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Processo n.º 765/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é
recorrente Associação Cívica de Moradores de Alfornelos e recorridos Ministério
do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional
(MAOTDR), EP – Estradas de Portugal, EPE, Ministério das Obras Públicas,
Transportes e Comunicações (MOPTC) e Município da Amadora, foi interposto
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão
daquele Tribunal de 25.06.2007, para apreciação da constitucionalidade da norma
do artigo 486.º do Código de Processo Civil (CPC).
2. Em resposta ao convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido, a recorrente
veio esclarecer que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do
artigo 486.º, n.º s 5 e 6, do CPC, quando interpretadas no sentido de serem
aplicáveis, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos
(CPTA), aos procedimentos cautelares e permitirem a prorrogação, até 30 dias, de
um prazo inicial de 10 dias para resposta numa providência cautelar, sem base
habilitante para tanto e sem direito a recurso da decisão que prorroga esse
prazo, por violação dos artigos 20.º, 202.º, n.º 2, e 203.º da Constituição.
3. Recorrente e recorridos apresentaram alegações.
4. Por despacho de fls. 245 foi suscitado o eventual não conhecimento do objecto
do recurso, por se afigurar, por um lado, que a decisão recorrida não terá feito
efectiva aplicação do artigo 486.º, n.º 5, do CPC, e, por outro, que o recurso,
se for restringido à questão da recorribilidade dos despachos, poderá
apresentar-se inútil por existir outro fundamento para a decisão recorrida.
5. Notificada a recorrente, esta veio pugnar pela improcedência das questões
suscitadas, nos seguintes termos:
«É pedido à recorrente que se pronuncie, sob pena de não poder ser conhecido o
objecto do recurso, sobre o seguinte ponto: “1. A decisão recorrida não terá
feito efectiva aplicação do art. 486.º do Código de Processo Civil, no seu n.°
5, respeitante à prorrogação do prazo;”
Há que começar por referir que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos
vários despachos em que admitiu a prorrogação do prazo para apresentação da
oposição, não fundamentou a sua decisão, não invocando qualquer preceito legal
como base para a sua decisão. Por outro lado, os próprios requeridos, ao
requererem a prorrogação do prazo também não invocaram qualquer preceito legal,
com excepção para a requerida Estradas de Portugal.
Só quando a ora recorrente interpôs o seu recurso e este não foi admitido, é que
o Tribunal afirmou que os prazos haviam sido prorrogados ao abrigo do artigo
486.° n.° 5 do C.P.C. e que de acordo com o n.° 6 deste artigo não há
possibilidade de recurso.
Deste indeferimento do recurso, a recorrente reclamou para o Tribunal Central
Administrativo Sul que reforçou esta mesma ideia de que os despachos haviam sido
praticados tendo por base legal o artigo 486.° n.°5 do C.P.C..
Ora, se o Tribunal Central Administrativo Sul afirma que foi aplicado o artigo
486.° n.° 5 do C.P.C. não se percebe qual o alcance da frase do Exmo. Juiz
Conselheiro Relator: “A decisão recorrida não terá feito efectiva aplicação
(...)” Como é que não terá feito efectiva aplicação se indefere a reclamação com
esse fundamento? Mais: se o Tribunal Central Administrativo Sul aplicou esta
norma — o que está escrito na sua decisão — como pode agora vir este douto
Tribunal afirmar que se calhar não a aplicou?
Neste caso concreto, reitera-se, foi aplicado o preceito legal em questão, tanto
que a reclamação foi indeferida, por a norma do artigo 486.° n.° 6 do C.P.C. não
permitir recurso.
Não se percebendo como pode vir agora o Tribunal manifestar dúvidas nessa
aplicação, não se pronunciando sobre o alegado no recurso interposto para este
Tribunal, ou seja, a interpretação feita pelo Tribunal a quo no sentido de
considerar aplicável aos processos cautelares a norma do artigo 486.° do C.P.C.
é inconstitucional por violar os princípios da tutela jurisdicional efectiva —
artigo 20.° da C.R.P. - e da vinculação do juiz à lei - artigos 202.° n.° 2 e
203.° da C.R.P..
2 — Despachos de mero expediente ou proferidos no uso legal de um poder
discricionário
É também pedido à recorrente que se pronuncie sobre o seguinte: “Restringindo o
objecto do recurso à questão da recorribilidade dos despachos, verifica-se que
poderá existir um outro fundamento para a decisão − a norma do art. 679.° do CPC
−, aqui não impugnado, o que poderá levar à inutilidade do recurso.”
Sempre se dirá que, ao contrário do que refere o Exmo. Senhor Conselheiro
Relator, a recorrente já se havia pronunciado antes sobre este ponto, quer na
reclamação apresentada perante o Tribunal Central Administrativo Sul, quer nas
suas alegações de recurso apresentadas perante este Tribunal, quer na resposta
elaborada a pedido deste Tribunal, no sentido de clarificar o objecto do
presente recurso.
Na reclamação apresentada pela ora recorrente, foi referido no ponto 12 das
conclusões que “não há previsão legal que permita a prorrogação do prazo; não
houve acordo das partes nesse sentido e o prazo foi prorrogado por um período
superior ao prazo inicial previsto na lei (o prazo inicial é de 10 dias e foi
prorrogado por 15 dias).” Refere também no ponto 20 das conclusões que “a
interpretação realizada pelo Tribunal a quo no sentido de aplicar o artigo 486.°
do C.P.C., ex vi artigo 1.º do C.P.T.A., aos procedimentos cautelares é
inconstitucional na medida em que viola os princípios da tutela jurisdicional
efectiva e do processo equitativo, com direito a uma instância de recurso
(artigo 20.° da CRP) e o princípio da vinculação do juiz à lei (previsto nos
artigos 202.° n.° 2 e 203.° da C.R.P.).”
Por outro lado, nas alegações apresentadas perante este Tribunal a recorrente
reafirmou no ponto 6 das conclusões que “a interpretação do Tribunal a quo do
artigo 486.º n.° 6 do C.P.C. viola também deforma manifesta o princípio da
vinculação do juiz à lei, contido nos artigos 202.° n.° 2 e 203.° da C.R.P., uma
vez que conduz à aplicação, sem norma legal habilitante, de um preceito
aplicável, de acordo com a sua letra e o seu espírito, a casos totalmente
diferentes do presente.”
Assim, mesmo que se restrinja o objecto do recurso à questão da recorribilidade
dos despachos, sempre se dirá que a recorrente afirmou por diversas vezes que o
Tribunal actuou sem base legal habilitante. Ora, mesmo os despachos proferidos
no uso legal de um poder discricionário, como o próprio nome indica, têm que ter
sempre por base uma norma legal que habilite a decidir. O que manifestamente não
sucede neste caso, pelo que não estaremos de forma alguma perante um tal
despacho.
Dito de outro modo: é absolutamente evidente, para quem confronte a alegação de
recurso da recorrente, que a alegação da inconstitucionalidade por violação do
princípio da vinculação do juiz à lei e por violação do princípio da tutela
jurisdicional efectiva abrange qualquer uma das duas normas invocadas na decisão
do Tribunal Central Administrativo: trata-se da interpretação de duas normas
diferentes mas com o mesmo resultado, já que em ambos os casos o vício foi o
mesmo: o Tribunal agiu sem norma habilitante suficiente. Ao invocar essa
inconstitucionalidade, a recorrente, tal como fez o Tribunal Central
Administrativo, concentrou-se no artigo 486.° n.° 5 do Código de Processo Civil,
mas tal resultou apenas da forma exaustiva e longa, tendo apenas deixado meia
dúzia de linhas para referir que se tratava de um poder discricionário do juiz
de 1.ª instância, como a questão foi colocada pelo Tribunal a quo, e não pode
ser agora utilizada contra a Recorrente, quando resulta da alegação apresentada
que a inconstitucionalidade reside na aplicação de normas — quaisquer que elas
sejam - sem qualquer habilitação legal.
Reitera-se que, no entender da recorrente, o despacho através do qual foi
prorrogado o prazo para apresentar as oposições não é nem um despacho de mero
expediente nem um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário do
juiz.
Senão vejamos: refere o artigo 156.° n.° 4 do C.P.C. que: “Os despachos de mero
expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir
no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal
de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao
prudente arbítrio do julgador.”
De acordo com esta definição legal, despachos de mero expediente são todos
aqueles que se destinam a regular o andamento do processo, sem interferirem no
conflito de interesses entre as partes.
Caso não nos encontrássemos num procedimento cautelar, e se o juiz decidisse
prorrogar o prazo para apresentação da contestação, dúvidas não haveria de que
se tratava de um despacho no uso legal de um poder discricionário, pois
existiria uma norma legal - artigo 486.° n.° 5 do C.P.C. que permite ao juiz
prorrogar o prazo tendo como limite máximo 30 dias.
No entanto, não é isso que sucede no caso sub iudice, aqui o juiz prorrogou o
prazo para apresentação da oposição no âmbito de um procedimento cautelar,
prorrogação esta que não é prevista nem no C.P.T.A. nem no C.P.C. Mais, a
prorrogação foi concedida por um prazo superior ao prazo inicial (o prazo
inicial era de 10 dias e o Tribunal de primeira instância prorrogou-o por 15
dias), o que é manifestamente ilegal face ao preceituado quer no artigo 486.°
n.° 5 do C.P.C. (pois aqui a prorrogação também é conferida no máximo por prazo
igual ao inicial) quer no artigo 147.° n.° 1 e n.° 2 do C.P.C.
Aqui cumpre citar o que refere Fernando Amâncio Ferreira sobre a ilegalidade dos
despachos de mero expediente: “Os despachos de mero expediente são os que se
destinam a regular os termos do processo, sem interferirem no conflito de
interesses entre as partes. Advirta-se, contudo, que estes despachos só são
irrecorríveis se forem proferidos de acordo com a lei; se o não forem, por
admitirem, em determinado processo, actos ou termos que a lei não prevê para ele
ou, sendo previstos, se forem praticados com um condicionalismo diferente do
legalmente previsto, já esses despachos admitirão recurso.” (negrito nosso).
Entende a recorrente que não se trata de um despacho de mero expediente pois é
um despacho que afecta e interfere no conflito de interesses entre as partes,
pois ninguém poderá argumentar que uma prorrogação de 15 dias, ficando o prazo
total em 30 dias, não prejudica gravemente os interesses da recorrente, pois as
providências cautelares são procedimentos céleres, ficando a celebridade
gravemente comprometida.
Mas mesmo que, em tese, se considerasse estarmos perante um despacho de mero
expediente este sempre seria recorrível pois não foi proferido de acordo com a
lei, por duas razões: primeira, não existe nenhuma norma legal que permita uma
prorrogação de prazo para apresentar a oposição no âmbito de um procedimento
cautelar; segunda, a prorrogação foi por um período superior ao inicial,
violando a regra do artigo 147.° n.° 1 e n.° 2 do C.P.C. e até o próprio artigo
486.° n.° 5 que permite uma prorrogação até ao limite máximo de 30 dias (que é o
prazo inicial conferido aos réus para contestar). Assim, face a estas
ilegalidades a decisão seria sempre recorrível pois admitiu no processo actos
que a lei não prevê para ele, e a própria decisão é em si mesma ilegal por
conceder prorrogações por prazos superiores aos permitidos legalmente.
Já os despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário são aqueles
“que o juiz livremente profere ao abrigo de uma norma que, perante determinado
circunstancialismo, lhe confere “uma ou mais alternativas de opção entre as
quais o juiz deve escolher em seu prudente arbítrio e em atenção Laos] fins do
processo civil” (Castro Mendes, DPC cit., III, p. 46; Ribeiro Mendes, Recursos,
cit., p. 156).
Assim, serão despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário os que
o juiz profere livremente ao abrigo de uma disposição que, perante determinado
circunstancialismo, lhe confere “uma ou mais alternativas de opção, entre as
quais o juiz deve escolher em seu prudente arbítrio e em atenção aos fins do
processo civil. É a faculdade conferida ao juiz de, entre as várias soluções
possíveis, optar por aquela que no seu entender é a mais adequada ao fim visado
pela lei.
No caso dos despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, como o
próprio nome indica, têm que ter sempre por base uma norma legal que habilite o
juiz a decidir, que lhe confira “a livre escolha quer da oportunidade da sua
prática quer da solução a dar a certo caso concreto”. O que manifestamente não é
o caso por, reitera-se, não haver qualquer norma legal que habilite o juiz a
prorrogar os prazos para a apresentação da oposição nos procedimentos
cautelares. Poderia o juiz ter aplicado a norma do artigo 147.° n.° 1 e n.° 2 do
C.P.C., que seria a única possível de aplicar neste caso concreto, mas não foi
essa norma que aplicou. Aplicou uma norma relativa aos prazos para apresentação
da contestação em processo ordinário, quando esta norma claramente não se aplica
aos procedimentos cautelares.
Mais, mesmo que, em tese, se considerasse esta norma como aplicável, o prazo de
prorrogação concedido foi muito superior ao prazo inicial de 10 dias conferido
pelo C.P.T.A., logo, foi uma prorrogação ilegal.
Refere Miguel Teixeira de Sousa o seguinte: “Todavia, a circunstância de os
despachos discricionários não serem recorríveis só impede o controlo pelo
tribunal superior do conteúdo do despacho. (...) Mas, em contrapartida, o
recurso é admissível quando se impugna, não o conteúdo do despacho, mas a
legalidade do uso dos poderes discricionários pelo tribunal. (...) A
irrecorribilidade dos despachos discricionários não é — deve referir-se — uma
imposição necessária do seu conteúdo, nem da discricionariedade que o
determina.”
A discricionariedade que é conferida ao Juiz para proferir determinados
despachos tem sempre por base uma regra de Direito, de outra forma poderiam ser
tomadas as decisões mais extraordinárias, poder-se-ia restringir ou aumentar os
prazos processuais sem qualquer limite ou controlo. A discricionariedade
refere-se aos limites da decisão — por ex.: conferir mais ou menos prazo — não
podendo ser entendida como permitindo ao juiz “fazer” ele mesmo a lei.
Isto não é discricionariedade mas sim arbitrariedade, que são dois conceitos que
nunca se poderão confundir na administração da justiça. O juiz deve conduzir o
processo de acordo com a lei, e aqui, sempre se dirá que o juiz agiu com
arbitrariedade e de forma ilegal.
Reitera-se que no entender da recorrente, o despacho em causa não é nem de mero
expediente nem proferido no uso legal de um poder discricionário, no entanto,
ainda que o tribunal assim o considerasse sempre haveria lugar a recurso por
ilegalidade grosseira e manifesta por parte do tribunal que praticou o acto, uma
vez que foi prorrogado o prazo sem existir base legal para o fazer e a
prorrogação foi feita por um período superior ao permitido por lei. O Tribunal
actuou com desvio de poder, pois utilizou o seu poder para fins distintos dos
legalmente definidos e pressupostos por lei.
Quanto a esta questão sempre se dirá mais, a interpretação que o Tribunal
Central Administrativo Sul faz dos artigos 156.° n.° 4 e 679.° do C.P.C. é
inconstitucional na medida em que viola uma das vertentes do princípio da tutela
jurisdicional efectiva, a do processo equitativo, com o direito ao duplo grau de
apreciação jurisdicional de uma questão.
Por outro lado, a interpretação feita pelo Tribunal Central Administrativo Sul,
no sentido de entender que a prorrogação do prazo para apresentar a oposição foi
feita mediante um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário,
viola também o princípio da vinculação do juiz à lei, previsto nos artigos 202.°
n.° 2 e 203.° da C.R.P., uma vez que não existe norma legal que habilite o juiz
a prorrogar o prazo e muito menos que o habilite a prorrogar o prazo por um
período superior ao previsto por lei.
Para concluir, ao contrário do que é afirmado no douto despacho que se responde
e com todo o respeito pela opinião do Exmo. Juiz Conselheiro, a recorrente
impugnou o fundamento presente no artigo 679.° do C.P.C..
Na verdade, sempre tendo presente que as conclusões delimitam o objecto do
recurso, basta ter em atenção o conteúdo da conclusão n.° 4 das alegações
apresentadas perante este Tribunal: “Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo
criou uma situação de irrecorribilidade sem base na letra da lei — pior, criou-a
contra lei expressa: o artigo 147.° do C.P.C.”
Com efeito, a interpretação que o Tribunal Central Administrativo Sul fez de que
era possível ao Tribunal de 1.ª instância proferir um despacho, fosse qual
fosse, sem norma legal habilitante, constitui uma violação dos artigos 202.° n.°
2 e 20.° n.º 3 da C.R.P.
A recorrente impugnou a defesa feita pelo Tribunal Central Administrativo Sul de
que o Tribunal de 1.ª instância tinha usado um poder discricionário dado que em
nenhuma circunstância o despacho que prorroga um prazo não pode deixar de estar
vinculado à lei, sob pena de, com esta interpretação, se violar o princípio da
igualdade dos cidadãos perante a lei, previsto no artigo 13.° n.° 1 da C.R.P.»
6. No despacho do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.06.2007, ora
recorrido, lê-se o seguinte, naquilo que agora releva:
«[…] Com interesse para a decisão, mostra-se assente que:
• No Proc. 160/07.OBESNT, que corre no TAF de Sintra, foram proferidos despachos
de deferimento dos requerimentos apresentados, pelos requeridos Ministério das
Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Ministério do Ambiente, Ordenamento
do Território e Desenvolvimento Regional, EP, E.P.E., e pelo contra-interessado
Município da Amadora, no qual requeriam que fosse concedida a prorrogação do
prazo, de dedução da oposição, por 15 dias.
• Inconformada com tal decisão, a Reclamante interpôs recurso dos despachos que
defiram os pedidos de prorrogação de prazo.
• O Meritíssimo juiz “a quo”, indeferiu os recursos ao abrigo, do artigo
486.°/6, do C.P.C.
• Não se conformando com tal despacho, dele vem reclamar a ora Reclamante,
Associação Cívica de Moradores de Alfornelos.
Cumpre decidir:
Está apenas em causa decidir se os despachos, que deferiram os pedidos de
prorrogação de prazo, para dedução da oposição, são ou não recorríveis,
expurgando-se de consideração as questões que, no fundo, se reconduzem à questão
da validade do despacho reclamado, tributária da questão da procedência ou
improcedência do recurso.
Vejamos então.
Nos termos do artigo 1º, do CPTA, “O processo nos tribunais administrativos
rege-se pela presente lei, pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos,
supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias
adaptações.”
Portanto, para saber que decisões admitem ou não recuso, temos, não só de olhar
para as regras inseridas, no CPTA e no ETAF, como ainda para o regime do CPC, o
que, se num plano meramente académico até poderá revelar-se uma tarefa fácil,
não é seguramente uma evidência para os aplicadores do direito.
No que respeita à relação que se estabelece, com o processo civil, o CPTA,
naquele artigo 1.º, manda aplicar o disposto na lei processual civil,
supletivamente, ou seja, no silêncio do Código será aplicado o disposto, na lei
processual civil, com as necessárias adaptações.
Como nos ensina Mário Aroso de Almeida e Carlos A.F. Cadilha, “A generalidade
das questões que podem surgir ao longo dos processos que correm perante os
tribunais administrativos podem ser, portanto, resolvidas por aplicação do CPC,
ainda que com as necessárias adaptações, sem que seja necessário proceder a
respectiva regulamentação no CPTA....” (Vide Comentário ao CPTA).
Assim, na ausência de qualquer disposição que especialmente regule esta matéria,
tem aplicação, quanto a esse e a todos os restantes aspectos omissos, o que
dispõe a lei processual civil, por força da norma remissiva do artigo 1º.
Estipula o CPC, no seu artigo 486.°/5, que “Quando o tribunal considere que
ocorre motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente ao réu ou ao seu
mandatário judicial a organização da defesa, poderá, a requerimento deste e sem
prévia audição da parte contrária, prorrogar o prazo da contestação, até ao
limite máximo de 30 dias.”
Com fundamento nesta norma, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do C.P.T.A, o juiz
decide conceder ou não a prorrogação pedida, consoante julgue ponderosa ou
insuficiente a razão concreta invocada pela parte.
Desta decisão, estipula o n.° 6, do referido artigo 486.°, que, “(...) o juiz
decidirá sem possibilidade de recurso, (...) ”.
Assim, só se pode concluir que estamos perante uma decisão que não admite
recurso.
A inadmissibilidade de recurso compreende-se, pois “… uma posterior decisão de
revogação do despacho do juiz que tivesse indeferido o pedido de prorrogação
seria muito perturbadora do processo, que teria de regressar à fase inicial da
contestação, e uma decisão de revogação do despacho que a tivesse deferido,
tornando ineficaz a contestação apresentada dentro do período da prorrogação,
violaria o direito de defesa, dado este ter sido exercido com base na decisão
judicial de prorrogação do prazo.” (Vide CPC anotado, de José Lebre de Freitas,
em comentário ao art.° 486.°).
Até porque, se dúvidas houvesse, o despacho que se pronuncia sobre o
requerimento de prorrogação do prazo é proferido no uso legal de um poder
discricionário do juiz (situações em que a lei atribui ao juiz a livre escolha
quer de oportunidade da sua prática, quer da solução a dar a certo caso
concreto), constituindo, por isso, um despacho que não admite recurso, conforme
o estipulado no artigo 679.°, do CPC, aplicável por remissão do artigo 140.° do
CPTA. (Ibidem).
Pelo exposto, vai indeferida a presente reclamação, confirmando-se, na íntegra,
o despacho reclamado, que nenhuma censura nos merece. […]»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
Na medida em que podem obstar ao conhecimento do objecto do recurso, impõe-se
começar por decidir as questões prévias suscitadas no despacho acima referido.
A) Falta de pressupostos para o conhecimento do objecto do recurso quanto à
norma do n.º 5 do artigo 486.º do CPC
7. Conforme se suscitou no despacho acima mencionado, não estão reunidas as
condições para o conhecimento do objecto do recurso quanto à norma do n.º 5 do
artigo 486.º do CPC, na medida em que o despacho recorrido − o despacho do
Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.06.2007 − não fez efectiva aplicação
daquela norma.
Na verdade, o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a questão de saber se o
tribunal de primeira instância podia, ou não, ter prorrogado o prazo para
contestar ao abrigo do n.º 5 do artigo 486.º do CPC. É o que resulta, sem margem
para dúvidas, do seguinte passo daquele despacho:
«Está apenas em causa decidir se os despachos, que deferiram os
pedidos de prorrogação de prazo, para dedução da oposição, são ou não
recorríveis, expurgando-se de consideração as questões que, no fundo, se
reconduzem à questão da validade do despacho reclamado, tributária da questão da
procedência ou improcedência do recurso.»
Contrariamente ao sustentado pela recorrente, a norma ao artigo 486.º, n.º 5, do
CPC, não constitui fundamento da decisão recorrida, destinando-se apenas a
enquadrar a questão da recorribilidade dos despachos proferidos em primeira
instância, única questão que, repete-se, foi apreciada na decisão do Tribunal
Central Administrativo Sul.
Não tendo a decisão recorrida feito aplicação da norma do n.º 5 do artigo 486.º
do CPC, não pode conhecer-se do objecto do recurso nesta parte (cfr. artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
B) Inutilidade do conhecimento do objecto do recurso restringido à apreciação da
norma do n.º 6 do artigo 486.º do CPC
8. Fixado que está o entendimento no sentido do não conhecimento do recurso na
parte respeitante à norma do n.º 5 do artigo 486.º do CPC, constata-se que
haverá inutilidade no conhecimento do recurso restringido à norma do n.º 6 do
mesmo preceito legal, ou seja, à questão da recorribilidade dos despachos que,
em primeira instância, prorrogaram os prazos para apresentação das contestações.
Na verdade, a decisão recorrida fundamentou a irrecorribilidade de tais
despachos, não apenas no artigo 486.º, n.º 6 do CPC, mas também no disposto no
artigo 679.º, do CPC, aplicável por remissão do artigo 140.º do CPTA, como
resulta da seguinte passagem:
«Até porque, se dúvidas houvesse, o despacho que se pronuncia sobre o
requerimento de prorrogação do prazo é proferido no uso legal de um poder
discricionário do juiz (situações em que a lei atribui ao juiz a livre escolha
quer de oportunidade da sua prática, quer da solução a dar a certo caso
concreto), constituindo, por isso, um despacho que não admite recurso, conforme
o estipulado no artigo 679.°, do CPC, aplicável por remissão do artigo 140.° do
CPTA.»
Ora este fundamento − o de que os despachos foram proferidos no uso legal de um
poder discricionário do juiz e, como tal, são insusceptíveis de recurso, nos
termos do artigo 679.º do CPC − que, só por si, é suficiente para manter o
sentido da decisão recorrida, não foi impugnado, do ponto de vista da sua
constitucionalidade, pela recorrente. O que significa que, independentemente da
decisão que o Tribunal Constitucional viesse a proferir quanto à
constitucionalidade da norma do artigo 486.º, n.º 6, do CPC, sempre o sentido da
decisão se manteria inalterado, porque alicerçada naquele outro fundamento, não
impugnado.
Forçoso é, por isso, concluir pela inutilidade do conhecimento do objecto do
recurso restringido à apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 6 do
artigo 486.º do CPC.
III − Decisão
Pelo exposto, acordam em não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) unidades de
conta.
Lisboa, 19 de Junho de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos