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Processo n.º 89/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
A. e outros apresentaram, no Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 1689,
requerimento com o seguinte teor:
“[…]
notificados do douto Acórdão de 25.01.2007, vêm dizer e requerer o seguinte:
A. Nos termos do art. 668º, n.º 1, d), do CPC, arguir a nulidade do Acórdão
desde Venerando Tribunal de 25.01.2007
1. As questões que os Recorrentes colocaram à apreciação deste Venerando
Tribunal no seu Requerimento de Reforma de 21.07.2006 foram as seguintes: (i) o
Acórdão de 14.03.2006 deve ser reformado, por manifesto lapso na qualificação do
facto n.º 25 dado como assente, (ii) o Acórdão de 14.03.2006 deve ser reformado,
por do processo constarem documentos e outros elementos que, só por si, implicam
necessariamente decisão diversa da proferida e que este Venerando Tribunal, por
lapso, não tomou em consideração e (iii) a inconstitucionalidade dos artigos
722º, n.º 2, e 729º, n.º 2, do CPC no sentido de que o referido tipo de
confissão do Recorrido não goza de força probatória plena e que essa confissão
com essa força probatória não determina a alteração da matéria que veio provada
das instâncias recorridas.
2. No Acórdão de 25.01.2007, este Venerando Tribunal abordou genericamente as
duas primeiras questões mas nada disse quanto à inconstitucionalidade invocada
naquela terceira questão.
3. Deste modo, com o devido respeito, parece-nos que o Acórdão de 25.01.2006 é
nulo, nos termos do art. 668º, n.º 1, d), do CPC, uma vez que deixou de se
pronunciar sobre uma questão que devia apreciar (a referida
inconstitucionalidade dos artigos 722º, n.º 2, e 729º, n.º 2, do CPC).
B. Recurso para o Tribunal Constitucional
4. Se, por mera hipótese não se entender nos termos que ficaram expostos e
peticionados e, no sentido de este petitório dos Recorrentes não poder ser
qualificado como despropositado ou meramente dilatório, requer-se desde já a
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo
70.º, n.º 1, b), da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 82/89,
de 15 de Novembro (LTC), dos doutos Acórdãos de 14.03.2006 e de 25.01.2007 deste
Venerando Tribunal, o que fazem, nos termos e com os seguintes fundamentos:
[…]”
Por acórdão de 31 de Maio de 2007 (a fls. 1737), o Supremo Tribunal de Justiça
indeferiu o requerimento de fls. 1689.
Pode ler-se no texto do acórdão seguinte:
“[…]
O acórdão em causa não conheceu da alegação de inconstitucionalidade, como não
conheceu de qualquer dos fundamentos da reforma, uma vez que, entendeu que a
reforma não era, no caso, processualmente possível – cf. fls. 1685 –.
Assim, como é manifesto, ficou prejudicado, o conhecimento de mérito desse
pedido de reforma.
Logo, não há qualquer omissão de pronúncia, pois, não existe a obrigação do
tribunal de tratar de questões, que julga prejudicadas pela solução dada a
outras que versou – artº 660.º, n.º 2, do C.P.Civil –.
[…]”
Em 30 de Junho de 2007, o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça
proferiu o seguinte despacho (a fls. 1742):
“Os requerentes de fls. 1689 alegam omissão de pronúncia, por, em seu entender,
não ter sido apreciada determinada questão de inconstitucionalidade. Mais
referiu que, a assim se não entender, desde logo interpunha recurso para o
Tribunal Constitucional.
Como os recursos não podem ser condicionais, a interposição de recurso só
poderia recorrer após a notificação da decisão. Assim, notificados desta é que
deveriam interpor o recurso em causa. Não o fazendo, fica precludido o direito
de recorrer, o que se declara.
Nestes termos, oportunamente, baixem os autos.”
Notificados da cópia dactilografada deste despacho A. e outros requereram (a
fls. 1751) que se esclarecesse qual a regra ou princípio do Código de Processo
Civil aplicada/interpretada na decisão proferida.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 25 de
Outubro de 2007, indeferiu o requerimento de fls. 1751 por considerar que o
despacho de fls. 1742 está devidamente fundamentado.
Notificados do despacho de 25 de Outubro de 2007, A. e outros apresentaram
requerimento (a fls. 1767 e segs.) com o seguinte teor:
“[…]
1. Perante o despacho sub judice colocam-se aos Recorrentes dois planos
garantísticos: por um lado, as garantias previstas no CPC, maxime no art. 700º,
n.º 3, do CPC; por outro lado, a garantia prevista no art. 76º, n.º 4, da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro.
2. Porque os Recorrentes não podem ver preterida qualquer uma dessas garantias
(falamos aqui do seu direito fundamental de propriedade privada, um direito de
natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias) e porque nos parece que,
face ao regime legal aplicável, estas garantias podem ser exercidas em
simultâneo (embora a segunda possa vir a ficar prejudicada pela decisão a
proferir quanto à primeira), os Recorrentes vêm (i), nos termos do art. 700º,
n.º 3, do CPC, requer que recaia acórdão sobre a matéria do despacho de
30.06.2007 e (ii), nos termos do art. 76º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, apresentar uma reclamação dirigida ao Tribunal Constitucional (Doc. 1
aqui anexo).
[…]”
Na reclamação dirigida ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no
artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional (fls. 2 e segs. do apenso),
A. e outros alegaram o seguinte:
“[…]
1. No seu Requerimento de 13.02.2007 (fls. 1.689 e ss), os Recorrentes
formularam dois pedidos:
a. ao abrigo do art. 668°, n°1, d), do Código de Processo Civil, arguíram a
nulidade do Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2007 por
omissão de pronúncia relativamente a uma questão de inconstitucionalidade
alegada no seu Requerimento de Reforma de 21.07.2006;
b. Subsidiariamente, os Recorrentes requereram a interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70°, n° 1, b) da Lei do Tribunal
Constitucional, dos Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de
14.03.2006 e de 25.01.2007.
2. Estes pedidos foram apreciados no despacho do Senhor Conselheiro Relator de
30.06.2007 (…)
3. Em 10.10.2007, os Recorrentes requereram o esclarecimento deste despacho de
30.06.2007. No entanto, por despacho de 25.10.2007, o Senhor Conselheiro Relator
entendeu que aquele despacho de 30.06.2007 estava devidamente fundamentado
[…]
7. Os pedidos subsidiários são claramente permitidos no art. 469° do CPC: “Podem
formular-se pedidos subsidiários. Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado
ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um
pedido anterior”.
Este regime, embora estabelecido pelo legislador a propósito dos pedidos a
formular nas petições iniciais nos processos de declaração, encerra um princípio
geral do processo civil que se aplica, portanto, aos diferentes tipos de pedidos
que em cada fase processual podem ser formulados aos tribunais (um exemplo da
admissão de pedidos subsidiários na fase de recurso dos processos pode ser
encontrado no art. 684°-A do CPC).
São os princípios gerais do processo que determinam este entendimento,
designadamente os princípios da economia e da celeridade processuais e o
princípio da proibição da prática de actos inúteis: se o pedido puder ser desde
logo formulado de forma subsidiária, porquê esperar pela notificação da decisão
quanto a uma questão prévia para só depois poder ser deduzido esse pedido? Ganha
o processo, a administração da justiça e os recursos materiais e humanos de que
a justiça tanto carece.
[…]
Assim, porque o pedido de interposição de recurso para este Venerando Tribunal
Constitucional foi apresentado pelas Recorrentes subsidiariamente (cfr, supra,
n° 1, b) e porque a lei (na sua letra, no seu espírito e nos princípios que
tutela) admite o pedido de interposição de recurso subsidiário, este recurso
deve ser admitido.
8. A interpretação do artº 469° do CPC ou do regime dos recursos previsto nos
arts. 676° e ss. do CPC no sentido de que a admissibilidade de pedidos
subsidiários ali estabelecida não se aplica aos pedidos de interposição de
recurso parece-nos violar ostensivamente o direito fundamental a uma tutela
jurisdicional efectiva e a um processo equitativo tutelado no art. 20° da
Constituição.
Nestes termos,
Deverá ser concedido provimento à presente reclamação, determinando-se a
admissão do recurso interposto pelos Recorrentes nos n°s. 4 e ss. do seu
Requerimento de fls. 1.689 e ss..
[…]”
O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se nos seguintes termos (fls. 124):
“[…]
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Desde logo – e como dá nota o despacho reclamado – o recurso de
constitucionalidade, fundado na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82
foi interposto na pendência do pedido de arguição de nulidade do acórdão
recorrido, o que significa que, nesse momento não se mostravam esgotados os
meios impugnatórios “normais”, admitidos pela lei de processo.
Para além disso, importa ainda notar que:
- relativamente à questão colocada em torno dos arts. 669.º e 661.º do CPC não
se mostra delineado qualquer critério normativo susceptível de constituir
objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta;
- relativamente à questão suscitada a propósito dos arts 722º e 729º do CPC, o
próprio reclamante admite que não suscitou tal questão durante o processo,
apenas a colocando um “pedido de reforma” da decisão proferida sobre o objecto
do litígio. […]”
2. Fundamentação
Nos termos previstos no artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional, compete
ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do
recurso interposto para o Tribunal Constitucional (n.º 1), cabendo a este
Tribunal conhecer da reclamação que venha a ser interposta do despacho que
indefira o requerimento de interposição de recurso ou retenha a sua subida (n.º
4).
No caso em apreço, em reacção ao acórdão do STJ de 25 de Janeiro de 2007, os
reclamantes vieram deduzir um pedido de arguição de nulidade, por omissão de
pronúncia, e, subsidiariamente, interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Pelo acórdão de 31 de Maio de 2007, foi indeferida a reclamação relativa à
arguição de nulidade e, posteriormente, por despacho do relator datado de 30 de
Junho de 2007, considerou-se precludido o direito de recurso para o Tribunal
Constitucional, por se ter entendido que só após a notificação da decisão que
tivesse recaído sobre a arguição de nulidade é que poderia ser apresentado o
recurso de constitucionalidade.
Deste despacho os interessados apresentaram, em simultâneo, reclamação para a
conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo Civil, e
reclamação para o Tribunal Constitucional, com invocação do disposto no n.º 4 do
artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Face ao estabelecido no artigo 700º, n.º 3, do Código de Processo Civil,
«[s]alvo o disposto no artigo 688º, quando a parte se considere prejudicada por
qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que
sobre a matéria do despacho recaia um acórdão […]». O artigo 688º reporta-se à
reclamação contra o indeferimento ou retenção do recurso, pelo que a ressalva
contida no segmento inicial daquele preceito deve ter-se como abrangendo a
hipótese configurada no citado artigo 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal
Constitucional, que prevê a reclamação para o Tribunal Constitucional do
despacho que indefira o recurso de constitucionalidade.
Nada obsta, por isso, à apreciação da matéria da reclamação, embora se encontre
ainda pendente a reclamação para a conferência deduzida perante o STJ.
O argumento invocado pelos reclamantes no sentido da admissibilidade do recurso
para o Tribunal Constitucional, interposto subsidiariamente pelo requerimento de
fls. 1689, é o de que é possível, nos termos previstos no artigo 469º do Código
de Processo Civil, a dedução de pedidos subsidiários. Esta norma reporta-se, no
entanto, aos requisitos dos articulados em processo declaratório civil e não tem
directa aplicação no âmbito do recurso para o Tribunal Constitucional, que tem
as suas regras próprias, designadamente, quanto ao prazo e ao modo da
interposição de recurso (artigos 72º e 75º da LTC).
Por outro lado, tendo sido deduzido, pelo referido requerimento de fls. 1689, um
pedido de arguição de nulidade, juntamente com a interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional, não estavam ainda preenchidos os pressupostos de
admissibilidade deste recurso, que, face ao disposto no artigo 70º, n.º 2, da
LTC, apenas cabe de decisões que já não admitam recurso ordinário, por a lei o
não prever ou por haverem sido esgotados todos os que ao caso cabiam, o que se
entende como correspondendo a um princípio de exaustão dos meios impugnatórios,
na ordem jurisdicional comum, que abrange, não apenas os recursos propriamente
ditos, mas os incidentes pós-decisórios quando tenham lugar (neste sentido,
reportando-se especificamente a uma situação em que tinha sido deduzida uma
arguição de nulidade da decisão recorrida, o Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 24/2006).
Tendo sido concomitantemente arguida a nulidade do acórdão de 25 de Janeiro de
2007 e requerida a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deste
acórdão, o tribunal recorrido não podia, nesse momento, admitir o recurso de
constitucionalidade, quando estava ainda em apreciação um incidente que poderia
interferir no próprio conteúdo dispositivo da decisão recorrida.
E, sendo assim, o prazo de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional, incidindo sobre o referido acórdão de 25 de Janeiro de 2007,
apenas começaria a contar-se da decisão que recaiu sobre a arguição de nulidade,
indeferindo-a.
O despacho do relator que indeferiu o recurso por falta de tempestiva
interposição, por considerar ineficaz o requerimento anteriormente formulado,
não merece qualquer censura.
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 21 de Maio de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão