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Processo n.º 914/11
 
 2.ª Secção
 
 
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
 
 
  
 
 
 Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
 
  
 
 
 
  
 
 
 Relatório
 No Tribunal Judicial de Valença, em processo comum com intervenção do tribunal coletivo (Proc. n.º 182/10.3JABRG), foi proferido acórdão em 28 de abril de 2011 que condenou o arguido A. na pena única de 6 anos de prisão.
 
  
 
 
 O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 12 de setembro de 2011, negou provimento ao recurso.
 
  
 
 
 O arguido após ter pedido a aclaração desta decisão, o que lhe foi indeferido, recorreu para o Tribunal Constitucional a fim deste se pronunciar: a) sobre a ilegalidade/inconstitucionalidade decorrente da completa desconsideração e, assim, exclusão do subjacente preenchimento do invocado princípio da motivação consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, e artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal deste modo violando essas normas ao não aplicá-las, por falta de fundamentação decisória; b) sobre a ilegalidade/inconstitucionalidade decorrente da completa desconsideração e, assim, exclusão do subjacente preenchimento do invocado princípio in dúbio pró reo consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição e 127.º do Código de Processo Penal assim violando essas normas ao não aplicá-las, por ter decidido sem a certeza jurídica que a lei impõe.
 
  
 
 
 Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
 
 “No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge?se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas (hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 O Recorrente imputa as inconstitucionalidades que pretende ver apreciadas à própria decisão recorrida e não a qualquer critério normativo que esta tenha utilizado na sua fundamentação, pelo que não é possível conhecer do presente recurso.”
 
  
 
 
 O Recorrente reclamou desta decisão nos seguintes termos:
 
 “A Douta Decisão Sumária proferida a fls… dos autos profícua e sabiamente fundamentada merece, antes de mais, todo o respeito do ora reclamante. 
 Tal decisão, e da qual agora se reclama, é fundamentada em que a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa e o recorrente, ora reclamante, imputa as inconstitucionalidades à própria decisão recorrida. 
 O ora reclamante, nas suas motivações de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães alega, em síntese, o seguinte: 
 Ao arguido, foi aplicada uma pena de prisão efetiva de seis anos. 
 O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, mais concretamente, sob se foi efetuada prova bastante para ter sido aplicada ao arguido urna pena de 6 anos de prisão. 
 Diz o art. 127º Cód. Proc. Penal que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. 
 Segundo o princípio in dúbio pro reo: “a presunção de inocência do arguido implica que, sendo incerta a prova, se não use de um critério formal como o resultante do ónus legal da prova para decidir da condenação do réu, a qual terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos” (Prof. Cavaleiro Ferreira, Dir. Penal Português, 1981, 1º - III). 
 
 “este princípio, na interpretação da lei penal, manda ao interprete que, em caso de dúvida, siga aquela das interpretações que mais favoreça o réu” ( Prof. Eduardo Correia. Dir. Criminal, 1963, 1º – 150). 
 Salvo o devido respeito pelo Tribunal o quo a prosa indiciária pode e deve ser usada na fase de inquérito. Na fase de julgamento a defesa entende que se deve ir mais longe e buscar-se o objetivo, o concreto, para daí se partir para infirmar um dado desconhecido, que não o contrário. Por tal motivo a defesa discorda neste ponto do raciocínio que permitiu ao Tribunal a quo chegar ao entendimento ora posto em crise. 
 Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, a pena aplicada ao arguido não foi adequada, não atendeu à insuficiência da prova produzida. 
 Violação do artigo 127º do Cód. Proc. Penal e consequentemente do princípio “In dubio pro reo”. 
 Como se não bastasse toda esta incerteza, falta de objetividade e rigor factual, os exames periciais levados a cabo no instituto de Medicina legal e no laboratório de Polícia Científica da Policia Judiciária, não confirmam a existência de lesões traumáticas, de sémen ou vestígio de DNA na região genital e perigenital e na roupa da ofendida. 
 As conclusões contêm expressões tais como: “a compatibilidade entre a informação e os exames efetuados é possível mas não demonstrável”: na qual pode estar incluído, perfil genético feminino idêntico: perfil genético masculino incompleto idêntico. 
 Desta panóplia circunstancial a defesa ficou, como o tribunal o quo deveria ter ficado, com sérias dúvidas de que o arguido tenha tido qualquer intervenção nos factos dos autos, tal como constam da acusação e se deram como provados, designadamente que manteve relações sexuais de cópula completa ou qualquer outro tipo de contacto físico que assuma cariz sexual, que praticou um crime de violação de domicílio e um crime de furto, pelo que dever-se-ia ter feito uso do princípio in dúbio pro reo. 
 Pelo exposto, deveria o arguido ter sido absolvido dos crimes pelos quais foi acusado. 
 Foi violado o artigo 127º do Cód. Proc. Penal e consequentemente do princípio “In dubio pro reo”. 
 No requerimento de esclarecimento do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em que subsidiariamente se arguiu ilegalidades/inconstitucionalidades diz-se o seguinte: 
 O que se pretendeu com o recurso foi que se aquilatasse se da prova produzida (testemunhal e documental) e dos factos dados como provados houve contradições/vícios pelo Tribunal de 1ª Instância. 
 Ao proferir o douto Acórdão o Tribunal da Relação, em n/ modesta opinião, demitiu-se de reavaliar a matéria de facto, violando o disposto no art. 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal. 
 
 É que, sempre com o elevado e devido respeito, a verdade é que se decidiu com premissas dúbias e contraditórias havendo, pois erro de atividade (erro de construção ou de formação) no mesmo sentido Ac. STJ, de 9/12/1987, in BMJ372º-369. 
 A necessidade de fundamentação rigorosa prende-se com a própria garantia de direito ao recurso e tem a ver com a necessidade de legitimação da decisão judicial em si mesma – cfr. Ac. TC. nº 55/85, de 25/03/1985, in Acórdãos TC, 5º-467 e ss.. 
 
 “III – A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, e é um princípio geral que a própria Constituição consagra no art. 208º (ora 205º), nº 1, e tem que ser observado nas decisões judiciais… Ac. RP, de 17/10/1991, in BMJ 410º-876. 
 Sendo este princípio constitucional tem pleno cabimento criminal – cfr. ar. 97º, nº 5 do Cod. Proc. Penal. 
 
 “O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito e no Estado Social de Direito contra o arbítrio do poder judiciário” Pessoa Vaz, Direito processual Civil do Antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, pág. 211. 
 
 É que a questão não reside num novo julgamento sobre a matéria de facto, mas sim se da prova carreada e produzida se poderia, com a certeza jurídica que a Lei impõe, concluir nos termos em que se concluiu, tendo por este motivo invocado o princípio in dúbio pro reo.
 A posição do arguido no processo penal é protegida pelo principio da presunção de inocência, prevista no n.º 2 do art. 32.º da Constituição, que surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo, o qual implica a absolvição do arguido no caso de o juiz não ter certeza sobre a prática dos factos que subjazem à acusação. 
 Assim, o entendimento do Douto Tribunal da Relação viola o princípio in dúbio pro reo e consequentemente o disposto no art. 32º, nº 2 da C. R. Port.. 
 A valoração da prova tem limites (art. 127º do Cód. Proc. Penal), não podendo o juiz decidir de livre arbítrio, fundamentando a sua decisão em conjeturas ou opiniões pessoais. 
 Destarte o, aliás, douto acórdão proferido, para além de ilegal inconstitucional é, nessa parte obscuro, pelo que se suscita o seu esclarecimento. 
 Foram, pelo supra exposto, violados os arts. 32º nº 2 e 205º, nº 1 da C.R.Port., 97º, nº 5, l27º e 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal. 
 Desta forma, e com o devido respeito por opinião contrária, considera o ora reclamante que estão preenchidos os pressupostos para que o recurso fosse admitido, pois invoca-se a violação pelos Tribunais recorridos das normas contidas nos arts. 32º, nº 2 e 205º, nº 1 da C.R.Port., 97º, nº 5, 127º e 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, assim como a violação do princípio in dubio pro reo. 
 Por tudo isto, entende o recorrente que a Douta decisão reclamada deverá ser reformada e, ou, alterada por forma a que seja determinado a admissão do recurso interposto, bem como determinada a notificação do recorrente para apresentar neste Tribunal as respetivas alegações.”
 
  
 
 
 O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
 
  
 
 
 Fundamentação
 A decisão reclamada recusou-se a conhecer do mérito do recurso interposto, com o fundamento de que o mesmo não colocava uma questão de inconstitucionalidade normativa, mas sim de inconstitucionalidade da própria decisão recorrida.
 Na reclamação apresentada o Recorrente limita-se a evidenciar que a acusação de inconstitucionalidade não se reporta a qualquer critério normativo que tenha sido utilizado pelo Acórdão recorrido como sua ratio decidendi, mas sim à própria decisão.
 Não se encontrando atribuída ao Tribunal Constitucional competência para efetuar esse tipo de fiscalização, revela-se correta a decisão de não conhecer do mérito do recurso, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
 
 Decisão
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
 
  
 
 
 Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
 Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.