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Processo: 459/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos em que são recorrentes A., SA e outros e recorrido B., os
primeiros vêm interpor recurso para este Tribunal do acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, invocando a inconstitucionalidade da norma que resulta da
conjugação dos artigos 484.º e 483.º, n.º 1, do Código Civil e 14.º, als. a), c)
e h) do Estatuto dos Jornalistas [e não da Lei de Imprensa, como erradamente
referem os recorrentes], interpretados no sentido de que, estando em causa o
direito à informação, basta a verificação de culpa inconsciente ou abaixo da
mediania do jornalista, como pressuposto do dever de indemnizar por ofensa ao
bom nome de pessoa colectiva, bem como a inconstitucionalidade da norma do
artigo 494.º do Código Civil, interpretada no sentido de que, estando em causa o
direito à informação, o montante indemnizatório por danos não patrimoniais por
ofensa ao bom nome de pessoa colectiva possa ser superior ao montante
habitualmente arbitrado judicialmente ao valor da vida humana, por violação da
liberdade de expressão e informação e da liberdade de imprensa constantes dos
artigos 37º, nºs 1 e 2, e 38.º, nºs 1 e 2, da CRP, e ainda, no segundo caso do
princípio da proporcionalidade constante dos artigos 2.º e 18.º, da CRP.
2. A Relatora ordenou a notificação dos recorrentes para produzirem alegações
junto deste Tribunal, nos termos do artigo 79º, nºs 1 e 2, da LTC, relativamente
à questão de inconstitucionalidade dos artigos 484.º e 483.º, n.º 1, do C.C. e
14.º, alíneas a), c) e h), do Estatuto dos Jornalistas [e não da Lei de
Imprensa, como erradamente referem os recorrentes], tendo proferido Decisão
Sumária de não conhecimento do objecto do recurso, quanto à questão relativa ao
artigo 494º, do C.C., por considerar que os recorrentes não individualizaram
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou de interpretação
normativa aplicada pelo tribunal “a quo”, antes pretendendo pôr em crise a
própria decisão judicial recorrida, em termos absolutos, e por comparação com
outras proferidas pelo mesmo ou por outro tribunal, a qual transitou em julgado,
uma vez que não foi reclamada.
3. Os recorrentes produziram alegações, das quais constam as seguintes
conclusões:
«I - Vem o presente recurso interposto do acórdão do S.T.J. que condenou os ora
recorrentes no pagamento da quantia de € 75.000,00 ao B. por danos causados ao
seu bom nome e reputação com a publicação de notícias respeitantes à existência
de uma dívida fiscal do referido clube.
II — Entendem os recorrentes estar ferida de inconstitucionalidade, por violação
dos art°s 37º e 38° da C.R.P., a norma aplicada e que resulta da conjugação dos
art°s 484° e 483° n. °1 do C.C. e 14° da Lei de Imprensa, interpretados no
sentido de que, estando em causa o direito à informação, basta a verificação de
culpa inconsciente ou abaixo da mediania do jornalista, como pressuposto do
dever de indemnizar por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva, por violação dos
art°s 37° e 38° da C.R.P.
III — O S.T.J. considerou que a “diligência devida” que não foi usada e que
configura a “culpa inconsciente” determinante da condenação, resulta de “os
factos provados não admit(ir)em, em termos de razoabilidade, a conclusão de que
os recorridos imprimiram ao processo de difusão da notícia a escrupulosa
observância das legis artis próprias da actividade jornalística”.
IV — Ora, dada a centralidade da liberdade de expressão e de informação em
matérias de relevo público numa sociedade democrática como a nossa, a culpa
inconsciente como fundamento para serem responsabilizados civilmente os
jornalistas por eventuais danos causados põe em causa de forma estrutural a
liberdade de expressão, de informação e de imprensa consagradas nos art°s 37° e
38° da C.R.P. e no art° 10° da C.E.D.H.
V — Tal ofensa aos preceitos constitucionais em causa, resulta reforçada pelo
facto de estar em causa, não a honra de pessoa singular mas o direito ao bom
nome e reputação de pessoa colectiva.
VI — O entendimento de que o preenchimento da responsabilidade civil decorrente
dos art°s 483° e 484° do C.C., se basta com a culpa inconsciente do agente, no
caso em que este esteja em causa o direito à informação e o crédito e bom nome
de pessoa colectiva, viola o disposto no art° 37º nº 1 e 38° nos 1 e 2) da
C.R.P. por pôr em causa os núcleos essenciais de tais liberdades violando, deste
modo, também o princípio da salvaguarda do núcleo essencial consagrado no art°
18° n° 3 da C.R.P.
VII — Termos em que deverá ser decretada a inconstitucionalidade da norma
resultante interpretação em causa.»
4. O recorrido apresentou as seguintes conclusões nas contra-alegações:
«1 - O presente recurso não pode ser apreciado por uma questão processual, visto
que nas contra-alegações para o STJ a questão de inconstitucionalidade suscitada
foi a verdade e o interesse público em informar enquanto causas de exclusão da
ilicitude, enquanto no requerimento de interposição de recurso e nas alegações
para a presente instância foi a inadmissibilidade da culpa inconsciente e da
culpa abaixo da mediana, enquanto pressupostos da responsabilidade subjectiva
por ofensa ao bom nome;
2 - Nos termos do disposto no art. 76°, nº 2 da LCT, o presente recurso é
inadmissível porque a questão da inconstitucionalidade (culpa inconsciente e
abaixo da mediana) não foi suscitada durante o processo (arts. 280º, nº 1, al.
b) da CRP e art. 70°, nº 1, al. b) da LCT), não foi indicada a peça processual
(art. 75°-A, nº 2 da LCT) e o recurso é manifestamente infundado;
3 - O argumento da surpresa ou da imprevisibilidade da decisão recorrida para
justificar o facto da questão da inconstitucionalidade não ter sido suscitada no
Tribunal a quo, não deve colher, uma vez que a interpretação feita pelo STJ é
suportada pela própria lei - o art. 484° do C.C. é uma especificidade da
responsabilidade subjectiva que se basta com a culpa inconsciente;
4 - À cautela, sempre se dirá que, o STJ considerou que a culpa inconsciente é
um juízo de censura e de reprovação pela falta de previsibilidade, pela falta de
consciência da ocorrência do evento danoso, quando, com a diligência devida, e
atentas as normas reguladoras da actividade jornalística, tal ocorrência era
expectável; A culpa inconsciente é ainda um estado psicológico que se traduz no
relaxamento do esforço da vontade para actuar licitamente, o que é reprovável;
5 - Entendeu-se também que a diligência devida remete para o critério do art.
487°, nº 2 do C.C. do bom pai de família, do homem médio, do jornalista tipo
naquelas circunstâncias concretas; era, assim exigível que, atentas as regras
dos arts. 14°, al. a), c) e h) do Estatuto dos Jornalistas e 3° da Lei de
Imprensa, um jornalista médio previsse o dano.
6 - O STJ usou dois critérios distintos para apuramento dos pressupostos da
responsabilidade subjectiva por ofensa ao bom nome: o da culpa inconsciente,
enquanto nexo de imputação do acto ilícito ao agente e o da culpa abaixo da
mediana, enquanto critério para a fixação da indemnização, nos termos do
disposto no art. 494º do C.C., o qual prevê que haja uma aplicação ao caso
concreto de circunstâncias atenuantes para a graduação da indemnização - veja-se
parecer anexo.
7 - Os dois critérios não são confundíveis e, em última instância, o critério da
culpa abaixo da mediana só revela para efeitos do disposto no art. 494° do C.C;
ora, a apreciação do quantum indemnizatório - verdadeiro motivo que move os
recorrentes no presente recurso - não pode ser ora conhecida por extemporânea.
8 - Em suma, o STJ socorreu-se dos conceitos e dos critérios supra referidos
para fundamentar a sua decisão, a qual não padece de qualquer
inconstitucionalidade por violação do disposto nos arts. 37° e 38° da C.R.P.,
uma vez que a interpretação feita foi sustentada tanto pelo disposto nos arts.
483°, 484°, 487°, nº 2, 494° e 496°, nº 3 do C.C., como nos arts. 14°, al. a),
c) e h) do Estatuto dos Jornalistas e 3° da Lei de Imprensa e ainda nos arts.
18° e 26° da CRP.
Nestes termos e nos demais de direito, não deverá ser dado provimento ao
presente recurso.»
5. Tendo o recorrido invocado a excepção de não conhecimento do objecto deste
recurso, foram os recorrentes notificados, ao abrigo dos artigos 702º, nº 2, e
704º, nº 2, CPC, aplicáveis ex vi artigo 69º da LTC, para responder às
contra-alegações nessa parte, o que fizeram nos seguintes termos:
«1. Não tem o recorrido razão no que alega não só quanto à imprevisibilidade do
teor da decisão do STJ como quanto à dicotomia que estabelece entre ilicitude e
culpa para afastar a ilicitude dos presentes autos.
2. No que concerne ao primeiro aspecto, dir-se-á tão somente que ao recorrente
não é exigível que preveja todas as hipóteses de solução possíveis e quanto a
todas elas invoque as eventuais inconstitucionalidades.
3. Na verdade, o recorrente que vencera na 1ª instância e no Tribunal da
Relação, no seu recurso para o Supremo configurou uma hipótese de decisão
desfavorável, com o grau de generalidade possível, que, no seu entender,
configuraria um entendimento inconstitucional das normas em causa, salientando a
questão da licitude/ilicitude.
4. O STJ veio a decidir no sentido altamente improvável que se admitira mas, em
vez de focar o aspecto da ilicitude, por considerar irrelevante a veracidade ou
não da notícia e não considerar ser de interesse público a sua divulgação,
baseou-se na culpa do jornalista resultante de uma pretensa falta de diligência,
construída a partir de uma factualidade que a não consagrava.
5. Face ao teor da decisão, entendeu então o recorrente dever o recurso de
inconstitucionalidade, sem prejuízo de estar em causa o direito à informação,
isto é, tratar-se de uma notícia, no essencial, verdadeira ou em que o
jornalista estava convicto da sua veracidade e respeitante a questão de
interesse público, incidir fundamentalmente sobre a questão da culpa por ser
sobre este aspecto que o acórdão do STJ baseou a sua decisão.
6. Vale isto por dizer que não só o recurso, nos termos em que foi interposto,
deve ser aceite por a decisão do STJ ter sido efectivamente inesperada e
imprevisível, como não deve ser analisado só na perspectiva da culpa mas também
da ilicitude já que o recorrente ao referir especificamente estar em causa o
direito à informação, nele incluiu a veracidade da notícia e o seu interesse
público.»
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade
6. Antes de mais, importa esclarecer que o objecto do recurso para este
Tribunal, tal como o fixaram os recorrentes, é a inconstitucionalidade da norma
que resulta da conjugação dos artigos 484.º e 483.º, n.º1, do Código Civil e
14.º, als. a), c) e h) do Estatuto dos Jornalistas [e não da Lei de Imprensa,
como erradamente referem os recorrentes], interpretados no sentido de que,
estando em causa o direito à informação, basta a verificação de culpa
inconsciente ou abaixo da mediania do jornalista, como pressuposto do dever de
indemnizar por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva. Segundo os recorrentes
esta interpretação violaria a liberdade de expressão e de informação e a
liberdade de imprensa (artigos 37º, 1º e 2.º e 38.º 1.º e 2.º CRP).
É esta – e só esta – a questão de constitucionalidade que pode ser apreciada
neste recurso, dado que, em sede de fiscalização concreta da
constitucionalidade, os poderes de cognição deste Tribunal se encontram
limitados à apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações
normativas, com exclusão das decisões judiciais (ver, a mero título de exemplo,
Acórdãos n.º 702/96, de 22 de Maio de 1996, n.º 336/97, de 23 de Abril de 1997,
n.º 361/98, de 13 de Maio de 1997, e, mais recentemente, Acórdãos n.º 52/08, de
23 de Janeiro de 2008, n.º 103/98, de 19 de Fevereiro de 2008, n.º 110/08, de 20
de Fevereiro de 2008, todos disponíveis in http://www.tribconstitucional.pt),
pelo que não se pode – nem se quer – agora pôr em crise os juízos subsuntivos
dos factos às normas realizados pelo tribunal recorrido.
Com efeito, a nossa Constituição não consagrou um sistema de recurso de amparo
ou de queixa constitucional mas sim um sistema de fiscalização normativa da
constitucionalidade, pelo que este Tribunal não pode conhecer da eventual
inconstitucionalidade de decisões judiciais em si mesmas consideradas, com
fundamento na violação de direitos fundamentais constitucionalmente tutelados.
Assim, é ponto assente que a decisão recorrida deu por preenchidos todos os
pressupostos da responsabilidade civil no caso em análise – o que, repita-se,
não é aqui questionado.
Relembre-se que para o tribunal recorrido, a emissão jornalística da notícia em
causa estava envolvida de ilicitude; a acção dos recorridos não preenchia
qualquer causa de justificação; os recorridos jornalistas agiram de modo
censurável do ponto de vista ético-jurídico; o recorrente tem direito a exigir
dos recorridos compensação por danos não patrimoniais; não deve fixar-se a
compensação no montante peticionado pelo recorrente (€ 498. 797,90), mas sim em
€ 75 000.
Para melhor compreensão do que está em causa neste recurso, importa reproduzir
textualmente algumas passagens da fundamentação da decisão recorrida, com o
intuito de averiguar qual o exacto sentido da dimensão normativa dos preceitos,
cuja constitucionalidade se alega nestes autos.
Assim, na parte relativa à fundamentação, o Acórdão do STJ começa por dizer o
seguinte:
«A questão essencial decidenda é a de saber se o recorrente tem ou não [direito]
a exigir dos recorridos a indemnização no montante de € 498. 797,90 por danos
não patrimoniais.
Sem prejuízo de a solução de uma dispensar a de outra ou de outras, a resposta à
referida questão nuclear pressupõe a análise das seguintes sub-questões.
- a liberdade de expressão e de informação no quadro da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Constituição
da República Portuguesa;
- a liberdade de expressão e de informação na Lei de imprensa e no Estatuto dos
Jornalistas;
- os pressupostos da responsabilidade civil em aproximação ao caso em
apreciação;
- a emissão jornalística da notícia em causa está ou não envolvida de ilicitude?
- a acção dos recorridos preenche ou não alguma causa de justificação?
- agiram ou não os recorridos jornalistas de modo censurável do ponto de vista
ético-jurídico?
- tem ou não o recorrente direito a exigir dos recorridos compensação por danos
não patrimoniais?
- deve ou não fixar-se a mencionada compensação no montante peticionado pelo
recorrente?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da
lei.»
Após ter procedido à análise do conteúdo da liberdade de expressão e de
informação na CRP, na DUDH, na CEDH, na Lei da Imprensa e no Estatuto dos
Jornalistas, o Acórdão do STJ vai tratar dos pressupostos da responsabilidade
civil «em aproximação ao caso concreto».
No que diz respeito à ilicitude, conclui que:
«Especialmente prevista no artigo 484° do Código Civil está a ilicitude lato
sensu decorrente da ofensa do crédito ou do bom nome, segundo o qual, quem
afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de
qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
Estamos, assim, perante uma previsão de ilicitude da divulgação de factos que,
pela sua natureza, sejam susceptíveis de ofender o crédito ou o bom-nome das
referidas pessoas, físicas ou meramente jurídicas.
A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações
necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, salvo os vedados por
lei e os inseparáveis das pessoas singulares, como é o caso dos direitos e
obrigações de natureza familiar (artigo 160°, nº 1, do Código Civil).
Assim, não estão excluídos da capacidade de gozo das pessoas colectivas alguns
direitos de personalidade, como é o caso do direito à liberdade, ao bom nome e à
honra na sua vertente da consideração social (artigos 26°, nº 1, da
Constituição, 70°, nº 1 e 72°, nº 1, do Código Civil).
Isso significa que o bom nome das pessoas colectivas, no quadro da actividade
que desenvolvem, ou seja, na vertente da imagem, de honestidade na acção, de
credibilidade e de prestígio social, está legalmente protegido.
Há ofensa do crédito no caso de o facto divulgado ter a virtualidade de diminuir
a confiança quanto ao cumprimento pelo visado das suas obrigações, e do bom nome
se o mencionado facto tiver a virtualidade de abalar o prestígio de que a pessoa
goza ou o conceito positivo em que é tida no meio social em que se integra.
O referido prestígio coincide com a consideração social, ou seja, o merecimento
que as pessoas, físicas ou meramente jurídicas, têm no meio social, isto é, a
respectiva reputação social.
É irrelevante que o facto divulgado seja ou não seja verídico para que se
verifique a ilicitude a que se reporta este normativo, desde que, dada a sua
estrutura e o circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar o
crédito ou a reputação do visado.»
Em seguida, a mencionada decisão judicial vai averiguar se se verifica alguma
causa de justificação de ilicitude:
«Conforme resulta das normas jurídicas constitucionais acima mencionadas, no
plano dos direitos fundamentais, surge-nos, por um lado, o direito ao crédito e
ao bom nome e reputação das pessoas, e por outro, no quadro da liberdade de
imprensa, o direito de informar por parte dos jornalistas.
(…)
É patente que grande parte dos órgãos da comunicação social, incluindo a
imprensa escrita, intervêm no plano social com meios de divulgação assaz
eficazes, por isso susceptíveis de afectar grave e negativamente os referidos
direitos de personalidade.
Nesse espaço de liberdade e instrumento de poder surge necessariamente o
conflito entre a liberdade de expressão e de informação que lhe é inerente e os
direitos das pessoas postos em causa pelo seu exercício, designadamente o
direito pessoal à integridade moral, incluindo o bom nome ou reputação.
É um conflito permanente entre o direito de liberdade de imprensa e o direito de
personalidade, que são de igual hierarquia constitucional, mas em que o primeiro
não é absoluto em termos de implicar a virtualidade de se sobrepor ao último,
além do mais por ser estruturalmente inerente às pessoas, que são a medida de
todas as coisas.
E a lei, como não podia deixar de ser, porque tudo está ao serviço do Homem,
estabelece limites ao direito de expressar o pensamento e de informar,
designadamente através do instituto da responsabilidade civil, para salvaguarda
dos direitos objecto de lesão no âmbito da actividade da comunicação social.
(…)
Assim, não se pode invocar o direito de ser informado e de informar o público
quando esteja em causa uma actividade que em concreto é intolerável por violar o
conteúdo essencial de outro direito fundamental ou valor da comunidade garantido
pela Constituição.
Daqui decorre a hierarquização dos referidos direitos, certo que o de liberdade
de imprensa e de informação e de expressão do pensamento tem como limite
imediato o direito fundamental de personalidade, ou seja, este, em regra, não
pode ser afectado por aquele.
Por isso, tem a jurisprudência considerado por um lado, que a liberdade de
expressão e de informação, porque tem de coexistir com outros direitos
fundamentais de igual dignidade constitucional, não pode deixar de sofrer os
limites exigidos pelas necessidades de convivência social ordenada (Acórdão nº
74/84, de 10 de Julho de 1984, do Tribunal Constitucional, Diário da República,
II Série, de 11 de Setembro de 1984).
E, por outro, que a liberdade de imprensa e de informação e de expressão do
pensamento têm como limite imediato, entre outros, o direito fundamental,
consagrado constitucionalmente, ao bom-nome e reputação e à reserva da vida
privada (Acórdão do STJ, de 26 de Setembro de 2000, CJ, Ano VIII, Tomo 3, pág.
42).
Não se trata, como é natural, de pôr em causa a relevância do direito de
informar por parte dos meios de comunicação social e do interesse público que
nessa actividade eles desenvolvem, mas de o hierarquizar, de harmonia com os
princípios que decorrem da lei, face ao direito de personalidade, em
consentaneidade com o que se prescreve no artigo 335° do Código Civil.
No caso vertente ocorre um conflito concreto entre o direito de personalidade na
vertente de crédito e bom nome de uma pessoa colectiva de utilidade pública e o
de liberdade de informação através dos meios de comunicação social de massas,
que não pode deixar de ser resolvido em termos de prevalência do primeiro em
relação ao último.
A violação do disposto no artigo 484° do Código Civil não depende da veracidade
ou não do facto divulgado, pelo que a ilicitude do facto não é afastada pelo
cumprimento ou não das exigências da verdade.
De qualquer modo, na sua estrutura objectiva e pelo sentido que os leitores
deles podiam razoavelmente extrair, os factos noticiados não correspondiam à
situação envolvida pela relação jurídica tributária encabeçada pelo recorrente e
pela Administração Fiscal.
O que passou para a opinião pública foi, conforme se considerou nas instâncias,
a ideia de que o recorrente não cumpria as suas obrigações fiscais, que retinha
indevidamente impostos e contribuições para a segurança social, o seu
incumprimento a participar pela Administração Fiscal, e terem os seus dirigentes
cometido o crime de abuso de confiança fiscal a que corresponde pesada pena de
prisão.
Verifica-se, assim, que o conteúdo do noticiado não se resume à mera informação
de factos de pretérito, certo que ele assume uma vertente jornalística de
opinião.
(…)
A dificuldade de obter informações sobre esta matéria, naturalmente em virtude
do sigilo fiscal absoluto de então, envolvente da matéria, não pode justificar o
apuramento da verdade, porque exigia por parte dos jornalistas, maior diligência
prévia à divulgação de factos pelos meios de comunicação social.
Acresce que o presidente do conselho directivo do recorrente, na véspera da
publicação, afirmou a um dos recorridos não estar em situação de incumprimento
de obrigações fiscais, e não resulta dos factos provados que os recorridos algo
tenham feito para evitar a publicação ou, pelo menos, para modificar o seu
conteúdo em termos de evitar o dano.
Assim, ao invés do que foi entendido nas instâncias, a acção dos recorridos não
ocorreu ao abrigo da causa de justificação consubstanciada no exercício de um
direito ou no cumprimento de um dever.
Perante uma situação fluida sobre o efectivo incumprimento pelo recorrente de
alguma obrigação tributária no confronto do Estado, não havia em concreto
interesse público na divulgação do que foi divulgado, nem, por isso, comedimento
ou excesso a valorar.
Em consequência, os recorridos, A. SA através dos restantes, violaram
ilicitamente, não só do ponto de vista formal como também no plano material, o
disposto no artigo 484° do Código Civil, que abrange o interesse civilmente
protegido do direito de personalidade do recorrente, nas vertentes do crédito e
do bom nome.»
Em relação à culpa como pressuposto da responsabilidade civil, depois de
distinguir a culpa lato sensu da culpa stricto sensu (entendida, pela decisão
recorrida, enquanto “mera culpa” ou “negligência”), tanto consciente como
inconsciente, e de indicar que, no nosso ordenamento jurídico, a culpa é
apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de
família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487°, nº 2, do Código
Civil), prossegue o Acórdão com a aplicação destes critérios ao caso concreto,
nele podendo ler-se:
«No quadro do caso em apreciação, em que a actividade da comunicação social se
desenvolve no âmbito da actividade jornalística, a pessoa padrão a que a lei se
reporta é aquela que actua no exercício daquela relevante actividade.
Assim, a diligência relevante para a determinação da culpa é a de uma pessoa
normal, mais concretamente de um jornalista diligente e conhecedor das regras da
sua profissão, designadamente as constantes da lei geral e especial e no
respectivo código deontológico, em face do circunstancialismo do caso concreto,
bem como a estrutura da sensibilidade normal das pessoas que envolvem o meio
social de referência.
Conforme já resulta do exposto, a propósito da Lei de Imprensa, constituem dever
fundamental dos jornalistas o exercício da sua actividade com respeito pela
ética profissional, a informação rigorosa e isenta, a abstenção de acusações sem
provas, o respeito pela presunção de inocência e o engendrar de situações não
reais sob abuso da boa fé (artigo 14°, alíneas a), c) e h)).
Ademais, no plano deontológico, naturalmente de harmonia com a especificidade da
actividade jornalística, quem a exerce tem o dever de relatar os factos com
rigor e exactidão, interpretá-los com honestidade intelectual, comprová-los,
ouvindo oportunamente as partes directamente interessadas, abstrair do
sensacionalismo e de acusação sem provas e salvaguardar a presunção de inocência
até ao trânsito em julgado da sentença, não humilhar as pessoas nem perturbar a
sua dor.
O noticiado em causa, com a sua chamada à primeira página do jornal, envolveu a
divulgação dos factos com o sentido de que o recorrente não cumpria as suas
obrigações tributárias, que ele retinha indevidamente o montante relativo às
contribuições para a segurança social e que os seus dirigentes estavam sob a
alçada da lei penal.
Os recorridos jornalistas, dado o seu profissionalismo e as regras deontológicas
a que estão sujeitos no exercício da sua actividade jornalística, não obstante
as diligências de investigação que fizeram a partir das fontes a que acederam,
que não eram absolutamente determinantes, e depois do desmentido do presidente
do conselho directivo do recorrente, podiam e deviam prever ou representar que,
por via da publicação em causa, ofendessem ilicitamente o direito de
personalidade daquele nas suas vertentes de crédito em geral e de bom-nome em
especial.
Os factos provados não admitem, em termos de razoabilidade, a conclusão de que
os recorridos imprimiram ao processo de difusão da notícia a escrupulosa
observância das legis artis próprias da actividade jornalística.
Em consequência, importa concluir que os recorridos jornalistas agiram na
emissão da notícia em causa com culpa stricto sensu, isto é, de modo censurável
do ponto de vista ético-jurídico.
Ocorre, por isso, o segundo pressuposto da responsabilidade civil a que se
reporta o artigo 483°, nº 1, do Código Civil, ou seja, a culpa, ao menos na
modalidade de inconsciente. (com sublinhado nosso)
Por fim, na parte relativa à sub-questão de saber qual o montante de compensação
por danos não patrimoniais que deve fixar-se ao recorrente no confronto com os
recorridos, o Acórdão começa por resumir as conclusões a que antes tinha chegado
nos seguintes termos:
«Verificada a publicação ilícita e culposa da notícia em causa e o dano não
patrimonial dela decorrente para o recorrente em termos de causalidade adequada,
certo é estarem verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar no quadro
da responsabilidade civil extracontratual (artigos 483°, nº 1, 484°, 496°, nº 1
e 562° do Código Civil).
Estamos, pois, perante factos voluntários controláveis pela vontade dos seus
agentes, ilícitos, censuráveis do ponto de vista ético-jurídico, determinantes
de prejuízo moral compensável, em quadro de causal e adequada conexão ente este
prejuízo e aqueles factos.»
E continua com os critérios de fixação do montante da indemnização:
«O recorrente formulou na acção o pedido indemnizatório no montante equivalente
a quatrocentos e noventa e oito mil e setecentos e noventa e sete euros e
noventa cêntimos.
Mas o montante pecuniário da compensação a atribuir-lhe deve fixar-se
equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se
reporta o artigo 494° do Código Civil (artigo 496°, n.º 3, 1ª parte, do Código
Civil).
Assim, no caso de a responsabilidade se fundar na mera culpa, como ocorre no
caso vertente, poderá a indemnização ser fixada equitativamente, em montante
inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de
culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais
circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494° do Código Civil).
Deste modo, as circunstâncias a que, em qualquer caso, o artigo 496°, nº 3,
manda atender, na envolvência do princípio da equidade, são o grau de
culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais
circunstâncias do caso.
O recorrido é uma pessoa colectiva de utilidade pública, que concorre aos jogos
da primeira liga de futebol, pelo que afecta a essa actividade considerável
património ou rendimento.
A. SA é a proprietária de um jornal de considerável acreditação junto do público
e de considerada tiragem, pelo que não pode deixar de afectar à sua actividade
empresarial significativo património e ou rendimento.
Os recorridos C., D., E. e F. são jornalistas ao serviço daquela sociedade, o
primeiro com a função de director, mas a sua situação económica e financeira não
decorre dos factos provados.
Os factos não revelam consequências negativas de cariz patrimonial advenientes
para o recorrente da acção de publicação jornalística em causa, mas sabe-se que
o desmentido da notícia ocorreu em termos de proximidade temporal por meios de
comunicação social de similar eficácia informativa.
Por isso, o grau de ilicitude dos factos que afectaram a esfera jurídica do
recorrente, queda-se abaixo da mediania.
A culpa dos jornalistas recorridos, por seu turno, atento o circunstancialismo
em que a acção ocorreu, designadamente em razão da convicção que derivaram das
informações obtidas previamente à publicação, também se revela em grau abaixo da
mediania.
Assim, tendo em conta a natureza do facto ilícito e culposo perpetrado pelos
jornalistas recorridos, o efeito por ele provocado na esfera jurídica do
recorrente, bem como o restante circunstancialismo que ocorreu, incluindo a
desvalorização da moeda entre o tempo dos factos e a actualidade, em quadro de
juízos de equidade ou de justiça do caso concreto, julga-se adequado quantificar
a referida compensação pelo dano não patrimonial devida pelos recorridos no
recorrente no montante de € 75 000.»
7. Para uma boa decisão da causa, importa começar por esclarecer
qual o sentido a atribuir às expressões “culpa inconsciente” e “a culpa abaixo
da mediana” usadas no Acórdão recorrido, dado que não se trata de expressões
sinónimas, como parecem pretender fazer crer os recorrentes.
Ora, esse sentido só se pode procurar no próprio Acórdão. Assim, da sua leitura
resulta que a culpa inconsciente é utilizada na parte da sentença dedicada à
qualificação da modalidade de culpa que está em causa como pressuposto da
responsabilidade civil, relevando, sem dúvida, para efeitos de interpretação e
aplicação dos artigos 483º, nº 1, e 484º do C.C.; já em relação à culpa abaixo
da mediania é mais duvidoso que assim seja, dado que esta expressão apenas
consta da parte do acórdão relativa à fixação do montante da indemnização por
danos não patrimoniais, ao aplicar os artigos 494º e 496º do Código Civil, ou
seja, no momento de graduar a culpa e de apreciar a sua gravidade, com o intuito
de justificar a redução da indemnização a 1/7 do montante pedido.
Como os artigos 494º e 496º do Código Civil não constituem objecto do presente
recurso, para os que entendem que o dever de indemnizar não se fundamenta na
culpa abaixo da mediania do jornalista, mas apenas na culpa, ao menos na
modalidade de inconsciente, encontram-se fora dos poderes de cognição deste
Tribunal quaisquer considerações relativas à gravidade da culpa.
Aliás, a decisão recorrida nem sequer afasta liminarmente a verificação da
negligência (ou “mera culpa”) consciente, na medida em que afirma ter dado por
demonstrada a “culpa stricto sensu” (entendida pelo tribunal “ad quem”, ao longo
da decisão recorrida, enquanto “mera culpa” ou “negligência”).
Daqui decorre que a decisão recorrida considera ter ficado evidenciada a
ocorrência de uma conduta negligente, em qualquer das suas modalidades
(“consciente” ou “inconsciente”). Contudo, com vista ao reforço da sua
fundamentação, acrescenta que, “ao menos”, verificar-se-ia uma negligência
inconsciente. Significa isto que a decisão recorrida considerou que os factos
revelaram a prática de uma conduta negligente, pelo menos na modalidade de
“negligência inconsciente”, mas sem que tal exclua a verificação de “negligência
consciente”.
Mas mesmo para quem entenda que, apesar de a referência à culpa abaixo da
mediana se encontrar sistematicamente na decisão recorrida na parte relativa à
determinação da indemnização, releva para efeitos de qualificação da modalidade
ou do grau de culpa, não se afigura possível retirar da decisão recorrida
qualquer equiparação da culpa abaixo da mediania, por exemplo, à culpa leve ou
levíssima. Na falta de enunciação, expressa ou implícita, de tal equiparação,
tal só seria possível procedendo o Tribunal Constitucional a uma autónoma
valoração dos factos, o que lhe está totalmente vedado.
Assim, não podendo este Tribunal reapreciar a subsunção dos factos às normas e,
muito menos, a prova produzida nos autos recorridos, na interpretação dos
artigos 483º e 484º do Código Civil, ora em discussão, tem de se partir do
princípio que existiu culpa por parte dos jornalistas, ao menos na modalidade de
inconsciente.
8. Assim sendo, do ponto de vista jurídico-constitucional, a questão que se
coloca é, portanto, a de saber se, estando em causa a liberdade de expressão, de
informação e, mais concretamente, a liberdade de imprensa, é possível
interpretar os artigos 483.º, n.º 1, e 484.º, do Código Civil e 14.º, als. a),
c) e h) do Estatuto dos Jornalistas, no sentido de admitir a fixação de uma
indemnização por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva, quando apenas se
verifique culpa inconsciente.
Vejamos então o que dizem estes preceitos:
O artigo 483º, n.º 1, do C.C. determina:
«1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem
ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica
obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.»
O artigo 484º do C.C. dispõe:
«Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome
de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.»
O artigo 14º, do Estatuto dos Jornalistas, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de
Janeiro (na versão aplicável ao caso dos autos recorridos, anterior à
actualmente em vigor, decorrente da Lei n.º 64/2007, de 06 de Novembro de 2007),
assumia a seguinte redacção:
«Independente do disposto no respectivo código deontológico, constituem deveres
dos jornalistas:
a) Exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando
com rigor e isenção;
b) ...
c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de
inocência;
d) ...
e) ...
f) ...
g) Não falsificar ou encenar situações com intuitos de abusar da boa fé do
público;»
A decisão da questão de constitucionalidade supra referida impõe que se aprecie
qual a tutela que a Constituição confere aos seguintes aspectos:
- O direito ao bom nome (B);
- A titularidade do direito ao bom nome por parte das pessoas
colectivas que são “figuras públicas” (C);
- As liberdades de expressão, de informação e de imprensa (E);
- A colisão dos direitos ao bom nome e da liberdade de informação (F).
Só após este excurso estaremos em condições de resolver o eventual conflito
entre o direito ao bom nome da pessoa colectiva e as liberdades de expressão, de
informação e de imprensa no caso concreto em apreço (F).
B) A protecção constitucional do direito ao bom nome
9. O direito ao bom nome e à reputação está consagrado no artigo 26º, nº 1, da
CRP, e “consiste no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade
ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito
a defender-se dessa ofensa e a obter a consequente reparação” (GOMES CANOTILHO /
VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4ª ed.
revista, Coimbra, 2007, p. 466).
Este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre o direito ao bom nome
em várias ocasiões (ver Acórdãos n.º 319/95, de 20 de Junho de 1995, publicado
na II Série do DR, n.º 253, de 2/11/95; n.º 480/98, de 1 de Julho de 1998,
publicado na II Série do DR, n.º 275, de 25/11/99; n.º 249/00, de 12 de Abril de
2000, publicado na II Série do DR, n.º 256, de 6/11/2000 e, mais recentemente,
no Acórdão n.º 407/07, de 11 de Julho de 2007, publicado na II Série do DR, n.º
166, de 29/08/2007).
Este direito goza de um alcance jurídico muito amplo, constituindo um limite
para outros direitos, nomeadamente para a liberdade de expressão, a liberdade de
informação e a liberdade de imprensa. É por essa razão que “ [a] relevância
constitucional da tutela do bom nome e da reputação legitima a criminalização de
comportamentos como a injúria, a difamação, a calúnia e o abuso de liberdade de
imprensa ou a admissibilidade, no âmbito da responsabilidade civil, da
compensação dos danos não patrimoniais advenientes de actuações ilícitas por
ofensa ao bom nome e à reputação das pessoas” (JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS,
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, p. 289).
A tutela do bom nome é, pois, conseguida através de normas do Direito Penal (ver
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito
Penal da Imprensa Português, in Revista de Legislação e Jurisprudência, nº
3697-9, p.100 e segs; 133 e segs; e 170 e segs; MANUEL DA COSTA ANDRADE,
Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal – uma perspectiva
jurídico-criminal, Coimbra, 1996, passim) e do Direito Civil (ver, por exemplo,
R. CAPELO DE SOUSA, Conflitos entre a liberdade de imprensa e a vida privada, in
Ab uno ad omnes, 75 anos da Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 1123 e segs;
PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direitos de Personalidade, Coimbra, 2006, p. 72 e
segs).
A própria Lei da Imprensa (Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, conforme alterada pela
Lei nº 18/2003, de 11 de Junho) remete para as normas gerais de responsabilidade
civil (artigo 29.º, nº 1) e de responsabilidade penal (artigo 30º) a solução das
questões que envolvam actos voluntários, ilícitos e culposos praticados por
intermédio da imprensa.
Se, no caso concreto em apreço, as normas de Direito Penal apenas
nos interessam para sublinhar o desvalor que os sistemas jurídico-constitucional
e legal imprimem à conduta de quem atente contra o direito ao bom nome e à
reputação de outrem, chegando mesmo a qualificá-la como crime, já as normas de
Direito Civil foram aplicadas ao caso, pelo que necessitam de uma maior atenção.
A protecção do bom nome e da reputação é realizada pelas normas de Direito
Civil, através da tutela geral de personalidade que protege os indivíduos contra
qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade moral (artigo
483º, nº 1, do Código Civil), concretizada na norma relativa à ofensa do crédito
ou do bom nome (artigo 484º do Código Civil): “A verificação destes
pressupostos, juntamente com os relativos à culpa e ao nexo de causalidade,
desencadeia a activação dos mecanismos de responsabilidade civil do agressor do
direito, podendo haver lugar à indemnização por danos patrimoniais ou não
patrimoniais, conforme os casos” (neste sentido, JÓNATAS E. M. MACHADO,
Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema
social, Coimbra, 2002, p. 765).
Foi este o caminho que a decisão a quo percorreu, ao considerar violado o
direito ao bom nome do recorrido e verificados os pressupostos da
responsabilidade civil, devendo haver lugar a indemnização por danos não
patrimoniais por parte do agressor do direito ao bom nome.
C) A titularidade do direito ao bom nome por parte de pessoas colectivas
10. Inserindo-se o direito ao bom nome no artigo 26º CRP, o qual abarca nove
direitos diferentes – os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da
personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à
imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à
protecção legal contra quaisquer discriminações – todos eles ligados à esfera
nuclear das pessoas e da sua vida e que tem por epígrafe “outros direitos
pessoais”, coloca-se a questão de saber se se trata de um direito exclusivo das
pessoas singulares (a maior parte da doutrina entende-o como uma decorrência da
ideia de dignidade da pessoa humana) ou se uma pessoa colectiva pode ser dele
titular.
In casu, esta questão assume uma particular relevância, dado que o recorrido,
cujo bom nome foi, segundo a sentença recorrida, afectado, é uma pessoa
colectiva – o B..
Ora, determinando o artigo 12º, nº 2, da CRP que “as pessoas colectivas gozam
dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”, a
nossa Constituição “reconhece expressamente capacidade de gozo de direitos às
pessoas colectivas, superando assim uma concepção de direitos fundamentais
exclusivamente centrada sobre os indivíduos” (GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA,
Constituição..., cit., p. 329).
As pessoas colectivas não podem, todavia, ser titulares de todos os direitos e
deveres fundamentais, mas somente daqueles que sejam compatíveis com a sua
natureza. O que significa que é caso a caso que se deve apurar se determinado
direito pode ser exercido por pessoas colectivas, sendo que alguns direitos se
encontram, à partida, excluídos, como é o caso do direito à vida, do direito à
integridade pessoal ou do direito a constituir família, porque apenas são
concebíveis em conexão com as pessoas físicas, com os indivíduos (neste sentido,
ver Acórdão nº 539/97, de 24 de Setembro de 1997, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt).
Não é esse, todavia, o caso do direito ao bom nome. As pessoas colectivas, tal
como as singulares, têm direito a um nome, e naturalmente que têm todo o
interesse em que o seu nome não seja devassado, que a ele não sejam associados
factos ilícitos, ilegais, injuriosos, difamatórios ou quaisquer outros que
ponham de algum modo em causa a sua posição no seio da sociedade. Daqui decorre
que o direito ao bom nome não é exclusivo das pessoas singulares, podendo também
ser dele titulares as pessoas colectivas.
O Tribunal Constitucional já teve ocasião de apreciar se uma determinada norma
afectava ou não o bom nome de uma sociedade.
«9. Subsiste porém a interrogação fundamental que atinge o cerne da alegação da
recorrente, a de saber se implicará uma afectação do direito ao bom nome e à
reputação (e, nessa medida, de direitos, liberdades e garantias) a publicação da
sentença que proíbe a inserção no contrato de uma determinada cláusula.
Ora, o Processo Civil é enformado por um princípio geral de
publicidade (cf. artigo 167º do Código de Processo Civil), cuja justificação
última é, nomeadamente, estabelecer a segurança nas relações entre os sujeitos
privados. Neste caso, determina‑se a publicação da decisão judicial que inibe a
recorrente do uso de cláusulas legalmente proibidas, com a finalidade de
promover a segurança que o mero carácter público do processo não asseguraria
plenamente.
Não existe facto algum atentatório do bom nome e da reputação da recorrente,
pois a inserção nos contratos de cláusulas proibidas é um facto, comprovadamente
(em processo judicial) imputável à própria recorrente. Por outro lado, porque se
trata de cláusulas contratuais gerais, destinadas a um círculo de sujeitos
indefinido e abrangente, a decisão só será plenamente eficaz se também tiver a
possibilidade de ser levada ao conhecimento dos interessados, não se tratando de
uma sanção em sentido próprio, mas tão somente de um meio de prevenir os
contratantes dos seus direitos, que decorre da publicidade do Processo Civil.
10. Em suma, trata-se, apenas, de uma norma que regula a publicidade da decisão
judicial num determinado sector do Direito Civil, visando a própria eficácia da
sentença, nas situações em que certas particularidades do caso o reclamem (cf.
António Menezes Cordeiro, ob.cit., pp. 385 e 386, referindo tratar‑se da
regulamentação de aspectos atinentes à parte da decisão da sentença).
A norma em questão não só não afecta ilegitimamente o bom nome da
sociedade ou a sua reputação, como não tem carácter sancionatório sendo apenas
uma concretização da publicidade do Processo Civil, não regulando em si mesma a
restrição de direitos, liberdades e garantias.» (Acórdão nº 249/00, já citado,
com sublinhado nosso).
Em suma, o direito ao bom nome de uma pessoa colectiva (como é o
caso do B., recorrido nos autos) merece tutela constitucional.
11. Sucede que não se trata de uma pessoa colectiva qualquer, mas
antes de um clube desportivo com uma projecção social e mediática, que permite
interrogarmo-nos se não estaremos perante uma “figura pública”. Apesar de esta
expressão ser, normalmente, usada para as pessoas singulares, como sejam os
titulares de cargos políticos, os artistas, os membros das famílias reais, a
verdade é que uma pessoa colectiva também pode ser dotada de uma notoriedade que
impõe a sua inclusão na categoria das “figuras públicas”, para efeitos da tutela
do seu bom nome e da sua reputação, sob pena de se conferir maior protecção às
pessoas colectivas que às pessoas singulares.
Admitindo que o recorrido é uma “figura pública”, importa perguntar se, por essa
razão, o direito ao bom nome e à reputação sofre ab initio limitações,
restrições ou se se encontra mesmo excluído.
Pronunciando-se sobre a questão da tutela do direito à honra de figuras públicas
(no caso um titular de um cargo político, ou seja, uma pessoa singular) disse
este Tribunal, no Acórdão nº 113/97, de 5 de Fevereiro de 1997 (publicado na II
Série do DR, nº 88, de 25/4/1997):
«Não se olvida que, como porventura se deixou já aflorado, nas situações em que
estão em causa figuras públicas e candidatos ou titulares de cargos políticos, é
possível que, mesmo antes de um raciocínio que conduza à tentativa de
harmonização dos direitos 'em conflito' (respeitados que sejam o princípio da
proporcionalidade e a não diminuição do conteúdo e alcance essenciais do direito
que possa vir a prevalecer), se tenha de concluir que um desses direitos - in
casu o denominado direito à honra - tenha uma esfera de protecção algo diminuída
à partida. E, assim, aquilo que, não estando em causa essas situações, levaria a
que, na optimização equilibrada dos dois direitos, se considerasse dever
determinada palavra, expressão, imagem ou juízo sofrerem uma censura
jurídico-penal, já não sucederia de modo exactamente igual naqueloutras
situações como a descrita.
Para estas últimas, o juízo de censura haveria de balizar-se em
malhas «mais apertadas», só devendo efectivar-se nos casos em que, na realidade,
não o sendo, estivesse já, com um tal posicionamento, a afastar-se o conteúdo
essencial do direito ao bom nome e reputação.»
Simplesmente, no vertente caso, terá este Tribunal de aceitar o juízo
valorativo-fáctico levado a cabo pelo acórdão recorrido que,
inquestionavelmente, concluiu que as expressões utilizadas pelo recorrente
traduziram um insulto pessoal, excedendo o direito de informar e de formar a
opinião pública, o debate político ou a opinião sobre as ideias do assistente,
ora recorrido, vindo a lesar a sua imagem pessoal, denegrindo-a, e a constituir
uma ofensa à sua integridade moral.»
Assim, as figuras públicas continuam a beneficiar do direito à
tutela do bom nome e da reputação, embora de uma forma mais atenuada do que os
cidadãos anónimos, pelo que, em caso de conflito com outros direitos, elas podem
ter mais dificuldade em obter uma optimização equilibrada dos direitos em
confronto. Só assim não será quando a diminuição da tutela do direito ao bom
nome e à reputação implique o desrespeito do conteúdo essencial do direito.
Chegados a este ponto, importa passar à protecção constitucional da liberdade de
expressão, de informação e de imprensa.
D) A protecção constitucional da liberdade de expressão, de informação e de
imprensa
12. A CRP ocupa-se da liberdade de expressão e de informação, em geral, no
artigo 37º e da liberdade de imprensa, em particular, no artigo 38º.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre estas três liberdades, em
várias ocasiões (ver, por exemplo, Acórdãos nº 113/97, cit., nº 178/99, de 22 de
Março de 1999, publicado na II Série do DR nº 157 de 8/71999; nº 201/04, de 24
de Março de 2004, nº 407/07, cit.).
No Acórdão nº 113/97, supra citado, o Tribunal Constitucional disse:
«1. As expressões «liberdade de imprensa» e «liberdade de expressão» têm, como
sabido é, longínquas raízes históricas (cfr., sobre o tema, Leite Pinto,
Liberdade de imprensa e vida privada, na Revista da Ordem dos Advogados, ano 54,
Abril de 1994, 27 e segs.), surpreendendo-se na Constituição dos Estados Unidos
da América o primeiro texto legal a referir-se claramente a essas «liberdades»
[cfr. 1º Aditamento na Declaração de Direitos e Garantias (Bill of Rights) para
revisão da Constituição dos E.U.A., propostos pelo Congresso e Ratificados, nos
termos do artº 5º daquela Constituição, pelos diversos Estados], sendo que,
ainda no ano de 1789, é formalmente consagrada na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, emergente da Revolução francesa (e que ainda hoje constitui
a base dogmática da Constituição francesa), a 'livre comunicação dos pensamentos
e das opiniões', conquanto aqui, desde logo, se previsse a responsabilização do
cidadão pelos abusos da liberdade de falar, escrever e imprimir livremente.
Sabido é, também, que aquela Declaração constitui, no
que concerne às liberdades de que curamos, a matriz ordenadora de diversos
sistemas jurídicos, designadamente europeus (cfr., verbi gratia, o artº 5º da
GG, o artº 21º da Constituição italiana, o artº 20º da Constituição Espanhola, e
os artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa) e, bem assim, de
documentos de direito internacional referentes aos denominados «direitos da
pessoa humana» (cfr. a Declaração Universal dos Direitos do Homem - artº 19º -,
a Convenção Europeia dos Direitos do Homem - artº 10º - e o Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos - artº 19º).
Porém, os textos que deram corpo à consagração formal
daquelas «liberdades», não deixam, porventura na esteira da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de prever, se bem que em termos diferenciados,
reservas às mesmas, o que o mesmo é dizer, não deixam de as consignar sob
reserva de limites legalmente previstos e tendentes à repressão dos seus abusos,
não se podendo passar em claro que nos dois primeiros textos a que já se fez
alusão se perspectivam diferentes formas de encarar o binómio liberdade de
expressão e de imprensa e os sancionamento dos respectivos abusos. Na verdade,
não acarreta dificuldades de maior uma visualização segundo a qual na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão apresenta maior nitidez a consagração de
limites pré-determinados - os limites legalmente estatuídos destinados à
repressão dos abusos - à consignação da liberdade em causa, enquanto que no 1º
Aditamento à Constituição dos E.U.A. o enfoque de maior grandeza é efectuado na
liberdade em si, cuja existência - essa pré-determinada - vai impedir o próprio
Congresso de legislar no sentido de a restringir.
De onde, e para além de outras considerações que sempre
poderiam ser aduzidas, não serem de estranhar ocorrências tais como as da
existência de cláusulas de limitação decorrentes das leis gerais, das normas
legais de protecção à juventude e das normas legais de protecção do direito à
honra a que se refere o nº 2 do artº 5º da GG, as referências aos bons costumes
mencionados no artº 21º da Constituição Italiana, ao respeito dos demais
direitos reconhecidos no título onde se insere o artº 20º da Constituição
espanhola, designadamente o direito à honra, à intimidade, à imagem e à
protecção da juventude e da infância, e à previsão da existência de infracções
ao exercício dos direitos de liberdade de expressão e de informação no nº 3 do
artigo 37º da nossa Lei Fundamental.
De igual modo, no nº 2 do artº 10º da C.E.D.H. se prevê
que, justamente porque o exercício do direito à liberdade de expressão 'implica
deveres e responsabilidades', ele pode ser submetido a 'sanções, previstas pela
lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a
segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa
da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde e da moral, a protecção da
honra ou dos direitos de outrem', dispondo-se na alínea a) do nº 3 do artº 19º
do P.I.D.C.P. que o direito à liberdade de expressão (cujo conteúdo se poderá
extrair do seu nº 1) pode ser submetido a certas restrições (que, de todo o
modo, devem ser expressamente fixadas na lei) desde que se tornem necessárias
'ao respeito dos direitos ou da reputação de outrem'.
2. Na vigente Constituição proclama-se (artigo 37º, nº
1), sob a epígrafe «Liberdade de expressão e de informação» o direito, que a
todos é conferido, 'de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela
palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar,
de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações'.
Trata-se, no dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 225), e na vertente do
«direito de expressão», de um direito que, enquanto direito negativo ou de
defesa perante o poder público, implica 'o direito de não ser impedido de
exprimir-se', inculcando ainda, na sua dimensão positiva, um direito 'de acesso
aos meios de expressão' (cfr. afloramentos desta dimensão, segundo os citados
autores, no nº 4 do artigo 37º e nos artigos 40º e 41º, nº 4); na vertente de
«direito de informação», o direito de informar 'consiste, desde logo, na
liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem
impedimentos', direito que, no seu actuar positivo, implicará o 'direito a meios
para informar' (cfr., também sobre o ponto, Leite Pinto, ob. cit., 54).
Se do nº 2 do artigo 37º se retira inequivocamente que a
Constituição não permite que o exercício dos direitos de livre expressão e
divulgação do seu pensamento pela palavra, pela imagem, ou por qualquer outro
meio, seja, porque forma for, impedido ou limitado por qualquer tipo de censura,
não se deverá, simplistamente, seguir um raciocínio que porventura aponte
(ponderando que no seu nº 1 também se faz alusão a que tais direitos se hão-de
efectivar sem impedimentos ou discriminações) para que não possa haver limites a
tal exercício.
Na verdade, facilmente se infere do que vem disposto no
nº 3 daquele artigo que se admite que tais direitos não podem ser perspectivados
como direitos cujo respectivo exercício não apresente limites, pois que, se
assim fosse, não seria possível a previsão de infracções cometidas em tal
exercício, infracções essas que até, segundo o comando constante daquela
disposição, estão submetidas aos princípios gerais de direito criminal.
O que se não poderá, no caso de o falado exercício não
exceder os limites pressupostos pela própria Lei Fundamental, é colocar
obstáculos a ele (G. Canotilho e V. Moreira, ob., cit., 226).
2.1. Não se deverá, no presente aresto, ainda que
perfunctoriamente, deixar de fazer referência a que, como tem sido reconhecido,
atendendo às diversas vertentes do «direito de informação», possível é
descortinar, distinguindo, a «liberdade de expressão» - 'direito matricial em
relação quer à liberdade de informação, quer à liberdade de imprensa, na medida
em que todo o regime constitucional do primeiro se projecta nos outros dois',
nas palavras de Leite Pinto (idem, 54) - e o «direito de informação», tendo este
último por objecto o bem jurídico 'informação' (cfr., sobre esta diferenciação,
Artur Rodrigues da Costa in A liberdade de imprensa e as limitações decorrentes
da sua função, na Revista do Ministério Público, ano 10, 37, 15 e segs., o qual
distingue o 'direito de crónica', afim do 'direito de informação', do 'direito
de opinião e de crítica', como expressões desdobradas da 'liberdade de
expressão').
A liberdade de imprensa, por seu turno expressamente
consagrada no Diploma Básico, tem sido, de há muito, considerada como uma forma
privilegiada, quer da liberdade de expressão, quer do direito de informação,
este, por entre o mais, na dimensão de garantia constitucional de livremente
formar a opinião pública (G. Canotilho e V. Moreira - ob. cit., 230, chamam-lhe
um 'modo de ser qualificado' daqueles direito e liberdade; cfr., ainda, sobre a
questão de saber se a liberdade de imprensa não haverá, a mais do que ser
incluída nos direitos ou liberdades, nos direitos-limite ou nos direitos de
defesa, de ser tratada como um garantia institucional, Solobal Echevarria,
Aspectos constitucionales de la libertad de expresión y el derecho a la
información, na Revista Española de derecho Constitucional, ano 8, 23, 1988;
cfr., também, Charles Debbasch em Il Conseil Constitutionnel - la legge 23
ottobre 1984 e la libertà di stampa, tradução de Michela Manetti na
Documentazione e Cronaca Straniera, em Giurispridenza Constituzionali, Ano XXX,
1811).
[...]
(...) então poder-se-á, sem que a tal respeito se haja de admitir
uma crítica inultrapassável, aceitar que o exercício da liberdade de imprensa -
indo para além de um mero relato, porventura baseado 'numa crença fundada na
verdade', (para se usar a expressão de Figueiredo Dias, in Direito de Informação
e Tutela da Honra e Direito de Informação no Direito Penal da Imprensa
Português, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, números 3697, 3698
e 3699) -, venha a «tocar» ou «colidir» com outros direitos, mesmo os
constitucionalmente consagrados e, de entre estes e para o que agora releva, o
direito à honra de outrem a que a Lei Fundamental (artigo 26º, nº 1) designa de
«direito ao bom nome e reputação».
Assim, a liberdade de expressão implica o direito de expressar o pensamento, ou
seja, ideias, opiniões, pontos de vista, juízos de valor, críticas, tomadas de
posição sobre quaisquer assuntos, quaisquer que sejam as finalidades e os
critérios de valoração, não pressupondo “sequer um dever de verdade perante os
factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de
conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos” (GOMES
CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., cit., p. 572). Quer dizer, a
divulgação de notícias falsas atentatórias do bom nome, da reputação, da honra
ou da vida privada de outrem será levada em linha de conta no momento do juízo
de ponderação em caso de colisão com outros direitos.
A liberdade de informação compreende o direito de informar, de se informar e de
ser informado, consistindo o primeiro no direito de transmitir ou comunicar
informações a outrem, sem impedimentos, o segundo no direito de recolha de
informação e de procura de fontes de informação e o terceiro no direito de ser
mantido adequada e verdadeiramente informado pelos meios de comunicação social e
pelos poderes públicos. Por último, há mesmo quem se refira a uma quarta
dimensão da liberdade de informação que se traduz numa concepção negativa, ou
seja, num direito de recusa a expressar opinião, informar ou ser informado por
qualquer indivíduo (assim, ver MANUEL DA COSTA ANDRADE, “Liberdade de Imprensa e
Inviolabilidade Pessoal – Uma perspectiva jurídico-criminal”, cit., p. 45).
Já a liberdade de imprensa “é um complexo ou constelação de direitos e
liberdades: direito a criar órgãos de comunicação, direitos dos jornalistas
dentro daqueles e direitos dos próprios órgãos de comunicação social, etc.”
(GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., cit., p. 580).
“A liberdade de imprensa começou por ser, tal como as demais liberdades, uma
liberdade-resistência contra os poderes públicos. (...) Hoje a liberdade de
imprensa sem deixar de ser um direito de defesa perante os poderes públicos,
passou também a garantia constitucional da livre formação da opinião pública num
Estado constitucional democrático”. (GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA,
Constituição..., cit., p. 581).
As liberdades de informação e de imprensa, tal como quaisquer outros direitos,
liberdades e garantias não constituem direitos ilimitados nem absolutos. É a
própria Constituição que o admite desde logo no artigo 37º, nº 3, assim como a
lei (ver a Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalistas).
13. Aliás, a previsão de “regimes restritivos” da liberdade de imprensa, com
vista à protecção de outros direitos fundamentais, não é inédita nos principais
ordenamentos jurídicos europeus.
No caso francês, a “Loi n.º 1881-07-28, Bulletin de Lois n.º 637, p. 125 (Loi de
Presse)” prevê expressamente um capítulo relativo aos delitos cometidos contra
pessoas, por intermédio da imprensa, para além da eventual responsabilidade
criminal que advenha da prática de tais factos. Por força do artigo 29º da “Loi
de Presse”, “toda a alegação ou imputação de um facto que comporte ofensa à
honra ou à consideração da pessoa ou da organização à qual o facto é imputado
constitui uma difamação. A publicação directa ou por via de reprodução dessa
alegação ou dessa imputação é punível mesmo se ela é feita de forma dubitativa
ou se ela vise uma pessoa ou uma organização não expressamente nomeadas, mas
cuja identificação se torna possível a partir dos termos dos discursos, ameaças,
escritos, impressos ou afixados alvo de incriminação. Toda a expressão
ultrajante, termos de desrespeito ou invectivas que não consubstanciem a
imputação de qualquer facto constitui uma injúria”. Em situações idênticas à dos
presentes autos, em que está em causa a ofensa ao bom nome e à consideração de
uma pessoa colectiva e dos respectivos representantes, o § 1º do artigo 32º da
“Loi de Presse” (conforme modificada pela “Loi n.º 2004-1486, du 30 décembre
2004”) permitiria a aplicação de uma sanção civil pecuniária até 12.000,00
euros.
Nota-se ainda que, no caso francês, a veracidade dos factos divulgados por órgão
de imprensa pode ser comprovada, afastando a ilicitude do acto praticado, nos
termos do artigo 35º da “Loi de Presse”, salvo quando estejam em causa: i) a
intimidade privada dos visados; ii) factos ocorridos há mais de 10 anos; iii)
factos relativos a infracções amnistiadas ou prescritas ou cuja condenação haja
sido substituída por reabilitação ou revisão.
Na Alemanha, por força do § 2º do artigo 5º da “Grundgesetz”, a liberdade de
imprensa pode ser alvo de restrições, previstas na lei geral, desde que tal vise
a salvaguarda dos direitos dos menores e do direito à inviolabilidade da honra.
Para além da punição pela prática de crime de difamação e da responsabilidade
civil pela prática de acto ilícito – cujos regimes são bastante semelhantes aos
congéneres regimes portugueses, o regime alemão instituiu um Conselho de
Imprensa (“Deutscher Pressrat”) que detém competências reguladoras,
designadamente, de apreciação de queixas apresentadas por indivíduos e pessoas
colectivas visadas. O referido Conselho de Imprensa adoptou um Código de
Imprensa (“PressKodex”) que, entre outras directrizes de orientação para
jornalistas, determina que:
- Todas as pessoas que prosseguem actividades jornalísticas devem
perseguir a verdade dos factos, preservando a reputação e a fiabilidade da
imprensa (artigo 1º);
- A investigação diligente é um instrumento fundamental e indispensável
do jornalismo, devendo essa diligência ser adaptada às circunstâncias concretas
de cada caso. Neste sentido, mais se determina que as informações não
confirmadas, os rumores e as presunções devem ser reconhecíveis pelos
destinatários das notícias como tal (artigo 2º);
- A imprensa deve respeitar os direitos de personalidade, incluindo a
reserva da intimidade privada (artigo 8º);
- A ética da actividade jornalística não se compadece com ofensas à
honra e consideração de terceiros (artigo 9º).
14. Acrescente-se ainda que o Direito Internacional dos Direitos Humanos também
não protege a liberdade de imprensa de modo ilimitado e absoluto. Tanto a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem como o Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos – instrumentos internacionais aos quais o Estado Português
está vinculado, por força do artigo 8º, nº 2, da CRP – admitem restrições,
limites, condicionamentos à liberdade de expressão, na qual se inclui a
liberdade de imprensa.
Assim, o artigo 10º, nº 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem prevê que
“o exercício desta liberdade [liberdade de expressão, na qual se inclui a
liberdade de imprensa], porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser
submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas
pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática,
para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a
defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a
protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de
informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do
poder judicial” e o artigo 19º, nº 3, do Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos dispõe que “o exercício das liberdades [liberdade de expressão, na
qual se inclui a liberdade de imprensa] (...) comporta deveres e
responsabilidades especiais. Pode, em consequência, ser submetido a certas
restrições, que devem, todavia, ser expressamente fixadas na lei e que são
necessárias:
a) ao respeito dos direitos ou da reputação de outrem;
b) à salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde e da
moralidade públicas.”
Em suma, a possibilidade de a liberdade de imprensa poder vir a conflituar com
outros direitos, designadamente, com o direito à honra, ao bom nome, à
reputação, à intimidade da vida privada, é enfrentada pelo Direito
Constitucional de muitos Estados, bem como pelas várias legislações ordinárias
nacionais, e ainda pelo Direito Internacional.
E) A colisão dos direitos ao bom nome e da liberdade de informação
15. Recapitulando, a nossa Constituição protege, simultaneamente, o direito ao
bom nome de pessoas colectivas, ainda que se trate das chamadas “figuras
públicas”, e as liberdades de expressão, de informação e de imprensa. Não se
trata, porém, de dois direitos que consigam conviver sempre de modo pacífico.
Pelo contrário, em determinadas situações concretas da vida entram em colisão,
pelo que há que apurar qual a solução que o Direito Constitucional tem para este
problema.
Vejamos como tem o Tribunal Constitucional decidido a questão do conflito de
direitos próximos dos que estão em causa neste recurso. No Acórdão nº 113/97, já
amplamente citado, o Tribunal disse:
«3. (...)
Tem sido objecto de aprofundadas reflexões doutrinais a
questão de saber como resolver situações em que, prima facie, se desenha um
conflito (independentemente de se saber neste mesmo momento se se trata ou não
de um conflito real ou aparente) entre vários direitos constitucionais ou entre
direitos e outros bens constitucionais (para maiores desenvolvimentos, cfr. José
Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de
1976, 220 e segs., e G. Canotilho, Direito Constitucional, 6ª edição, 641 e
segs.), o que, obviamente, nos colocará em sede do denominado «direito
constitucional de conflitos».
Aceitando, como se aceita, que a liberdade de imprensa
pode, constitucionalmente, admitir limites (vide, a propósito, o que acima se
deixou explanado e ainda o Acórdão nº 175 da Comissão Constitucional publicado
no Boletim do Ministério da Justiça, nº 294, 157 e segs.), o mesmo sucedendo em
relação ao direito ao bom nome e reputação, haver-se-á de iniciar o tratamento
do ponto partindo, desde já, de uma concepção segundo a qual os limites à
liberdade de imprensa são limites estabelecidos por lei mediante autorização
constitucional (cfr. Leite Pinto, ob. cit.) e, desta arte, pondo de remissa uma
outra concepção que assente numa hierarquização de direitos (os ora em
conflito).
E isto sem que se deixe de anotar, de um lado, que, para
os tribunais da «ordem judiciária comum», haveriam de relevar as circunstâncias
do caso [em que avulta a situação de alguém - o assistente - que era tido (com
maior ou menor veracidade, não interessa agora) como candidato partidário a um
lugar de natureza política]; de outro, que se não deixa de sublinhar que se não
ignoram posições que possam perfilhar o entendimento de que aqui se desenharia
uma situação possivelmente tradutora de um mero conflito aparente (cfr. G.
Canotilho, Direito Constitucional de Conflitos e Protecção de Direitos
Fundamentais, 39 e segs. e exemplos aí dados); outras, que enfrentariam a
questão de saber se os apelidados «limites imanentes» dos direitos fundamentais
têm génese originária ou primitiva neles mesmos ou se só no próprio
estabelecimento e consentimento constitucional (directamente ou por remissão
constitucional para a lei ordinária); e, por fim, outras que defendem a
inexistência de limites à liberdade de imprensa (cfr. Anthea Jeffrey, Free
Speech and Press: An Absolute Right?, Humans Rights Quarterly, 8º vol., 1986,
225 e segs.) e dos que defendem o princípio de que nenhum direito é absoluto nem
ilimitado, não constituindo a liberdade de expressão excepção a esse princípio
(cfr. Ruiz Vadillo, Los derechos fundamentales a la libertad de expresión, a
informar e ser informado y su incidencia en el campo juridico-penal, Revista de
la Facultad de derecho de la Universidad Complutense, 11, 1986, 602 e segs.).
3.1. Ora, dentro deste posicionamento que, de alguma
forma, se afasta do recorrente - ao menos com relação à posição assumida aquando
do recurso decidido pelo acórdão impugnado -, não se irá sem dizer que alguma
doutrina (Leite Pinto, ob. cit.) perfilha o entendimento de que, na hipótese de
conflito entre os dois direitos, após se não encontrar uma optimização
equilibrada e equalizante entre ambos, o que pressupõe a concreta ponderação de
interesses em jogo, e após se concluir pela impossibilidade de uma concordância
prática - critério que implica necessariamente o respeito pelo princípio da
proporcionalidade em termos de se não dever diminuir a extensão e alcance do
conteúdo daquele direito que eventualmente, nessa ponderação, venha a ser
prevalecido -, é possível, em determinadas situações, concluir-se que a esfera
de protecção de um desses direitos esteja, à partida, diminuída, como será o
caso do direito à honra de figuras públicas, designadamente os titulares de
cargos políticos, direito cuja amplitude deve ser tida por menos extensa em
confronto com os demais cidadãos.
Figueiredo Dias (ob. cit.) assume que, gerando-se
conflito entre o direito à honra e o direito de informação, tendo em conta o nº
3 do artigo 37º do Diploma Básico, que, afinal, é uma constituição centralmente
preocupada com a defesa da dignidade humana e que invoca o direito penal (na
actual versão) para esses casos, se é obrigado à imposição de limites àquele
segundo direito, razão pela qual se poderá desenhar o cometimento de crimes de
injúria ou de difamação; mas, para que, pela força da tutela jurídico-penal, não
fique prejudicada de modo irremediável o cerne do liberdade de expressão e de
informação e da própria liberdade de imprensa, cujos núcleos essenciais se devem
salvaguardar, mister será encetar determinadas vias; não poderão elas, todavia,
residir num aumento de exigência de 'no que toca à afirmação do elemento
subjectivo' (v.g., exigir nos crimes contra a honra cometidos através da
imprensa o dolo específico) nem numa outra regulamentação da prova da verdade
dos factos narrados na imprensa.
Perante estes parâmetros, o citado Autor aponta para que
o caminho de resolução desta questão há-de encontrar-se no próprio exercício do
direito fundamental de informação, ou seja, o 'exercício do direito
jurídico-constitucional de informação há-de valer como aquele exercício de um
direito que o Código Penal considera que justifica o facto' [cfr. artº 31º, nº
2, alínea b) do dito Código]; por isso, deverá exigir-se que a imputação,
consubstanciando a ofensa à honra, se revele como meio adequado e razoável e o
menor danoso possível relativamente ao bom nome e consideração do ofendido, à
função pública da imprensa (formar democrática e pluralistamente a opinião
pública em matéria social, política, económica e social); que se prove 'o animus
ou a intenção (ao menos imamente) de cumprir' aquela função pública ou, no
mínimo, 'que não esteja excluído ter sido um tal cumprimento o motivo da sua
actuação'; e que essa imputação corresponda à verdade (ou que o agente razoável
e fundadamente assim tenha acreditado, o que implica o cumprimento do dever de
esclarecimento), com o que se desenhará um 'elemento subjectivo da causa
justificativa, que deverá considerar-se inexistente, pelo menos, sempre que se
verifique ter presidido à conduta uma intenção de difamar ou de injuriar - a
tanto se reduzindo o conteúdo útil que hoje poderá ainda atribuir-se à velha...e
ultrapassada forma do «dolo específico» nos crimes contra a honra'; por fim, no
que tange à denominada «prova da verdade», conclui o Autor cuja posição se tem
vindo a expor que a «verdade» é 'apenas um elemento, a par de outros,
determinante da forma do exercício do direito de informação'.
Rodrigues da Costa (ob. cit.), de certa forma com
influência de Figueiredo Dias (o que parece ser confessado - cfr. nota a págs.
14), no balanceamento que se posta no conflito entre a liberdade de imprensa e o
direito à honra, assevera que se a imprensa não deve, na sua missão informativa
e formativa, ter os direitos ilimitados que muitas vezes reclama, também a
repressão da tutela da honra se não deve estender de molde a poder ficar
aniquilada a mencionada liberdade. E, em consequência, aceitando situarem-se no
mesmo plano aqueles direitos, defende que o direito à honra e consideração só
possa ser sacrificado se, ofendido que seja pelo exercício da liberdade de
imprensa, o acto ofensivo tiver sido justificado, isto é, se tiver decorrido de
uma causa justificativa fundada no quadro da função social e cultural assinalada
à imprensa, respeitados que sejam os limites da necessidade, adequação e da
proporcionalidade. Não é, para o Autor, desta arte, aceitável que, mesmo em
matéria de crítica política, a pretexto de se discutir uma personalidade, se a
denigra desnecessariamente (cfr. também, em sentido de certo jeito idêntico,
Ricardo Martin Morales, El derecho fundamental al honor en la activida politica,
Granada, 1994, pontos 6 a 11, e Michele Polvani, La diffamaziona a mezzo stampa,
Pádua. 19954, na parte referente a conteúdos e limites dos direitos de crónica e
de crítica).
Também este Tribunal no seu Acórdão nº 81/84 (publicado
na 2ª Série do Diário da República de 31 de Janeiro de 1985 e no volume 4º dos
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 225 e segs.), embora então estivesse em
causa o binómio liberdade de expressão-direito à honra e não o binómio liberdade
de imprensa-direito à honra teve ocasião de discretar:
'..................................................
9 - A liberdade de expressão - como, de resto, os demais direitos
fundamentais - não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a protecção
constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos
pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de
protecção pára, ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro
direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios
fundamentais da ordem constitucional (v. neste sentido: J.C. Vieira de Andrade,
Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp.
213 e segs.) Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que
conviver com os direitos de outros titulares, há-de ele sofrer as limitações
impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou
conflito com outros direitos - designadamente com aqueles que se acham também
directamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à
integridade moral (artigo 25.º, n.º 1) e o direito ao bom nome e reputação e à
reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1)] -, haverá
que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também
formas de realização.
Dizer isto é reconhecer que, sendo proibida toda a forma de censura
(artigo 37.º, n.º 2), é, no entanto, lícito reprimir os abusos da liberdade de
expressão..........................................
...................................................
10 - O artigo 37.º aponta - segundo cremos - no sentido de que se não
devem permitir limitações à liberdade de expressão para além das que forem
necessárias à convivência com outros direitos, nem impor sanções que não sejam
requeridas pela necessidade de proteger os bens jurídicos que, em geral, se
acham a coberto da tutela penal. Mas, não impede que o legislador organize a
tutela desses bens jurídicos lançando mão de sanções de outra natureza (civis,
disciplinares ...).
................................................... “
Note-se que, com a transcrição que se deixa efectuada,
se não significa que no presente acórdão se esteja a tomar posição, como acima
se deixou sublinhado, sobre a questão de saber se os «limites imanentes» são
algo de geneticamente ligado aos direitos fundamentais em si mesmo considerados
(o que, eventualmente, poderia conduzir às ungeschriebene
Grunderechtsbegrengzuhngen), se tais «limites» hão-de, necessariamente, ter
fundamento na Constituição ou na lei ordinária para que ela remeta ou se, por
fim, os direitos fundamentais não terão de ser perspectivados como direitos de
«expansão ilimitada» ao menos, no que à liberdade de expressão concerne, vista
esta como um 'fundamento funcional' da ordem democrática, se não há-de ela, como
refere Alexy (Theorie des Grundrechte, 1985, 493), considerar como algo de
excludente de alguns conteúdos que, do ponto de vista jurídico, haveriam de
tornar-se, de modo fundamental, impossíveis (cfr., de todo modo, sobre a
«liberdade de expressão» e a admissão de limites aos mesmos, os Acórdãos deste
tribunal números 74/84, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4º vol., 49 e
segs, maxime, 57, e no Diário da República, 1ª Série, de 11 de Setembro de 1984,
99/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., 499 e segs e Diário da
República, 1ª Série, de 21 de Janeiro de 1989 e 636/95, no Diário da República,
2ª Série, de 27 de Dezembro de 1995).
3.2. Tem-se, desta arte, por adquirida a possibilidade
de admissão de limites à «liberdade de expressão» e, obviamente, à sua forma de
veiculação 'qualificada' - que é a «liberdade de imprensa» -, sendo que as
razões que a tanto conduzem são, mutatis mutandis, transponíveis se o enfoque
for projectado para o «direito de participação na vida política» exercitado
através daquelas «liberdades».
Assim, a solução dos conflitos de direitos não pode ser resolvida através de uma
preferência abstracta, com o mero recurso à ideia de uma ordem hierárquica de
valores constitucionais. Desde logo porque é difícil estabelecer, em abstracto,
uma ordem hierárquica dos valores constitucionalmente protegidos. Essa
hierarquização só pode fazer-se, na maior parte das hipóteses, quando se
consideram as circunstâncias concretas dos casos. Se a Constituição protege
diversos valores ou bens não é lícito sacrificar um deles em detrimento dos
outros, antes se impõe uma ponderação concreta dos bens que pode conduzir a
resultados variáveis em função das circunstâncias, ou seja, há que resolver os
conflitos de direitos através de um princípio de harmonização ou concordância
prática.
A aplicação do princípio da concordância prática não pode implicar a afectação
do conteúdo essencial de nenhum dos direitos em presença e também não impõe a
realização óptima de cada um dos direitos em jogo.
Como escreve JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE:
“O princípio da concordância prática executa-se, portanto, através de um
critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito.
Por um lado, exige-se que o sacrifício de cada um dos valores constitucionais
seja adequado e necessário à salvaguarda dos outros. Se o não for, não chega
sequer a existir um verdadeiro conflito.
Por outro lado, e aqui estamos perante a ideia da proporcionalidade em sentido
estrito, impõe-se que a escolha entre as diversas maneiras de resolver a questão
no caso (a “preferência concreta”) se faça em termos de comprimir o menos
possível cada um dos valores em causa segundo o seu peso na situação – segundo a
intensidade e a extensão com que a sua compressão no caso afecta a protecção que
lhes é constitucionalmente concedida (in Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., Coimbra, 2004, p. 326).
F) O caso concreto em apreço
16. Recorde-se que a interpretação dos artigos 483º, nº 1, e 484º do Cód. Civ.,
cuja inconstitucionalidade vem questionada neste recurso, não se prende com a
ilicitude como pressuposto da responsabilidade, mas antes com a modalidade de
culpa em causa, o que significa que tudo quanto se disse na decisão recorrida a
propósito da ilicitude e das suas causas de justificação, bem como da graduação
da gravidade da culpa se tem de dar aqui por adquirido.
Ora, a verdade é que o Acórdão recorrido procedeu à ponderação dos direitos em
conflito quando tratou da ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil e
das suas causas de justificação, tendo dado prevalência ao direito ao bom nome e
à reputação da pessoa colectiva de utilidade pública em detrimento da liberdade
de informação, o que do ponto de vista constitucional poderia ser discutível.
Porém, não é esta a dimensão interpretativa das normas que vem questionada in
casu, mas uma outra relacionada com a modalidade da culpa como pressuposto da
responsabilidade.
Recapitulando, em relação à culpa como pressuposto da responsabilidade civil, o
Acórdão recorrido, após ter distinguido a culpa lato sensu da culpa stricto
sensu (“mera culpa” ou “negligência”), tanto consciente como inconsciente, e de
ter indicado que, no nosso ordenamento jurídico, a culpa é apreciada, na falta
de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das
circunstâncias de cada caso (artigo 487°, nº 2, do Código Civil), aplicou estes
critérios ao caso concreto, tendo concluído que “(…) ocorre, por isso, o segundo
pressuposto da responsabilidade civil a que se reporta o artigo 483°, nº 1, do
Código Civil, ou seja, a culpa, ao menos na modalidade de inconsciente.” O que
parece admitir implicitamente que a culpa consciente não está totalmente
afastada.
17. Encontrando-se fora dos poderes de cognição deste Tribunal a apreciação dos
juízos subsuntivos dos factos às normas, não podemos deixar de partir do
princípio que, tal como decidiu o tribunal a quo, os factos provados revelam
culpa por parte dos recorrentes, pelo menos, na modalidade de culpa
inconsciente.
A questão de constitucionalidade que se coloca é, portanto, a de saber se,
estando em causa o direito de informar, a expressão “mera culpa”, constante do
artigo 483º, nº 1, C.C., pode ser lida como negligência inconsciente, no sentido
de fundamentar o dever de indemnizar para quem afirmar ou difundir um facto
capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou
colectiva (artigo 484º C. C.), no caso a difusão de (uma) notícia (s) por parte
dos recorrentes.
Para a doutrina juscivilista é pacífico que o artigo 483º do Cód. Civ., ao fazer
referência ao “dolo e mera culpa”, admite duas formas de culpa: o dolo e a
negligência, a qual pode ser consciente ou inconsciente. Na negligência
consciente, o agente, violando o dever de diligência a que estava obrigado,
representa a verificação do facto como consequência possível da conduta, mas
actua sem se conformar com a sua verificação, enquanto, na negligência
inconsciente, o agente não chega sequer a representar a verificação do facto, ou
seja, a lesão do direito de terceiro (neste sentido, ver PESSOA JORGE, “Lições
de Direito das Obrigações”, 1975-76, Lisboa, p. 562; RIBEIRO FARIA, “Direito das
Obrigações”, 1990, Coimbra, p. 461; ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”,
Volume I, 7ª edição, Coimbra, 1991, pp. 565 e 566; LUIS M. T. MENEZES LEITÃO,
Direito das Obrigações, Vol. I, 6ª ed., Coimbra, 2007, p. 315).
Conforme refere ANTUNES VARELA (in o.c., p. 566), a actuação negligente, ainda
que inconsciente, é sempre juridicamente reprovável ou censurável, ainda que em
grau menor que a actuação dolosa:
“A mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) exprime assim uma ligação da
pessoa com o facto menos incisiva do que o dolo, mas ainda assim reprovável ou
censurável. O grau de reprovação ou de censura será tanto maior quanto mais
ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte ou
intenso o dever de o ter feito. Perigo eminente exige atenção redobrada, como
dizem alguns autores.”
Mas será que a leitura juscivilista do preceito é compatível com as normas
constitucionais quando está em causa o direito de informar?
Como atrás se disse, no caso em apreço, verifica-se um conflito entre o direito
ao bom nome e a reputação de uma pessoa colectiva e o direito de informar por
parte de jornalistas. Esse conflito de direitos deve ser resolvido através de um
critério de ponderação que assenta no princípio da concordância prática, o qual
pressupõe a proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito. Ou seja, o
sacrifício de cada um dos direitos tem de ser adequado e necessário à
salvaguarda do outro.
E nem se diga que o facto de se tratar de uma pessoa colectiva que também é uma
“figura pública” implica uma redução tão drástica do seu direito ao bom nome que
no balanceamento entre esse direito e o direito à informação só este ultimo deve
ser tido em conta. A verdade é que não se pode reduzir o dever de indemnização
de tal modo que o conteúdo essencial do direito ao bom nome e à reputação saia
irremediavelmente afectado.
A questão que se coloca é a de saber se, em face da interpretação normativa que
está em causa neste recurso, e tendo em conta os artigos 37º, n.º 1, e 38º, nº
1, da CRP, a violação do direito ao bom nome através da imprensa depende de o
agente não ter previsto, por imprevidência ou descuido, a possibilidade de o
facto ilícito vir a ocorrer. Ora, o direito ao bom nome, como limite à liberdade
de imprensa, deve operar independentemente da modalidade da culpa em que possa
ter incorrido o agente, ou seja, quer o agente não tenha adoptado as precauções
necessárias para evitar o resultado danoso (culpa consciente) quer não tenha
sequer previsto a possibilidade de o facto ilícito ocorrer (culpa inconsciente).
Admitir o contrário, seria aceitar um tão elevado grau de compressão do direito
ao bom nome que não se nos afigura conforme à Constituição, a qual, perante um
conflito de direitos, ao invés de pretender hierarquizá-los, antes procura
comprimir o menos possível cada um dos direitos em causa, tendo em conta a
intensidade e a extensão com que a sua compressão no caso afecta a protecção que
lhes é constitucionalmente concedida.
Ainda que as “figuras públicas” vejam a esfera de protecção do seu direito ao
bom nome algo diminuída à partida, isso não pode implicar um total apagamento
desse direito mesmo que seja no confronto com as liberdades de expressão, de
informação e de imprensa, as quais numa sociedade democrática desempenham um
papel muitíssimo importante. Dito de outro modo, nem as liberdades de expressão,
de informação e de imprensa podem justificar uma leitura tão redutora do direito
ao bom nome e à reputação.
E não adianta invocar a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
em matéria de conflito destes dois direitos, isto é, em matéria crítica
admissível por parte da comunicação social quando está em causa a protecção da
privacidade, do bom nome, da reputação e da honra de “figuras públicas” (ver
casos Observer e Guardian v. The United Kingdom, proc. nº 13585/88, de
26/11/1991; caso Castells v. Spain, Proc. nº 11798/85, de 23/04/1992; caso
Prager e Oberschlick v. Áustria, Proc. nº 15974/90, de 26/04/1995; caso Lopes
Gomes da Silva v. Portugal, Proc. nº 37698/97, de 28/09/2000; caso Özgür
Radyo-Ses Radyo Televizyon Yayin Yapim Ve Tanitim A.S. v. Turquie, Proc. nº
64178/00, 64179/00, 64181/00, 64183/00, 64184/00, de 30/03/2006; caso Kobenter e
Standard Verlags GMBH v. Áustria, Proc. nº 60899/00, de 02/11/2006; caso Colaço
Mestre e SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. v. Portugal, Proc. nº
11182/03 e 11319/03, de 26/04/2007, todos disponíveis em
http://www.echr.coe.int/echr) para sustentar uma contradição entre esta
jurisprudência e a do Tribunal Constitucional. É certo que a jurisprudência do
TEDH admite amplas restrições àqueles direitos quando está em causa a liberdade
de expressão e de imprensa, desde que: (i) justificadas numa necessidade social
imperiosa e (ii) sejam proporcionais aos fins prosseguidos.
A verdade é que essa contradição não existe, dado que o âmbito da jurisdição
destes dois tribunais é totalmente distinto, sendo que os poderes de cognição do
Tribunal Constitucional se restringem à questão de inconstitucionalidade
suscitada – e só a ela –, não podendo apreciar oficiosamente qualquer outra
questão nem os juízos subsuntivos dos factos às normas.
Assim, a título exemplificativo, diga-se que, este Tribunal, tendo em conta a
questão de inconstitucionalidade colocada in casu, não pode apreciar se a
notícia tinha ou não interesse público ou se o montante concreto da indemnização
fixado pelo tribunal a quo é um sacrifício demasiado oneroso para os recorrentes
– esses juízos pertencem ao tribunal recorrido.
Voltando ao caso concreto, se o conteúdo essencial do direito ao bom nome não
pode ser afectado, o mesmo vale para o conteúdo essencial das liberdades de
expressão, de informação e de imprensa, pelo que há que averiguar se estas ficam
irremediavelmente comprometidas pelo facto de a mera culpa, na modalidade de
negligência inconsciente, ser admitida como pressuposto de responsabilidade
civil extracontratual, no caso de ter havido ofensa ao direito ao bom nome de
uma pessoa colectiva.
Sempre se poderia argumentar que a responsabilização civil dos jornalistas, a
título de negligência (e, necessariamente, a sua responsabilização pecuniária),
por notícias publicadas ao abrigo do seu direito de investigação jornalística,
restringiria o conteúdo essencial da liberdade de informação e de imprensa, pois
aqueles abster-se-iam de publicar notícias e de investigar, salvo quando
estivessem absolutamente certos da veracidade dos factos, ou pelo menos,
restringiria essas liberdades de modo desproporcionado. No fundo, o regime da
responsabilidade civil, a título de mera negligência (e, no nosso caso, na forma
inconsciente) poderia vir a funcionar como mecanismo de auto-censura, em
prejuízo da democracia.
Porém, assim não é. No caso em apreço, ficou provado que os jornalistas não
cumpriram todas as regras de cuidados que se lhes impunha, quer no plano
deontológico, quer no plano legal (por exemplo, não aceitaram o desmentido do
Presidente do B., bastaram-se com a recusa de informações pelo Fisco – estes
factos encontram-se provados no processo, pelo que o Tribunal Constitucional não
pode afastar-se dessa prova).
Como tal, embora a interpretação normativa sub judice restrinja o direito a
informar, ela não afecta o seu conteúdo essencial e não o faz de modo
desproporcionado, visto que os jornalistas mantêm o direito a informar, desde
que cumpram as regras impostas pelas “lege artis” e pela lei, ao longo da
investigação jornalística.
Admitir o contrário seria negar os deveres deontológicos dos jornalistas, os
quais implicam zelo, diligência e cuidado no exercício da profissão, bem como a
não afectação dos direitos de terceiros, como é o caso do direito à presunção de
inocência, do direito à imagem, do direito à reserva da vida privada, da
intimidade e da privacidade (ver artigo 14º do Estatuto do Jornalista na
redacção actualmente em vigor).
Em suma, não procede a inconstitucionalidade da norma que constitui objecto
deste recurso.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 29 de Maio de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Vítor Gomes
Maria Lúcia Amaral (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
Gil Galvão
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida pelas seguintes razões:
1. A liberdade de expressão e de informação, consagrada no artigo 37º da CRP, é
seguramente e antes do mais um direito de defesa contra intervenções abusivas do
Estado, como o são todos os demais direitos, liberdades e garantias pessoais.
Contudo – e por causa do particular bem jurídico que por ela é protegido – é
também muito mais do que isso, detendo uma dimensão objectiva e institucional
que não pode deixar de ser considerada, sempre que se determina o âmbito de
protecção da norma constitucional que consagra este tipo de liberdade. Com
efeito, o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido não é
outro senão o da formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não
concebe o correcto funcionamento da democracia. Por isso, o exercício, sem
obstáculos, desta liberdade não configura apenas um bem para quem a certo
momento a exerce; a sua prática continuada é algo que, objectivamente, detém
valor para a própria comunidade política. Que assim é demonstra-o, aliás, o
texto da Constituição, que não deixou de prever – a seguir à norma que consagra
a liberdade – um conjunto de garantias institucionais e de formas de organização
e de procedimentos (artigos 38º, 39º e 40º) que revelam bem o peso da dimensão
objectiva básica que detém, para o sistema constitucional, este direito
fundamental. Vê-lo como algo distinto e separado (e separado de forma cerce) de
um outro conjunto de direitos fundamentais que estariam – eles e só eles –
próximos da dignidade das pessoas (como valor constitucionalmente protegido) é
algo que me não parece compreensível. Por certo que a Constituição entende que o
exercício da liberdade de expressão também concorre para a perfeição do
princípio da dignidade, não sendo em relação a ele um aliud. A isso conduz a
função primacial que esta liberdade objectivamente detém, enquanto pressuposto
do próprio conceito constitucional de democracia.
2. No bem jurídico ‘formação da opinião pública’ vai seguramente inserto um
outro bem, também ele constitucionalmente protegido, e que é o da busca da
verdade. Tal é particularmente evidente no caso do direito de informar, que
integra, juntamente com o direito de exprimir e divulgar livremente o
pensamento, o âmbito da protecção constitucional. A diferença entre o exercício
do ‘direito de expressar o pensamento’ e o exercício do ‘direito de informar’
corresponde à diferença que vai entre a divulgação da opinião e a divulgação da
notícia. Seguramente que a segunda, que se reporta a factos e não a juízos de
valor, deve ser verdadeira. Contudo, a questão é a de saber qual o standard de
comprovação da verdade que razoavelmente se requer, tendo em conta a dimensão
objectiva do direito (liberdade de expressão) e o consequente ‘tipo’ alargado do
seu âmbito de protecção constitucional. É para mim claro que tal standard terá
que pressupor a boa fé e a diligência razoável de quem informa. Exigir para além
disso – como se as notícias só pudessem ser transmitidas após uma verificação e
comprovação exaustiva da sua veracidade – parece-me que é exigir mais do que é
permitido pelo âmbito de protecção da norma constitucional, justamente pelo
efeito inibitório, que daí decorrerá, para o exercício do direito de informar.
3. Tudo quanto se disse foi, até agora, apenas dito em tese. É impossível
atribuir à liberdade de expressão (e, especificamente, ao direito de informar),
o estatuto – apriorístico e invariável – de liberdade ‘preferente’ face a outros
direitos e liberdades. Nada na Constituição o legitima. Como se afirma no
Acórdão, os problemas de colisão de direitos fundamentais resolvem-se tendo em
conta o peso que cada um deles tem no caso concreto.
Neste caso, ao direito de informar opôs-se o direito ao bom nome de uma pessoa
colectiva com notoriedade pública, ou com lugar de relevo no espaço público. A
decisão recorrida resolveu o problema de colisão dando preferência, não à
liberdade de expressão, mas ao direito ao bom nome. Fê-lo com um duplo
fundamento: (i) pela especial proximidade existente entre tal direito e o
‘valor’ constitucional da dignidade das pessoas; (ii) por uma especial
interpretação do âmbito de protecção constitucional do direito de informar, que
se bastou com a existência de culpa do jornalista [culpa, evidentemente, em
relação ao não cumprimento do dever de buscar a verdade], ao menos na modalidade
de culpa inconsciente, como pressuposto da existência de responsabilidade civil
e do dever de indemnizar. Foi a este modo de resolver o problema [de colisão de
direitos] que o Tribunal acabou por dar razão, ao decidir – como decidiu – negar
provimento ao recurso, mantendo a sentença de que se recorrera. Não pude
concordar com tal decisão. Primeiro, porque entendi que o princípio da dignidade
não podia, in casu, ser invocado como razão da preferência do direito ao bom
nome. Como se viu, a liberdade de expressão não é um aliud face a tal princípio:
entender que este último vale só para os direitos de personalidade [ou para a
sua interpretação] e não para as liberdades comunicativas [ou para a
determinação do seu âmbito de protecção] é, a meu ver, adoptar uma visão
disjuntiva entre o estatuto da pessoa e o estatuto das suas liberdades
comunicativas que não tem, no texto constitucional, qualquer arrimo. Por certo
que as liberdades comunicativas têm a consagração constitucional que têm também
por causa da dignidade das pessoas. Depois, divergi da decisão porque entendi
que a exigência da ‘culpa’ (‘ao menos inconsciente’) do jornalista como
pressuposto bastante de um dever de indemnizar conduzia a um standard de
exigência da verificação da veracidade das notícias que ficava para além do
permitido pelo âmbito de protecção da norma contida no artigo 37º da CRP.
Independentemente da questão de saber quais as fronteiras que, em
casos como este, se devem estabelecer entre os recursos de constitucionalidade
e as queixas constitucionais, não previstas entre nós – questão que não
abordarei aqui –, uma coisa me parece certa. O Tribunal, ao aceitar conhecer
deste recurso, aceitou também que detinha competência para reexaminar a solução
que a sentença judicial dera à questão da colisão de direitos. Nem de outro modo
poderia ser, visto que a «norma» aplicada no caso concreto por tal sentença –
com a «interpretação» do caso – só o foi (aplicada e interpretada) por se ter
antes chegado a um certo resultado, quanto à questão prévia de saber como é que
se resolveria o conflito existente entre o direito de informar e o direito ao
bom nome. Aceitar conhecer deste recurso – ou seja, aceitar conhecer da
constitucionalidade da «concreta dimensão» da norma que no caso fora aplicada –
implicava, por isso, aceitar também a competência do Tribunal para reexaminar o
modo como, nele, se resolvera a questão da colisão de direitos. A meu ver,
deveria ter sido outro o resultado do reexame.
Maria Lúcia Amaral