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Processo n.º 396/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
A. interpôs recurso, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de
2008, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 da Lei do
Tribunal Constitucional (fls. 97 a 102), alegando o seguinte:
“[…]
As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie são as dos artigos 410.º, 412.º, 428.º e 431.º al. b) do CPP, com o
entendimento que lhe foi dado pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, que
infra se exporá de forma sucinta, o referido entendimento foi consolidado pelo
Supremo Tribunal de Justiça no Douto Acórdão ora proferido, quando sustenta que
o recurso apresentado pelo ora recorrente, referente ao Acórdão proferido pela
Relação de Évora a 30 de Janeiro de 2007, não é passível de ser conhecido pelo
STJ por tal decisão ser irrecorrível e por isso não conhece da omissão de
pronúncia do Tribunal da Relação de Évora.
Tal entendimento viola expressamente o artigos 31.º n.ºs 1 e 2 da Lei
Fundamental.
Se o recurso da decisão sobre a matéria de facto, não foi rejeitado por
incumprimento das exigências do n.º 3 do art. 412.º do CPP, como o próprio
Tribunal da Relação de Évora afirmou, dizendo que o recorrente deu cumprimento
aos mencionados requisitos, esse Tribunal, no exercício do poder/dever
estabelecido no n.º 1 do art. 428.º do CPP, não podia ter-se furtado a apreciar
o mérito do recurso e decidir em conformidade (art. 431.º, al. b), do mesmo
Código), a pretexto de que o recorrente não podia pôr em crise o princípio da
livre apreciação da prova nem podia sindicar a valorização das provas feitas
pelo tribunal colectivo, já que o recurso da decisão sobre a matéria de facto
tem exactamente esse alcance não consentido: não se trata de um novo julgamento,
mas apenas de verificar se, relativamente a factos concretos, o Tribunal da 1.ª
instância julgou bem, em função do que concretamente foi alegado.
Não tendo apreciado o recurso na referida dimensão, imposta pelas respectivas
motivações e conclusões apresentadas, o/s Acórdão/s do Tribunal da Relação de
Évora omitiu/omitiram pronúncia sobre a questão de que era obrigado a conhecer.
O Tribunal da Relação de Évora, com a interpretação que fez das normas
supracitadas, violou o princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32.º,
n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Mas não só, quando a fls. 24, do
Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora a 30 de Janeiro de
2007, que “Ora e relativamente à discordância factual do recorrente, da
convicção do tribunal a quo, a fundamentação desta convicção e a sua conjugação
com a matéria de facto apurada constante da decisão de facto, não revela que
seja notoriamente errada, ilógica, contrária às regras de experiência comum. A
credibilização do seu fundamento probatório é do domínio do recurso em matéria
de facto referente à impugnação da valoração da mesma. A matéria fáctica
questionada, da forma em que se encontra estruturada e fundamentada, não integra
a verificação de qualquer dos vícios aludidos no artigo 410º, n.º 2, do CPP,
nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, na amplitude explicitada
pelo recorrente para a pretendida renovação da prova.” é claramente violadora do
disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal, da garantia constitucional
de defesa em processo penal nomeadamente de recurso consagrada no artigo 32º,
n.º 1, e no artigo 210º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Do confronto do raciocínio supra exposto, com o raciocínio plasmado em diversos
Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, sobre o funcionamento dos
números 2 e 3 do artigo 410.º do Código de Processo Penal com o que é declarado
no acórdão do Tribunal da Relação de Évora que ora se recorre, nomeadamente na
sua página 24: “A matéria fáctica questionada, da forma em que se encontra
estruturada e fundamentada, não integra a verificação de qualquer dos vícios
aludidos no artigo 410º, n.º 2, do CPP (…)” resulta que o recurso sobre a
matéria de facto interposto nestes autos para o Tribunal da Relação de Évora,
foi alvo de uma sindicância baseada numa leitura ilegal do artigo 410º do Código
de Processo Penal quanto aos poderes/deveres de cognição daquele recurso, o que
ditou por consequência uma incorrecta análise do mesmo recurso, e a ilegalidade
do acórdão proferido por aquele Tribunal de 2.ª Instância, tendo o recorrente
recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça que se negou também a conhecer
desse recurso, porquanto entendeu que o recorrente estava a interpor recurso
sobre a decisão de não renovação da prova, entendimento este errado porque tal
como já se explicou o Acórdão proferido pela Relação de Évora a 30 de Janeiro de
2007, não se limitou a negar a renovação da prova, tanto mais que no Acórdão
proferido pela mesma Relação a 5 de Junho de 2007, verifica-se que o Tribunal da
Relação não conhece/analisa as questões levantadas pelo recorrente sobre a
matéria de facto, limitando-se no Acórdão a verificar se estavam cumpridos os
requisitos do números 2 e 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal, pois é o
próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que se refere aos poderes de
“intromissão” em aspectos fácticos que julga ter, são os referidos no art. 410º,
n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal.
O referido entendimento, viola o disposto nos artigos 410º, n.º 1, e 428º ambos
do Código de Processo Penal, e viola consequentemente as garantias de defesa em
processo penal que incluem o recurso, previstas no número 1 do artigo 32º da
Constituição da República Portuguesa, e viola ainda o artigo 210º, n.º 4, também
da Lei Fundamental, quando estabelece os tribunais da Relação como tribunais de
2.ª instância.
A admitir-se a tese defendida no acórdão recorrido, pôr-se-iam os sujeitos
processuais perante este beco sem saída: se não são cumpridas as exigências do
art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, a Relação não conhece da impugnação da matéria
de facto por razões formais, mas se são cumpridas essas exigências legais, a
Relação também não conhece da impugnação da matéria de facto, pois, por razões
agora substanciais, diz-se impotente perante os princípios (assim tornados
inultrapassáveis) da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediatividade
é este entendimento que em nosso entender é inconstitucional e violador das mais
elementares garantias de defesa dos arguidos, garantias estas decorrentes dos
artigos 32.º, n.ºs 1 e 2, e 210.º, n.º 4, da CRP.
É que tal como já se disse, com esse argumento, nunca a Relação poderia
modificar a matéria de facto pela análise da documentação da prova, o que viola
frontalmente os art.ºs 412.º, n.ºs 3 e 4, 428.º, n.º 1 e 431.º, al. b), do CPP,
frustra o direito de reapreciação da matéria de facto em sede de recurso e põe
em causa os direitos constitucionais da defesa.
Se o Tribunal da Relação de Évora no Douto Acórdão proferido a 30 de Janeiro de
2007, recusasse unicamente a renovação da prova requerida pelo recorrente, tal
decisão era de facto irrecorrível como bem entendeu o STJ quanto a esse ponto.
Mas o Acórdão da Relação de Évora foi mais longe, recusou conhecer da matéria de
facto impugnada pelo ora recorrente na vertente por este requerida, mesmo tendo
o recorrente cumprido, escrupulosamente, todos os requisitos legais necessários
a essa avaliação tal como supra de expôs, e por este motivo e porque entendemos
que o recurso interposto pelo ora recorrente da decisão de 30 de Janeiro de
2007, não é um recurso do despacho que recusa a renovação da prova, mas sim um
recurso baseado no facto da Relação de Évora se ter negado a apreciar a matéria
de facto, nos termos em que o ora recorrente tinha direito, tal recurso
interposto tinha de ser obrigatoriamente apreciado pelo STJ, sob pena de
violação das garantias de defesa dos arguidos.
Face ao supra exposto e por se entender que a interpretação do Venerando
Tribunal de Évora é inconstitucional e por tal inconstitucionalidade ter sido
arguida em ambos os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, se
requer que seja admitido o presente recurso.
[…]”
Por despacho de 3 de Abril de 2008, não foi admitido o recurso de
constitucionalidade (cfr. fls. 104 e 105), com o seguinte fundamento:
“[…]
O recorrente A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão
proferida a fls. 4442 e ss., com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º
da Lei n.º 28/82, de 15/11, relativamente aos segmentos da decisão em que se
teve por irrecorrível a decisão da Relação que não admitiu a renovação da prova,
nos termos do art. 431.º do CPP, e à parte que diz respeito à impugnação da
matéria de facto (art. 412.º, n.ºs 3 a 4, do mesmo diploma legal).
Ora, quer num caso, quer no outro, o recorrente não suscitou a questão da
inconstitucionalidade de qualquer norma do Código de Processo Penal, por força
de uma dada interpretação que colidisse com normas ou princípios
constitucionais, nomeadamente referentes ao direito de defesa. O recorrente
limitou-se a invocar genericamente o direito de defesa e a violação do princípio
in dubio pro reo, sem enunciar de que forma é que o decidido os afrontava. O que
ele põe em causa é o bem fundado ou o acerto da decisão, nos segmentos
apontados, afirmando que tal decisão viola o direito de defesa e o princípio in
dubio pro reo. Em suma: ele diz que esses pontos foram mal julgados e, porque
assim, houve ofensa daqueles preceitos e princípios constitucionais. Não é uma
interpretação (que não explicita), mas sim a decisão que é inconstitucional,
por, num caso, ter indeferido a renovação da prova e o recurso dessa decisão não
ter sido admitido no STJ, e por, no outro caso, não ter conhecido da impugnação
da matéria de facto, apesar de, no seu entender, terem sido cumpridas as
exigências legais, cuja validade não questiona.
Acresce que o recorrente desvirtua o que foi decidido neste Tribunal quanto à
impugnação da matéria de facto, pois, tendo sido arguida a nulidade por omissão
de pronúncia quanto a tal matéria (e só essa omissão poderia ser conhecida no
âmbito dos poderes de cognição do STJ e não a impugnação propriamente dita),
decidiu-se expressamente essa questão, tendo-se concluído pela inexistência da
nulidade arguida.
Deste modo, mais se confirma que o que o recorrente realmente põe em relevo é a
sua inconformidade com o decidido e não a inconstitucionalidade de uma qualquer
interpretação que tivesse sido conferida a determinadas normas processuais
penais.
Eis por que se não recebe o recurso interposto. […]”
Deste despacho reclamou A. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional (fls. 13 e seguintes),
alegando o seguinte:
“[…]
Entende o ora recorrente que alegou e em tempo a interpretação inconstitucional
de normas de processo penal, pois entende que foi o Venerando Tribunal da
Relação de Évora que fez uma interpretação inconstitucional das normas do Cód.
de Proc. Penal, transcrevendo-se infra, alguns segmentos do recurso interposto,
por forma a melhor poder explanar a sua posição.
É facto que não fundamentou, da mesma forma que fundamentaria e espera
fundamentará o Recurso para o Tribunal Constitucional, porquanto a nossa
legislação obriga-o tão somente a arguir a inconstitucionalidade.
Entende o recorre que consistentemente arguiu a inconstitucionalidade da
interpretação de normas do Cód. de Proc. Penal, em diversas passagens dos
recursos por si interpostos e desde já refere que, mesmo correndo o risco de vir
a maçar V. Exas. e podendo não ser esta a forma mais adequada de se efectuar uma
reclamação, só se consegue perceber as inconstitucionalidades arguidas, se se
proceder à transcrição de algumas passagens na integra, não todas como é óbvio,
conforme infra o fará:
“5 – O art. 32.º, n.º 1, da CRP consagra expressamente, o direito ao recurso
como uma das garantias de defesa que deve ser assegurada pelo processo penal,
garantia que só o será se, no caso de recurso da decisão sobre a matéria de
facto, o tribunal ad quem fizer uma apreciação substantiva e não meramente
formal dessa decisão.
6 – Se o recurso da decisão sobre a matéria de facto, não só não foi rejeitado
por incumprimento das exigências do n.º 3 do art. 412.º do CPP, como o próprio
Tribunal da Relação afirmou que os recorrentes deram cumprimento aos mencionados
requisitos, esse Tribunal, no exercício do poder/dever estabelecido no n.º 1 do
art. 428.º do CPP, não podia ter-se furtado a apreciar o mérito do recurso e
decidir em conformidade (art. 431.º, al. b), do mesmo Código), a pretexto de que
o recorrente não podia pôr em crise o princípio da livre apreciação da prova nem
podia sindicar a valorização das provas feitas pelo tribunal colectivo, já que o
recurso da decisão sobre a matéria de facto tem exactamente esse alcance não
consentido: não se trata de um novo julgamento, mas apenas de verificar se,
relativamente a factos concretos, o Tribunal da 1.ª instância julgou bem, em
função do que concretamente foi alegado.”
“9 - Não tendo apreciado o recurso na referida dimensão, imposta pelas
respectivas motivações e conclusões, o Acórdão de que ora se recorre omitiu
pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, razão por que é nulo,
nos termos dos arts. 428.º, n.º 1, 431.º, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, al. c),
todos do CPP.
10 – O Tribunal da Relação de Évora, não só deixou passar um erro nas premissas
do Acórdão proferido em 1.ª instância, a propriedade do n.º de telemóvel,
conforme supra se referiu, porquanto sem que se tenha produzido qualquer prova
que impugnasse a versão do arguido, e a prova testemunhal constante nos autos
corroborasse a versão deste, decidiu em sentido contrário, levantando ainda sem
que se desse sequer ao trabalho de o fundamentar suposições tais como, e se o
ora recorrente tivesse emprestado o telemóvel do seu patrão ao co-arguido Carlos
Rodrigues?; e se alguém tivesse permitido o uso do cartão correspondente ao
telemóvel referido? e se? … e se? …, cometeu o Tribunal da Relação de Évora, com
esta interpretação e sem que a mesma estivesse alicerçada por qualquer meio de
prova quer os invocados pelo acórdão recorrido, quer os alegados pelo ora
recorrente, e sem que esta estivesse minimamente fundamentada, um erro notório
na apreciação da prova, e violou o principio in dubio pro reo, consagrado no
artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.”
“11 – A interpretação dos poderes de cognição da Relação, pelo Venerando
Tribunal da Relação de Évora, nomeadamente quando diz a fls. 24, que “ Ora e
relativamente à discordância factual do recorrente, da convicção do tribunal a
quo, a fundamentação desta convicção e a sua conjugação com a matéria de facto
apurada constante da decisão de facto, não revela que seja notoriamente errada,
ilógica, contrária às regras de experiência comum. A credibilização do seu
fundamento probatório é do domínio do recurso em matéria de facto referente à
impugnação da valoração da mesma. A matéria fáctica questionada, da forma em que
se encontra estruturada e fundamentada, não integra a verificação de qualquer
dos vícios aludidos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório
na apreciação da prova, na amplitude explicitada pelo recorrente para a
pretendida renovação da prova.” é claramente violadora do disposto no artigo
428º do Código de Processo Penal, da garantia constitucional de defesa em
processo penal nomeadamente de recurso consagrada no artigo 32º, n.º 1, e no
artigo 210º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa.”
“14 – Ao conhecer somente de direito sob o disposto dos números 2 e 3 do artigo
410.º do Código de Processo Penal, quando no recurso interposto se lhe pedia que
conhecesse de facto, o Tribunal da Relação de Évora no Acórdão que ora se
recorre, viola o disposto nos artigo 410º, n.º 1, e 428º ambos do Código de
Processo Penal, e viola consequentemente as garantias de defesa em processo
penal que incluem o recurso, previstas no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da
República Portuguesa, e viola ainda o artigo 210º, n.º 4, também da Lei
Fundamental, quando estabelece os tribunais da Relação como tribunais de 2.ª
instância”.
“16 – O Código de Processo Penal manda que quando se recorra sobre a decisão da
matéria de facto se deva especificar os pontos da decisão em causa e a prova que
fundamenta a discordância como dispõe o artigo 412º, o que o recorrente
efectivamente fez, e se os artigos 410º, n.º 1, e 428.º demonstram que não
existe limite legal sobre a cognição do que se alega no recurso, então mais uma
vez, o tribunal da Relação de Évora nos considerandos que presidiram à análise e
decisão do recurso interposto pelo recorrente, expostos no acórdão aqui em
causa, e na própria decisão está demonstrado à saciedade a violação dos artigos
127º, 410º, n.º 1, e 428º do Código de Processo Penal e 32.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa.”
“20 – Quer dizer, apesar de ter considerado correctamente impugnada a matéria de
facto, com respeito pelas exigências do artº 412º do CPP, o Tribunal da Relação
restringiu os seus poderes de cognição aos vícios do artº 410º, cuja alegação
não está curiosamente sujeita àquele especial ónus de motivação e que até são de
conhecimento oficioso (cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência, de 19.10.95,
DR, Iª S-A, de 28.12.95).
21 – Esta é uma conclusão que, como a de que o recorrente não pode sindicar a
valorização das provas feitas pelo colectivo, em termos de o criticar por ter
dado prevalência a uma em detrimento de outras», não podemos aceitar. Uma coisa
é a arguição de vícios do n.º 2 do artº 410º do CPP, que têm a ver com a
perfeição formal da decisão da matéria de facto e cuja verificação há-de
necessariamente ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si
ou conjugada com as regras da experiência comum; outra, totalmente diferente, é
a impugnação de concretos factos julgados provados, que impõe ao recorrente o já
referido ónus de motivação específica imposta pelos n.ºs 3 e 4 do artº 412º do
CPP e que obriga o tribunal de recurso a apreciar também especificadamente os
fundamentos do recurso e a apreciar, também ele, as provas produzidas, segundo
os mesmos critérios legais de valoração, designadamente o da livre apreciação da
prova, tendo naturalmente em conta a sua especial situação de Tribunal de 2ª
instância.
22 – “O artº 32º, n.º 1, da CRP consagra, agora expressamente, o direito ao
recurso como uma das garantias de defesa que deve ser assegurada pelo
processo penal. Garantia que só será se, no caso de recurso da decisão sobre a
matéria de facto, o tribunal ad quem fizer uma apreciação substantiva e não
meramente formal dessa decisão. Não lhe cabe, é verdade, realizar novo
julgamento. Mas a sindicância da decisão sobre a matéria de facto, para
constituir a garantia de defesa constitucionalmente consagrada, para se traduzir
em efectiva tutela dos direitos de defesa, exige, não pode deixar de exigir, que
o tribunal ad quem aprecie de forma completa, ainda que concisa, os concretos
fundamentos do recurso para depois concluir pela procedência ou improcedência da
impugnação.”
“E – O problema constitucional da interpretação do art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do
C.P.P., a não violação do art.º 412º, n.ºs 3 e 4, do C.P.P., direito de defesa e
tutela jurisdicional efectiva, dado que o recorrente indicou, tanto em sede de
motivação do Recurso, como em sede de conclusões, os pontos de facto que
considera incorrectamente julgados; bem como indicou quais os depoimentos em que
o Tribunal a quo formou a sua convicção bem como outros elementos de prova, e
que com base nesses depoimentos, tanto de testemunhas da acusação, como
declarações dos co-arguidos, bem como dos documentos, nomeadamente dos autos de
apreensão juntos aos autos, não poderiam ter sido dados como provados aqueles
factos; o recorrente, ao indicar as provas que no seu entender impõem decisão
diversa da recorrida, fê-lo por referência aos suportes técnicos, no caso,
cassetes; o recorrente indicou o volume ou número da cassete em que se
encontram, os depoimentos, em que lado da cassete se encontram (lado A ou lado
B), as rotações, a data da cassete e as folhas das actas de audiência de
julgamento em que tais depoimentos/declarações foram prestados;
F - O arguido está convicto e julga ter direito de acesso aos Tribunais para
uma tutela jurisdicional efectiva, nos termos do art.º 20º da Lei Fundamental;”
G – A verdade material deve sobrepor-se à mera justiça formal. O direito
português concede ao Tribunal certos poderes instrutórios e inquisitórios no
sentido da procura de uma decisão de acordo com a realidade dos factos; A
interpretação do Venerando Tribunal da Relação das normas supra referenciadas,
além de violar essas normas e ainda o preceito constitucional supra referido,
bem como o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, e viola
ainda o artigo 210º n.º 4 também da Lei Fundamental, quando estabelece os
tribunais da relação como tribunais de 2.ª instância, constituído assim uma
desrazoável, intolerável, desproporcional e injustificável restrição ablativa do
direito de defesa do arguido;”
“J – O douto acórdão do Tribunal da Relação, ao rejeitar o Recurso em matéria de
facto, por no seu entender não se verificarem os vícios do art.º 410.º, n.º 2,
do CPP, violou não só o art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, como os já mencionados
artigos da Constituição, como ainda violou o disposto no art.º 127.º do C.P.P.,
cuja apreciação ficou prejudicada pela violação dos normativos supra referidos.
K – As relações conhecem de facto e de direito (artigo 428º, n.º 1 do CPP), na
concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto –
reapreciação por um tribunal superior das questões relativas à culpabilidade”
“MM – O «efectivo segundo grau de jurisdição» em matéria de facto que a lei
coloca sobre os ombros da Relação, obviamente sai frustrado, afectando de modo
mais ou menos grosseiro o direito de recurso, se não mesmo outros com assento na
Constituição – como o direito de defesa – com a operação que se diria meramente
«cosmética», a que se propôs o tribunal ora recorrido de «apenas… apurar se a
convicção do tribunal recorrido tem suporte razoável na prova presente…»”
“PP - O artigo 127º do CPP padece de inconstitucionalidade material, por
violação do princípio constante do artº 32º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa quando interpretado (como foi no caso dos autos), no sentido de o
Tribunal a quo poder dar como provados factos delituosos a que ninguém, assistiu
ou referiu ter assistido, factos esses nem sequer discutidos na audiência e
julgamento.”
“RR – Deste modo, padece o acórdão recorrido de nulidade por ausência de
fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões de que o tribunal “a quo”
deveria obrigatoriamente ter tomado conhecimento, o que determina a declaração
da sua invalidade e a sua substituição por outro que se pronuncie sobre todas as
questões suscitadas, com respeito pelo correlativo dever de fundamentação que
devem revestir todas as decisões judiciais.
SS – A não pronúncia sobre tais questões além de geradora de nulidade, nos
termos gerais do art.º 379º, n.º 1, al. c), do C.P.P. acima mencionados,
consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos arts. 32º, n.º 1, 203º
e 205º, n.º 1, da C.R.P., inconstitucionalidade essa que desde já se argúi para
todos os efeitos legais.”
Face ao supra exposto e salvo melhor e mais Douto entendimento de V. Exas. e
tendo em conta que supra, só transcreveu algumas das passagens, não todas, do
recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, parece ao ora
recorrente que, cumpriu todos os requisitos legais a que estava obrigado
invocando devidamente inconstitucionalidade da interpretação das normas do Cod.
De Processo Penal.
[…]”
O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se nos seguintes termos (fls. 109 v.º):
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, o arguido reclamante não enuncia, em termos inteligíveis, qualquer
critério normativo, efectivamente aplicado pelo Tribunal recorrido, susceptível
de integrar objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta. ”
2. Fundamentação
Decorre das várias alíneas – nomeadamente da alínea b), invocada pelo recorrente
no requerimento de interposição do presente recurso – do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade só pode ter
por objecto uma norma (a esta podendo ser equiparada a interpretação normativa),
e nunca uma decisão judicial, em si mesma considerada.
Dito de outro modo, o Tribunal Constitucional não possui competência para
apreciar a conformidade constitucional das próprias decisões recorridas, apenas
a possuindo relativamente a normas por elas aplicadas.
Não obstante o recorrente refira, no requerimento de interposição do presente
recurso, que pretende ver apreciada a constitucionalidade de determinada
interpretação dos artigos 410.º, 412.º, 428.º e 431.º, alínea b), do Código de
Processo Penal (a qual não enuncia em termos susceptíveis de constituir objecto
idóneo do recurso), a verdade é que imputa à própria decisão recorrida, para
além da inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 31.º, n.ºs 1
e 2, 32.º, n.ºs 1 e 2, e 210.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa,
a violação dessas mesmas normas processuais penais.
Ou seja, o que o recorrente pretende, no fundo, é que o Tribunal Constitucional
aprecie se é correcta a interpretação que o tribunal a quo fez dos artigos
410.º, 412.º, 428.º e 431.º alínea b) do Código de Processo Penal e que declare
qual a melhor interpretação dessas normas.
Ora, o Tribunal Constitucional não pode fixar a melhor interpretação do direito
ordinário, isto é, controlar o resultado da interpretação da lei a que chegam os
tribunais, sob o ponto de vista da sua obediência aos princípios gerais que
devem nortear essa interpretação.
Assim, estando em causa a inconstitucionalidade da própria decisão judicial, e
não uma dada interpretação normativa, não é admissível o recurso, por falta de
preenchimento de um dos seus pressupostos processuais.
Acresce que, como também anotou a decisão reclamada, no recurso para o STJ, como
é evidenciado pela extensa transcrição das respectivas alegações, o reclamante
não suscitou de forma processualmente adequada qualquer questão de
inconstitucionalidade, limitando-se também aí a imputar à própria decisão da
Relação (que constituía objecto do recurso) a violação de determinados preceitos
constitucionais (cfr., por exemplo, as conclusões G) e J) da alegação).
Certo é que na conclusão PP), o reclamante parece pretender enunciar um critério
interpretativo que poderia constituir objecto de um recurso de
constitucionalidade, ao invocar que «[o] artigo 127º do CPP padece de
inconstitucionalidade material, por violação do princípio constante do artº 32º,
n.º 1, da Constituição da República Portuguesa quando interpretado (como foi no
caso dos autos), no sentido de o Tribunal a quo poder dar como provados factos
delituosos a que ninguém, assistiu ou referiu ter assistido, factos esses nem
sequer discutidos na audiência e julgamento.»
Mas não só não é a norma do artigo 127º do CPP que aparece identificada, no
requerimento de interposição de recurso, como constituindo objecto do recurso de
constitucionalidade, como também não se vislumbra que a decisão recorrida tenha
efectuado uma tal interpretação normativa.
E, nestes termos, também por falta de suscitação, no decurso do processo, da
questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional, não poderia o recurso ser admitido (cfr. artigos 70º, n.º 1,
alínea b), e 72º, n.º 2, da LTC).
Nada justificando, em consequência, a alteração do julgado.
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 21 de Maio de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão