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Processo n.º 1090/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. O presente recurso vem interposto pelo Ministério Público, com natureza
obrigatória, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da CRP e dos
artigos 70º, n.º 1, alínea a) e 72º, n.º 3, ambos da LTC, do acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 03 de Outubro de 2007 (fls. 447 a 459)
que recusou aplicar o “n.º 7 da Portaria n.º 234/97, na parte em que prevê a
responsabilidade dos proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos
postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela
diferença entre o montante do ISP e IVA liquidado e pago e a que seria devida se
se tratasse de gasóleo rodoviário [por ser] orgânica e materialmente
inconstitucional, por violação dos arts. 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea
i), da CRP, na redacção vigente em Abril de 1997” (fls. 459).
Entre outras considerações, a decisão recorrida entendeu que:
“(…)
A determinação da incidência, subjectiva e objectiva, dos impostos bem como as
suas taxas está sujeita a reserva de lei formal, nos termos dos arts. 106º, nº
2, e 168º, nº 1, da alínea i), da CRP, na redacção vigente em Abril de 1997
[103º., nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP, nas redacções posteriores].
A parte final deste nº 7, na parte em que prevê o pagamento de ISP
correspondente à venda de gasóleo rodoviário e respectivo IVA aos proprietários
ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao
público do gasóleo colorido e marcado que o vendam a quem não seja titular de
cartão com microcircuito, é uma norma que prevê o pagamento da taxa
correspondente ao gasóleo rodoviário relativamente a factos tributários que não
consistem na comercialização deste tipo de mercadoria, sendo desta perspectiva,
uma norma definidora da incidência objectiva do ISP.
Ou, doutra perspectiva, aquele nº 7 impõe a quem não vendeu gasóleo rodoviário o
pagamento do imposto correspondente à sua comercialização, na parte em que este
imposto excede o correspondente à comercialização de gasóleo marcado e colorido,
sendo, desta óptica, uma norma que define a incidência subjectiva do ISP.
Ou, ainda doutra perspectiva, aquele nº 7 reconduz-se a aplicar a taxa
correspondente à comercialização de gasóleo rodoviário, à comercialização de
gasóleo marcado e colorido, sendo, por isso, uma norma definidora da taxa
aplicável à comercialização deste tipo de gasóleo, em termos diferentes da
prevista no Código, nas circunstâncias aí indicadas.
Qualquer que seja a perspectiva, a estatuição contida neste nº 7 insere-se na
reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, à face
das normas constitucionais indicadas.
Assim, a constitucionalidade desta imposição do pagamento da diferença de ISP e
correspondente IVA, depende se ela estar contida em lei formal ou Decreto-Lei
emitido ao abrigo de autorização legislativa.
No caso em apreço, constata-se que a definição da tributação para estas
situações não estava, ao tempo em que ocorreram os factos dos autos, contida em
diplomas com este valor legislativo.
Na verdade, embora o art. 3º, alínea e), preveja genericamente que são sujeitos
passivos do imposto «as pessoas singulares ou colectivas que, em situação
irregular, produzam, detenham, transportem, introduzam no consumo, vendam ou
utilizem produtos sujeitos a impostos», desta norma apenas decorre que, quando
houver irregularidade, essas pessoas podem ser responsabilizadas pelo pagamento
do imposto que deveriam cobrar e não cobraram, relativo à mercadoria que
transaccionaram, mas já não resulta que possam ser responsabilizadas pelo
pagamento de um imposto que não devia ser cobrado pela transacção da mercadoria
que efectivamente transaccionam.
No caso em apreço, o que foi transaccionado foi gasóleo marcado e colorido e não
gasóleo rodoviário e o imposto que deveria ser cobrado pela venda do mesmo era o
correspondente ao gasóleo marcado e colorido e não o correspondente ao gasóleo
rodoviário, como resulta do n.º 1 do art. 74º do C.I.E.C. ao estabelecer que
«são tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o
petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do Ministro
das Finanças».
Isto é, não se está perante uma situação de falta de liquidação do imposto
devido relativamente à mercadoria vendida, pois o que foi vendido, apesar do não
cumprimento das formalidades legais, foi gasóleo marcado e colorido vendido e
não gasóleo rodoviário, e o ISP à taxa reduzida que incide sobre a
comercialização daquele primeiro tipo de gasóleo foi liquidada e paga. Pelo
facto de não terem sido cumpridas essas formalidades, o gasóleo referido não
deixou de ser marcado e colorido e não passou a ser considerado gasóleo
rodoviário, não deixando de continuar a ser punida a sua utilização como gasóleo
rodoviário, se eventualmente o adquirente o utilizou como tal.
Assim, com base nas normas de incidência que constam do CIEC e do CIVA não se
chega à conclusão de que, no caso de o gasóleo marcado e colorido não ser
vendido com os requisitos e o destino legal, a taxa de ISP que deve ser aplicada
(e o correspondente IVA) não são que a lei prevê para a sua comercialização, mas
antes a taxa aplicável a qualquer outro produto petrolífero, designadamente o
gasóleo rodoviário. Ou, doutra perspectiva, não resulta daqueles códigos que
quem vendeu gasóleo marcado e colorido deva pagar algum imposto correspondente a
gasóleo rodoviário, que não vendeu.
Por outro lado, também não é forçoso concluir, em termos lógicos, que a não
observância dos requisitos de um regime de tributação privilegiado implique a
aplicação do regime normal, pois a punição das ilegalidades cometidas na
comercialização pode ser eficientemente efectuada apenas com as sanções
criminais ou contra-ordenacionais, que são previstas no Regime Geral das
Infracções Tributárias e noutros diplomas especiais.
Aliás, é isso mesmo que inculca o nº 6 do referido art. 74., ao estabelecer que
«a venda, a aquisição ou o consumo de gasóleo colorido e marcado com violação do
disposto no número anterior estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral
das Infracções Tributárias e em Legislação especial».
São estas as consequências previstas para a irregularidade em causa e não também
que o gasóleo vendido passa a ser juridicamente considerado gasóleo rodoviário
ou que, continuando juridicamente a ser gasóleo marcado e colorido, a taxa de
ISP aplicável, em vez de ser a prevista na lei para essa mercadoria passa a ser
a que corresponde a qualquer outro produto petrolífero diferente do produto que
foi vendido.
Poderia aventar-se que o facto de o referido art. 47º, nº 1, da Lei nº 3-B/2000
ter vindo estabelecer, na redacção dada ao art. 3º do Decreto-Lei nº 566/99, que
«na medida em que sejam compatíveis com o código dos Impostos Especiais de
Consumo aprovado pelo presente diploma, mantêm-se em vigor as disposições
regulamentares da legislação por ele revogadas constantes de portaria ou
despacho ministerial, considerando-se que as referências nelas efectuadas se
reportam às correspondentes normas do mencionado Código» tornaria irrelevantes,
para futuro, as questões de inconstitucionalidade orgânica que se poderiam
suscitar em relação aquele nº 7 da Portaria nº 234/97.
No entanto, mesmo que, hipoteticamente se aceitasse, em abstracto, a
possibilidade de um diploma legislativo vir transformar direito regulamentar
anterior em normas legislativas, por mera remissão para o seu conteúdo, tal
apenas seria razoável em casos em que houvesse um remissão expressa para o
conteúdo de determinado diploma ou diplomas, e não, como sucede no caso em
apreço, uma mera referência genérica a «disposições regulamentares... constantes
de portaria ou de despacho ministerial», que não identifica claramente as
disposições para que se remete.
Por outro lado, a redacção daquele art. 47º, nº 1, da Lei n. 3-B/2000 nem sequer
contém uma remissão para o conteúdo das disposições regulamentares a que alude,
que permita aventar a possibilidade de ver nele uma absorção ou recepção
material desse direito regulamentar, que passaria a ter força legislativa. Na
verdade, a redacção dessa norma ao dizer que «na medida em que sejam compatíveis
com o Código dos Impostos Especiais de Consumo aprovado pelo presente diploma,
mantém-se em vigor as disposições regulamentares de legislação por ele revogadas
constantes de portaria ou de despacho ministerial» revela com evidência que o
direito regulamentar é mantido como tal, como regulamentar, e não passa a ter
força legislativa.
Conclui-se, assim, que referido nº 7 da Portaria nº 234/97, na parte em que
prevê responsabilidade dos proprietários ou os responsáveis legais pela
exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e
marcado pela diferença entre o montante do ISP e IVA liquidado e pago e a que
seria devida se se tratasse de gasóleo rodoviário é orgânica e materialmente
inconstitucional, por violação dos arts. 106º, nº 2, e 168º, nº 1, alínea i), da
CRP, na redacção vigente em Abril de 1997.” (fls. 456 a 459)
2. Notificado para alegar, o Ministério Público apresentou as suas
alegações, cujas conclusões são as seguintes:
«1°
O princípio constitucional da reserva de lei fiscal implica que os aspectos
fundamentais atinentes à definição da relação tributária, incluindo a respectiva
incidência subjectiva, devem constar necessariamente de diploma legal, não
podendo ser inovatoriamente definidos por normas de índole regulamentar.
2º
Do artigo 3º, nº 2, alínea e), do Código dos Impostos Especiais de Consumo
resulta que são sujeitos passivos as pessoas singulares ou colectivas que, em
situação irregular, introduzam no consumo ou vendam produtos sujeitos a imposto
especial de consumo.
3°
Face ao preceituado no artigo 74°, nº 1 e 3, do mesmo Código (na versão
aplicável, de 2002) são tributados com um regime fiscal privilegiado,
consubstanciado no pagamento de “taxas reduzidas”, o gasóleo “colorido” e
“marcado”, necessariamente destinado às finalidades taxativamente previstas no
nº 3, o qual só pode ser adquirido pelos titulares do cartão microcircuito,
instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinados elencados
naquele nº 3, n°4 do citado artigo 74°.
4°
Inferindo-se deste conjunto normativo que a irregular comercialização de gasóleo
“colorido” e “marcado”, por destinado a quem não seja titular do referido
cartão, implica a não aplicação do regime fiscal privilegiado, constante do nº 1
do artigo 74°, e a consequente responsabilidade pelas taxas “normais” aplicáveis
à venda de combustíveis, nos termos da norma de incidência subjectiva que consta
da alínea e) do nº 2 do artigo 3° do referido Código.
5°
Não sendo, deste modo, inovatória a norma de responsabilidade tributária,
constante da parte final do nº 7 da Portaria nº 234/97, ela não incide, de modo
constitutivo, sobre a definição da incidência subjectiva do imposto sobre os
produtos petrolíferos, não padecendo, consequentemente, da apontada
inconstitucionalidade orgânico-formal.
6º
Termos em que deverá proceder o presente recurso.” (fls. 476 a 478)
3. Por sua vez, notificada das alegações, a recorrida deixou expirar
o prazo de resposta, sem contra-alegar.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Nos presentes autos, importa aferir da eventual
inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea i),
da CRP, e material, por violação do artigo 106.º, n.º 2, da CRP da norma
extraída do § 7º da Portaria n.º 234/97, de 04 de Abril, na parte em que dispõe:
“Os proprietários ou os responsáveis pela exploração dos postos autorizados para
venda ao público do gasóleo colorido e marcado só poderão vender o produto aos
titulares de cartões com microcircuito (…), sendo responsáveis pelo pagamento do
ISP e respectivo IVA resultantes da diferença entre a taxa do imposto aplicável
ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e
marcado em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no
movimento contabilístico do posto” (com sublinhado).
A posição que se tomar vai depender de saber se esta norma encontra,
ou não, acolhimento numa interpretação conjugada da alínea e) do n.º 2 do artigo
3º e do artigo 74º do Código dos Impostos Especiais de Consumo [de ora em
diante, CIEC], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/09, de 22 de Dezembro. Somente
se se entender que a norma é inovatória se poderá concluir pela
inconstitucionalidade orgânica, dado que consta de diploma regulamentar e não de
acto legislativo.
Antes de mais, há que definir o âmbito de aplicação no tempo
daquelas normas legais. Na medida em que os factos constitutivos da obrigação
tributária ocorreram entre 21 de Janeiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 (ver o
mapa de vendas irregulares, constante de fls. 23 a 26 dos autos de processo de
cobrança fiscal), constata-se que a lei aplicável aos factos seria: i) aquela
que resulta da alteração ao CIEC (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de
Dezembro), introduzida pelo artigo 38º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro,
quanto aos factos tributários ocorridos entre 21 de Janeiro de 2002 e 04 de
Novembro de 2002; ii) aquela que resulta da alteração ao CIEC introduzida pelo
Decreto-Lei n.º 223/2002, de 30 de Outubro, quanto aos factos ocorridos entre a
data da sua entrada em vigor – ou seja, 04 de Novembro de 2002 – e 31 de
Dezembro de 2002.
Refira-se que, apesar disso, a decisão recorrida aparenta ter
aplicado, indistintamente, a redacção conferida ao artigo 74º do CIEC pelo
artigo 38º da Lei n.º 109-B/2001, não tendo aplicado a redacção introduzida pelo
Decreto-Lei n.º 223/2002, nem sequer aos factos ocorridos após a entrada em
vigor deste último diploma legal [cfr. fls. 455: “No art. 74.º do mesmo Código,
na redacção vigente em 2002, em que ocorreram os factos (…)].
Contudo, estritamente para efeitos de verificação da conformidade
orgânica da norma reputada de inconstitucional, importa ter igualmente presente
a nova redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 223/2002, na medida em que o
Tribunal Constitucional é livre de tomar em consideração fundamentos que
extravasem dos indicados pelos recorrentes ou mesmo que não tenham sido
apreciados pelos tribunais recorridos.
O artigo 3º, n.º 2, alínea e) do CIEC manteve, até à actualidade, a
sua redacção originária inalterada:
“2 – São ainda sujeitos passivos.:
(…)
e) As pessoas singulares ou colectivas que, em situação irregular,
produzam, detenham, transportem, introduzam no consumo, vendam ou utilizem
produtos sujeitos a imposto especial de consumo (…)”
Por sua vez, o artigo 74º do CIEC tem sido alvo de diversas
alterações legislativas, sendo que, naquilo que importa para os presentes autos,
aquele preceito legal assumiu, originariamente, a seguinte redacção:
“1. São tributados com taxas reduzidas o gasóleo e o petróleo coloridos e
marcados com os aditivos definidos por portaria do Ministro das Finanças.
2. O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento,
iluminação e nos usos previstos no n.º 3 do presente artigo.
3. O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:
a) Motores estacionários utilizados na rega;
b) Embarcações referidas na alínea c) e h) do n.º 1 do artigo 71.º;
c) Tractores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, moto-cultivadores, moto-enxadas,
motoceifeiras, colhedores de batatas automotrizes, colhedores de ervilha,
colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate,
gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para
colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos automotrizes,
aprovados por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, e da Agricultura, do
Desenvolvimento Rural e das Pescas;
d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos de ferro;
e) Motores fixos;
4. Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se
destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados
em plataformas inamovíveis.”
Mais tarde, por força do artigo 38º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de
Dezembro, aquele preceito passou a assumir a seguinte redacção:
“Artigo 74º
1 - São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o
petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do Ministro
das Finanças.
2. O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento,
iluminação e nos usos previstos no n.º 3 do presente artigo.
3. O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:
a) Motores estacionários utilizados na rega;
b) Embarcações referidas na alínea c) e h) do n.º 1 do artigo 71.º;
c) Tractores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, moto-cultivadores, moto-enxadas,
motoceifeiras, colhedores de batatas automotrizes, colhedores de ervilha,
colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate,
gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para
colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos automotrizes,
aprovados por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, e da Agricultura, do
Desenvolvimento Rural e das Pescas;
d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos de ferro;
e) Motores fixos;
4. O gasóleo colorido e marcado só poderá ser adquirido pelos titulares do
cartão de microcircuito instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos
destinos referidos no número anterior.
5. A venda, a aquisição ou o consumo de gasóleo colorido e marcado com violação
do disposto no número anterior estão sujeitos às sanções previstas no Regime
Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial.
6. Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se
destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados
em plataformas inamovíveis.”
Subsequentemente, por força do já referido Decreto-Lei n.º 223/2002,
o artigo 74º do CIEC passou a assumir a seguinte redacção:
“1 - São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o
petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do Ministro
das Finanças.
2. O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento,
iluminação e nos usos previstos no n.º 3 do presente artigo.
3. O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:
a) Motores estacionários utilizados na rega;
b) Embarcações referidas na alínea c) e h) do n.º 1 do artigo 71.º;
c) Tractores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, moto-cultivadores, moto-enxadas,
motoceifeiras, colhedores de batatas automotrizes, colhedores de ervilha,
colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate,
gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para
colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos automotrizes,
aprovados por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, e da Agricultura, do
Desenvolvimento Rural e das Pescas;
d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos de ferro;
e) Motores fixos;
4. O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de
aquecimento industrial, comercial ou doméstico.
5.O gasóleo colorido e marcado só poderá ser adquirido pelos titulares do cartão
de microcircuito instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos
destinos referidos no n.º 3 do presente artigo.
6. A venda, a aquisição ou o consumo de gasóleo colorido e marcado com violação
do disposto no número anterior estão sujeitos às sanções previstas no Regime
Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial
7. Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se
destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados
em plataformas inamovíveis.”
Mais recentemente, já depois de os factos constitutivos das
obrigações tributárias apreciadas nos autos recorridos, esta redacção do artigo
74º do CIEC veio a ser ainda alterada pelo artigo 69º da Lei n.º 53-A/2006, de
31 de Dezembro que, naquilo que se afigura relevante para os presentes autos,
clarificou o regime de consequências para o não cumprimento do registo no
sistema de controlo informático:
“5. O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão
com microcircuito instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos
destinos referidos no n.º 3, sendo o proprietário ou o responsável legal pela
exploração dos postos autorizados responsabilizado pelo pagamento do imposto
resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário
e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que
venderem e não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente
aos cartões com microcircuito atribuídos.”
Esta nova redacção do n.º 5 do artigo 74º do CIEC não é, contudo,
directamente aplicável aos autos (sob pena de violação do princípio da
irretroactividade fiscal (artigo 103º, n.º 3, da CRP). Deve, contudo, notar-se
que a nova redacção do n.º 5 do artigo 74º do CIEC veio consagrar, com algumas
meras correcções de organização frásica, a terminologia empregue no § 7º da
Portaria n.º 234/97, de 04 de Abril de 1997.
5. Retomando a questão deixada em aberto, importa pois averiguar se
é possível extrair da redacção CIEC aplicável ao caso nos autos recorridos (ou
seja, a que decorre da alteração introduzida pelo artigo 38º da Lei n.º
109-B/2001, quanto aos factos tributários ocorridos até 04 de Novembro de 2002,
e a que decorre da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 223/2002, quantos
aos factos tributários ocorridos desde aquela data até 31 de Dezembro de 2002)
uma obrigação tributária de suportar o valor do imposto resultante da diferença
entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao
gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e não fiquem
devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com
microcircuito atribuídos, interpretação, aliás, sustentada pelo Ex.mo
Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal.
Como se viu, a decisão recorrida fundamentou o seu juízo de
inconstitucionalidade na simples circunstância de as características físicas e
químicas do gasóleo comercializado corresponderem às do gasóleo colorido ou
reduzido, sujeito a uma taxa reduzida de imposto especial sobre o consumo. Ou
seja, a decisão recorrida entende que, tendo sido comercializado gasóleo que
corresponde, em função da sua natureza física e química, a gasóleo colorido ou
marcado, não existe norma alguma que imponha a tributação à taxa normal,
ficcionando-se a sua natureza como de gasóleo rodoviário.
Ora, conforme bem demonstrado pelo recorrente, a aplicação da taxa
reduzida fixada no artigo 74º do CIEC – nas redacções resultantes do artigo 38º
da Lei n.º 109-B/2001 e do Decreto-Lei n.º 223/2002 – não depende exclusivamente
das suas características físicas e químicas, mas principalmente da finalidade
conferida ao respectivo uso. Assim, o legislador entendeu que só seria
justificada a aplicação de taxa reduzida quando o uso do gasóleo colorido e
marcado se destinasse a qualquer uma das finalidades previstas no n.º 3 do
referido artigo 74º.
Daqui decorre que, mesmo antes da introdução da redacção actualmente
vigente do n.º 5 do artigo 74º do CIEC – recorde-se, pelo artigo 69º da Lei n.º
53-A/2006, de 31 de Dezembro –, aquele diploma legal já permitia concluir pela
responsabilidade tributária dos vendedores de gasóleo colorido ou marcado a
consumidores não portadores de cartão válido. É que, sempre que o gasóleo não se
destinasse àquelas finalidades, seria evidente que a venda se afiguraria como
irregular, ficando sujeita à taxa normal de imposto especial sobre o consumo.
Ora, na medida em que a alínea e) do n.º 2 do artigo 3º do CIEC sempre
determinou a sujeição a imposto das pessoas singulares ou colectivas que
vendessem, de modo irregular, produtos sujeitos a imposto especial de consumo,
torna-se forçoso concluir que o disposto no § 7º da Portaria n.º 234/97 não pode
afigurar-se como inovatório face ao já preceituado nos referidos preceitos
legais do CIEC.
No caso dos autos recorridos, o âmbito de incidência subjectiva
tributária já se encontrava definido pelos artigos 3º, n.º 2, alínea e) e 74º do
CIEC, constituindo o § 7º daquela Portaria uma mera decorrência daqueles
preceitos. A circunstância de a Portaria n.º 234/97 ter sido determinada em
momento anterior ao da entrada em vigor do CIEC em nada obsta a este
entendimento, na medida em que o n.º 1 do artigo 47º da Lei n.º 2-B/2000, de 04
de Abril, procedeu a um aditamento ao artigo 3º do diploma que aprovou o CIEC,
no sentido de garantir a manutenção em vigor de todas as disposições
regulamentares constantes de portaria que tenham sido aprovadas em momento
prévio àquele, desde que compatíveis com o CIEC – o que é, manifestamente, o
caso.
A circunstância de o legislador ter vindo, em momento posterior, a
clarificar uma redacção menos evidente do enunciado normativo, não impede que o
texto legal anterior seja interpretado em sentido conforme à Constituição,
sempre que permitido pelo sentido possível das palavras. Ora, ainda que menos
explícito que a redacção actual do n.º 5 do artigo 74º do CIEC, já era possível
interpretar a redacção originária do CIEC naquele mesmo sentido, seja na
redacção conferida pelo artigo 38º da Lei n.º 109-B/2001, seja na do Decreto-Lei
n.º 223/2002.
Em suma, não se revestindo de conteúdo inovatório, mas antes
limitando-se a precisar os mecanismos de cobrança de imposto devido nos termos
dos artigos 3º, n.º 2, alínea e) e 74º, “a contrario”, do CIEC, não se verifica
qualquer inconstitucionalidade material (artigo 103º, n.º 2, da CRP) ou orgânica
(artigo 165º, n.º 1, alínea i), da CRP) do disposto no § 7º da Portaria n.º
234/97.
III – DECISÃO
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do §
7º da Portaria n.º 234/97, de 04 de Abril, “na parte em que prevê a
responsabilidade dos proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos
postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela
diferença entre o montante do ISP e IVA liquidado e pago e a que seria devida se
se tratasse de gasóleo rodoviário “
b) Conceder provimento ao recurso.
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 18 de Junho de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão