Imprimir acórdão
Processo n.º 479/08
Plenário
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Cruz, de 16 de Maio de
2008, foi decidido, para o que agora importa considerar, admitir “a utilização
na eleição [intercalar para a Assembleia de Freguesia de Gaula, a realizar 22 de
Junho de 2008], nomeadamente no boletim de voto, do símbolo escolhido pelo grupo
de cidadãos eleitores Pelo Povo da Gaula, constante de fls. 257, ficando, desta
forma, sem efeito a indicação que havia sido feita do número I”.
2. Em 21 de Maio de 2008 a candidatura à eleição intercalar apresentada pela CDU
apresentou junto do Tribunal Constitucional um requerimento com o seguinte teor:
“Vimos por este meio, solicitar a suspensão e impugnação do boletim de voto
referente à Eleições Intercalares na Freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz
– Região Autónoma da Madeira, agendadas para o próximo dia 22 de Junho de 2008,
considerando que, no que diz respeito à listas de cidadãos eleitores, apenas
podem ser identificadas, em conformidade com a Lei, por um símbolo
correspondente a um número romano. Na presente situação, há uma decisão da Exma.
Senhora Juiz de Direito do Tribunal Judicial de Santa Cruz desconforme com os
termos da Lei (…)”.
3. Remetido o requerimento ao Tribunal de Judicial de Santa Cruz, foi, por este,
proferida, para o que agora importa, a seguinte decisão:
“(…) Tal requerimento, em nosso entender, configura clara manifestação de
vontade de interposição de recurso daquela nossa decisão para o Tribunal
Constitucional, sendo certo que a mesma foi feita tempestivamente, embora não
tenha sido dirigida ao tribunal correcto pois, nos termos do art. 33º da L
1/2001, o recurso é apresentado no Tribunal recorrido, que o admite e remete,
então, o processo ao Tribunal Constitucional, ara conhecimento do recurso (…).
Estabelece o art. 31º, nº 1, da L 1/2001, que «Das decisões finais relativas à
apresentação de candidaturas cabe recurso para o Tribunal Constitucional, com
excepção das decisões proferidas sobre denominações, siglas e símbolos de grupos
de cidadãos eleitores que são irrecorríveis».
Nos termos desta norma seria a decisão proferida irrecorrível.
Todavia, em nosso entender, tal irrecorribilidade prende-se, tão só, com a
apreciação do mérito da decisão.
Não esqueçamos, contudo, que no nosso despacho de 16 de Maio de 2008 rejeitámos
uma das interpretações possíveis, que é aliás, a defendida pela recorrente, por
entender que tal interpretação padecia de inconstitucionalidade.
Estamos aqui, portanto, perante um recurso por inaplicabilidade de uma norma
legal por inconstitucionalidade.
Por tudo o exposto, decide-se admitir o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional”.
4. Notificada a candidatura do grupo de cidadãos “Pelo Povo da Gaula – PPG”,
veio o respectivo mandatário pronunciar-se, em síntese, pela inadmissibilidade
do recurso.
II – Fundamentação
5. Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma
vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional. Ora, como
vai ver-se já de seguida, é manifesto que não pode.
5.1. Em primeiro lugar porque a decisão de que vem interposto o recurso, na
parte em que decidiu sobre a admissibilidade do símbolo do grupo de cidadãos
Pelo Povo da Gaula, que é a que agora está em causa, é irrecorrível. Com efeito,
como refere a própria decisão recorrida e se dispõe no artigo 31º, nº 1, da Lei
Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica nº
1/2001, de 14 de Agosto “Das decisões finais relativas à apresentação de
candidaturas cabe recurso para o Tribunal Constitucional, com excepção das
decisões proferidas sobre denominações, siglas e símbolos de grupos de cidadãos
eleitores que são irrecorríveis”.
Tanto basta, pois, para concluir pela inadmissibilidade do recurso que vem
interposto.
5.2. Acontece que, depois de afirmar isto mesmo, o tribunal recorrido decidiu,
não obstante, admiti-lo, por considerar que estaríamos “(…) perante um recurso
por inaplicabilidade de uma norma legal por inconstitucionalidade”. Trata-se,
porém, de uma interpretação que o próprio tribunal recorrido faz do sentido do
requerimento de interposição do recurso mas que, contudo, o mesmo não admite.
Com efeito, absolutamente nada naquele requerimento, que supra já transcrevemos
integralmente, sugere que o recorrente tenha pretendido interpor um recurso “por
inaplicabilidade de uma norma legal por inconstitucionalidade”. Na verdade,
naquele requerimento, o recorrente limita-se apenas a afirmar que há uma
“decisão da Exma. Senhora Juiz de Direito do Tribunal Judicial de Santa Cruz
desconforme com os termos da Lei”, nunca se referindo, expressa ou
implicitamente, directa ou indirectamente, a qualquer questão de
inconstitucionalidade e, designadamente, a qualquer recusa de aplicação de uma
norma com esse fundamento.
III – Decisão
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não conhecer do objecto do
recurso que foi interposto.
Lisboa, 30 de Maio de 2008
Gil Galvão
João Cura Mariano
Vítor Gomes
José Borges Soeiro
Ana Maria Guerra Martins
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos