Imprimir acórdão
Processo n.º 289/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1.
Relatório
Nos autos que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi
admitido ao recorrente recurso directo para o Tribunal Constitucional,
interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15
de Novembro (LTC), de um despacho neles proferido.
Antes mesmo de apreciar a verificação dos demais requisitos processuais que
permitem ao Tribunal Constitucional conhecer do objecto de um tal recurso, o
relator convidou o recorrente – o senhor doutor A. – a constituir advogado, uma
vez que sendo obrigatória a constituição de advogado nos recursos para o
Tribunal Constitucional, a Ordem dos Advogados informara o Tribunal que o
recorrente se encontra na situação de 'inscrição suspensa, por
incompatibilidade, desde 24 de Setembro de 1993', não podendo praticar actos
inerentes ao exercício da advocacia, 'ainda que em causa própria'. Todavia, o
recorrente limitou-se a pedir a suspensão da instância, enquanto aguardaria o
resultado de uma diligência empreendida junto do Bastonário da Ordem, e não
constituiu mandatário.
Foi então proferido o seguinte despacho:
O recorrente A. foi notificado para constituir advogado, por estar suspensa a
sua inscrição na Ordem dos Advogados.
Verifica-se que o mesmo recorrente não constituiu advogado no prazo que lhe foi
fixado, antes apresentou um requerimento a solicitar a suspensão da instância.
Mas, não havendo fundamento legal para deferir um tal pedido, cumpre – uma vez
verificado que se mantém a situação de falta de patrocínio, obrigatório neste
Tribunal – determinar, por força do artigo 83º da Lei 28/82 de 15 de Novembro e
do artigo 33º do Código de Processo Civil, a extinção da instância quanto ao
recurso interposto.
É contra este despacho que ora reclama o recorrente, dizendo:
I. A decisão reclamada. Fundamentação expressa
A) Impugnado é pelo presente acto processual o recém-notificado Despacho do
Relator a fls. 261, no qual este determina «a extinção da instância quanto ao
recurso interposto» porque, «notificado para constituir advogado, por estar
suspensa a sua inscrição na Ordem dos Advogados», o Recorrente «não constituiu
advogado no prazo que lhe foi fixado» — antes «apresentou um requerimento a
solicitar a suspensão da instância», porém «não havendo fundamento legal para
deferir um tal pedido» —, pelo que «se mantém a situação de falta de patrocínio,
obrigatório neste Tribunal»
II. Fundamento da presente reclamação
B) Reproduz-se seguidamente o teor do requerimento do signatário do qual, pelo
motivo alegado, não foi tomado o devido conhecimento:
«(1) Notificado o signatário para dar cumprimento «ao disposto no artigo 83.º,
n.º1 da Lei nº 28/82»,
(2) com manifesto fundamento de facto no teor dum oficio da banda do Conselho
Geral da Ordem dos Advogados.
(3) Porém, a veracidade da “informação” veiculada por tal escrito é justamente
posta em causa pelo interessado em requerimento por e-mail desta data ao
Bastonário da dita Ordem, do qual foi em simultâneo transmitida cópia para
conhecimento desse Alto Tribunal», com o seguinte teor (anexo):
«Exmo. Senhor
Dr. B.
Mui Ilustre Bastonário
da Ordem dos Advogados:
Depois dos meus respeitosos cumprimentos, tenho a honra de apresentar a V. Exa.
o presente requerimento, emergente duma muito preocupante situação forense sobre
que a Ordem foi recentemente chamada a pronunciar-se pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de
Braga, nos trâmites do Proc. n.º 948/07. Eis novamente, por consequência, o
caso:
1) Tendo oportunamente informado aquele Tribunal Administrativo — em resposta
indirecta a oficio do Conselho Distrital do Porto comunicando que a sua pessoa
se encontrava «com a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados» — de que tal
deliberação de suspensão tinha ela própria a eficácia suspensa por acórdão de
24-V-2001 do Tribunal Central Administrativo, foi o advogado signatário dali
notificado (cfr. Doc.4 anexo) para «juntar aos autos o referido Acórdão»,
2) aresto (in Doc. B anexo) que, prontamente remetido por telecópia, logo
habilitou o Tribunal da causa, em douta sentença de 22 de Janeiro transacto
(cfr. Doc C anexo), a julgar «improcedente a excepção dilatória da falta de
constituição de Advogado» suscitada.
3) A esta luz, portanto, resulta de todo inadmissível o teor do ofício do
Conselho Geral a que V. Exa. preside — recebido por cópia nos trâmites do Proc.
n.º 289/08 do Tribunal Constitucional—, datado de 15 de Abril último (in Doc. D
anexo), repetindo mecanicamente que o advogado signatário «encontra-se com a
inscrição suspensa, por incompatibilidade» (sic), e, mais e pior, que «não pode
praticar actos inerentes ao exercício da advocacia.., ainda que em causa
própria»,
4) sobretudo quando certo e bem sabido é, necessariamente, que já em douta
sentença de 14-XI1-2000 (in Doc. E anexo) o Supremo Tribunal de Justiça deixou
categoricamente assente que a suspensão por “incompatibilidade” alegada «é de
ter por inoperante» (sic) quando o visado litiga em causa própria.
Termos por que requerido vai a V. Exa. se digne, com elevado grau de
precedência, examinar judiciosamente a situação anómala exposta em ordem ao seu
saneamento urgente, do que sobre tal rectamente decidido for dando acto contínuo
conhecimento ao Mmo. Relator do processo do Tribunal Constitucional em
referência: para que dúvidas nenhumas restem, em definitivo, a quem quer que
seja, de que um acórdão do Tribunal Central Administrativo e, bem assim, uma
sentença do Tribunal Administrativo ou, mormente, do Supremo Tribunal de Justiça
não podem ser ignorados, de facto “revogados” à socapa, pela aparente
“jurisprudência da Secretaria” dum qualquer conselho da Ordem dos Advogados.
E.R.J.
Viana do Castelo / Lisboa (via e-mail), 8 de Maio de 2008»
C) Consequentemente, forçoso será concluir que o de resto douto Relator tem
consciência perfeita de que nos presentes autos, lato sensu, se encontra
transitada em julgado a decisão — ínsita na douta Sentença de 22 de Janeiro
último — julgando «improcedente a excepção dilatória de falta de constituição de
Advogado, suscitada pela entidade requerida», com fundamento expresso na prova,
aduzida pelo interessado, de que por «Acórdão proferido pelo Tribunal Central
Administrativo (...) foi deferido o pedido de suspensão de eficácia (...) de
deliberação proferida pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, em 19 de
Novembro de 1995, na qual tinha sido deliberado suspender a inscrição do
[advogado signatário] como Advogado». Assim,
D) porque assim é, na verdade, resulta de todo evidente, antes do mais, que a
subdecisão integrante do Despacho sob reclamação, no sentido de «não haver
fundamento legal para deferir» o pedido de suspensão da instância
pré-apresentado pelo ora Reclamante, não tem base de sustentação alguma: o
interessado curou tão-só, in casu, de chamar à colação a pessoa autorizada do
Bastonário em funções, para elucidar cabalmente o Relator «de que um acórdão do
Tribunal Central Administrativo e, bem assim, uma sentença do Tribunal
Administrativo ou, mormente, do Supremo Tribunal de Justiça não podem ser
ignorados, de facto ‘revogados à socapa, pela aparente “jurisprudência da
Secretaria” dum qualquer conselho da Ordem dos Advogados». Mas,
E) já o mais importante, resulta outrossim claríssimo, na economia do presente
processo, que eventual indeferimento do pedido de decretamento da suspensão da
instância só poderá colher justificação em curso de judicioso acatamento — sob
pena de aplicação da própria norma do n.º 2 do art. 205.º da Constituição
segundo uma interpretação revogatória, ergo materialmente inconstitucional, por
ofensa à garantia de acesso ao direito e aos tribunais — do Acórdão do Tribunal
Central Administrativo documentado nos autos.
III. Conclusão: o pedido
Termos por que, fazendo no caso, finalmente, sã e inteira justiça, esse Tribunal
supremo revogará o Despacho sob reclamação e, por consequência:
a) reconhecerá, no mero plano incidental sub judice, se não já a manifesta
nulidade ipso jure, a ineficácia jurídica, desde logo, da deliberação da Ordem
dos Advogados controvertida, com todas os devidos e legais efeitos; ou
b) decretará então a suspensão da instância, até à notificação da pronúncia do
Bastonário da Ordem dos Advogados sobre o pertinente requerimento
supratranscrito.
Não houve resposta, importando decidir.
2.
Fundamentação
Conforme, de resto, já foi afirmado no Acórdão n.º 315/2006 deste Tribunal
(http://www.tribunalconstitucional.pt) em recurso que o mesmo recorrente
pretendia fazer seguir neste Tribunal, também desacompanhado de patrono forense:
«[...] 2. É a Ordem dos Advogados que detém a competência para conferir o
respectivo título profissional. A Ordem dos Advogados informou que está suspensa
a inscrição do reclamante. Por esta razão o reclamante está impossibilitado de
exercer a advocacia.
Foi, em consequência, notificado para constituir advogado. Não o fez. O seu
recurso não pode prosseguir face ao disposto no artigo 83º da Lei 28/82 de 15 de
Novembro, e no artigo 33º do Código de Processo Civil, tal como se diz no
despacho reclamado.
[...]»
Na verdade, e sem prejuízo do direito de acesso aos tribunais de que
genericamente goza o recorrente para defesa dos seus interesses, que aqui não
está em causa, o certo é que os poderes conferidos pela lei à Ordem dos
Advogados, como a entidade que, em Portugal, exerce atribuições públicas em
matéria de inscrição na Ordem e consequente autorização para o exercício da
advocacia, impedem que o Tribunal invada essa competência administrativa e, a
título primário e incidental, autorize o recorrente a usar a designação
profissional e a praticar a actividade típica da advocacia, ainda que limitada
ao presente processo.
Não há, por outro lado, fundamento legal para decretar, nas presentes
circunstâncias, a suspensão da instância, nem, aliás, o requerente tal
especifica.
Finalmente, cumpre recordar que, não cabendo ao Tribunal Constitucional sindicar
as decisões dos tribunais em si mesmo consideradas, sendo, assim, inatacáveis as
decisões que se firmarem no processo, designadamente quanto à habilidade para o
exercício da actividade forense do mesmo recorrente, a verdade é que cabe
exclusivamente ao Tribunal Constitucional a tarefa de verificação dos requisitos
de admissibilidade dos recursos que lhe cumpra conhecer, o que obviamente inclui
o apuramento dos pressupostos relativos à representação forense do recorrente
exigidos na Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, como é o previsto no aludido n.º 1
do artigo 83º quanto à necessidade de patrocínio judiciário.
É, assim, patente a improcedência da reclamação.
3.
Decisão
Em consequência, decide-se manter o despacho reclamado e ordenar o fim da
instância, não se admitindo qualquer outro requerimento não subscrito por
advogado.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 11 de Junho de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão