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Processo n.º 458/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
Na presente acção declarativa com processo ordinário que correu termos no
Tribunal Judicial da comarca de Portalegre, A. interpôs recurso de revista do
acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que confirmou o decidido em primeira
instância, vindo a formular, após despacho de aperfeiçoamento, as seguintes
conclusões (fls 931):
1) O artigo 349° do Código Civil define as presunções como sendo as ilações que
(...) o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido
(questão de direito);
2) Ainda que com a ressalva embora com desconhecimento da pessoa do responsável
e da extensão integral dos danos, o nº l do artigo 498° do mesmo Código
preceitua que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a
contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete
(questão de direito) e
3) Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição
sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável (n. ° 3 ibidem) (questão de
direito) (-);
4) Passando agora ao Código de Processo Civil do tempo (CPCt), diz o n° 1 do
artigo 514º que não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo
considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral (questão de
direito);
5) Depois (n° 1 do artigo 668°), é nula a sentença sempre que o juiz deixe de
pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (d)) (questão de direito);
6) Mais à frente (artigo 721º), o fundamento específico do recurso de revista é
a violação da lei substantiva (-), que pode consistir (…) no erro de
interpretação ou de aplicação e acessoriamente e inter alia naquela nulidade da
alínea d) do n° 1 do artigo 668.º (v. igualmente a alínea a) do n° 1 do artigo
755.º (questão de direito);
7) Ainda sendo o recurso de revista o próprio (cfr. também a parte final do n.º
1 do artigo 754°), é igualmente alegável a violação de lei do processo (v. a
alínea b) do citado n° 1 do artigo 755º) (n° 1 do artigo 722°) e relevante a
ofensa de uma disposição expressa de lei (n° 2 ibidem) (questão de direito);
8) Ora, no caso sub judice verifica-se ser sabido (-);
9) Em geral que, ao olhar para alguns prejuízos num imóvel urbano, ninguém4 à
face da terra pode exclamar logo, a olho nu, empiricamente e cheio de filáucia
isto aqui é obra de explosões … (-);
10) A 15 de Agosto de 1996 (feriado) o recorrente ignorava sem obrigação em
contrário se os danos eram só passageiros ou consolidados, causados por
explosões ou qualquer outro motivo, podia ou não vir a pedir responsabilidade e
em caso afirmativo a quem;
11) Só as inevitáveis informações técnico-científicas fidedignas obtidas muito
posteriormente vieram enfim permitir-lhe a correcta definição do seu direito
(-);
12) A própria tomada de consciência da existência dos prejuízos (-) só ganha
corpo (-) com a sua persistência ao longo de um período mais ou menos dilatado;
13) A peça escrita da B. de 16 de Fevereiro de 2000 reconhece que a 29 do
referenciado mês de Agosto de 1996 as explosões continuavam (-);
14) Depois, o processo tem uma acta que anotou com a respectiva cassete o
depoimento do senhor engenheiro C. e basta uma fracção de segundo para ouvir a
sua última afirmação de outra fracção de segundo as explosões continuaram pelo
menos até ao fim de Setembro de 1996;
15) Ao pôr isto de manifesto, o recorrente cumpriu devidamente o preceituado na
alínea b) do n° 1 e no n° 2 do artigo 690°-A do CPCt e
16) A Relação declarou uma prescrição notoriamente inexistente e produziu um
acórdão essencialmente ad hominem e não sobre a substância da acção (-), pelo
que as conclusões da presente revista têm forçosamente de ser exactamente as
mesmas da apelação e com as mesmas consequências.
Por acórdão de 13 de Março de 2008 (fls 1950-1964), o Supremo Tribunal de
Justiça negou a revista e confirmou a decisão recorrida.
Dele recorreu A. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (a fls.
1971):
“ […]
não se conforma com o nem por isso menos douto acórdão proferido no processo
acima indicado unicamente por se lhe afigurar inconstitucional a imponderação
entre outros do artigo 349° e n°s 1 e 3 do artigo 498° do Código Civil e n° 1 do
artigo 514°, alínea d) do n° 1 do artigo 668°, artigo 721º e alínea b) do seu n°
1, n°s 1 e 2 do artigo 722°, n° 1 do artigo 754°, alíneas a) e b) do n° 1 do
artigo 755°, alínea b) do n° 1 e n° 2 do artigo 690°-A do Código de Processo
Civil do tempo.
Assim e sem prejuízo de melhor e mais circunstanciado desenvolvimento na fase
posterior de alegações, vem, nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 70° e n°s
2 dos artigos 72° e 75°-A e com o âmbito do n° 1 do artigo 71° do Estatuto do
Tribunal Constitucional, dele interpor recurso suspensivo restrito a essa
questão – suscitada nos autos e sobretudo a partir das alegações de recurso – da
inconstitucionalidade das respectivas normas civis e processuais civis sobre as
quais – salvo o devido respeito que é máximo – foi feita uma interpretação
avessa à Constituição, por acção ou omissão e em qualquer dos casos com violação
de princípios constitucionais fundamentais.
Os tribunais não podem interpretar as normas, em si constitucionais, de modo a
que elas se tornem inconstitucionais, como nas hipóteses dos autos.
[…]”
Por despacho de 10 de Abril de 2008, não foi admitido o recurso de
constitucionalidade (cfr. fls. 1974), com o seguinte fundamento:
“[…]
A folhas 1971, veio o recorrente A. interpor recurso para o Tribunal
Constitucional “por se lhe afigurar inconstitucional a imponderação entre outros
do artigo 349.° e n°s 1 e 3 do artigo 498.° do Código Civil e n°1 do artigo,
alínea d) do n°1 do artigo 668°, art. 721.º e alínea b) do n.°1, n°s 1 e 2 do
artigo 722°, n°1 do artigo 754°, alínea a) e b) do n°1 do artigo 755°, alínea b)
do n°1 e n°2 do art.° 690°- A do Código de Processo Civil ao tempo.”
Todas estas questões de constitucionalidade podiam ter sido levantadas no
recurso interposto, não sendo, portanto, para estes efeitos, novas. E não o
foram.
Falece, assim, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso, consignado no
artigo 75°-A da Lei 28/82, de 15.11.
Acresce que é manifesto não ter este Tribunal interpretado qualquer das normas
referidas de modo a violar qualquer preceito constitucional o que releva também
para efeitos do artigo 76.º, n°2, parte final, da mesma Lei.
Assim, nos termos ainda deste artigo 76.°, n.°2, não admito o recurso.
[…]”
Deste despacho foi interposta reclamação, limitando-se o interessado a referir o
seguinte (fls. 1976):
“Salvo o devido respeito que é máximo, A. vem reclamar sinceramente contra a não
admissão do recurso para o senhor Presidente do Tribunal Constitucional pelos
fundamentos expostos e que dá por inteiramente reproduzidos”.
O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se nos seguintes termos (fls. 1978 v.º):
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, o reclamante não curou de identificar, em termos minimamente
inteligíveis, qualquer norma ou interpretação normativa, efectivamente aplicada
à dirimição do caso pelo STJ, limitando-se a “arrolar” uma série de preceitos
legais dispersos e heterogéneos, que não teriam sido “ponderados” no acórdão
recorrido; e tal vício ostensivo do requerimento de interposição do recurso de
fiscalização concreta não foi adequadamente suprido através da presente – e
lacónica – “reclamação” – o que naturalmente implica a carência de objecto
idóneo do recurso que pretende interpor para este Tribunal Constitucional.”
2. Fundamentação
Embora a reclamação tenha sido dirigida ao Presidente do Tribunal
Constitucional, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 76º, n.º 4, e
77º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, o seu julgamento compete à
conferência a que se refere o artigo 78º-A da mesma Lei, pelo que deve
considerar-se convolada como reclamação para o Tribunal Constitucional.
Decorre das várias alíneas – nomeadamente da alínea b), invocada pelo recorrente
no requerimento de interposição do presente recurso – do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade só pode ter
por objecto uma norma (a esta podendo ser equiparada a interpretação normativa),
e nunca uma decisão judicial, em si mesma considerada.
Dito de outro modo, o Tribunal Constitucional não possui competência para
apreciar a conformidade constitucional das próprias decisões recorridas, apenas
a possuindo relativamente a normas por elas aplicadas.
Ora, não obstante o recorrente refira, no requerimento de interposição do
presente recurso, que pretende ver apreciada a constitucionalidade da
interpretação efectuada pelo tribunal recorrido de determinadas “normas civis e
processuais civis” (a qual não enuncia em termos susceptíveis de constituir
objecto idóneo do recurso), a verdade é que imputa ao próprio acórdão recorrido
a inconstitucionalidade por “imponderação” dessas mesmas normas.
Ou seja, o que o recorrente pretende, no fundo, é que o Tribunal Constitucional
aprecie se é correcta a interpretação que o tribunal a quo fez dos preceitos que
enuncia.
Ora, o Tribunal Constitucional não pode fixar a melhor interpretação do direito
ordinário, isto é, controlar o resultado da interpretação da lei a que chegam os
tribunais, sob o ponto de vista da sua obediência aos princípios gerais que
devem nortear essa interpretação.
Assim, estando em causa a inconstitucionalidade da própria decisão judicial, e
não uma dada interpretação normativa, não é admissível o recurso, por falta de
preenchimento de um dos seus pressupostos processuais.
Acresce que, como bem anotou a decisão reclamada, no recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, como é evidenciado pela transcrição das conclusões das
respectivas alegações, o reclamante não suscitou de forma processualmente
adequada qualquer questão de inconstitucionalidade.
Nestes termos, também por falta de suscitação, no decurso do processo, da
questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional, não poderia o recurso ser admitido (cfr. artigos 70º, n.º 1,
alínea b), e 72º, n.º 2, da LTC).
Nada justificando, em consequência, a alteração do julgado.
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 2 de Julho de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão