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Processo n.º 364/2008
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
A., recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães do despacho do juiz do
Tribunal Judicial de Fafe que indeferiu o seu pedido de pagamento da multa em
que foi condenado em 48 prestações mensais, aduzindo, em síntese, que a decisão
recorrida violou o princípio da igualdade consagrado nas disposições conjugadas
dos artigos 1º e 13º, nº 2, da CRP:
Por acórdão de 11 de Fevereiro de 2008, a Relação julgou improcedente o recurso,
pelo que o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
do disposto do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, reproduzindo na prática a
sua alegação perante o tribunal recorrido e o entendimento de que a decisão da
1ª instância violou o princípio da igualdade.
Por decisão sumária, proferida ao abrigo do artigo 78º-A da LTC entendeu-se ser
de não conhecer do recurso com a seguinte fundamentação:
O requerimento de interposição do presente recurso não indica, em desrespeito
pelo disposto no n.º 1 do artigo 75.º-A, da Lei do Tribunal Constitucional, a
norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se
pretende que o Tribunal aprecie.
Não se justifica, porém, a prolação do despacho de aperfeiçoamento a que a alude
o n.º 6 do mesmo preceito legal, atendendo a que é evidente a falta de
preenchimento de um dos pressupostos processuais do presente recurso de
constitucionalidade e, portanto, a inutilidade de um tal despacho.
Na verdade, tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu
pressuposto processual a suscitação pelo recorrente, perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, da questão da inconstitucionalidade da norma ou
interpretação normativa que submete à apreciação do Tribunal Constitucional
(cfr., ainda, o artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Constata-se, porém, que o recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido,
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pois que se limita a
imputar a inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, ao
despacho que determinou o pagamento da multa em que foi condenado, no valor
global de € 2.100,00, em 12 prestações mensais iguais e sucessivas.
Não tendo o recorrente cumprido o ónus de suscitação a que aludem os artigos
70.º, n.º 1 alínea b), e 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional,
verifica-se a falta de preenchimento de um dos pressupostos processuais do
presente recurso, pelo que não pode conhecer-se do respectivo objecto.
Dessa decisão, vem o recorrente reclamar para a conferência alegando o seguinte:
Na douta decisão que ora se reclama, lê-se que, além do mais, no requerimento de
interposição do presente recurso, o Recorrente ‘não indica a norma ou
interpretação normativa cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende
que o Tribunal aprecie”.
Entendendo-se, em consequência, ser evidente a falta de preenchimento de um dos
pressupostos processuais do presente recurso de constitucionalidade.
Analisemos então a matéria alegada:
1° - No requerimento de interposição do recurso para este Venerando Tribunal, o
Recorrente alega o seguinte (cfr. fls. 522/523):
“O douto despacho de que aqui se recorre, ao permitir apenas o pagamento da
multa criminal em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, não teve em conta
a situação económica e financeira do arguido;
Que passa actualmente por dificuldades financeiras, como está provado nos autos,
nomeadamente através de documentos;
O arguido vive com quantia liquida inferior ao salário mínimo nacional, sendo
que este “é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as
necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador”, como se lê no
Acórdão do Tribunal Constitucional N° 318/99 — processo N° 855/98, publicado no
DR, 2ª Série, N°247, de 22/10/l990
O arguido não tem, objectivamente, possibilidades de liquidar a mencionada
quantia de € 2.100,00 em doze prestações mensais
Por isso, o Tribunal de 1ª instância violou o são e/ou o correcto entendimento
do artigo 47°, N° 3, do CPP;
Violou ainda o principio da igualdade, constante das disposições conjugadas dos
artigos 1°, e 1, 3°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa, no sentido
de que ninguém pode ser prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de
qualquer dever, em razão da sua situação económica
O pagamento da multa criminal de € 2.100,00 em 24 prestações mensais, iguais e
sucessivas de € 87,50, não faz desaparecer a eficácia penal (preventiva e geral)
da pena aplicada.
Esta eficácia garante a lei penal através de mecanismos no caso de o arguido não
efectuar o pagamento prestacional. Desde logo, a falta de pagamento de uma das
prestações implica o vencimento de todas, sendo que, em caso de incumprimento,
pode ser-lhe aplicada prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º do CP.
2° - Pretendeu, por isso, que a decisão impugnada fosse revogada e substituída
por outra que, face à situação económica e financeira do arguido, permita
efectuar o pagamento da multa criminal de € 2.100,00 em 24 prestações mensais,
iguais e sucessivas de € 87,50 cada uma.
3° - De maneira diferente entendeu, porém, o Venerando Tribunal da Relação,
concluindo que o MM° Juiz a quo ponderou muito bem os interesses em conflito e
decidiu com justeza que o pagamento se fizesse em 12 prestações mensais, iguais
e sucessivas.
4° - Ora, entende o Recorrente que, ao não lhe ser permitido efectuar o
pagamento da multa criminal de € 2.100,00 em 24 prestações mensais, iguais e
sucessivas de € 87,50 cada uma, em vez das 12 prestações fixadas, aquelas
decisões judiciais violaram o princípio da igualdade, constante das disposições
conjugadas dos artigos 1°, e 13°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa,
no sentido de que ninguém pode ser prejudicado, privado de qualquer direito ou
isento de qualquer dever, em razão da sua situação económica;
5° - Sendo que, nos termos do artigo 207° da CRP, “Nos feitos submetidos a
julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na
Constituição ou os princípios nela consignados”.
6° - Ora, o que o Recorrente põe em causa — e fá-lo expressamente e desde logo
no requerimento de interposição de recurso da sentença da 1ª instância para o
Tribunal da Relação — é precisamente a interpretação que estas decisões dão ao
princípio da igualdade constante das disposições conjugadas dos artigos 1° e
13°, n° 2, da CRP;
7° - O que o Recorrente pretende com este recurso é, por isso, que este
Venerando Tribunal aprecie a interpretação que o Tribunal da Relação de
Guimarães deu ao citado princípio da igualdade;
8° - Efectivamente, como se alcança do requerimento de interposição de recurso,
o Recorrente não se conforma com o facto de, face à sua situação de carência
económica provada nos autos, o Tribunal não acatar o pedido de pagamento da
multa a que foi condenado em 24 meses;
9° - Tal decisão, na perspectiva do Recorrente, é violadora do princípio da
igualdade, constante das disposições conjugadas dos artigos 1°, e 13°, n° 2, da
Constituição da República Portuguesa, no sentido de que ninguém pode ser
prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever, em razão
da sua situação económica.
10°- É esta, no fundo, a única questão de constitucionalidade ou falta dela que
o Recorrente pretende que este Venerando Tribunal aprecie, sendo que a mesma foi
levantada pelo Recorrente logo no recurso interposto da 1ª instância para o
Tribunal da Relação e deste para o Constitucional;
11º - Resulta assim que, no nosso modesto entendimento, o Recorrente cumpriu o
ónus de suscitação prévia a que aludem os artigos 70°, n° 1, alínea b), e 72°,
nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da
reclamação.
Cumpre apreciar.
II. Fundamentação
Na decisão reclamada considerou-se que o recorrente, no requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, não indicou a norma ou a
interpretação normativa que pretendia que o Tribunal apreciasse, entendendo-se,
no entanto, que não se justificava proferir despacho de aperfeiçoamento
porquanto o interessado não tinha também suscitado, no decurso do processo,
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que inexistia, desde
logo, um dos pressupostos do recurso de constitucionalidade que, sendo
insuprível, implicava o não conhecimento do recurso.
O reclamante insurge-se contra o assim decidido vindo a transcrever o
requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e
esclarecer que o que pretende que o Tribunal aprecie é a interpretação que o
acórdão da Relação deu ao princípio da igualdade, que considera ser violadora do
disposto nos artigos 1, e 13º, nº 2, da CRP.
Ora, como a transcrição do requerimento de interposição do recurso e tudo o mais
alegado na reclamação bem revela, o recorrente em nenhum momento do processo
identificou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que pudesse ser
apreciada pelo Tribunal Constitucional e apenas se limitou, quer na alegação do
recurso para o Tribunal da Relação, quer no requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, a imputar à decisão recorrida (à decisão
de 1ª instância, no primeiro caso, e à decisão da Relação, no segundo caso) a
violação do princípio da igualdade.
O Tribunal Constitucional não é, porém, competente para conhecer da
constitucionalidade das decisões judiciais em si mesmas, mas da norma ou
interpretação normativa que tais decisões judiciais tenham aplicado, como
decorre com toda a evidência do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC,
pelo que não pode considerar-se como constituindo uma adequada forma de
suscitação de questão de inconstitucionalidade, à luz do que dispõe o artigo
72º, nº 2, dessa Lei a imputação à decisão recorrida da violação de uma norma ou
de um dado princípio constitucional.
É pois, de reafirmar o entendimento de que o recorrente não só não identificou
no requerimento do recurso, como não suscitou, no decurso do processo, qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, o que torna inviável qualquer
despacho de aperfeiçoamento e obstaculiza ao prosseguimento do recurso, tanto
mais que o Tribunal Constitucional não tem competência, como se afirmou, para
apreciar a constitucionalidade da decisão judicial.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 2 de Julho de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão