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Processo n.º 456/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. vem reclamar da decisão judicial que indeferiu o seu requerimento de
recurso para este Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei
do Tribunal Constitucional.
Conclui a sua reclamação nos seguintes termos:
1.ª Tal como se tentou demonstrar, a questão mencionada em ‘A’ refere-se à
desconformidade normativa a que se refere o artigo 13.º da CRP quanto ao
princípio da igualdade e da não discriminação;
2.ª À questão mencionada em ‘B’ tem por base a desconformidade e violação clara
do princípio da tutela da confiança e da aplicação retroactiva da Lei a que se
refere o artigo 2° da CRP quanto à aplicação retroactiva do artigo 120.° do CIRE
e bem assim da ilegalidade da interpretação de tal norma com o princípio legal
constante em norma de valor reforçado, a que se refere o artigo 12.°, n.° 1 do
Código Civil bem como com o princípio constitucional acima mencionado.
3.ª Na questão mencionada em ‘C’, pretende-se demonstrar a desconformidade do
n.° 1 do artigo 205.° da CRP, na interpretação dada na decisão ali mencionada.
4.ª Na questão ‘D’, pretende-se demonstrar não apenas a interpretação
desconforme com os princípios legais contemplados no n.° 1 do artigo 20.° da
CRP, como a violação do princípio constitucional a que alude o artigo 203.° da
CRP.
5.ª Acima se demonstra que o fundamento invocado pelo Tribunal ‘a quo’, para a
rejeição do recurso para este Tribunal, não se verifica.
Aliás, ‘s.m.o.’, o que se verifica é o preenchimento objectivo e subjectivo de
todos os Legais pressupostos da admissibilidade do recurso através do qual o
reclamante pretende que este V.do Tribunal aprecie a questão das
inconstitucionalidades a que acima se referiu quanto às quatro questões em
causa.
6.ª A R. decisão de que se reclama, viola o disposto no art.° 280.°, n.° 1,
alínea ‘b’ e 2 alínea ‘d’ da CRP, bem como o disposto no art.° 70.°, n.° 1,
alíneas ‘b’ e ‘f’ da LTC e bem assim o disposto no art.° 76.° (a contrário) do
mesmo diploma.
7.ª Em face do disposto no artigo 78°. n°.4 da L.T.C, entende-se que a
reclamação deverá subir nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Para a eventualidade de assim se não entender, tendo em vista o que dispõe o n.°
2 do artigo 688.° do CPC, o Reclamante requer a passagem de cópia não
certificada dos documentos de fls 2 a 174.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
- No respeitante às questões suscitadas em A) e C) não se admite o recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, por o recurso de
inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico só pode incidir sobre normas e
não sobre decisões judiciais, como resulta do n.° 1 do art. 280.° da CRP.
- Quanto à questão suscitada em B), não compete ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso interposto
para o Tribunal Constitucional, atento o disposto no art. 76.°, n.° 1, da LTC,
mas sim ao Tribunal da Relação de Évora.
Competirá ao recorrente submeter oportunamente esta questão ao referido
tribunal, se assim o entender.
- No que concerne à alínea D), apesar da questão aí referida ter sido suscitada
na reclamação, também o recurso não é de admitir quanto à ‘ilegalidade na
interpretação’, no caso concreto, das normas dos artigos 721.° e 722.° bem como
do n.° 2 do artigo 754.° do CPC por a incorrecta interpretação de normas legais
ser insusceptível de enquadrar qualquer infracção a preceitos ou princípios
constitucionais.
Pelo exposto, sem prejuízo da questão da competência do Tribunal da Relação de
Évora, não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional.
O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade dispõe, no que
ora importa, o seguinte:
Tendo em vista o que dispõe o artigo 75º A da LTC, as questões que o recorrente
pretende colocar no âmbito do Recurso, tem por base o n.º 1, alíneas “b” e “f”
do artigo 70.º e que são:
A) A desconformidade da interpretação do despacho judicial, proferido a fls.
156, com o princípio constitucional da igualdade e da não discriminação a que se
refere o artigo 13.º da CRP;
B) A desconformidade da interpretação no acórdão de fls. 137 a 152 quanto ao
artigo 120.º do CIRE, com o princípio da aplicação da lei no tempo, a que se
refere o n.º 1 do artigo 12.º do C. Civil e bem assim a interpretação
desconforme com os princípios constitucionais a que se refere o subprincípio da
tutela da confiança dos cidadãos, prevista no artigo 2.º da CRP ao fazer
retroagir aquela disposição legal a factos passados.
C) A desconformidade constante do despacho de fls. 156 com o princípio legal a
que se refere o artigo 158 do CPC, bem como com a norma fundamental,
designadamente do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP.
D) A ilegalidade na interpretação ao caso concreto quer do artigo 721.º e 722.º
bem como do n.º 2 do artigo 754.º do CPC quer no confronto com o pensamento do
legislador expresso em tais normas processuais, bem como no sentido de
demonstrar que tal entendimento viola o disposto no artigo 203.º da CRP na
medida em que estando os Tribunais sujeitos à lei, compete-lhes aplicá-la com o
sentido e alcance identificável com a vontade e pensamento do legislador, tendo
em vista o conteúdo e alcance da norma fundamental do art.º 20.º n.º 1 da CRP.”
2. Notificado para alegar, veio o Exmo. Representante do Ministério Público
junto deste Tribunal manifestar-se no sentido da manifesta improcedência da
reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento.
O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da prévia
verificação de vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelo recorrente, de
inconstitucionalidade de uma norma durante o processo, constituindo essa norma
fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem como o prévio esgotamento
dos recursos ordinários. Os mesmos requisitos são aplicáveis relativamente aos
recursos interpostos ao abrigo da alínea f), da mesma norma, respeitando a
ilegalidades normativas com fundamento em violação de lei com valor reforçado ou
em estatuto de região autónoma.
Analisemos então detalhadamente o recurso tentado interpor de modo a aferir do
mérito da reclamação sub judicio:
4. A questão de constitucionalidade elencada no requerimento de interposição de
recurso em A), vem imputada a um despacho, portanto a uma decisão judicial e não
a qualquer norma jurídica ou interpretação normativa, falhando, por conseguinte,
requisito essencial ao conhecimento do recurso.
Ao Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta, compete apreciar normas
jurídicas, ou segmentos de normas, ou, ainda, dimensões interpretativas, que
consubstanciem a ratio decidendi da decisão recorrida. Tal resulta expressamente
do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1,
alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos dos quais cabe recurso
para este Tribunal das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não configurando o recurso de constitucionalidade, em qualquer uma das suas
modalidades, uma espécie de “amparo constitucional”, o objecto do mesmo apenas
poderá incidir sobre a apreciação, às luz das regras jurídico-constitucionais,
de um juízo normativo efectuado pelo tribunal recorrido. Com efeito, o nosso
sistema de fiscalização de normas jurídicas não permite que se indague da
constitucionalidade da decisão judicial, sendo apenas sindicáveis as normas (ou
interpretações normativas) que configurem a ratio decidendi do litígio
5. Relativamente à questão enunciada em B), constata-se que a decisão objecto do
presente recurso – decisão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 180-182 – não
aplicou a norma em questão nem se pronunciou sobre a matéria a ela atinente pelo
que subsiste obstáculo ao conhecimento do recurso.
6. Relativamente à questão prevista em C), reitera-se o que já ficou dito a
propósito da normatividade do recurso de constitucionalidade e do conhecimento
de questões de ilegalidade: o vício invocado vem, novamente, imputado ao
despacho judicial e não a qualquer norma jurídica, não competindo a este
Tribunal, além do mais, o conhecimento de questões de ilegalidade fora dos casos
expressamente previstos no artigo 70.º, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional.
7. Por fim, no que concerne ao invocado em D), reitera-se a impossibilidade de
conhecimento por não se tratar de matéria de ilegalidade por violação de lei com
valor reforçado ou do estatuto de região autónoma. Adiante-se ainda que, não
obstante a referência à “interpretação ao caso concreto quer do artigo 721.º e
722.º bem como do n.º 2 do artigo 754.º do CPC”, não se vislumbra qualquer
suscitação, em moldes processualmente adequados, como impõe o artigo 72.º, n.º
2, da Lei do Tribunal Constitucional, de questão normativa.
III – Decisão
Assim, e, sem necessidade de maiores considerações, acordam, em conferência,
indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão
reclamada no sentido de não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 1 de Julho de 2008
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos