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Processo n.º 343/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida neste Tribunal em 28 de
Abril de 2008, pela qual se determinou negar provimento ao recurso que pretendeu
interpor, vem agora reclamar para a conferência, nos termos do disposto no
artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Disse, no seu requerimento:
“A decisão (sumária) de que se reclama assume, nos seus próprios termos, a
natureza sumária ‘… por se tratar de matéria em que, versando sobre questões
apreciadas anteriormente por este Tribunal, entende-se ser de manter os
orientações já firmadas” (vide n° 5. a fls. 7).
Se bem que se aceite poderem os aspectos da ilegalidade por violação de lei com
valor reforçado e da inconstitucionalidade com base na violação do principio
constitucional da protecção da confiança (vide números 5.1 e 5.2.1) ser
susceptíveis da decisão sumária a que alude o preceito legal em causa — por
efectivamente terem sido objecto das decisões anteriores do Tribunal
Constitucional identificadas —, o mesmo já não sucede quanto à questão da
inconstitucionalidade por ‘violação do direito à contratação colectiva.
Com efeito, a douta decisão reclamanda (número 5.2.2) parte do princípio de que
a questão da inconstitucionalidade invocada nestes autos é a mesma que foi
analisada e decidida no Acórdão n.º 581/95, e louva-se na argumentação desse
douto aresto para alcançar a mesma conclusão.
Mas as questões não são as mesmas, nem são semelhantes — as questões nos dois
Processos são diferentes, podendo mesmo dizer-se que são opostas.
Realmente, no Acórdão n° 581/95 estava em apreciação e foi decidida a
constitucionalidade de uma norma (no caso, o art. 2° do diploma anexo ao Dec.
Lei n.º 64-A189, de 27 de Fevereiro) que retirava à regulamentação colectiva
certas matérias. O que aí se decidiu, e a nosso ver bem, foi que, uma vez que a
norma constitucional remete para a lei ordinária (nos termos da lei, diz o
preceito constitucional) a conformação desse mesmo direito constitucional, a lei
adquire uma função constitutiva do próprio Tatbestand do direito, e por isso não
é constitucionalmente ilegítima essa ‘retirada’.
No caso dos presentes autos isso não está em causa. Aliás — e é por isso dizemos
que as situações são mesmo opostas — a Lei n.º 23/98, de 26 de Maio (cuja
natureza ou não de “valor reforçado para aqui é de todo irrelevante), prevê
expressamente que são objecto de negociação colectiva as matérias relativas à
fixação ou alteração das pensões de aposentação ou de reforma corpo e alínea b)
do art. 6°).
Face ao exposto, podemos mesmo dizer que o Acórdão n° 581/95 decidiu uma questão
que do direito constitucional de negociação em matéria que a própria lei
conformadora de forma expressa consagra.”
2. A decisão sumária reclamada tem a seguinte fundamentação:
“A) Objecto do Recurso
4. Há que proceder, em primeiro lugar, à delimitação do objecto do recurso. Vem
impugnada a Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, na sua globalidade. No entanto,
movendo-se os autos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade (e
ilegalidade por invocada violação de diploma com valor reforçado), apenas
integram o respectivo objecto as normas que, tendo efectivamente sido aplicadas
pela decisão recorrida, constituam sua ratio decidendi. Tais normas são as
contidas nos artigos 51.º, n.º 3, 53.º, n.º 1, e 43.º, n.º 1, alínea a), do
Estatuto da Aposentação. As duas primeiras normas referidas resultam – na versão
aplicada – da redacção introduzida pela Lei n.º 1/2004, não integrando a última
– atinente ao modo como se fixa o regime da aposentação aplicável – o objecto do
recurso por não vir suscitada, relativamente a ela, qualquer questão. Assim,
compõe o objecto dos autos o artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2004, na parte em
que conferiu nova redacção aos artigos 51.º, n.º 1, e 53.º, n.º 1, do Estatuto
da Aposentação.
Encontrado assim o objecto do recurso, passemos agora à respectiva análise.
B) Apreciação das questões de constitucionalidade
5. Entende-se ser de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei
do Tribunal Constitucional por se tratar de matéria em que, versando sobre
questões apreciadas anteriormente por este Tribunal, entende-se ser de manter as
orientações já firmadas.
5.1. Assim, no que respeita especificamente ao recurso interposto ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea f), da mencionada Lei, é de reiterar nesta sede o
julgamento de não verificação de ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado proferido no Acórdão n.º 374/2004, publicado no Diário da República,
II Série, de 30 de Junho de 2004. Em fiscalização abstracta da legalidade das
normas contidas no artigo 1.º, n.ºs 1, a 5, da Lei n.º 1/2004, o Plenário do
Tribunal Constitucional decidiu não declarar a ilegalidade pedida por entender
que a Lei n.º 23/98 não possui valor reforçado. Remete-se, por conseguinte,
nesta parte, para o citado Acórdão n.º 374/2004, extractado ex abundantia nos
autos.
5.2. Analisemos agora o recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), comportando duas questões de constitucionalidade material – uma
atinente à eventual violação do direito fundamental dos trabalhadores à
contratação colectiva, previsto no artigo 56.º, da Constituição; e a outra,
respeitante à desconformidade com os princípios constitucionais do estado de
direito, da confiança, da protecção contra o arbítrio e da certeza e segurança
jurídicas, ínsitos, nomeadamente, nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, e 20.º, da
Constituição.
5.2.1. Comecemos por esta última. Também em fiscalização abstracta, o Plenário
do Tribunal Constitucional teve oportunidade de apreciar a constitucionalidade
da norma resultante da redacção introduzida ao artigo 51.º, n.º 3, do Estatuto
da Aposentação pela Lei n.º 1/2004 (Acórdão n.º 302/2006, publicado no Diário da
República, II Série, de 12 de Junho de 2006). Foi então apreciada a conformidade
da norma em face do princípio constitucional da protecção da confiança, tendo-se
concluído pela não declaração de inconstitucionalidade.
Pode-se ler, no mencionado aresto:
De qualquer modo, na maior extensão desse efeito desfavorável ao subscritor
pressuposta pela argumentação do requerente ou neste outro de mais reduzida
expressão quantitativa, considera-se que não existem razões para que o Tribunal
se afaste da jurisprudência firmada no Acórdão nº 99/99 (cit.), em que estava em
causa uma questão em tudo semelhante à colocada no presente processo: a de saber
se a introdução de uma diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão
de aposentação afecta expectativas – e, mais precisamente, expectativas
legítimas – dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações.
Para alcançar a conclusão de que não existe, neste domínio, uma expectativa
legítima dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, o citado Acórdão nº
99/99 teve presente, desde logo, a norma do artigo 43.º do Estatuto da
Aposentação, que dispõe:
«1 – O regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação
existente à data em que:
a) Se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não
dependa de verificação de incapacidade;
b) Seja declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou homologado o
parecer desta, quando a lei especial o exija;
c) O interessado atinja o limite de idade;
d) Se profira decisão que imponha pena expulsiva ou se profira condenação penal
definitiva da qual resulte a demissão ou que coloque o interessado em situação
equivalente.
2 – O disposto no nº 1 não prejudica os efeitos que a lei atribua, em matéria de
aposentação, a situações anteriores.
3 – …».
Como se vê, o n.º 1 do artigo 43.º é claro na determinação de que é no momento
da aposentação – ou, mais rigorosamente, no momento em que se verifique qualquer
das situações previstas nas alíneas a) a d) daquele n.º 1 – que se fixa, com
base na lei em vigor nesse momento, o respectivo regime.
Significa isto, como sublinhou o Acórdão n.º 99/99, que não possuem os
subscritores da Caixa Geral de Aposentações no activo qualquer expectativa
legítima na imutabilidade ou fixidez do statu quo vigente, antes não podendo
deixar de contar, por força do que está expressamente preceituado no artigo 43.º
do Estatuto da Aposentação, com eventuais alterações do regime jurídico da
aposentação. Em bom rigor, só no momento em que se aposentar – di-lo claramente
aquela norma – será possível ao subscritor conhecer, nos seus precisos contornos
e em toda a sua complexidade, as regras que lhe irão ser aplicáveis. E, como se
afirmou no Acórdão nº 99/99, «(…) a impossibilidade de previsão de uma mudança
só frustraria expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se
estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança,
designadamente, por o legislador os ter advertido do momento em que se fixa o
regime da aposentação». Ora - prossegue o Acórdão nº 99/99 -, «o artigo 43.º do
Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma previsão genérica de
possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação
se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se
verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E, por outro lado,
este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas vezes em
sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao interesse do recorrente),
ao ponto de os destinatários de tais normas deverem ter por assente que, até à
constituição da sua posição de pensionistas, mudanças poderiam sobrevir, ainda
que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação. Não parece, assim,
desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa afectou expectativas
legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, ainda que assim não
fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em causa constituísse
uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das
normas não pudessem contar – justamente por, como o legislador esclareceu já no
artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem contar com mutações do regime da
aposentação (em sentido favorável ou desfavorável, embora, evidentemente, sem
poderem adivinhar o sentido preciso dessas mutações) até à data em que se
verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação».
Afigura-se manifesto que não existe qualquer expectativa dos subscritores digna
de tutela pelo Direito que tenha sido intoleravelmente atingida por ter passado
a ser relevante para o cálculo da pensão a média das remunerações do último
triénio em vez do quantitativo correspondente ao vencimento do cargo pelo qual
se verifica a aposentação acrescido da média das demais retribuições do último
biénio. Na verdade a pretensa «expectativa» dos subscritores não se baseia em
qualquer contribuição que hajam feito, mas tão-só numa noção difusa de
manutenção ou cristalização do statu quo do regime da aposentação em todas as
suas vertentes – ideia que, no limite, inviabilizaria toda e qualquer
intervenção reformadora do legislador neste domínio.
Decisivamente, não pode afirmar-se, sem mais, que os trabalhadores possuam uma
expectativa a que o cálculo da pensão de aposentação seja efectuado sempre da
mesma maneira ao longo da sua carreira contributiva. Ponto é que as alterações
que venham a ser introduzidas não importem, à luz de critérios de
proporcionalidade e de razoabilidade, uma lesão de tal forma grave ou profunda
na «confiança no sistema» que os trabalhadores depositaram durante a sua
carreira contributiva.
A convocação de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade para averiguar
de eventuais violações do princípio da confiança já foi efectuada por este
Tribunal, como se viu, podendo referir-se os já citados Acórdãos n.º 287/90 e
n.º 580/99 ou, mais remotamente, o Acórdão nº 141/85 (in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 6.º vol., pp. 39 ss.). Ora, o abandono do critério da
retribuição base do cargo pelo qual se verifica a aposentação como factor de
referência e o alargamento de dois para três anos do período relevante para a
determinação da média, atenta a sua reduzida dimensão temporal, a ampla
liberdade de conformação reconhecida ao legislador e, mais decisivamente, a
circunstância de os trabalhadores não beneficiarem, no quadro da Constituição,
de um qualquer direito à «imutabilidade do sistema» são factores que militam no
sentido de se poder concluir que a alteração introduzida não afectou, de forma
absolutamente intolerável ou desproporcionada, quaisquer expectativas dignas de
tutela jurídica dos trabalhadores e, portanto, o princípio da confiança, ínsito
no princípio do Estado de direito democrático.
O Acórdão n.º 99/99, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Março
de 1999 – e para cuja orientação remete o Acórdão n.º 306/2006 –, em análise a
alteração legislativa que introduziu modificações relevantes para o cálculo da
pensão da aposentação, julgou, nomeadamente, nos termos que se seguem:
7. Ora, no caso sub iudice, compreende-se que a introdução pelo legislador de um
limite máximo da remuneração relevante para o cálculo da pensão de aposentação
afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal. É facto que não havia
razão específica para os destinatários anteciparem aquela mutação da ordem
jurídica (a imposição daquele limite naquele momento).
Resta, porém, saber se tais expectativas eram legítimas, no sentido de merecerem
a tutela do Direito, ou se o legislador acautelou a possibilidade de formação de
tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de se fixar um
dado regime da aposentação antes de certo momento.
Na verdade, a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustraria
expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem
razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, designadamente, por o
legislador os ter advertido do momento em que se fixa o regime da aposentação.
Ora, o artigo 43º do Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma
previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o
regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à
data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (o que,
no caso vertente, não ocorreu antes de Fevereiro de 1994). E, por outro lado,
este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas vezes em
sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao interesse do recorrente),
ao ponto de os destinatários de tais normas deverem ter por assente que, até à
constituição da sua posição de pensionistas, mudanças poderiam sobrevir, ainda
que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação.
Não parece, assim, desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa
afectou expectativas legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que,
ainda que assim não fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em
causa constituísse uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os
destinatários das normas não pudessem contar – justamente, por, como o
legislador esclareceu já no artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem
contar com mutações do regime da aposentação (em sentido favorável ou
desfavorável, embora, evidentemente, sem poderem adivinhar o sentido preciso
dessas mutações) até à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem
à aposentação.
Aliás, deve reconhecer-se que não existe uma relação directa entre os descontos
a efectuar para a Caixa Geral de Aposentações e a pensão de aposentação a
receber. E compreende-se que assim seja, tanto podendo, desde logo, o
interessado ser prejudicado como beneficiado com a falta desta relação directa
(assim se a pensão for globalmente de montante inferior àqueles pagamento ou de
montante superior).
Os fundamentos dos Acórdãos que vimos citando – 306/2006 e 99/99 – são
mobilizáveis para a questão ora em apreço, concluindo-se, por conseguinte, que
as alterações introduzidas pela Lei n.º 1/2004 aos artigos 51.º, n.º 3, e 53.º,
do Estatuto da Aposentação, não ofendem as regras e princípios constitucionais
invocados.
5.2.2. Relativamente à inconstitucionalidade material da Lei n.º 1/2004 – na
parte em que introduziu modificações nas normas que serviram de base de cálculo
da pensão de aposentação do Recorrente – por violação do direito fundamental à
contratação colectiva, é igualmente de aplicar a jurisprudência que este
Tribunal já firmou neste domínio.
Na óptica do Recorrente, a Lei n.º 1/2004, ao introduzir alterações no método de
cálculo e, consequentemente, no montante das pensões de aposentação, deveria ter
sido precedida de negociação colectiva. Não o tendo sido, resultaria violado tal
direito fundamental dos trabalhadores.
Vejamos o que, a propósito deste direito fundamental titulado pelos
trabalhadores, se escreveu no Acórdão n.º 581/95 (publicado no Diário da
República, I Série-A, de 22 de Janeiro de 1996):
A Constituição atribui às associações sindicais a competência para o exercício
do direito de contratação colectiva, mas devolve ao legislador a tarefa de
delimitação do mesmo direito, aqui lhe reconhecendo uma ampla liberdade
constitutiva. A interpretação do alcance desta devolução para a Lei (CRP, artigo
56.º, n.º 3, in fine, e n.º 4) não pode contudo deixar de entrever na norma
atributiva de uma competência às organizações sindicais de exercerem o direito
de contratação colectiva (CRP, artigo 56.º, n.º 3) a própria afirmação
constitucional deste direito e a garantia da sua realização.
Materialmente, o direito de contratação colectiva ‘analisa-se em dois aspectos:
(a) direito à liberdade negocial colectiva, não estando os acordos colectivos
sujeitos a autorizações ou homologações administrativas ou a esquemas públicos
obrigatórios de solução de conflitos; (b) direito à autonomia contratual
colectiva, não podendo deixar de haver um espaço aberto à disciplina contratual
colectiva, o qual não pode ser aniquilado por via normativo-estadual. É certo
que este direito é garantido apenas 'nos termos da lei’, estando portanto sob
reserva de lei. Todavia, a lei não pode deixar de delimitá-lo de modo a
garantir-lhe um mínimo de eficácia constitucionalmente relevante (…) havendo
sempre de garantir uma reserva de convenção colectiva, ou seja, um espaço não
vedado à contratação colectiva». (G. Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., Coimbra, 1984, p. 311).
Então, importa saber se o legislador, ao retirar à regulamentação colectiva uma
certa matéria — no caso, a matéria de procedimento disciplinar, pois que o
objecto do recurso, consistente na dimensão da norma plasmada na interpretação
do tribunal a quo postula aqui esse enfoque do problema — vem reduzir de tal
modo aquele espaço da autoregulação constitucionalmente garantido que põe em
causa a possibilidade de realização do direito de contratação colectiva. O que é
perguntar se a existência de normas legais imperativas em matéria de processo
disciplinar traduz uma afectação do conteúdo essencial daquele direito. (…)
Retomemos a formulação contida no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição: «Compete
às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é
garantido nos termos da lei».
Não se trata aí de uma ingerência autorizada do legislador, configurando uma
limitação do direito de contratação colectiva. O que se estabelece é uma reserva
de conformação (Ausgestaltungsvorbehalt): o legislador não intervém para impor
limites ao direito, mas o direito só tem existência completa na modulação que o
legislador lhe confere.
Este âmbito de conformação do legislador é particularmente relevante, como
explana Alexy (Theorie der Grundrechte, Suhrkamp Taschenbuch Wissenschaft, pág.
300), em matéria de competências privadas. E é este o caso. A dogmática
jurídico‑constitucional distingue a noção de conformação em sentido verdadeiro e
próprio da noção de restrição, precisamente em relação às normas de competência.
Na doutrina portuguesa, Vieira de Andrade dá conta de que «essa necessidade
prática [de introduzir e acomodar os direitos na vida jurídica] é
particularmente notória quando se trata de efectivar direitos em que predomina o
aspecto institucional...» (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa
de 1976, Almedina, Coimbra, 1983, pág. 227).
É, pois, evidente que, neste domínio, a lei adquire uma função constitutiva do
próprio Tatbestand do direito. Então, criada que está pelo próprio figurino
constitucional a abertura para uma ampla liberdade constitutiva do legislador,
cabe perguntar se a norma do artigo 2.º, ao retirar à regulamentação colectiva
certas matérias do regime jurídico do Decreto‑Lei n.º 64‑A/89 – aquelas que aí
são determinadas pela exclusão das matérias do artigo 59.º – vem reduzir de tal
modo aquele espaço de autoregulação constitucionalmente garantido que põe em
causa a possibilidade de realização do direito de contratação colectiva.
Também aqui o método de controlo faz apelo ao critério da proporcionalidade.
Interesses públicos relevantes como os da segurança jurídica e da igualdade –
postulando uniformização de procedimentos – podem ditar que as normas sejam
imperativas e não dispositivas. Além disso, o «espaço virtual» da contratação
colectiva não se esgota no âmbito de realidade sobre que incide o Decreto‑Lei
n.º 64‑A/89: o regime jurídico deste Decreto‑Lei [que, aliás, se abre em
momentos relevantes à autonomia colectiva (artigo 59.º)] tem incidência apenas
num sector da vida das relações de trabalho e o papel central da regulamentação
colectiva está por via de regra na «contratualização» de prestações, que não é
posta em causa.
Não é pois constitucionalmente ilegítima a determinação que se contém na norma
do artigo 2.º do diploma anexo ao Decreto‑Lei n.º 64‑A/89, visto que por ela o
legislador concretiza uma ampla competência de conformação sem negar a
existência de um «objecto possível» da contratação colectiva.
Assim, não constituindo dimensão deste direito fundamental o direito efectivo à
contratação colectiva sempre que estiverem em causa regras atinentes ao método e
forma de cálculo das pensões de aposentação, e, de igual modo, não resultando
qualquer aniquilamento virtual de tal direito pelo facto de tais matérias terem
sido reguladas, in casu, pela Lei n.º 1/2004 (e não através do mecanismo da
contratação colectiva), conclui-se pela não existência de inconstitucionalidade
material resultante de violação do artigo 56.º, n.º 3, da Constituição.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A decisão recorrida negou provimento ao recurso interposto entendendo
tratar-se de questões que haviam sido já objecto de anterior pronúncia pelo
Tribunal Constitucional.
Com efeito, no que diz respeito ao recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º,
n.º 1, alínea f), bem como à inconstitucionalidade material por violação dos
princípios do estado de direito, da confiança, da protecção contra o arbítrio e
da certeza e segurança jurídicas, conclui-se que essas questões foram já
expressamente apreciadas e decididas nos Acórdãos n.ºs 374/2004 e 302/2006,
publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 30 de Junho de
2004 e 12 de Junho de 2006. De igual modo, os fundamentos enunciados no Acórdão
n.º 99/99, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1999,
são mobilizáveis para a apreciação da questão de constitucionalidade supra
referida.
4. Assim, e na medida em que a reclamação deduzida também expressamente o
reconhece, é de manter a decisão proferida de rejeição do recurso interposto no
que respeita à questão da ilegalidade por violação de lei com valor reforçado
bem como à questão de constitucionalidade atinente à violação dos princípios do
estado de direito, da confiança, da protecção contra o arbítrio e da certeza e
segurança jurídicas.
Já no que se refere à invocada violação do direito fundamental à contratação
colectiva, entende-se ser de deferir a reclamação apresentada e revogar o
despacho proferido na parte em que, considerando tratar-se de questão simples,
apenas se remeteu para o Acórdão n.º 581/95, assim se rejeitando o recurso
interposto.
III – Decisão
5. Face ao exposto acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, deferir a reclamação apresentada e ordenar que o recurso siga os
ulteriores termos.
Sem custas.
Lisboa, 1 de Julho de 2008
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos