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Processo n.º 1100/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorridos o
Ministério Público e B., o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento
do objecto do recurso com fundamento no seguinte:
«[…] 3. Resulta do requerimento de interposição de recurso, embora em termos
algo confusos, que o recorrente pretende interpor recurso ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC para apreciação da constitucionalidade das normas
contidas nos artigos 31.º, n.º 2, alínea b), 181.º e 186.º, todos do Código
Penal.
Verifica-se, contudo, não estarem reunidos os pressupostos necessários ao
conhecimento do objecto do recurso, o que justifica a prolação de decisão
sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Nos termos do disposto nos artigos 72.º, n.º 2, e 75.º-A, da LTC, e de acordo
com a jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional, constituem
pressupostos específicos de admissibilidade do recurso de inconstitucionalidade,
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a suscitação,
durante o processo, de uma questão de inconstitucionalidade de uma norma de que
a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação, como critério de decisão do
caso, e o esgotamento prévio dos recursos ordinários à disposição do recorrente.
No caso em apreço, não está verificado, desde logo, o primeiro destes
pressupostos, uma vez que o recorrente não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa.
É o que se conclui, com cristalina evidência, do teor do requerimento de
interposição de recurso, mas também da motivação do recurso apresentado junto do
tribunal a quo, onde o recorrente se limita a imputar à decisão judicial, em si
mesma, a alegada violação de determinados preceitos da Constituição (cfr.,
nomeadamente, as conclusões 5ª e 6ª da referida motivação do recurso).
Ora, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente
normativa, apenas podendo incidir sobre o resultado interpretativo de
determinada norma, não podendo incidir sobre o juízo subsuntivo de aplicação da
norma ao caso concreto, como é aqui o caso.
Tanto basta para que o recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC, não possa ser admitido.[…]»
2. Notificada a decisão, vieram o recorrente, A., e C. e D. reclamar para a
conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«A.,
-C.,
-D.,
com os sinais dos autos em que são recorrentes, não se conformando com a, aliás,
douta decisão sumária que antecede, vem reclamar da mesma PARA A CONFERÊNCIA, o
que faz, nos termos da actual redacção do art. 78.°-A.3, ss, da LTC e pelos
seguintes
FUNDAMENTOS:
O que levou os arguidos a submeter aquela decisão à sindicância deste Tribunal
Constitucional foi, essencialmente, o facto de o TR Coimbra ter confirmado a
sentença e ir mais longe, ainda, tentando fundamentar a não aplicação ao caso do
instituto da retorsão com argumentos que não podem aceitar-se, usando dois pesos
e duas medidas diferentes numa situação perfeitamente igual.
Admitimos que o nosso requerimento para interposição de recurso seja extenso e
até algo prolixo, quando, efectivamente, bastaria formulá-lo em meia dúzia de
linhas.
Mas, daí a poder afirmar-se, como faz V. Excelência faz, que a nossa alegação é
confusa, vai uma grande distância, não podendo classificar-se dessa forma, no
mínimo injusta, um requerimento que, se peca, será apenas por excesso de factos,
razões e argumentos que podem perfeitamente ser aduzidos em sede de alegações.
Porém, se, por um lado, quod abundat non nocet, não se podendo deitar fora a
criança com a água da banheira, não podia V. Exa rejeitá-lo in limine, e, muito
menos, quando se considera que os recorrentes não haviam suscitado essa questão
tempestivamente.
Trata-se, sem dúvida, e dizemo-lo com respeito, de uma afirmação imerecida, pois
nas alegações de recurso para a Relação de Coimbra já se suscitara a
constitucionalidade das normas em mérito, tendo-se expressamente feito constar
da 11.ª conclusão que, “...são, também, inconstitucionais os arts 181°-1,184°
e132°-2.j) do CP, na interpretação que lhes é dada como ratio decidendi da sua
condenação, não só por as expressões em mérito carecerem de sentido injurioso,
mas também por a atitude dos Rctes se subsumir ao conceito de justa retorsão”.
E foi exactamente nessa sequência, pronunciando-se sobre essa vertente da
conclusão 11.ª, que o TR Coimbra veio a recusar-se a aplicar a norma prevista no
art. 186.°-2 e 3 do CP, esgrimindo com uma pretensa ausência de imediaticidade,
a nosso ver, inadmissível, pelas razões já adiantadas no requerimento que V.
Excelência vem de nos indeferir.
É, sobretudo, a inconstitucionalidade da norma prevista no art. 186.°-2 e 3 do
CP que vem arguida, como pilar básico do presente recurso, porque em boa
verdade, foi no TR Coimbra que a questão surgiu, quando no acórdão proferido se
interpretou aquele normativo, fazendo-o depender, prima facie, do requisito da
sua imediaticidade, e, depois, de considerações acerca da intensidade da ofensa
provocada pelas palavras do assistente nos arguidos e nas expressões por estes
utilizadas para lhe retorquirem.
A prolação da sentença e do acórdão em mérito violam, pois, o direito de
liberdade de resposta, de pensamento e de expressão consignados nos n.°s 1, 2 e
4 do art. 37.° da nossa Lei Fundamental e que, na situação sub judicio, vem
legalmente consagrado e materializado no referido instituto da retorsão.
Eram dois, já o dissemos, os normativos cuja constitucionalidade pretendem ver
sindicada neste TC, sendo certo que, para facilitar a sua apreciação, e levar V.
Excelências a rever a posição inicial, declaram desde já reduzir o âmbito
daquela apreciação à norma prevista no art. 186.° do CP, pois a sua
inconstitucionalidade assenta, aparatosamente, na violação dos arts 12.°, 13.°,
25.° e 26.° da Constituição e, bem assim, na dos direitos que lhes são conexos,
ou seja, no de livre expressão, de resposta e à indignação, direitos que se
mostram plasmados nos n.°s 1, 2 e 4 do art. 37.° da mesma lei Fundamental.
E ainda que se entenda que essa arguição fora feita em termos genéricos, nada
deverá obstar à admissão deste recurso, pois como se decidiu no douto Ac. TC
31/88, “… afirmar que determinada interpretação, dada pelo tribunal recorrido,
não poderia ter sido querida pelo legislador, sob pena de inconstitucionalidade,
vale por arguição de inconstitucionalidade da norma em causa. Afirmar que uma
norma, na interpretação que lhe foi dada por qualquer tribunal, afronta a lei
fundamental, vale como arguição de inconstitucionalidade e é, assim, fundamento
de recurso”
Sobre tal requisito decidiu-se, ainda, no Ac. TC 122/00, que “...para efeitos de
fiscalização concreta de constitucionalidade, uma interpretação restritiva de
norma da qual resulte a sua inaplicabilidade ao caso concreto, deve ainda
considerar-se aplicação dessa norma, sob pena de a mesma, nessa interpretação,
nunca poder ser sindicada à luz da Constituição.”
Daí que o presente recurso, interposto nos termos da al. b) do art.70.°-1 da
LTC, haja cumprido capazmente a prescrição do art.72.°-2 da mesma Lei, tendo-se,
ainda, em linha de conta, que não era de todo previsível que o acórdão do TRC,
para confirmar a sentença proferida no TRC, tivesse feito incidir a respectiva
fundamentação no relho argumento da imediaticidade da reacção relativamente à
provocação ou ofensa que lhe subjaz (Vide, a esse propósito, o ponto B.3,
paq.54, do “Breviário de Direito Processual Constitucional”, 2.ª ed. do Exmo
Conselheiro Guilherme da Fonseca e I. Domingos e Acs 124/00, 155/00, 192/00,
79/02 e 120/02).
Nestes termos e melhores de direito que V. Excelência e os Exmos Pares, em
Conferência, não deixarão de suprír, deverá revogar-se a, aliás, douta decisão
sumária que antecede e substituir-se por outra que admita o presente recurso,
por se verificarem, in casu, os pressupostos consignados nos arts 70.°-1.b),
72.°-2 e 75.°-A, todos da LTC. »
3. Por despacho de fls. 882 foi suscitada a ilegitimidade dos reclamantes C. e
D. para reclamarem da decisão sumária, uma vez que o recurso foi interposto
apenas pelo primeiro reclamante, A..
4. Notificados os reclamantes para se pronunciarem sobre a excepção de
ilegitimidade, nada disseram.
5. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se
sobre a excepção de ilegitimidade nos seguintes termos:
«É manifesto que só o recorrente se configura como “parte” no processo
constitucional − só este podendo, em consequência, exercer o direito de reclamar
para a conferência, caso discorde da decisão sumária proferida pelo relator;
como é evidente esta questão, atinente ao pressuposto legitimidade, nada tem que
ver com a referente à extensão do recurso, matéria regulada no art. 74.º da Lei
n.º 28/82, e que naturalmente só ganha relevância se vier a ser proferida
decisão de mérito.»
Quanto ao mérito da reclamação, o Ministério Público pugnou pela sua manifesta
improcedência.
6. O recorrido B. apresentou resposta, sustentando a ilegitimidade dos segundo e
terceiro reclamantes e a improcedência da reclamação por, em síntese, não ter
sido questionada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 181.º e 186.º do
Código Penal, mas antes a sua aplicação ao caso concreto.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
A) Ilegitimidade
6. Tendo a decisão sumária reclamada sido proferida em recurso interposto apenas
pelo reclamante A., é por demais evidente a ilegitimidade, para reclamar daquela
decisão, dos segundo e terceiro reclamantes, pelas razões que constam da
resposta do Ministério Público e que nos dispensamos de repetir.
Pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 78.º-A, n.º 3, da
LTC, e 700.º, n.º 3, do CPC, procede a excepção de ilegitimidade dos reclamantes
C. e D..
B) Apreciação da reclamação
7. A decisão sumária reclamada foi no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso, por o recorrente não ter suscitado, no decurso do processo, qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa idónea a constituir objecto do
recurso de constitucionalidade.
A reclamação, apresentada pelo recorrente A., em nada abala esta decisão.
Basta atentar nos termos da 11.ª conclusão do recurso para a Relação de Coimbra,
apontada como dando satisfação ao pressuposto processual considerado, na decisão
sumária, em falta. Aí se referenciam determinados artigos do Código Penal como
padecendo de inconstitucionalidade “não só por as expressões em mérito carecerem
de sentido injurioso, mas também por a atitude dos Rctes se subsumir ao conceito
de justa retorsão”. Esta caracterização do vício deixa cristalinamente claro que
o que se contesta é o enquadramento normativo dos factos em juízo, a sua
inserção (ou não inserção) no âmbito de previsão das normas, e não,
propriamente, como era requerido, o sentido normativo destas.
O teor da reclamação corrobora, aliás, a conclusão a que se chegou na decisão
sumária de que o «recorrente se limita a imputar à decisão judicial, em si
mesma, a alegada violação de determinados preceitos da Constituição». Basta
atentar na passagem da referida reclamação em que se refere o seguinte: «A
prolação da sentença e do acórdão em mérito violam pois, o direito de liberdade
de resposta, de pensamento e de expressão consignados nos n.ºs 1, 2 e 4 do art.
37.º da nossa Lei Fundamental […]».
Resta dizer que a afirmação do reclamante, de que pretende reduzir o objecto do
recurso à norma do artigo 186.º do Código Penal, é insusceptível de alterar a
decisão de não conhecimento, pois também quanto a esta norma se verifica não ter
sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
A presente reclamação é, pois, manifestamente improcedente.
III. Decisão
5. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar procedente a excepção de ilegitimidade dos reclamantes C. e D.;
b) Indeferir a reclamação apresentada pelo recorrente A..
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 29 de Maio de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos