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Processo nº 168/2008
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Em 14 de Março de 2008 foi proferida decisão sumária em que se decidiu não
tomar conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A..
A decisão de não conhecimento do objecto do recurso assentou nos seguintes
fundamentos:
3. Analisados os autos, conclui-se que é de proferir decisão sumária ao abrigo
do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, por não
poder este Tribunal tomar conhecimento do objecto do recurso.
Como é sabido, para se poder conhecer de um recurso intentado ao abrigo do
disposto na alínea b) e/ou g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, a questão colocada ao Tribunal deverá traduzir-se na acusação de
inconstitucionalidade de norma efectivamente aplicada como ratio decidendi na
decisão recorrida.
Este pressuposto não é mais do que expressão da necessária utilidade da
intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso, pois, se a norma
definida pelo recorrente como objecto do seu recurso não foi ratio decidendi –
mas antes foi apenas mencionada num obiter dictum –, ou se existiu outro
fundamento, só por si bastante para se chegar a decisão idêntica à recorrida, a
decisão do Tribunal Constitucional sobre a sua constitucionalidade, qualquer que
ela fosse, sempre seria insusceptível de alterar o sentido da decisão do
tribunal recorrido. Nestas condições, o Tribunal Constitucional não pode tomar
conhecimento do objecto do recurso.
4. Ora, consultando a decisão pretendida recorrer, verifica-se que as normas
impugnadas – os n.ºs 1 e 4 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, “quando
interpretados no sentido de que a falta de sintetização das conclusões significa
a respectiva falta”; o n.º 4 do artigo 690.º do Código de Processo Civil,
“quando interpretado no sentido de que é permitido rejeitar o recurso a
pretexto, não fundamentado de que as conclusões não são sintéticas, claras e
explícitas”; a aplicação subsidiária do artigo 690.º do Código de Processo
Civil, “porquanto existem normas específicas no Código de Processo nos Tribunais
Administrativos que disciplinam a referida questão”; “as inconstitucionalidades
suscitadas na conclusão 14.º das conclusões de recurso para o STA” – não foram
aí aplicadas como ratio decidendi da decisão.
Na verdade, o Supremo Tribunal Administrativo afastou a aplicação dessas normas
impugnadas começando por referir que “é admissível «excepcionalmente» revista
para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua
relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a
admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do
direito.» Acrescentando que “(e)m interpretação desta norma, tem o STA
sublinhado que não estamos perante um recurso normal de revista, pois que das
decisões dos tribunais centrais administrativos proferidas na sequência de
recurso de apelação não cabe, em princípio, revista para o STA, mas antes
perante um recurso só admissível num restrito número de casos, recurso que, nas
palavras do legislador (exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 92/VIII),
deverá funcionar apenas “como uma válvula de segurança do sistema.” Constatando
que “(a) questão principal que se pretende submeter a revista, mau grado o
interesse teórico e prático que apresenta, não necessita de qualquer
esclarecimento jurisdicional, uma vez que esta matéria tem sido objecto de
pronúncia frequente por parte dos nossos tribunais supremos (…).” E finalizando
afirmando que “não procede a invocação da clara necessidade de melhor aplicação
do direito que se não basta com o carácter meramente controvertido da solução
encontrada. É necessário detectar nela um erro manifesto, indiscutível (cfr.,
entre outros, os acs. de 3.03.06, 6.06.07 e 27.06.07, respectivamente in procs.
n.ºs 120/07, 470/07 e 541/07), o que não é o caso presente, sem embargo das
dúvidas que poderá suscitar-se sobre a correcção do decidido.” Pelo que existiu
outro fundamento bastante para a decisão proferida de, “nos termos do artigo
150.º, n.ºs 1 e 5 do CPTA” (sublinhado nosso), não admitir o recurso, para além
das normas impugnadas pela recorrente, as quais verdadeiramente não constituíram
sua ratio decidendi, desempenhando o juízo de compatibilidade constitucional aí
formulado em relação a elas, no contexto da decisão recorrida, apenas uma função
adjuvante, de mero obiter dictum.
E por aqui se vê que qualquer que fosse a decisão sobre a
(in)constitucionalidade das normas definidas pela recorrente como objecto do seu
recurso, ela em nada poderia alterar o sentido da decisão recorrida.
Faltando o pressuposto da aplicação pelo acórdão recorrido, como sua ratio
decidendi, das normas impugnadas, não pode o Tribunal conhecer do objecto do
presente recurso.
2. Notificada desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, dizendo o
seguinte:
a) A ora reclamante foi notificada da Decisão Sumária, prolatada nos termos do
n° 3 do artigo 78°-A da Lei n° 28/82, 15/11, que em conclusão determinou o que
pedimos licença para transcrever:
«Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no n° 1 do artigo 78°-A da Lei do
Tribunal Constitucional, decide-se nao conhecer do objecto do recurso interposto
e condenar a recorrente em custas, em 7 (sete) unidades de conta de taxa de
justiça.»
b) E verifica-se que o Tribunal Constitucional não julga o recurso, por no seu
entender, o Supremo Tribunal Administrativo, não ter violado nenhuma norma
constitucional, quando nas motivações do indeferimento concluiu o que nos
pedimos licença para transcrever:
«Faltando o pressuposto da aplicação pelo acórdão recorrido, como sua ratio
decidendi, das normas impugnada, não pode o Tribunal conhecer do objecto do
presente recurso.»
c) Ora, a reclamante não recorreu para esta mais alta instância, apenas do
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, mas do Acórdão do Superior Tribunal
Central Administrativo do Sul, como o demonstra o requerimento, pelo qual esta
impetrou o recurso, onde se diz:
«... tendo sido notificada do douto acórdão datado de 20/12/2007, pelo qual,
além do mais, não se admitiu o recurso interposto do Acórdão do TCAS que
rejeitara o recurso jurisdicional que a recorrente interpusera de sentença do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada,, e não se conformando com as
tais decisões, vem, nos termos das alíneas b) e g) do n° 1 do artigo 70° da Lei
n° 28/82, de 15/11, recorrer para o Tribunal Constitucional...»
d) E a reclamante só passou a ter legitimidade para recorrer do Acórdão do TCAS,
no rec. N° 0204906, nos termos transcritos, após se ter esgotado todos os
recursos, por força dos n°s 3 e 4 do artigo 70° daquela Lei n° 28/82, e n° 2 do
artigo 75º deste mesmo diploma.
e) Assim, salvo o devido respeito que estes assuntos nos têm de merecer, o
Tribunal Constitucional está obrigado não só a analisar as
inconstitucionalidades arguidas perante o Supremo Tribunal Administrativo, mas
também, das questões de inconstitucionalidade arguidas perante aquele Superior
Tribunal.
f) Por esta razão e por tudo o mais que V.Exas. doutamente suprirão deve ser
admitida a Reclamação e através da mesma, que seja plasmado sobre esta questão,
na Conferência, um Acórdão que revogue a Decisão em causa.
g) Por outro lado, não pode a reclamante ficar indiferente às 7 UC em que foi
condenada a pagar pela Decisão sub judicie.
h) De facto o n° 2 do artigo 6° do Decreto-Lei n° 303/98, de 7 de Outubro,
estabelece o que para melhor compreensão nos permitimos transcrever:
«2 – Nas decisões sumárias a que se refere o n° 1 do artigo 78°-A da Lei n°
28182, de 15 de Novembro, a taxa de justiça é fixada entre 2 UC e 10 UC.»
i) Ora, atentos os fundamentos invocados na Decisão Sumária proferida, não se
compreende a razão de se condenar a ora reclamante em 7 UC, quando o mínimo é 2
e o máximo 10.
j) Não existem motivos para que tal condenação se aproxime mais do limite máximo
do que do mínimo, visto que, com o devido respeito, os tribunais existem para
julgar e não podem (devem) utilizar as condenações exorbitantes em custas para
impedir que os cidadãos deles se socorram, como aliás é seu direito com
acolhimento constitucional (artigo 20°).
Pelo exposto, se espera a revogação daquela Decisão Sumária, sub judice, e que
este Tribunal julgue as inconstitucionalidades arguidas, quer no Supremo quer no
TCAS, bem como alterar a condenação em custas, aproximando-se do mínimo legal.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional
respondeu à reclamação nos termos seguintes:
1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, se a ora reclamante pretendia efectivamente impugnar a decisão
proferida pelo Tribunal Central Administrativo – e não a lavrada pelo Supremo
Tribunal Administrativo – cumpria-lhe, para além de identificar claramente que
recorria daquela decisão, ter endereçado o respectivo requerimento de
interposição de recurso ao órgão jurisdicional que proferira a decisão
impugnada, de modo a que fosse este a pronunciar-se sobre a respectiva admissão.
3º
Conduzindo tal vício de actuação processual – conforme entendimento reiterado
deste Tribunal Constitucional – à inadmissibilidade do recurso interposto.
4º
Por outro lado, carece de fundamento o pedido de reforma deduzido, já que o
valor fixado para as custas se situa dentro dos limites legais e corresponde
inteiramente aos critérios que este Tribunal Constitucional vem reiteradamente
aplicando.
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentos
3. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não poder este Tribunal conhecer do
objecto do recurso por não se poder dar como verificado o pressuposto da
aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, das normas cuja
inconstitucionalidade a recorrente pretendia ver apreciadas.
4. Com a presente reclamação a ora reclamante vem, em primeira linha, alegar o
seguinte:
c) Ora, a reclamante não recorreu para esta mais alta instância, apenas do
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, mas do Acórdão do Superior Tribunal
Central Administrativo do Sul, como o demonstra o requerimento, pelo qual esta
impetrou o recurso, onde se diz:
«... tendo sido notificada do douto acórdão datado de 20/12/2007, pelo qual,
além do mais, não se admitiu o recurso interposto do Acórdão do TCAS que
rejeitara o recurso jurisdicional que a recorrente interpusera de sentença do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada,, e não se conformando com as
tais decisões, vem, nos termos das alíneas b) e g) do n° 1 do artigo 70° da Lei
n° 28/82, de 15/11, recorrer para o Tribunal Constitucional...»
d) E a reclamante só passou a ter legitimidade para recorrer do Acórdão do TCAS,
no rec. N° 0204906, nos termos transcritos, após se ter esgotado todos os
recursos, por força dos n°s 3 e 4 do artigo 70° daquela Lei n° 28/82, e n° 2 do
artigo 75º deste mesmo diploma.
e) Assim, salvo o devido respeito que estes assuntos nos têm de merecer, o
Tribunal Constitucional está obrigado não só a analisar as
inconstitucionalidades arguidas perante o Supremo Tribunal Administrativo, mas
também, das questões de inconstitucionalidade arguidas perante aquele Superior
Tribunal.
Porém, a decisão sumária reclamada confirma-se quanto ao seu fundamento
principal, que é o de que a decisão recorrida é o acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo de 20 de Dezembro de 2007 e não o acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul de 5 de Julho de 2007 e que aquele acórdão não fez aplicação
das normas definidas pela recorrente como objecto do seu recurso.
Com efeito, nos diferentes números que consubstanciam o requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade, a recorrente identificou a
decisão recorrida como sendo o acórdão do proferido pelo Supremo Tribunal
Administrativo em 20 de Dezembro de 2007, ao indicar que suscitou a(s)
questão(ões) de constitucionalidade na interposição e alegação de recurso para o
Supremo Tribunal Administrativo, expedida através de correio registado de 7 de
Setembro de 2007.
Resulta, assim, evidente que o que a recorrente pretendeu - e, efectivamente,
fez - foi recorrer do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de
Dezembro de 2007, que decidiu, nos termos do artigo 150.º, n.ºs 1 e 5 do Código
de Processo nos Tribunais Administrativos, não admitir o recurso interposto do
acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5 de Julho de 2007; e aquele
acórdão, como já se demonstrou na decisão reclamada e a reclamante
verdadeiramente não contesta, não aplicou as normas cuja inconstitucionalidade
pretendia ver apreciada.
Se o recurso tivesse, como alega a reclamante, (também) por objecto o acórdão do
Tribunal Central Administrativo Sul de 5 de Julho de 2007, não só a pretensão de
recurso teria sido dirigida a entidade incompetente, como a sua admissão teria
sido levada a efeito por um juiz diverso daquele a que se refere o n.º 1 do
artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos do qual compete ao
tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissibilidade do
respectivo recurso, valendo nesse caso o entendimento de que o endereçamento do
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a órgão
diverso do tribunal que proferiu a decisão recorrida e a prolação da decisão de
admissão do recurso por órgão incompetente constituem obstáculo ao conhecimento
do objecto do recurso de constitucionalidade (v. entre outros, os Acórdãos n.ºs
613/2003, 129/2004, 622/2004, 176/2005 e 292/2005 e as decisões sumárias n.ºs
178/2004, 558/2004, 53/2005 e 109/2005, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt, e demais jurisprudência neles citada).
Nesses termos, pelas razões já constantes da decisão reclamada - que mantém
inteira validade, em nada sendo abaladas pela reclamação apresentada - é
efectivamente de não conhecer do objecto do recurso interposto.
5. Em segunda linha, a ora reclamante vem dizer o seguinte na sua reclamação:
g) Por outro lado, não pode a reclamante ficar indiferente às 7 UC em que foi
condenada a pagar pela Decisão sub judicie.
h) De facto o n° 2 do artigo 6° do Decreto-Lei n° 303/98, de 7 de Outubro,
estabelece o que para melhor compreensão nos permitimos transcrever:
«2 – Nas decisões sumárias a que se refere o n° 1 do artigo 78°-A da Lei n°
28182, de 15 de Novembro, a taxa de justiça é fixada entre 2 UC e 10 UC.»
i) Ora, atentos os fundamentos invocados na Decisão Sumária proferida, não se
compreende a razão de se condenar a ora reclamante em 7 UC, quando o mínimo é 2
e o máximo 10.
j) Não existem motivos para que tal condenação se aproxime mais do limite máximo
do que do mínimo, visto que, com o devido respeito, os tribunais existem para
julgar e não podem (devem) utilizar as condenações exorbitantes em custas para
impedir que os cidadãos deles se socorram, como aliás é seu direito com
acolhimento constitucional (artigo 20°).
Não se depara motivo algum motivo para, no caso sub judice, ser reduzido o
montante da condenação em custas fixado na decisão sumária reclamada, o qual se
revela adequado aos critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei
n.º 303/98, de 7 de Outubro, e correspondente à prática uniforme e reiterada do
Tribunal Constitucional.
III Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 13 de Maio de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão