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Processo n.º 46/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Na presente acção declarativa, com processo ordinário, que a Câmara Municipal de
Ponte da Barca intentou contra A., Lda., julgada procedente na primeira
instância e em apelação, veio a Ré ínterpor recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, que, tendo sido admitido como revista, foi julgado deserto por falta de
alegações.
A Ré, através do mandatário que, ao abrigo de um substabelecimento com reserva,
motivara o recurso de apelação, veio arguir a nulidade do despacho que julgou
deserto o recurso com o fundamento de lhe não ter sido notificado o acórdão da
Relação.
A nulidade foi desatendida, na Relação, por despacho do relator, confirmado em
conferência, pelo que a Ré agravou desta decisão para o Supremo Tribunal de
Justiça (STJ), pedindo a sua revogação e a consequente notificação ao mandatário
com poderes substabelecidos do acórdão que conheceu do recurso de apelação.
Invocou para tanto, em síntese, que, tendo sido emitido substabelecimento com
reserva, passaram a existir no âmbito do processo dois mandatários, pelo que se
não podia ignorar que era ao mandatário com poderes substabelecidos que deviam
ser também efectuadas as notificações de todos os actos processuais que se
seguiram àquele em teve a primeira intervenção, devendo efectuar-se uma
interpretação conjugada das normas dos artigos 36.°, n.° 3, 253.° e 254.° do
Código de Processo Civil (CPC) com o disposto no artigo 20 °, n.° 2, da
Constituição da República (CRP), sob pena de inconstitucionalidade por violação
desta referida disposição constitucional.
Por acórdão de 4 de Dezembro de 2007, o STJ negou provimento ao agravo, com base
na seguinte fundamentação:
1.1- O mandato judicial, que pode ser conferido por instrumento público ou
documento particular ou mesmo por declaração verbal da parte no auto de qualquer
diligência processual (art. 35º do CPC), confere ao mandatário poderes para
representar a parte em todos os actos e termos do processo (nº 1 do art. 36º do
CPC).
E preconiza o nº 2 do mesmo art. que nos poderes que a lei presume conferidos ao
mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.
Com o substabelecimento o mandatário está a investir uma outra pessoa,
igualmente habilitada, nos poderes de representação forense da parte e no dever
de os exercer, como refere Castro Mendes [Direito Processual Civil, II, pág.
141].
O substabelecimento pode ser com ou sem reserva. Enquanto nesta segunda hipótese
se verifica a exclusão do primitivo mandatário, tal como decorre do nº 3 do
mesmo art. 36º, já no substabelecimento com reserva, a parte fica representada
por dois mandatários, cada um deles com plenos poderes para praticar actos
processuais em representação da parte. O substituinte não é, neste caso,
excluído da posição representativa, subsistindo antes dois mandatos.
Desde que o substabelecimento não contenha qualquer limitação, ambos os
mandatários ficam com iguais poderes de representação da parte.
O mandatário judicial constituído no processo, sempre que o juiz ou a lei
processual o determinem, tem de ser notificado de todos os actos que se vão
praticando, para assumir as suas competências e obrigações funcionais.
Esta omissão é geradora de nulidade porquanto é susceptível de influir no exame
ou decisão da causa, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 201º do CPC.
A notificação do advogado é feita nos termos e com as formalidades previstas no
art. 254º do CPC, sendo a respectiva carta registada enviada para o escritório
ou domicílio por ele escolhido.
Enviada para essa direcção, mesmo que devolvida a carta, tem-se a notificação
por efectuada, em conformidade com o preceituado no nº 4 do art. 254º.
Em caso de substabelecimento com reserva, assumindo ambos os advogados plenos
poderes de representação, as notificações a fazer no processo poderão ser feitas
a qualquer deles, nos respectivos escritórios.
Só assim não acontecerá se tiver sido escolhido domicílio específico para
recebimento das notificações, situação em que as mesmas serão então dirigidas
para esse domicílio.
Na situação vertente, o primitivo mandatário substabeleceu com reserva num outro
advogado, substabelecimento não direccionado para a prática de qualquer acto
judicial específico. Depois e como se consignou no acórdão recorrido, não foi
escolhido domicílio próprio para recebimento das notificações.
Assim sendo, as notificações podiam ser feitas a qualquer dos advogados, tanto
ao primitivo como ao substabelecido.
A notificação do acórdão proferido na Relação foi correctamente efectuada quando
dirigida para o escritório do primitivo mandatário, pelo que de nenhuma
irregularidade padece.
1.2- Sustenta ainda a recorrente que, ao admitir-se que apenas um dos advogados
devia ser notificado, está-se a limitar a escolha de mandatário para a prática
de actos específicos no âmbito do processo e, como tal, a violar o princípio
constitucional vertido no art. 20º da Constituição da República.
O art. 20º da Constituição da República reconhece vários direitos, direitos
esses que integram o direito geral de protecção jurídica.
Esse direito abarca normativamente, desde logo, o direito que a todos é
reconhecido de se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade – nº
2 do citado art. 20º.
Este direito não foi cerceado à recorrente que, em vez de um só mandatário
forense, passou a ter mais do que um com o substabelecimento com reserva. E a
todos eles foi reconhecido o direito de intervirem processualmente.
Agora o que a lei ordinária impõe é que só um desses advogados seja notificado
dos actos processuais. E isto para evitar a anarquia processual relacionada com
a verdadeira contagem de prazos que resultaria da notificação a todos e cada um
desses advogados.
Este entendimento mostra-se perfeitamente razoável e proporcionado, não podendo
ver-se na notificação dos actos processuais apenas a um desses advogados uma
limitação do direito de acompanhamento pleno por advogado.
E este direito fundamental não foi afectado, na sua essência, por essa regra
processual, porquanto a recorrente não viu cerceado o direito à escolha de
mandatário, nem à intervenção no processo de qualquer um dos advogados
escolhidos.
Daí que a interpretação dos arts. 36º e 254º do CPC com aquele sentido não
enferme de qualquer inconstitucionalidade.
Inconformada com o assim decidido, a Ré veio interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70° da Lei
do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da constitucionalidade das
normas dos artigos 36º, n.º 3, 253° e 254º do CPC, quando interpretadas no
sentido de que não existe obrigatoriedade de notificar os advogados/mandatários
intervenientes no processo de forma a poderem tramitá-lo da forma mais correcta
à protecção dos interesses do seu constituinte, por violação do direito de livre
escolha do mandatário da parte consagrado no artigo 20º, n.º 2, da CRP:
Nada tendo obstado ao prosseguimento do recurso, no Tribunal Constitucional, os
arguidos apresentaram as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
A. No acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi decidido que: “A
notificação do acórdão proferido na Relação foi correctamente efectuada quando
dirigida para o escritório do primitivo mandatário, pelo que de nenhuma
irregularidade padece.”
B. Concluindo que: “Daí que a interpretação dos arts. 36.° e 254.° do CPC com
aquele sentido não enferma de qualquer inconstitucionalidade.”
C. De facto, o recorrente, salvo o devido respeito, entende que não assiste
qualquer razão nos (aliás, escassos) fundamentos invocados no acórdão a quo para
sustentar a sua decisão.
D. Por isso mesmo se interpõe o presente recurso, através do qual se pretende
ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 36°, n.º 3, 253.° e 254.° do
CPC, que deverão ser apreciados à luz do que é consagrado no artigo 20.° da
Constituição da República Portuguesa.
E. Ora o artigo 20.° da CRP estabelece um direito geral e efectivo à protecção
jurídica, o que quer dizer que é elemento essencial da concepção de Estado de
Direito uma efectiva protecção dos direitos e interesses legítimos dos
particulares/cidadãos, sendo que esse direito fundamental tem várias vertentes,
todas com importância para o exercício efectivo do acesso ao direito e aos
tribunais.
F. Efectivamente este artigo 20. ° da CRP reúne em si o direito de acesso ao
direito, o direito de acesso aos tribunais, o direito à informação e consulta
jurídica e o direito ao patrocínio judiciário.
G. Ora, a verdade é que deve ser permitido que, num processo judicial em que se
colocam questões particulares e específicas, e sendo certo que é permitido
substabelecer, o cidadão seja representado pelo mandatário que entende ter as
características e competências específicas para o efeito.
H. E assim, tratando-se de um substabelecimento com reserva, ou seja,
circunscrito a determinada fase processual — neste caso, no que se referia ao
recurso — deve permitir-se que essa intervenção seja plena.
I. Ou seja, se em determinada fase processual, o representado considera que,
para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos, é mais adequado ser
patrocinado por outro mandatário que o representará numa diligência em concreto,
será essencial para a efectividade desse direito que o tribunal notifique esse
mandatário das posteriores diligências e prazos processuais.
J. Assim sendo, o(s) mandatário(s) a ora recorrente que apresentaram, ao abrigo
do substabelecimento com reserva que lhe(s) foi outorgado pelo Sr. Dr. B.,
recurso de apelação, deveria (m) ter sido notificado (s) do Acórdão de 14 de
Dezembro de 2006 que julgou essa apelação improcedente.
K. Na verdade, apesar de tendo sido emitido substabelecimento, passarem a
existir no âmbito do processo dois mandatários, não se podia ignorar que era ao
mandatário com poderes substabelecidos que deviam ser (também) efectuadas as
notificações de todos os actos respeitantes ao primeiro acto no qual teve
intervenção, e para o qual foi especificamente constituído — assim o obrigando
uma leitura conforme à Constituição dos supracitados preceitos do CPC.
L. E isto porque é um legítimo interesse da parte, que o Tribunal não podia ter
ignorado, em virtude do disposto nesses preceitos do CPC - assim interpretados -
que fosse o mandatário com poderes substabelecidos a pleitear em tudo quanto
respeitasse ao desenvolvimento do recurso que intentou, ao abrigo dos seus
poderes, ainda que substabelecidos.
M. Pelo que, deve ser este o significado que nestes casos se deve extrair dos
artigos 36.°, n.º 3, 253.° e 254.° do CPC, sendo a sua actual redacção
inconstitucional ao não impor a notificação de ambos os mandatários.
N. Na verdade, ao entender-se que os citados preceitos não impõem a notificação
dos mandatários que, desta forma, intervêm no processo, está-se a coarctar aos
particulares o direito a um patrocínio judiciário adequado.
O. De facto, consagra o artigo 20.°, n.º 2, da Constituição: “Todos têm direito
nos termos da lei à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e
a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.”
P. O artigo 20.°, n.º 2, consagra o direito ao patrocínio judiciário, fazendo
parte deste direito o poder de livre escolha do advogado que deverá exercer tal
patrocínio.
Q. Efectivamente, este direito, constitucionalmente consagrado, não pode ceder
face às normais procedimentais, em determinada data emanadas pelo legislador.
R. De facto, no caso, da interpretação acolhida no acórdão recorrido, de
corrente da actual redacção das ditas normas, resulta a violação do direito
fundamental que é conferido à recorrente pelo n.º 2 do artigo 20. ° da
Constituição.
S. Por isso, o(s) mandatário(s) da ora recorrente que apresentaram, ao abrigo do
substabelecimento com reserva que lhe(s) foi outorgado, recurso de apelação,
deveriam ter sido estes (também) destinatários da notificação do acórdão que
recaiu (também) sobre as alegações de recurso por si apresentadas.
T. E isto porque os artigos 36.°, n.º 3, 253.° e 254.° do CPC devem ser
conjugadamente interpretados à luz do artigo 20°, n.º 2, da Constituição, sob
pena de (se interpretadas de outra forma) incorrerem estas normas legais em
inconstitucionalidade por violação da referida disposição jusfundamental.
U. Por conseguinte, e com base nestes fundamentos, deverá ser considerada
inconstitucional a interpretação feita pelo tribunal a quo dos artigos 36°, n.º
3, 253. ° e 254.° do CPC, na medida em que tal entendimento determina(ou)
somente a notificação do mandatário que substabeleceu os poderes, e que o fez
especificamente para que o mandatário substabelecido pudesse representar o
particular naquela específica fase processual.
V. Tanto mais que não existe sequer qualquer inconveniente processual na
notificação do mandatário substabelecido que deva ser levado em conta na
interpretação daqueles normativos (como legítimo fundamento de uma interpretação
restritiva do direito fundamental em questão);
W. Com efeito, não cria esta situação, por si só, qualquer desigualdade entre as
partes processualmente envolvidas: antes pelo contrário, ela permite a ambas a
busca da melhor defesa e portanto de aplicação da Justiça.
X. É que qualquer restrição do direito fundamental, tem de ser justificado por
um valor superior, o qual não se consegue descortinar nesta matéria.
Y. A lei, de forma injustificável, apenas determina que será notificado qualquer
dos mandatários que figurem no processo, se houver um substabelecimento com
reserva.
Z. Sem que haja qualquer justificação plausível para a limitação deste direito
fundamental, tal como consta da lei processual!
AA. Pelo que, apenas se pode concluir pela inconstitucionalidade da limitação
imposta, uma vez que nesta circunstância, nem sequer se pode argumentar a favor
da celeridade processual, uma vez que, tratando-se de notificação, as mesmas se
presumem feitas (e portanto produtoras de efeitos) a partir do terceiro dia
posterior ao do registo, conforme artigo 254.° do CPC,
AB. Pelo que, reafirma-se, não se justifica esta imitação ao direito fundamental
das partes de escolher mandatário que as represente em juízo.
AC. Procedendo desta forma a inconstitucionalidade das normas processuais
identificadas, ou pelo menos a sua interpretação, na medida em que não imponha a
notificação de ambos os advogados intervenientes no processo, em situação tão
distinta e característica.
Nestes termos e nos mais de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V.
Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência deverão
os artigos 36.°, n.º 3, 253.° e 254.° do CPC ser considerados inconstitucionais,
ou ser considerada inconstitucional a interpretação que dos mesmos é feita pelo
tribunal a quo, à luz do artigo 20°, n.º 2 da Constituição, e, em sua
substituição, ser emitido acórdão que defira a arguição de nulidade e ordene a
notificação do acórdão de 14 de Dezembro de 2006 ao mandatário com poderes
substabelecidos, iniciando-se, consequentemente, a partir desse momento, os
prazos legais para posteriores diligências processuais
A Autora, ora recorrida, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
1 - Improcedem e não podem merecer provimento, nenhuma das conclusões invocadas
pela Recorrente.
2 — O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, acha-se devidamente fundamentado,
aplicou as normas do Código de Processo Civil dos arts. 36, n° 3, 253º e 254º do
Código de Processo Civil em conformidade com o disposto no art. 208º da
Constituição, garantindo por essa forma o cumprimento do disposto no n° 2 do
art. 20º da CRP à ora Recorrente.
3 — É absolutamente falso que nos autos exista qualquer indício de que a ora
Recorrente tenha indicado ao Tribunal, outro domicílio para o efeito do
recebimento de notificações que não fosse o domicílio do Dr. B. em Arcos de
Valdevez.
4 — A causa ora em recurso é uma acção de domínio, a mais clássica das acções de
domínio, estatisticamente das mais comuns em litigância forense no Alto Minho.
5 — Não se vislumbrando nos autos quais as razões para afirmar, tal como consta
na conclusão G) da alegação da Recorrente que exista especificidade técnica só
dominada pelo mandatário substabelecido que subscreveu as alegações do recurso
de apelação.
6 — Improcedendo totalmente as conclusões constantes das alíneas H), I) e J) das
conclusões da Recorrida, porquanto quem interpôs recurso de apelação e de
revista foi o mandatário forense com domicilio averbado nos autos, sendo que tão
somente as alegações de recurso de apelação do despacho saneador-sentença foram
subscritas pelo Dr. C..
7 — A procuração forense do Dr. B. (fls. 292 dos autos) indica como domicilio
profissional a Rua … n° .., nos Arcos de Valdevez.
8 — A fls. 411 e 412 dos autos, veio a ser junto (aliás tardiamente) pelo Dr. C.
o substabelecimento forense, conferido com reserva pelo Dr. B. aos Ilustres
Advogados Dr. D., Dr. E. e Dr. C., com escritório na Rua … nº …, na cidade do
Porto.
9 — Em bom rigor, cumpria ao substabelecimento indicar se os advogados
substabelecidos poderiam actuar separadamente ou em conjunto.
10 — E se a vontade do advogado mandante, que substabelece, fosse a de que os
advogados substabelecidos pudessem ser titulares de poderes processuais para
receber notificações, seria imperioso e necessário que no instrumento de
substabelecimento do mandato, tal fosse expressamente exarado. E não foi.
11 - E se igualmente tivesse sido vontade da A., ora Recorrente, que as
notificações fossem expedidas para o domicilio profissional do Dr. C. ou do Dr.
D. ou do Dr. E., a oportunidade processual para o terem feito, teria sido com o
requerimento da junção tardia do substabelecimento. E não foi.
12 — O Dr. B., subsequentemente, à junção do substabelecimento aos autos,
assumiu continuadamente a prática do patrocínio, em todos os actos, inclusive no
requerimento de interposição de recurso de revista!
13 — Mantendo poderes forenses nos autos, competia em primeira linha ao advogado
que mantém a relação de mandato forense com a Recorrente A. (atente-se que a
procuração não lhe foi sequer revogada nem este renunciou ao mandato) indicar
para qual dos advogados substabelecidos, haveria a secretaria de remeter a
notificação, não se vislumbrando porque deveria a secretaria notificar o Dr. D.,
e não o Dr. E., ou o Dr. C., subscritores da alegação da Apelação, sendo que
este último até já nem mantém o mesmo domicílio profissional.
14 — A A. não pode pretender estar convicta de que a secretaria judicial, teria
de notificar quatro advogados em três domicílios profissionais diferentes.
15 — O patrocínio forense da Recorrente sempre esteve assegurado, com base no
mandato que se acha constituído nos autos desde o início.
16 — Não foi reconhecida nos autos qualquer nulidade dos actos de notificação
que o devesse ter sido.
17 — O acórdão do S.T.J. não podia deixar de julgar, pela inexistência de
qualquer violação ao n° 2 do art. 20º da Constituição, porquanto sempre esteve
assegurado o patrocínio forense da Recorrente.
18— Nem dos autos, consta sequer, qualquer documento que permita ajuizar, que a
recorrente tivesse desejado que o mandatário forense com a obrigação de mandato
directamente constituído pela parte, fosse varrido dos autos, omitindo-se-lhe a
notificação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
19 — Aliás, todas as notificações foram sempre efectuadas, no domicílio do
mandatário forense, titular da relação directa de mandato, incluindo as que
permitiram tramitar o agravo em 2ª instância que se acha apensa aos autos, e a
admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
20 — O que permite concluir que o exercício do direitos processuais da ora
Recorrente sempre estiveram garantidos ao abrigo do disposto nos arts. 20º, n°
2, e 208º da Constituição, não tendo sido introduzida qualquer limitação ao
direito fundamental da recorrente.
21 — Inexistiu em consequência qualquer interpretação restritiva feita pelo
tribunal a quo aos preceitos dos arts. 36º, n° 3, 253º e 254º do Código de
Processo Civil.
22 — Porquanto, a admitir-se a eventualidade de notificação a quatro advogados,
estaria a criar-se a anarquia processual no controlo dos prazos judiciais, dando
azo à violação do art. 166º do Código de Processo Civil, que determina à
secretaria a cominação de processar com rigor e segurança a conclusão dos autos.
23 – Improcedem, em consequência, todas as conclusões da Recorrente não tendo
sido violados nenhuns dos preceitos dos arts. 36, n°s 2 e 3, 253º e 254º do
Código de Processo Civil, nem do art. 20º, n° 2, da Constituição da República
Portuguesa.
24 — Pelo que deve manter-se a jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta
matéria, devendo ser negado provimento ao Recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Está em causa, no presente recurso de constitucionalidade, a questão de saber se
as normas dos artigos 36º, n.º 3, 253° e 254º do CPC são susceptíveis de
violarem o direito de patrocínio judiciário, consagrado no artigo 20º, n.º 2, da
CRP, quando interpretadas no sentido de que não há lugar à notificação de acto
processual ao advogado substabelecido, que o tenha sido a título de
substabelecimento com reserva, para efeito de este poder ter intervenção
subsequente no processo.
Conforme a factualidade dada como assente pelo acórdão recorrido, a Ré tinha
passado procuração forense ao advogado Dr. B., com escritório nos Arcos de
Valdevez, a quem conferiu poderes gerais forenses, e que foi junta aos autos com
a contestação (fls 292).
Do despacho saneador-sentença foi interposto recurso de apelação mediante
requerimento subscrito pelo mandatário forense (fls. 353), a quem foi notificado
o despacho da sua admissão (fls. 371).
As alegações referentes ao recurso foram subscritas pelo advogado Dr. C., que
interveio ao abrigo de substabelecimento passado pelo primitivo mandatário
judicial, nos seguintes termos: «substabeleço, com reserva, os poderes que me
são conferidos por A., pela procuração junta aos autos de acção ordinária que
corre termos sob o número 37/03.8T.B. P.T.B. no Tribunal Judicial de Ponte da
Barca» (fls 412).
O acórdão da Relação de Guimarães que julgou improcedente o recurso de apelação
foi notificado apenas ao Dr. B..
O recurso de revista entretanto interposto foi julgado deserto, por falta de
alegações.
Em agravo de 2ª instância, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu a arguição
de nulidade da notificação do acórdão da Relação de Guimarães, que vinha
invocada com fundamento na omissão de notificação aos advogados substabelecidos.
Entendeu a decisão recorrida, à luz da apontada factualidade, que em caso de
substabelecimento com reserva, assumindo ambos os advogados plenos poderes de
representação, as notificações de actos processuais poderão ser feitas a
qualquer deles, nos respectivos escritórios, não constituindo nulidade
processual a omissão da notificação ao advogado substabelecido.
De acordo com o julgado, essa omissão não envolve também qualquer cerceamento do
direito de livre escolha do mandatário judicial, consagrado no artigo 20º da
Constituição da República, porquanto, através do substabelecimento com reserva,
a qualquer dos mandatários é reconhecido o direito de intervirem
processualmente.
Alega a recorrente, em contrário, que o artigo 20.° da CRP estabelece um direito
geral e efectivo à protecção jurídica, que inclui o direito ao patrocínio
judiciário, e que, nesse sentido, deve ser permitido que, num processo judicial
em que se colocam questões particulares e específicas, a parte seja representada
pelo mandatário que se entende ter as adequadas competências para o efeito. E
esse legítimo interesse da parte não pode ser ignorado pelo tribunal, pelo que
as normas dos artigos 36.°, n.º 3, 253.° e 254.° do CPC, quando interpretadas no
sentido de que não impõem a notificação de ambos os mandatários, ainda que um
deles disponha de substabelecimento com reserva, é inconstitucional, por
violação do disposto no artigo 20º, n.º 2, da Constituição, por envolver uma
limitação ao direito fundamental das partes de escolherem o mandatário que as
represente em juízo.
As normas em causa, na sua actual redacção e na parte que mais interessa
considerar, dispõem nos seguintes termos:
«Artigo 36.º
Conteúdo e alcance do mandato
1. O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os
actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante os
tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de
poderes especiais por parte do mandante.
2. Nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de
substabelecer o mandato.
3. O substabelecimento sem reserva implica a exclusão do anterior mandatário.
[…]»
«Artigo 253.º
Notificação às partes que constituíram mandatário
1. As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos
seus mandatários judiciais.
2. Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto
pessoal, além de ser notificado o mandatário, será também expedido pelo correio
um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da
comparência.
3. Sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou
advogado-estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na
pessoa do mandatário judicial sê-lo-ão sempre na do solicitador.»
«Artigo 254.º
Formalidades
1. Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu
escritório ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados
pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal.
2. […].
3. A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do
registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
4. A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser
devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário
ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido
entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito,
presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior.
5. […].
6. As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo
notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data
posterior à presumida, por razoes que lhe não sejam imputáveis.»
Resulta essencialmente destas disposições, na parte que mais releva para o caso,
que as notificações às partes são feitas na pessoa dos mandatários judiciais
(salvo quando a notificação se destine a chamar a parte à prática de acto
pessoal, caso em que é também pessoalmente notificada a parte), sendo realizadas
por carta registada enviada para o escritório ou o domicílio escolhido, e
presumindo-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia
útil seguinte.
Por outro lado, nos termos do artigo 36º, n.º 2, do CPC, em consonância com o
que também determina o regime substantivo do mandato (artigo 264º, n.º 2, do
Código Civil, aplicável ao mandato judicial por força da norma remissiva do
artigo 1065º do mesmo Código), podendo haver lugar à substituição do mandatário,
esta não envolve a exclusão do mandatário, salvo declaração em contrário. Por
isso mesmo, como explicita a referida norma da lei processual, só um
substabelecimento sem reserva poderia importar a declaração de exclusão do
anterior mandatário.
Nestes termos, conforme é também entendimento jurisprudencial corrente, para que
o primitivo mandatário perca a sua posição representativa, quedando-se no
processo apenas o substabelecido, é necessário fazer-se uma declaração que tenha
esse inequívoco sentido. Quando, como é o caso dos autos, o instrumento de
substabelecimento reserva os poderes forenses do advogado a quem foi conferido o
mandato, tal significa que ficam ambos (o substituinte e o substabelecido)
legalmente aptos para a prática dos actos processuais, mesmo perante os
tribunais superiores (neste sentido, os acórdãos do STJ de 11 de Outubro de
1983, BMJ n.º 330, pág. 461, de 6 de Julho de 1994, BMJ n.º 439, pág. 469, e de
12 de Janeiro de 2004, BMJ n.º 433, pág. 476).
Verifica-se, nessa hipótese, uma situação de pluralidade de mandatários - que é
também admitida pelo artigo 1160º do Código Civil -, qualquer deles com a
plenitude dos poderes de representação.
Daqui resulta, com toda a evidência, que não tendo sido incluída no
substabelecimento a claúsula sem reserva (que permitiria a transferência dos
poderes forenses do primitivo mandatário para o substituto, operando uma
substituição definitiva), a qualquer dos mandatários pode ser validamente
notificada a sentença ou qualquer outro acto processual praticado no processo
(acórdão do STJ de 12 de Janeiro de 2004, citado, e acórdãos do Tribunal da
Relação de Lisboa de 29 de Março de 1993, Processo n.º 0067672 e de 26 de
Outubro de 1999, Processo n.º 0044261).
Alega, no entanto, o recorrente, nos termos já há pouco sucintamente
apresentados, que uma tal solução jurídica viola o direito de acesso aos
tribunais na modalidade de direito a patrocínio judiciário, que pressupõe –
segundo afirma – o direito de livre escolha do advogado que deve intervir em
cada acto processual.
Deve começar por dizer-se que não está de nenhum modo demonstrado – nem o
tribunal recorrido deu como provado – que o substabelecimento ocorrido nos autos
teve como finalidade garantir que nos recursos a apresentar perante os tribunais
superiores o patrocínio judiciário fosse assegurado pelos advogados
substabelecidos. O que resulta do documento, junto a fls 412 dos autos, é
apenas que os poderes forenses gerais, que haviam sido conferidos ao primitivo
mandatário, foram substabecidos com reserva noutros advogados. De nenhuma forma
se conclui que eram estes que deviam intervir na fase recursória.
Nem tão pouco o acórdão formulou o entendimento de que não é possível, em dada
fase do processo, a substituição de um mandatário judicial por outro que a parte
considere em melhores condições de exercer o patrocínio judiciário.
Não está, portanto, em causa, em bom rigor, qualquer violação do direito de
livre escolha do mandatário judicial. Sendo que a parte sempre poderia ter
revogado o mandato, com a consequência de dever ser constituído um novo
mandatário (artigo 39º do CPC), e o mandatário sempre poderia ter substabelecido
sem reserva, como permite o artigo 36º, n.ºs 2 e 3, do CPC, para o efeito de se
excluir do processo e passar a ser substituído plenamente pelo substabelecido.
A única interpretação normativa que pode ser analisada, do ponto de vista da sua
conformidade constitucional, é pois aquela – que foi efectivamente aplicada pelo
acórdão recorrido – que considera, em caso de substabelecimento com reserva que
as notificações podem ser feitas em qualquer dos advogados constituídos
(substituinte e substabelecido).
Sem dúvida que o artigo 20º, n.º 2, da CRP engloba no genérico direito de acesso
aos tribunais o direito ao patrocínio judiciário, que deve ser entendido, por
sua vez, em conjugação com o disposto no artigo 208º que, sob a epígrafe
«Patrocínio forente», remete para a lei a atribuição aos advogados das
«imunidades necessárias ao exercício do mandato» e a regulamentação do
«patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça».
Enquanto componente do direito de acesso aos tribunais, o direito ao patrocínio
judiciário pressupõe que os particulares possam ser tecnico-juridicamente
aconselhados com vista a realizarem a concreta defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos (acórdão do Tribunal Constitucional n.º
661/94), o que significa que o princípio constitucional garante, desde logo, a
quem necessite de recorrer aos tribunais para a resolução de litígios, o direito
à nomeação de um representante que assegure a condução técnico-jurídica do
processo. E, naturalmente, sem embargo de certas limitações que possam ser
estabelecidas por lei (de algum modo cobertas pela remissão feita no citado
artigo 208º para o direito ordinário), o direito ao patrocínio judiciário
envolve também o direito de escolher o advogado (Jorge Miranda/Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 178).
A questão que se coloca é que nenhum destes elementos essenciais do direito ao
direito ao patrocínio judiciário é posto em causa através da interpretação
efectuada pelo acórdão recorrido. Desde logo porque o entendimento formulado
quanto à inexigência de efectuação de notificação a todos os advogados
constituídos e que possam representar processualmente a parte em nada colide
quer com o direito da parte a dispor de um representante processual, quer com o
seu direito de escolher esse representante.
A regra que impõe que a notificação seja feita a qualquer dos mandatários é
justificada por razões de operatividade e racionalidade processuais que não
representam em si uma qualquer limitação ao direito de acesso aos tribunais. Na
verdade, a parte, com o substabelecimento, passou a dispor de vários advogados
com plenos poderes de representação processual, e não é o facto de a lei impor
que apenas um deles seja notificado dos actos processuais que afecta o direito
ao patrocínio judiciário. E, como se observou, nada obstava a que a parte
revogasse o mandato ou que o advogado constituído substabelecesse sem reserva
para que, a partir de dado momento, um outro advogado, e apenas ele, tivesse
intervenção processual, se se entendesse ser essa a solução que melhor
assegurava a defesa dos direitos ou interesses em causa.
O que sucede é que, no caso vertente, a deserção do recurso se ficou a dever à
inércia do primitivo mandatário judicial ou à falta de articulação entre este e
os advogados substabelecidos, sendo certo que o mandatário a quem foi dirigida a
notificação não podia desconhecer que havia entretanto efectuado o
substabelecimento com reserva noutros advogados, que estes não podiam ignorar
que o substabelecimento não havia excluído o mandatário anterior.
Seria, de resto, inteiramente desproporcionado que as apontadas normas dos
artigos 36. °, n.º 3, 253.° e 254.° do CPC tivessem de ser interpretadas no
sentido de assegurar a notificação conjunta e simultânea de todos os
representantes processuais da parte apenas para suprir as deficiências de
organização e relacionamento que possam existir entre eles.
III. Decisão
Termos em que se decide:
a) não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 36. °, n.º 3, 253.° e
254.° do Código do Processo Civil, quando interpretadas no sentido de que, em
caso de substabelecimento com reserva, as notificações podem ser feitas em
qualquer dos advogados constituídos (substituinte e substabelecido);
b) em consequência, negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC para cada um
deles.
Lisboa, 2 de Julho de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia amaral
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão