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Processo n.º 1065/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido B., o relator
proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso com
fundamento no seguinte:
«[…]2. No caso vertente justifica-se a prolação de decisão sumária, ao abrigo do
n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, uma vez que o requerimento de interposição do
recurso não reúne os requisitos necessários ao seu conhecimento, não obstante
ter sido objecto de convite ao aperfeiçoamento, formulado pelo Tribunal a quo.
Na verdade, da leitura daquele requerimento constata-se que ele não cumpre
nenhum dos dois requisitos fixados no n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC, uma vez que
nele não se indica a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo do qual o recurso
é interposto nem a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende
que o Tribunal aprecie.
Ainda que o convite ao aperfeiçoamento formulado pelo tribunal a quo se refira
apenas a este último elemento, resulta da resposta da recorrente que o recurso é
apresentado ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. É essa a
única alínea referida, o que não pode constituir um mero lapso de escrita, uma
vez que a recorrente invoca expressamente que «cabe recurso para o Tribunal
Constitucional, nomeadamente das decisões dos tribunais que apliquem norma
anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal
Constitucional».
Dando por assente ser esse o tipo do recurso interposto, verifica-se que a
recorrente não cumpriu o ónus de identificar o anterior acórdão que haja julgado
inconstitucional a norma aplicada pelo tribunal recorrido, como lhe é imposto
pelo n.º 3 do artigo 75.º-A da LTC. Limita-se a remeter para um conjunto de
acórdãos do Tribunal, nenhum dos quai incide especificamente sobre a norma
questionada.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do presente recurso.[…]»
2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
« I— Da cronologia dos actos.
l.º
Por despacho proferido a fls. 463 dos aludidos autos, foi a Recorrente, ora
Reclamante, notificada pelo Tribunal a quo, para, tão-só, indicar a norma ou
normas legais violadas com o despacho recorrido “(...), notifique-se para
indicar qual a norma ou normas legais violadas com o despacho recorrido... (cfr.
fls. 463 dos aludidos autos).
2°
No dia 18 de Outubro de 2007, em resposta à invitação formulada no despacho
supra citado, a Recorrente, ora Reclamante, deduziu resposta nos termos infra
transcritos:
«[...],
Meritíssimo Senhor Dr°. Juiz Conselheiro
Da 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça.
A., Recorrente, nos autos à margem referenciados e aí m.i., devidamente
notificada do douto Despacho exarado no dia 28 de Setembro de 2007 e
consubstanciado a fls. 463, vem, sob a invocação do disposto no art.° 70.º, n.°
1, alínea g), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, respondendo, nos termos do art.°, 75.° - A, n.° 5, da
Lei do Tribunal Constitucional, à invitação formulada por V. Exa., nos termos e
com os fundamentos infra - escritos:
Constitui, objecto do recurso em apreço, a conformidade constitucional da
interpretacão da norma do art.° 456.° n.ºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil,
acolhida na decisão recorrida, no sentido de que, nada impede o Juiz de proceder
à condenação em multa por litigância de má fé, independentemente de proceder a
prévia audição das partes sobre tal matéria, porquanto nos presentes autos de
acção especial de contribuição para as despesas domésticas que, A., intentou
contra B., foi proferida a fls. 291 a 297 (verso) sentença que julgou
improcedente por não provada a presente acção e absolveu o Requerido do pedido,
tendo condenado a Requerente nas respectivas custas. Mais, determinou a
notificação da Requerente e o seu Ilustre Patrono nomeado, para no exercício do
princípio do contraditório, se pronunciassem, em 10 dias, sobre a actuação
processual, considerada um verdadeiro “Venire contra factum proprium”,
eventualmente consubstanciadora de litigância de má fé, senão com dolo, pelo
menos, com negligência grave “(…), Actuação processual esta da requerente e do
seu ilustre advogado que duplica desnecessánamente processos, alega fundamentos
e deduz pedidos que já foram objecto de apreciação e decisão judicial. (...).
Actuação esta que consideramos um verdadeiro «Venire contra factum proprium»,
eventualmente consubstanciador de litigância de má fé, senão com dolo, pelo
menos, com negligência grave — art.º, 456.° n.° 2 do C.P.C. (..,), Notifique,
sendo ainda a requerente e o seu ilustre advogado para, no exercício do
princípio do contraditório, se pronunciarem, em dez dias, sobre a supra aludida
situação de litigância de má fé...” — cfr. fls. 297 (frente e verso).
Notificados da sentença, por um lado, veio a Requerente interpor recurso, o qual
foi admitido a fls. 335 (tendo a Requerente junto as respectivas alegações a
fls. 338 e seguintes).
A fls. 325 a 334 vieram a Requerente e o seu Ilustre Patrono nomeado responder,
em suma, à invocada litigância de má fé, consubstanciada na aludida “(...),
Actuação processual da requerente e do seu ilustre advogado que duplica
desnecessáriamente processos, alega fundamentos e deduz pedidos que já foram
objecto de apreciação e decisão judicial...” - concluindo que, não se vislumbra
a litispendência, a falta de interesse em agir por parte da Requerente, a
duplicação de processos, alegação de fundamentos e dedução de pedidos que já
foram objecto de apreciação e decisão judiciária, eventualmente
consubstanciadora de litigância de má fé - cfr. fls. 297 (frente e verso) e fia.
325 a 334.
Em 7 de Fevereiro de 2006 abriu-se mão dos autos ‘Abro mão dos autos’ — cfr.
fls. 358.
Volvidos, 55 (cinquenta e cinco) dias, em 3 de Abril de 2006, após se ter aberto
mão dos autos, procedeu-se à condenação da Requerente, como litigante de má fé
numa multa que se fixou em €300,00 (trezentos euros), desta feita, sem prévia
audição dos interessados sobre tal matéria e consubstanciada, já não, numa
“(...), Actuação processual esta da requerente e do seu ilustre advogado que
duplica desnecessariamente processos, alega fundamentos e deduz pedidos que já
foram objecto de apreciação e decisão judicial. (...), Actuação esta que
consideramos um verdadeiro «Venire contra factum proprium», eventualmente
consubstanciador de litigância de má fé. senão com dolo, pelo menos, com
negligência grave — art.° 456.° n.° 2 do C.P.C...”, mas sim, consubstanciada
numa “(...), actuação de forma a alterar a verdade dos factos e omitido factos
relevantes para a decisão da causa (...), violou gravemente o dever de
cooperação” — cfr. fls. 364. Ou seja, numa primeira linha, optou-se por
determinar a notificação da Requerente e o seu Ilustre Patrono nomeado, para no
exercício do princípio do contraditório, se pronunciassem, em 10 dias, sobre a
eventual litigância de má fé, consubstanciada na alínea a), do n.º 2, do art°
456.°, do C.P.C. ‘Tiver deduzido pretensão... cuja falta de fundamento não devia
ignorar”, para numa segunda linha, volvidos 55 (cinquenta e cinco) dias, em 3 de
Abril de 2006, e após se ter aberto mão dos autos, proceder-se de forma
inopinada à condenação da Requerente, como litigante de má fé numa multa que se
fixou em €300,00 (trezentos euros), após conhecer-se a resposta da Requerente e
do seu Ilustre Patrono nomeado à invocada litigância de má fé, consubstanciada a
fls. 297 (frente e verso), optou-se, a final, por se condenar a Requerente como
litigante de má fé, nos termos do art.° 456.° n.° 2, alíneas b) e c), do C.P.C,
numa multa que se fixou em €300,00 (trezentos euros), sem estar condicionada
pela prévia audição dos interessados sobre tal matéria.
Como é sabido, no domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade cabe
recurso para o Tribunal Constitucional, nomeadamente das decisões dos tribunais
que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou legal pelo próprio
Tribunal Constitucional [artigo 70.°, n.º 1, alínea g), da Lei n.° 28/82, de 15
de Novembro, na redacção dada pela Lei n.° 85/89, de 7 de Setembro].
Desde que, o tribunal verifique a existência de má fé material (ou substancial)
e má fé instrumental, cumpre-lhe condenar em multa o litigante doloso, mesmo
quando a parte contrária não haja pedido tal condenação.
Não se acha prevista, na norma em apreço, qualquer mecanismo processual autónomo
que haja de ser cumprido com vista à emissão daquele juízo condenatório, o que
determinou o entendimento e a prática reiterada de que o juiz, oficiosamente,
sem dependência de qualquer acto da parte contrária ou de audição do
interessado, dita na própria sentença essa condenação e logo lhe fixa a quantia
certa a que corresponde.
Simplesmente, deve acentuar-se que, desde logo, o próprio Código de Processo
Civil estabelece no art.° 3.°, n.º 2, o princípio do contraditório, em termos
de, só nos casos excepcionais previstos na lei se poderem “tomar providências
contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida”.
Este princípio, que se mostra reflectido em diversos dispositivos daquele
diploma, nomeadamente nos arts. 517.º (princípio da audiência contraditória),
521.º., n.º 2 (forma da antecipação da prova), 631.°, n.º 3 (substituição de
testemunhas) e 645.°, n.° 2 (inquirição por iniciativa do tribunal), pressupõe o
direito de audiência dos destinatários das “providências” que vão ser tomadas
pelo tribunal em termos de poderem alegar e responder, de poderem expor as suas
razões de concordância ou discordância, desta forma se respeitando aquela
estruturação dialéctica ou polémica do processo a que fazia referência Manuel de
Andrade.
Seja qual for a natureza que se atribua à sanção imposta aos litigantes
condenados por má fé, o certo é que tal condenação representa, não só uma
oneração pecuniária com determinada expressão económica mais ou menos
significativa, mas constitui também, ou ao menos na generalidade dos casos pode
constituir, uma forte lesão moral susceptível de afectar gravemente a dignidade
pessoal e profissional daquele que a sofreu.
E assim sendo, justifica-se plenamente no âmbito de disposição material daquele
preceito, que aos interessados no juízo de censura ali previsto seja assegurado
o exercício da contradição perante o tribunal onde litigam.
No sentido deste entendimento é significativo que, a Lei n.° 28/82, (Lei do
Tribunal Constitucional), no art.° 83.°, n.º 3, da sua versão originária,
remetesse o regime da litigância de má fé para os termos da lei de processo,
vindo ulteriormente, através do art.° 84.°. n.° 6, da Lei n.º 85/89, que
introduziu diversas alterações no articulado primitivo, dispor que: ‘quando
entender que algumas das partes deve ser condenada como litigante de má fé, o
relator dirá nos autos sucintamente a razão do seu parecer e mandará ouvir o
interessado por 2 dias”.
Desta forma, a Assembleia da República veio reconhecer expressamente a
necessidade de se consagrar no instituto da litigância de má fé o direito à
audição dos interessados, por certo com o propósito de assim se instituir
normativamente neste domínio o princípio do contraditório processual e a
garantia de defesa perante os órgãos judiciais.
Em conformidade, com o preceituado no art.° 20.°, n.º 1, da Constituição, “a
todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus
direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por
insuficiência de meios económicos’.
O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia
de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo
âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de acção no sentido do
direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão
jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo
após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão
jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o
direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão
haver de ser proferida dentro dos prazos pré-estabelecidos, ou, no caso de estes
não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado
à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos
princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo
exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas.
Ora, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira, no âmbito normativo daquele
preceito constitucional deve integrar-se ainda “a proibição da indefesa” que
consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os
órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A
violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista de
limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não
observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a
impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando
prejuízos efectivos para os seus interesses”.
Entendimento similar, tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal
Constitucional, nomeadamente os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 404/87,
86/88 e 222/90, in Diário da República, 2.ª série, respectivamente, 21.12.1987,
22.8.1988 e 17.9.1990. caracterizando o Acórdão n.° 86/88, Diário da República,
II série, de 22 de Agosto de 1988, o direito de acesso aos tribunais como sendo
“entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve
chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e
independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das
regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas
razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do
adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras” (cfr. Manuel
de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, cit., p. 364).
Definido assim, o conteúdo genérico do direito fundamental de acesso aos
tribunais, que leva implicada a proibição da indefesa, tem-se por seguro que o
regime instituído nas normas dos arts. 666.°, n.ºs 1 e 3 e 456.°, n.ºs 1 e 2,
ambos do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de a
condenação em multa por litigância de má fé, volvidos 55 (cinquenta e cinco)
dias, em 3 de Abril de 2006, após se ter aberto mão dos autos, não pressupor a
prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por
conveniente, padecerá de inconstitucionalidade, por ofensa daquele princípio
constitucional.
Com efeito, semelhante interpretação priva por completo o interessado de poder
apresentar perante o tribunal qualquer tipo de defesa, acabando por ser
confrontado com uma decisão condenatória cujos fundamentos de facto e de direito
não teve oportunidade de contraditar.
Há-de, ainda, assinalar-se, como parte daquele conteúdo conceptual “a proibição
da indefesa”, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do
particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que
lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o
ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á, sobretudo,
quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de
processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de
alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses (cfr. Ac. nº.
223/95 do Tribunal Constitucional in Diário da República, 2.ª. série, de
27.6.1995). [...]» (negrito e sublinhado nosso).
Assim, no Acórdão n.º 122/2002, in Diário da República, 2.ª série, de 29 de Maio
de 2002, escreveu-se:
“[…],
Daí que o processo, todo o processo - aqui se incluindo, obviamente, o processo
civil - tenha de obedecer a determinadas formalidades que, elas mesmas, não
podem deixar de ser consideradas, numa certa perspectiva, como constituindo,
inclusivamente, factores ou meios de segurança quer para as partes quer para o
próprio tribunal.
As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os
estabelecimentos de prazos, os requisitos de apresentação das peças processuais
e os efeitos cominatórios são, pois, algo de inerente ao próprio processo”.
3.º
II— Razões que justificam a admissão do recurso.
Sustenta-se, no despacho reclamado que:
«[…],
2. No caso vertente justifica-se a prolação de decisão sumária, ao abrigo do n.°
1 do artigo 78.° - A da LTC, uma vez que o requerimento de interposição do
recurso não reúne os requisitos necessários ao seu conhecimento, não obstante
ter sido objecto de convite ao aperfeiçoamento, formulado pelo Tribunal a quo.
Na verdade, da leitura daquele requerimento constata-se que ele não cumpre
nenhum dos dois requisitos fixados no n.° 1 do artigo 75.º - A da LTC, uma vez
que nele não se indica a alínea do n.° 1 do artigo 70.° ao abrigo do qual o
recurso é interposto nem a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se
pretende que o Tribunal aprecie.
Ainda que o convite ao aperfeiçoamento formulado pelo tribunal a quo se refira
apenas a este último elemento, resulta da resposta da recorrente que o recurso é
apresentado ao abrigo da alínea g) do n.° 1 do artigo 70.° da LTC. É essa a
única alínea referida, o que não pode constituir um mero lapso de escrita, uma
vez que a recorrente invoca expressamente que “cabe recurso para o Tribunal
Constitucional, nomeadamente das decisões dos tribunais que apliquem norma
anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal
Constitucional”.
Dando por assente ser esse o tipo do recurso interposto, verifica-se que a
recorrente não cumpriu o ónus de identificar o anterior acórdão que haja julgado
inconstitucional a norma aplicada pelo tribunal recorrido, como lhe é imposto
pelo n.° 3 do artigo 75.° - A da LTC. Limita-se a remeter para um conjunto de
acórdãos do Tribunal, nenhum dos quais incide especificamente sobre a norma
questionada.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.° 1 do artigo 78.° - A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do presente recurso. […]».
Cremos, contudo, e com toda a consideração, não ser de acolher tal entendimento.
Na verdade, salvaguardado, sempre, o devido respeito, ressalta da douta decisão
reclamada, a contradição de que a mesma enferma, porquanto inicia-se a prolação
por afirmar-se que: “(…)da leitura daquele requerimento constata-se que ele não
cumpre nenhum dos dois requisitos lixados no n.° 1 do artigo 75.° - A da LTC,
uma vez que nele não se indica a alínea do n.° 1 do artigo 70.º ao abrigo do
qual o recurso é interposto nem a norma cuja inconstitucionalidade ou
ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie...”, para no parágrafo seguinte
se afirmar, desta feita, que: “(...), resulta da resposta da recorrente que o
recurso é apresentado ao abrigo da alínea g) do n.° 1 do artigo 70.° da LTC. É
essa a única alínea referida, o que não pode constituir um mero lapso de
escrita, uma vez que a recorrente invoca expressamente que «cabe recurso para o
Tribunal Constitucional, nomeadamente das decisões dos tribunais que apliquem
norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal
Constitucional» [cfr. docs. 27 e 28 (negrito e sublinhado nosso)].
Por seu turno, a indicação da norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se
pretende que o Tribunal aprecie, a identificação de anterior Acórdão que haja
julgado inconstitucional a norma aplicada pelo tribunal recorrido, estão
presentes, ab initio, na decisão reclamada, ao proceder, na íntegra, à
transcrição da resposta da Recorrente, ora Reclamante, ao Tribunal a quo:
«[…],
A recorrente apresentou resposta nos termos seguintes:
“A., Recorrente, nos autos à margem referenciados e aí m.i., devidamente
notificada do douto Despacho exarado no dia 28 de Setembro de 2007 e
consubstanciado a fls. 463, vem, sob a invocação do disposto no art.° 70.°, n.°
1 alínea g), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, respondendo, nos termos do art° 75.° - A, n.° 5, da Lei
do Tribunal Constitucional, à invitação formulada por V. Exa., nos termos e com
os fundamentos infra - escritos:
Constitui objecto do recurso em apreço, a conformidade constitucional da
interpretação da norma do art.° 456.°, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil,
acolhida na decisão recorrida, no sentido de que nada impede o Juiz de proceder
à condenação em multa por litigância de má fé, independentemente de proceder a
prévia audição das partes sobre tal matéria, porquanto nos presentes autos de
acção especial de contribuição para as despesas domésticas que, A., intentou
contra, B., foi proferida a fls. 291 a 297 (verso) sentença que... » (cfr. docs.
29 e 30).
Ademais, a identificação de anterior Acórdão que haja julgado inconstitucional a
norma aplicada pelo Tribunal recorrido, efectua-se, uma vez mais, na própria
decisão reclamada «(...), Entendimento similar, tem vindo a ser definido pela
jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente os Acórdãos do Tribunal
Constitucional nºs. 404/87, 86/88 e 222/90, in Diário da República, 2.ª Série,
de, respectivamente, 21.12.1987, 22.8.1988 e 17.9.1990, caracterizando o Acórdão
n.° 86/88, Diário da República, II série, de 22 de Aposto de 1988, o direito de
acesso aos tribunais como sendo “entre o mais um direito a uma solução jurídica
dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de
garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente,
um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das
partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas
provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado
de umas e outras’ (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil,
cit., p. 364)» «(..,), Há-de, ainda, assinalar-se, como parte daquele conteúdo
conceitual “a proibição da indefesa”, que consiste na privação ou limitação do
direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se
discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela
judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa,
verificar-se-á, sobretudo, quando a não observância de normas processuais ou de
princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer
o seu direito de alegar, dai resultando prejuízos efectivos para os seus
interesses (cfr. Ac. n.º 223/95 do Tribunal Constitucional, in Diário de
República, 2.ª série, de 27.6.1995). Assim, salvaguardado, sempre, o devido
respeito, não correspondendo à verdade que, a Recorrente, ora Reclamante,
«Limita-se a remeter para um conjunto de acórdãos do Tribunal, nenhum dos quais
incide especificamente sobre a norma questionada», porquanto os Acórdãos
mencionados, nomeadamente o Acórdão n.º 86/88, in Diário da República, II série,
de 22 de Agosto de 1988, figuram no Acórdão n°. 440/94 do Tribunal
Constitucional, publicado no site desse Fórum:
http://www.tribunalconstitucional.pt que: considerou inconstitucional as normas
do artigo 456.°. ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil, quando interpretadas no
sentido de a condenação em multa por litigância de má fé não pressupor a prévia
audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por
conveniente, sobre uma anunciada e previsível condenação, por ofensa do
princípio do contraditório [cfr. docs. 28, 31, 32 e 1 a 26 (negrito e sublinhado
nosso)].
III— Do convite à indicação dos elementos previstos no artigo 75°. - A, da LTC.
A ser verdade que, a Recorrente, ora Reclamante, na sua dedução de recurso para
o Tribunal Constitucional, não tenha indicado integralmente os elementos
exigidos pelos n.ºs. 1 a 4, do art.° 75.° - A, da LTC, caberá ao Meritíssimo
Senhor Dr.° Juiz Relator, convidar a Requerente a prestar essa indicação (n.° 6,
do art.° 75.° - A, da LTC), porquanto é a própria decisão reclamada que chama à
colação o facto de o convite ao aperfeiçoamento formulado pelo Tribunal a quo se
referir apenas à indicação da norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se
pretende que o Tribunal aprecie “(...), Ainda que o convite ao aperfeiçoamento
formulado pelo tribunal a quo se refira apenas a este último elemento... (cfr.
doc. 27).
Pelo sucintamente exposto, deverá ser julgada procedente a presente reclamação
e, consequentemente, ser revogado o despacho reclamado, substituindo-se por
outro que determine a admissibilidade do aludido recurso.
1V — Elementos com que pretende instruir a reclamação.
Em cumprimento do preceituado no n.° 2, do art.° 688.°, do C.P.C., requer-se a
emissão de certidão das seguintes peças inclusas nos autos:
- Despacho de fls. 463;
- Resposta formulada pela Recorrente, no dia 18 de Outubro de 2007, à invitação
proferida pelo Meritíssimo Sr.° Dr.° Juiz Conselheiro da 7.ª Secção do Supremo
Tribunal de Justiça;
- Decisão sumária proferida pelo Exm.° Sr.° Dr.º. Juiz Conselheiro - Relator -,
no dia 14 de Janeiro de 2008, negando o conhecimento do objecto do recurso,
consubstanciada de fls.1 a 7.»
3. Notificado o recorrido para responder, este nada disse.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada, no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso, fundamentou-se no não preenchimento dos requisitos do requerimento de
interposição do recurso, fixados no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 3, da LTC, cuja
falta não foi suprida pela recorrente, não obstante o convite ao aperfeiçoamento
que lhe foi dirigido pelo tribunal a quo.
A longa reclamação apresentada pela recorrente em nada abala esta conclusão.
Por um lado, contrariamente ao invocado na reclamação, não há lugar ao convite
ao aperfeiçoamento previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, quando o relator
que admitiu o recurso no tribunal a quo já tiver feito o convite referido no n.º
5 do mesmo preceito, como aconteceu no caso vertente.
Por outro lado, a reclamante nunca cumpriu as exigências previstas no artigo
75.º-A, n.ºs 1 e 3, da LTC, uma vez que, inicialmente, omitiu o tipo de recurso
que pretendia interpor e depois, na resposta ao convite ao aperfeiçoamento,
invocou o recurso da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, sem, contudo,
identificar a decisão do Tribunal Constitucional que teria julgado
inconstitucional ou ilegal a norma alegadamente aplicada pela decisão recorrida.
Como se refere na decisão reclamada, limitou-se «a remeter para um conjunto de
acórdãos do Tribunal, nenhum dos quais incide especificamente sobre a norma
questionada».
Termos em que se conclui pela manifesta improcedência da reclamação
III. Decisão
5. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 29 de Maio de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos