n° 1085-A/2004 de 31/8, na parte em que impõe que o rendimento relevante para
efeitos de concessão do beneficio do apoio judiciário seja necessariamente
determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o
requerente fruir esse rendimento, não garantem o acesso aos tribunais e violam o
artigo 20°, n°1 da CRP, sendo inconstitucionais.
Por outras palavras, e atento aos ensinamentos do Acórdão do Tribunal
Constitucional n° 654/2006, publicado no D.R. II Série, de 19/1/2007, adere-se a
este entendimento, e nesta medida e sequência, julga‑se inconstitucional, as
normas referidas quanto à fixação da insuficiência económica para efeitos de
apoio judiciário.
O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho proferido em 23 de
Março de 2007.
Determinada a produção de alegações, o representante do Ministério Público em
funções neste Tribunal concluiu assim as suas:
1º
Constitui restrição excessiva e desproporcionada ao direito fundamental de
acesso à justiça, sem discriminações fundadas na situação económica, a tabelar
ponderação do rendimento global, auferido por todas as pessoas que vivem em
economia comum com o requerente, incluindo os rendimentos auferidos pelo
cônjuge, independentemente da natureza da demanda para que é peticionado o apoio
judiciário e da sua possível e exclusiva conexão com interesses pessoais do
requerente.
2°
É inconstitucional, por violação do n° 1 do artigo 20º da Constituição da
República Portuguesa, o Anexo à Lei n° 34/04, conjugado com os artigos 6° a 10º
da Portaria n° 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o
rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio de apoio judiciário
seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar,
independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento.
3°
Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
pela decisão recorrida.
O recorrido não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
2. Incide o presente recurso de constitucionalidade sobre “as normas do Anexo
da Lei 34/2004 e da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31/8, na parte em que impõe que
o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício de apoio
judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado
familiar independentemente de o requerente fruir esse rendimento”, as quais “não
garantem o acesso aos tribunais e violam o artigo 20.º, n.º 1, da CRP, sendo
inconstitucionais.” Foram, com efeito, estas as normas cuja aplicação, ao caso,
o Tribunal a quo recusou.
Porém, do texto da decisão recorrida decorre que o conjunto normativo atrás
referido terá sido desaplicado pelo “facto” de o mesmo impor – para efeitos do
cálculo do rendimento relevante para a concessão de apoio judiciário – a
consideração do rendimento auferido pelo cônjuge do requerente do benefício de
apoio judiciário.
Tal conclusão parece retirar-se dos seguintes trechos da decisão recorrida:
(…)
A questão a decidir prende-se com a questão de saber se o executado tem ou não
direito ao apoio que peticionou, dado que o mesmo aufere em 2006 uma pensão de
343,45 Euros e a esposa aufere 223,24 Euros, de pensão, sendo que tais valores
são inferiores ao salário mínimo nacional quer em 2006 quer em 2007.
Cumpre referir que realizando os cálculos de acordo com o simulador que existe
no site da CRSS, dado ter-se em conta o agregado familiar, se obtém a decisão
dada pela CRSS, ou seja, de acordo com a fórmula de cálculo prevista na lei
actual do apoio Judiciários, o requerente apenas teria direito ao pagamento
faseado tal como foi decidido.
(…)
Neste caso resulta que só se tivesse em conta o rendimento do requerente que o
mesmo teria de acordo com a fórmula, direito ao apoio total, mas como se integra
o valor da pensão da esposa, dado ser do mesmo agregado familiar, recusou-se o
apoio e apenas se concedeu na modalidade do pagamento faseado. Por outras
palavras fazendo-se as contas ao valor 44648,85 no simulador da CRSS (o valor da
pensão vezes 13 meses) o requerente teria direito ao apoio judiciário, mas
tendo-se em conta o valor da pensão da esposa tal conduz a conceder o pagamento
faseado.
(…)
Actualmente a apreciação em concreto da insuficiência económica do requerente
passou a ter lugar a título excepcional (artigo 20°, n° 2 da Lei e 2° da
Portaria), ao contrário do que ocorria na lei anterior. A fórmula considera
todos os rendimentos do agregado familiar do interessado, isto é, todas as
pessoas que vivam em economia comum com o requente, sendo que tal valoração é
feita de maneira rígida e tabelar através de uma «fórmula matemática» (artigos
6° a 10º da Portaria citada).
A aplicação do anexo e destes artigos não garante o acesso ao direito e aos
tribunais, dado que o valor do rendimento relevante é determinado pelo do
agregado familiar independentemente de o requerente fruir ou não desse
rendimento do terceiro que integra a economia comum (mas tal poderá não ser
assim, poderão existir conflitos). Tal como se refere no citado Acórdão o dever
de alimentos não compreende as despesas relativas à taxa de justiça, e como tal
não se pode dar como assente que o requerente dispõe do valor da pensão da
esposa (cfr. Lei n° 6/200 1, de 11/5).
Nestes termos, entende-se que a questão que, por intermédio deste recurso,
cumpre ao Tribunal Constitucional apreciar, pode ser delimitada do seguinte
modo: é inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição
da República Portuguesa, o conjunto normativo constante do anexo à Lei n.º
34/04, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º
1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante
para efeitos de concessão do benefício de apoio judiciário seja necessariamente
determinado a partir do rendimento do agregado familiar, incluindo os
rendimentos auferidos pelo cônjuge, independentemente de o requerente do
benefício de apoio judiciário fruir tal rendimento?
3. Como se refere na decisão recorrida e salienta o Magistrado do Ministério
Público em funções neste Tribunal, no Acórdão n.º 654/2006 (publicado no Diário
da República, II Série, de 19 de Janeiro de 2007), julgou-se inconstitucional,
por violação do n.º 1 do artigo 20.º da CRP, o Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de
Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de
Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de
concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a
partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de
protecção jurídica fruir tal rendimento, juízo este que foi reiterado nas
Decisões Sumárias
n.ºs 206/2007, 530/2007, 603/2007, 625/2007, 1/2008 e 99/2008 (os textos
integrais destas Decisões Sumárias, bem como do referido Acórdão, estão
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), mas em situações outras que não
as relativas à consideração do rendimento do cônjuge do requerente do benefício
de apoio judiciário.
O juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Acórdão n.º 654/2006 baseou-se na
seguinte fundamentação:
1. A decisão recorrida desaplicou o Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho,
conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de
Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do
rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior,
estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta. Segundo
esta decisão, a aplicação do Anexo à Lei n.º 34/2004, que remete a apreciação da
insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e das
fórmulas matemáticas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º
1085‑A/2004 conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra
conforme ao direito fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais.
Por força do disposto no n.º 5 do artigo 8.º e no n.º 1 do artigo 20.º da Lei
n.º 34/2004, de 29 de Julho (Altera o regime de acesso ao direito e aos
tribunais e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE,
do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos
litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns
relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios), a prova e a apreciação
da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica deve ser feita de
acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo àquela lei.
Compõem o Anexo, para o que agora releva, as seguintes normas:
«I – Apreciação da insuficiência económica
1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional
não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os
custos de um processo;
b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do
valor do salário mínimo nacional considera‑se que tem condições objectivas para
suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de
consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio
judiciário;
c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o
valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os
custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar
pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do
apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do
n.º 1 do artigo 16.º da presente lei;
2 – (…)
3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado
familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção
jurídica.» (itálico aditado).
Por seu turno, os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, que procede à
concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica,
têm o seguinte conteúdo:
«SECÇÃO II
Apreciação do requerimento
Artigo 6.º
Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
1 – Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que
resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado
familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
(A), ou seja, YAP = YC – A.
2 – O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso
em múltiplos do salário mínimo nacional.
Artigo 7.º
Rendimento líquido completo do agregado familiar
1 – O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da
soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da
renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do
agregado familiar (YR), ou seja, YC = Y + YR.
2 – Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende‑se o rendimento depois
da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos
empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores
para a segurança social.
3 – O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no
artigo 10.º da presente portaria.
Artigo 8.º
Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
1 – O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta
da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado
familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado
familiar (H), ou seja, A = D + H.
2 – O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar
(D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de
dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado
em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo
I.
3 – O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H)
resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do
agregado familiar (YC), ou seja, H = h ×YC, em que h é determinado em função dos
diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
4 – O cálculo do montante da dedução de encargos com a habitação do agregado
familiar (H) apenas tem lugar se o seu valor for superior ao montante da despesa
efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de renda da casa
de morada de família ou de prestações para a sua aquisição ou no caso de não ter
sido declarada qualquer despesa com a habitação do agregado familiar; caso o
valor realmente despendido (B) seja inferior, é este o valor considerado.
Artigo 9.º
Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante
para efeitos de protecção jurídica
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a fórmula de cálculo do valor
do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificada nos
artigos anteriores e no anexo III, é a seguinte:
2 – Se, porém, o montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado
familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações
para a sua aquisição (B) for inferior ao montante que resulte da aplicação do
coeficiente de dedução de encargos com a habitação do agregado familiar previsto
no artigo anterior, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para
efeitos de protecção jurídica é a seguinte:
Artigo 10.º
Cálculo da renda financeira implícita
1 – O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo
7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor
dos activos patrimoniais do agregado familiar.
2 – A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao
valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o
requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou
no 2.º semestre do ano civil em curso.
3 – Entende‑se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o
declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz
predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
4 – Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1
apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita
medida desse excesso.
5 – O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que
resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do
requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
6 – Entende‑se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado.»
A norma que integra o objecto do presente recurso foi desaplicada pelo Tribunal
Cível de Lisboa, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa, que dispõe o seguinte:
«A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada
por insuficiência de meios económicos.» (itálico aditado).
2. Sobre a modalidade de protecção jurídica que está em causa nos presentes
autos, pode ler‑se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 98/2004 (Diário da
República, II Série, de 1 de Abril de 2004) o seguinte:
«O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica,
seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos
nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo plasmado no artigo
20.º, n.º 1, da Constituição.
Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do
referido instituto no nosso ordenamento; impõe‑se que a sua modelação seja
adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que
carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são
inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial,
designadamente custas e honorários forenses.»
O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do
instituto do apoio judiciário dada pela norma desaplicada, extraída do Anexo que
integra a Lei n.º 34/2004, em conjugação com os artigos 6.º a 10.º da Portaria
n.º 1085‑A/2004, garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele
que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são
inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e
honorários forenses. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à
dimensão «prestacional» da garantia fundamental do acesso ao direito e aos
tribunais, que se concretiza no «dever de o Estado assegurar meios (como o apoio
judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios
económicos» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/91, Diário da República,
II Série, de 2 de Abril de 1992. Assim também, Gomes Canotilho, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 501, e Jorge Miranda/Rui
Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, anotação ao
artigo 20.º, ponto VI).
3. Tendo como referência a Constituição da República Portuguesa vigente, o
Decreto‑Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, editado ao abrigo da Lei n.º 41/87,
de 23 de Dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o estabelecimento do
regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais, foi o primeiro diploma
regulador do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, configurando‑o a
partir de acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de
protecção jurídica, revestindo esta última as modalidades de consulta jurídica e
de apoio judiciário (artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º).
Muito embora esta configuração se tenha mantido até ao presente (cf. artigos
1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º da Lei n.º 30‑E/2000, de 20 de Dezembro, e 1.º, n.ºs 1 e
2, e 6.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), foram introduzidas alterações
significativas através da Lei n.º 30‑E/2000, que atribuiu aos serviços de
segurança social, retirando tal competência aos tribunais, a apreciação dos
pedidos de concessão de apoio judiciário (artigo 21.º), e da Lei n.º 34/2004,
que inovou em matéria de determinação da insuficiência económica do requerente
de protecção jurídica.
Na sequência deste diploma, a concessão de protecção jurídica a quem, tendo em
conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não
tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo
(cf. artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004) passou a depender do valor do
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (artigos 8.º, n.º 5, e
20.º, n.º 1, e ponto 1 do Anexo da Lei n.º 34/2004), determinado a partir do
rendimento do agregado familiar – ou seja, também a partir do rendimento das
pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica (n.ºs
1 e 3 do ponto 1 deste Anexo) – e das fórmulas previstas nos artigos 6.º a 10.º
da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto.
A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do requerente de
protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf. artigos 20.º,
n.º 2, da Lei de 2004 e 2.º da referida Portaria), diferentemente do que sucedia
no direito anterior (cf. artigos 7.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1 e 2, e 23.º, n.º 2, do
Decreto‑Lei n.º 387‑B/87, artigos 7.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º
30‑E/2000 e modelo de requerimento de apoio judiciário para pessoas singulares
aprovado pela Portaria n.º 1223‑A/2000, de 29 de Dezembro), relativamente ao
qual é de salientar, a título exemplificativo, que o afastamento da presunção de
insuficiência económica, legalmente estabelecida, dependia da circunstância de o
requerente fruir outros rendimentos, próprios ou de terceiros.
Face a esta alteração, a sentença recorrida conclui que «a norma que constituía
o artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 30‑E/2000, de Dezembro, e que era preenchida em
face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que
era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma
fechada, ponderando estritos aspectos económico‑financeiros, como resulta claro
da adopção de uma fórmula matemática»; assinalando o Ministério Público junto
deste Tribunal que aquela decisão recusa a aplicação das «normas delimitadoras e
reguladoras do âmbito do apoio judiciário, na versão actualmente vigente,
enquanto consideram rendimento relevante para aferir da invocada situação de
insuficiência económica todos os rendimentos auferidos pelo ‘agregado familiar’
do interessado – ou seja, pelo conjunto das pessoas que vivem em ‘economia
comum’ com o requerente de protecção jurídica, sendo tal insuficiência económica
valorada, de modo rígido e tabelar, através da ‘fórmula matemática’ contida nos
artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto» (fls. 56 e
seguintes dos autos).
4. Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica,
determinado a partir do rendimento do requerente e da avó, com quem vive e de
quem recebe alimentos, e das fórmulas previstas na Portaria que fixa os
critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão
daquela protecção, levava à inserção do caso em apreço nos presentes autos na
alínea c) do n.º 1 do ponto 1 do Anexo à Lei n.º 34/2004 – concessão de apoio
judiciário na modalidade de pagamento faseado previsto na alínea d) do n.º 1 do
artigo 16.º desta Lei – o tribunal recorrido desaplicou o Anexo à Lei n.º
34/2004, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, por
violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, a aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não garante o
acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser denegado
este acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que o rendimento
relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado a partir
do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente fruir o
rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo destacar‑se que
facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de protecção jurídica
não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Para
além de poder haver interesses conflituantes entre os membros da economia comum,
designadamente quanto ao objecto do processo, e de o requerente de protecção
jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre a defesa dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em causa pode não estar
juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do requerente de apoio
judiciário.
Nos presentes autos, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende
despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses (cf. artigos 2003.º e
2005.º do Código Civil e 399.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e o que sobre
isto se diz na decisão recorrida e nas alegações do recorrente, a fls. 59 e
seguintes), não se pode assumir que o requerente de apoio judiciário dispõe,
efectivamente, de parte do rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica – a parte correspondente ao rendimento de quem lhe presta alimentos (a
avó) –, o que consente a possibilidade de ser denegado o acesso ao direito e aos
tribunais por insuficiência de meios económicos. Podendo ainda invocar‑se, neste
mesmo sentido, o artigo 116.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, uma vez
que em caso de execução por custas respondem apenas os bens penhoráveis do
requerente de protecção jurídica e não também os bens daquele que com ele vive
em economia comum; e o regime de protecção das pessoas que vivam em economia
comum, previsto na Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, já que as pessoas que integram
esta economia não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão
em causa nos presentes autos.
Pelo que se expôs, é de concluir que a norma desaplicada pela decisão recorrida,
extraída do Anexo que integra a Lei n.º 34/2004, em conjugação com aos artigos
6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, não garante o acesso ao direito e aos
tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para
suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um processo
judicial, designadamente custas e honorários forenses.”
O Tribunal Constitucional entendeu, pois, que, não compreendendo o dever de
prestar alimentos as despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses,
a norma que impunha a ponderação dos rendimentos da avó obrigada a alimentos
para com o requerente do benefício de apoio judiciário, para efeitos de
concessão do benefício de apoio judiciário, violava o disposto no n.º 1 do
artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
4. Não obstante, subsiste uma diferença substancial entre a espécie
jurisprudencial decidida pelo Acórdão n.º 654/2006 [bem como a decidida pelo
Acórdão n.º 274/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que julgou
inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da
República Portuguesa, o Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os
artigos 6.º a 10.º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que
impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio
judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado
familiar, incluindo o da pessoa que vive com o requerente em situação de união
de facto, independentemente de este poder fruir tal rendimento] e o caso dos
autos, em que foi tido em consideração, na determinação da insuficiência
económica do requerente do benefício de apoio judiciário, não apenas o
rendimento por ele auferido, mas também o rendimento auferido pelo cônjuge, que
se encontra sujeito ao cumprimento dos deveres conjugais, e, designadamente, ao
dever de assistência a que se refere o artigo 1675.º do Código Civil, o que pode
envolver a obrigação de comparticipar na satisfação de despesas judiciais a que
o outro interessado se encontra obrigado para intervir na defesa dos seus
direitos ou interesses legítimos.
Assim se compreende que no Acórdão n.º 272/2008 (igualmente disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) este Tribunal tenha decidido não julgar
inconstitucionais as normas constantes da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do § I
do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, bem como as normas constantes dos
artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.ºs 1 e 2, 8.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 9.º da Portaria n.º
1085-A/2004, de 31 de Agosto, quando interpretadas no sentido de permitirem a
consideração de rendimentos pertencentes ao agregado familiar de um requerente
de apoio judiciário, para efeitos de determinação da insuficiência económica
deste, quando auferidos por cônjuge, na constância de casamento sujeito ao
regime de comunhão de adquiridos, quando o pedido de apoio judiciário vise
dedução de oposição à execução movida contra um dos cônjuges, no âmbito da qual
possam vir a ser penhorados bens comuns do casal.
Esse Acórdão n.º 272/2008 teve, na parte que ora interessa, os seguintes
fundamentos:
(…)
9. Este excurso pelo Direito infra-constitucional aplicável aos autos de acção
executiva, na qual foi deduzido pedido de apoio judiciário, afiguram-se
essenciais para aferir do proveito que a eventual procedência do incidente de
oposição à execução, deduzido exclusivamente pelo recorrido, poderá reverter
para o referido cônjuge, cujos rendimentos auferidos foram imputados ao
recorrido, por pertencerem ao mesmo agregado familiar.
É que, através do Acórdão n.º 654/2006, este Tribunal apenas julgou
inconstitucional as normas extraídas do “Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de Julho,
conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na
parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do
benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do
rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção
jurídica fruir tal rendimento”, ou seja, naquele caso concreto “na parte em que
impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do
requerente de benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são
prestados alimentos pela avó, o rendimento desta.
Ora, nos presentes autos, a imputação ao recorrido dos rendimentos do
cônjuge-mulher, Maria Cândida Oliveira, decorre expressamente do regime de bens
ao qual está sujeito o respectivo casamento, visto que nos termos da alínea b) o
subsídio de desemprego que é auferido pelo cônjuge-mulher é considerado como bem
integrado na comunhão matrimonial.
Acresce ainda, que por força do n.º 1 do artigo 1675º do Código Civil, o
cônjuge-mulher do recorrido está vinculado ao cumprimento do dever de
assistência, que compreende não só o mero dever de prestação de alimentos, como
o de “contribuir para os encargos da vida familiar”. Frise-se, aliás, que aquele
preceito legal nem sequer adopta a noção, mais restritiva, de “encargos normais
da vida familiar” (com sublinhado nosso) – como sucede, por exemplo, no caso da
alínea b) do n.º 1 do artigo 1691º do Código Civil. Na medida em que o
intérprete deve presumir que o legislador se expressou correctamente,
pretendendo distinguir meros “encargos” de “encargos normais” sempre se
concluirá que, ainda que as custas judiciais possam não ser consideradas como
“encargos normais”, sempre serão qualificáveis como “encargos («tout court»)” da
vida familiar, na medida em que foram contraídas na sequência de dívida comum a
ambos os cônjuges.
Deste modo, ao contrário do que sucedia nos autos que deram lugar ao Acórdão n.º
654/2006, existem deveres legais, directamente decorrentes da celebração e
vigência de casamento sob o regime de comunhão de adquiridos, que determinam a
existência de proveito, por parte do recorrido, dos rendimentos auferidos por
parte do seu cônjuge-mulher. Tal circunstância, só por si, já imporia solução
distinta à adoptada anteriormente adoptada por este Tribunal, a propósito de
situação distinta, que serviu de fundamento à decisão ora recorrida.
10. Do supra exposto, resulta que não procede igualmente o argumento explanado,
a propósito do Acórdão n.º 654/2006, quanto à potencial verificação de conflito
entre os interesses dos membros do agregado familiar. Perante o caso concreto
ora em apreço, constata-se que o recorrido mantém o mesmo interesse processual
que o cônjuge-mulher, visto que, sendo a dívida comum, os bens comuns do casal
podem vir a ser alvo de penhora – tendo estes, aliás, já sido nomeados à penhora
pelo exequente. Deste modo, não se verifica qualquer constrangimento a que o
cônjuge-mulher, casada sob o regime de comunhão de adquiridos, fique vinculada a
suportar os custos do litígio.
11. Improcede igualmente o argumento relativo à não abrangência das custas
judiciais e dos honorários de mandatário forense por parte do dever de alimentos
previsto nos artigos 2003º e 2005º do Código Civil, visto que, ao contrário do
que sucedia no caso em julgamento no Acórdão n.º 654/2006, não se discute agora
o âmbito do dever de alimentos entre ascendentes/descendentes, mas antes o dever
de assistência (mais amplo do que o mero dever de alimentos) entre
cônjuge-marido e cônjuge-mulher.
12. Por fim, quanto ao argumento segundo o qual o n.º 1 do artigo 116º do Código
das Custas Judiciais não determina que respondam pela dívida os bens de pessoas
que vivem em economia comum com o devedor, nos termos da Lei n.º 6/2001, de 11
de Maio, o mesmo não procede nos presentes autos, na medida em que, conforme já
supra demonstrado, o recorrido e Maria Cândida Oliveira encontram-se casados,
sob o regime da comunhão de adquiridos. Ora, sucede que o conceito de “bens
penhoráveis” constante do n.º 1 do artigo 116º do Código das Custas Judiciais
abrange, necessariamente, pelo menos, os bens comuns do casal que respondem,
quer pelas dívidas comuns (cfr. n.º 1 do artigo 1695º do Código Civil), quer
mesmo pelas dívidas da responsabilidade exclusiva do recorrente, desde que
restringida à respectiva meação (cfr. n.º 1 do artigo 1696º do Código Civil).
Daqui decorre que, mesmo no caso de o recorrido não poder liquidar eventual
dívida de custas judiciais, aferida a final do processo, os bens do seu
cônjuge-mulher respondem igualmente nos limites anteriormente fixados.
13. Em suma, este Tribunal não pode deixar de notar que, caso a situação fosse
idêntica aos autos que lhe deram lugar, reiteraria integralmente o sentido da
jurisprudência vertida no Acórdão n.º 654/06, ou seja, que não é compatível com
o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva permitir a imputação do
rendimento de outros membros do agregado familiar ao requerente de apoio
judiciário quando este não frua de tal rendimento.
Sucede, porém, que os factos concretos que configuram a questão ora submetida a
este Tribunal não permitem julgar inconstitucional as normas constantes da
alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do § I do Anexo, bem como das normas constantes
dos artigos 6º, n.º 1, 7º, n.ºs 1 e 2, 8º, n.ºs 1, 2 e 3 e 9º da Portaria n.º
1085-A/2004, quando interpretadas no sentido de permitirem a consideração de
rendimentos pertencentes ao agregado familiar de um requerente de apoio
judiciário, para efeitos de determinação da insuficiência económica deste,
quando auferidos por cônjuge-mulher, na constância de casamento sujeito ao
regime de comunhão de adquiridos, quando o pedido de apoio judiciário vise
dedução de oposição à execução movida contra um dos cônjuges, no âmbito da qual
possam vir a ser penhorados bens comuns do casal.
O direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (cfr. n.º 1 do artigo 20º
da CRP) não fica prejudicado pela circunstância de serem imputados ao requerente
de apoio judiciário rendimentos pertencentes ao seu cônjuge-mulher, quando
vigore qualquer um dos regimes de comunhão de bens legalmente previstos, na
medida em que, necessariamente, nesses casos, o requerente – como sucede com o
recorrente nos autos – pode deles fruir livremente. O direito de acesso aos
tribunais e ao Direito, como qualquer outro direito fundamental, não constitui
um direito absoluto, exigindo apenas a Lei Fundamental que tal acesso não seja
denegado em função da insuficiência económica do indivíduo carenciado de
protecção jurídica. A medida da insuficiência económica não encontra
densificação específica no enunciado constitucional, antes ficando dependente de
um juízo de proporcionalidade (cfr. n.º 2 do artigo 18º da CRP). A livre margem
de determinação pelo legislador do valor do rendimento que se afigura indiciador
da insuficiência económica apenas permitiria a este Tribunal julgar
inconstitucionais as normas ora em apreço, caso ocorresse uma manifesta violação
do princípio da proporcionalidade.
Ora, no caso em apreço, através do preenchimento do pedido de apoio judiciário,
o recorrido reconheceu que o seu agregado familiar auferiu 11.505,73 €, no ano
fiscal anterior ao pedido, e que não suportam quaisquer despesas com habitação
própria (cfr. fls. 4-verso). A aplicação das fórmulas de cálculo constantes dos
artigos 6º a 9º da Portaria n.º 1085-A/2004, no caso concreto ora em apreço, não
se traduz numa restrição desproporcionada ao direito de acesso aos tribunais,
até porque determina a aplicação da medida concretamente menos lesiva para o
recorrente, ou seja, a mera sujeição ao pagamento faseado das custas judiciais,
nos termos da alínea c) do n.º 1 do § I do Anexo à Lei n.º 34/2004.
Atentas as particularidades do caso em apreço, entende-se assim não subsistirem
fundamentos razoáveis para concluir pela inconstitucionalidade das normas alvo
de desaplicação por parte da decisão recorrida.
Ora, estando no presente processo em causa a consideração, para efeitos de
determinação da insuficiência económica do requerente do benefício de apoio
judiciário, de rendimentos auferidos pelo cônjuge, na constância de casamento
sujeito ao regime de comunhão geral de bens, visando o pedido do benefício de
apoio judiciário a propositura de uma acção executiva (elementos factuais
fornecidos pelo requerente a fls. 2 e segs.), a fundamentação transcrita deve
ser reiterada, obviamente com as necessárias adaptações, entendendo-se não
subsistirem fundamentos razoáveis para concluir, com o tribunal a quo e o
Magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal, pela
inconstitucionalidade das normas alvo de desaplicação por parte da decisão
recorrida.
Com efeito, não é possível detectar no presente caso, em que não resulta
provável que o requerente de protecção jurídica, casado sob o regime de comunhão
geral de bens, não usufrua do rendimento do cônjuge para efeitos de fazer face a
despesas judiciais relativas a uma acção executiva que pretende propor, qualquer
violação grosseira ou evidente do direito de acesso ao direito e aos tribunais.
III
Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional o conjunto normativo constante do anexo à Lei
n.º 34/04, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º
1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante
para efeitos de concessão do benefício de apoio judiciário seja necessariamente
determinado a partir do rendimento do agregado familiar, incluindo os
rendimentos auferidos pelo cônjuge, independentemente de o requerente de
protecção jurídica fruir tal rendimento.
b) Conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida em
conformidade com o presente julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 18 de Junho de 2008
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão