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Processo n.º 357/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no art.º 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), do despacho do relator, no Supremo Tribunal de Justiça, que não lhe
admitiu o recurso interposto do acórdão do mesmo tribunal, de 24 de Outubro de
2007.
2 – O despacho reclamado tem o seguinte teor:
«O arguido A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de
fls. 496 e ss., que rejeitou o recurso que interpusera para este STJ.
Não tendo dado cumprimento ao disposto no art. 75°-A, 1 e 2 da LTC, foi
notificado nos termos e para os efeitos do nº 5 do mesmo artigo.
Vem agora o arguido, em resposta ao convite, indicar a al. f) do nº 1 do art.
70º da mesma Lei como sendo aquela em que se funda o seu recurso, adiantando
que, ao ser-lhe rejeitado o recurso, lhe foi negado o direito ao recurso
consagrado no art. 320, nºs 1 e 2 da CRP.
É manifesto que não pode ser a alínea f) aquela que serve de fundamento ao
recurso, uma vez que esta se reporta ao recurso com fundamento em ilegalidade de
uma norma, e não da sua inconstitucionalidade. Quererá, por isso, eventualmente
o arguido referir-se à al. b) do mesmo artigo.
Contudo, continua o arguido a não indicar qual a norma que considera
inconstitucional, e cuja inconstitucionalidade tenha suscitado no processo.
Nestes termos, por não ter cumprido os requisitos impostos pelo art. 75°-A da
LTC, não recebo o recurso interposto para o TC».
3 – Como fundamentos da sua reclamação, o reclamante aduz o
seguinte:
«O arguido A., inconformado com a douta decisão que lhe não recebe o recurso
interposto o qual se destinava este Tribunal Constitucional, vem da mesma
reclamar, nos termos legais e pela razão:
Exmo. Senhor
Juiz Presidente do Tribunal Constitucional
O arguido A. foi julgado e condenado pela 6ª Vara, 3ª Secção Criminal de Lisboa,
na pena de 14 anos de prisão, pela prática dos crimes de abuso sexual de menor.
Da condenação interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, porquanto
entende que os factos constantes da acusação não resultaram provados em
audiência de julgamento, tendo-lhe sido reduzida a pena para 5 anos e 6 meses de
prisão.
Desta última decisão interpôs novamente recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, pugnando, em última instância, pela redução da pena para o limite que
permitisse a suspensão da mesma, atendendo sobretudo à idade do arguido
recorrente e a ausência de antecedentes criminais por parte do mesmo.
Ora acontece que este último recurso foi recusado com a douta argumentação de
que a pena aplicada ao arguido pela primeira instância, uma vez confirmada pela
segunda instância (Tribunal da Relação), não admite recurso à luz do disposto no
art. 400º do Código de Processo Penal.
Inconformado o arguido apresentou um requerimento da interposição do recurso
para este tribunal constitucional, indicando, após ter sido para o efeito
notificado pelo STJ, as normas violadas, designadamente, al. b) do art. 75-A
(embora por mero lapso tenha indicado a al f) do mesmo diploma) e o art. 32° da
constituição da república portuguesa, sobre o qual mereceu o despacho, ora
reclamado, de não admissão.
Na verdade entende o arguido ora reclamante não assistir razão ao STJ ao
recusar-lhe os recursos interpostos, para o mesmo STJ e para este TC.
É que nos termos do art. 32° do CPP “o processo criminal assegura todas as
garantias de defesa, incluindo o recurso”
Ainda nos termos do art. 18º desta mesma norma constitucional, “As leis
restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e
abstracto e não podem ter efeito retroactivo (sublinhado nosso,) nem diminuir a
extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”
Ora, o julgamento na primeira instância, bem como o recurso interposto para o
TRL, aconteceram muito antes da entrada em vigor da lei nº 48/2007, da revisão
do CPP, cujo art. 400º, estipula que dos acórdãos do Tribunal da Relação que
confirme pena não superior a 8 anos de prisão, não admite recurso.
O arguido foi sentenciado pelo TRL na pena de 5 anos e 6 meses, sendo ao abrigo
da lei anterior, podia recorrer desta decisão.
Quanto ao recurso para este TC interposto pelo arguido, após convite para o
aperfeiçoamento foram observados os requisitos legais para a sua admissão pelo
que a mesma deveria ter sido admitido.
Termos em que
Deve a presente reclamação ser atendida, sendo ordenado a admissão do recurso
interposto pelo arguido, o qual se destina a este TC».
4 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
pronunciou-se, dizendo:
«A presente reclamação carece manifestamente de fundamento, em nada abalando a
argumentação do reclamante a decisão que rejeitou o recurso, desde logo,
manifestamente dispondo de objecto, já que continua o arguido/recorrente a
omitir qual a norma cuja constitucionalidade pretendia ver sindicada por este
Tribunal».
B – Fundamentação
5 – Decorre do despacho reclamado que o reclamante interpôs recurso
para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24
de Outubro de 2007, sem que indicasse a norma que reputava de inconstitucional e
que, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 5 do art.º. 75.º-A da LTC, o
mesmo continuou a não identificar a norma de direito infraconstitucional cuja
inconformidade com a Constituição pretendia ver apreciada, tendo-se limitado, na
resposta ao convite efectuado, a dizer que o recurso era interposto ao abrigo da
alínea f) do art.º. 70º da LTC, identificação esta da alínea incorrida em lapso,
aliás admitido na decisão reclamada, e a invocar a violação do disposto no
art.º. 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.
É patente que o recorrente labora em erro quanto à natureza do
recurso constitucional, configurando-o em termos de recurso de instância em que
o seu objecto é a decisão recorrida.
Ora, no recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, tal
qual este se mostra conformado no art.º. 280.º da Constituição e no art.º. 70.º
da LTC, o objecto do recurso é a norma de direito infraconstitucional que, como
sua ratio decidendi, haja sido aplicada pela decisão recorrida, sendo o recurso
interposto dessa decisão apenas para a apreciação dessa questão. É nessa
concepção que se baseia o n.º 1 do art.º. 75.º-A da LTC, ao obrigar o recorrente
a identificar a norma cuja constitucionalidade pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie no recurso.
Ora, não tendo o recorrente satisfeito esse ónus de identificação da
norma objecto do recurso, não obstante haver para tanto sido convidado, nos
termos do n.º 5 do art.º. 75.º-A da LTC pelo relator, no Supremo Tribunal de
Justiça, bem andou a decisão ora reclamada em não dar seguimento ao recurso.
É certo que esta conclui pelo não recebimento do recurso em vez do
haver concluído pela sua deserção, como se prescreve no n.º 7 do referido art.º.
70.ºA da LTC.
Estando o recurso já interposto o efeito ajustado será o da sua
deserção. Mas esta circunstância não afecta a funcionalidade do efeito
jurídico-prático resultante de uma diferente qualificação do incumprimento do
referido ónus.
É que, de qualquer maneira, sempre o tribunal de recurso não toma
conhecimento do seu objecto.
Por isso, é de indeferir a reclamação.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça de 20 UCs.
Lisboa, 29 de Maio de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos