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Processo nº 122/08
1ª Secção
Relatora: Conselheiro Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é
recorrente A., S.A. e recorrida a Fazenda Pública, foram interpostos dois
recursos para o Tribunal Constitucional: um ao abrigo das alíneas a), b) e i) do
nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC) dos acórdãos daquele Tribunal de 11 de Abril de 2007 e de
12 de Julho de 2007; outro ao abrigo das alíneas b) e i) do nº 1 do artigo 70º
desta Lei, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Outubro de
2007.
2. Em 11 de Março de 2008, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do nº 1 do
artigo 78º-A da LTC, pela qual se decidiu não tomar conhecimento do objecto dos
recursos. Para o que agora releva, importa reter o seguinte passo da respectiva
fundamentação:
«1. A recorrente interpôs recurso dos acórdãos do Supremo Tribunal
Administrativo de 11 de Abril de 2007 e de 12 de Julho de 2007, ao abrigo das
alíneas a), b) e i), do nº 1 do artigo 70º da LTC.
Apesar de não se poder dar como satisfeito o requisito da indicação das normas
cuja apreciação é requerida a este Tribunal (artigo 75º-A, nº 1, parte final, da
LTC), face ao teor do requerimento de interposição de recurso, nomeadamente por
nele serem indicadas normas alternativas (cf. fl. 865 e segs.), importa começar
por verificar os requisitos dos recursos interpostos cuja não verificação
prejudica, por ser inútil, o convite previsto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC.
(...)
1.3. De acordo com o disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 70º da LTC, cabe
recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a
aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua
contrariedade com uma convenção internacional, bem como de decisões judiciais
que a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão
pelo Tribunal Constitucional.
Analisadas as decisões recorridas (fl. 688 e segs. e fl. 748 e segs.), é
manifesto que não se verifica qualquer uma das situações que abre a via do
recurso de constitucionalidade, o que obsta ao conhecimento do objecto do
recurso interposto ao abrigo da alínea i) do nº 1 do artigo 70º da LTC e
justifica a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. Desta decisão vem agora a recorrente reclamar para a conferência, nos termos
do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os fundamentos seguintes:
«1. No que concerne ao recurso para o TC de 30.07.2007, a Recorrente solicitou,
em ii) desse requerimento, “a apreciação da constitucionalidade do artigo 234°,
parágrafo 3°, do Tratado de Roma, na interpretação segundo a qual o reenvio
prejudicial não é obrigatório quando o Tribunal nacional superior considere “não
ter dúvidas”,
2. por estar “(...) em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a
questão pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão de 03.11.1998, Proc. 320/97,”.
3. Nos termos do artigo 70º n° 1 i) da LTC (alínea indicada pela Recorrente no
requerimento de recurso), cabe recurso para o TC das decisões dos tribunais que
apliquem normas constantes de acto legislativo - no caso, o artigo 234° § 3° do
Tratado de Roma, anterior artigo 177° do mesmo diploma - “em desconformidade com
o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional”.
4. O STA interpretou e aplicou o artigo 234° § 3° do Tratado de Roma no sentido
de que não é obrigatória o reenvio ao TJCE, em matérias de direito comunitário,
bastando ao STA que “não tenha dúvidas”.
5. Por sua vez, este Venerando TC considerou, no invocado Acórdão de 03.11.1998,
Proc. 320/97, que: “Com efeito, o confronto entre normas de direito interno e
normas comunitárias dispõe de um mecanismo jurisdicional específico, o processo
de questões prejudiciais, habitualmente designado “reenvio prejudicial” (cfr.
artigo 177° do Tratado da Comunidade Europeia), da competência do Tribunal de
Justiça das Comunidades Europeias. A necessidade de interpretação e aplicação
uniforme do Direito Comunitário levou à construção desse importante instrumento
de colaboração entre a ordem jurisdicional interna e as instâncias
jurisdicionais comunitárias e reservou ao Tribunal das Comunidades o papel de
intérprete último da vontade das instituições comunitárias, vertida nas normas
de direito derivado. (...) Ora, compreendendo a ordem jurídica comunitária,
recebida nesses termos «compreensivos» e globais pelo direito português, logo
por via de uma cláusula da própria Constituição, uma instância jurisdicional
precipuamente vocacionada para a sua mesma tutela (e não só no plano das
relações interestaduais ou intergovernamentais), e concentrando ela nessa
instância a competência para velar pela aplicação uniforme e pela prevalência
das suas normas, seria algo incongruente que se fizesse intervir para o mesmo
efeito, e no plano interno, uma outra instância do mesmo ou semelhante tipo
(...). Em sentido semelhante se pronunciou o Tribunal Constitucional no acórdão
n° 326/98, ainda inédito.” (sublinhado nosso).
6. Não concordamos, assim, e salvo o devido respeito, com o que se afirma em 1.3
da douta Decisão Sumária em apreço.
7. Com efeito, parece-nos, neste particular, que inexistem razões que obstem ao
conhecimento do objecto do recurso.
8. Com efeito, e nesta parte, parece-nos que o recurso de 30.07.2007 preenche a
hipótese legal prevista na al. i) do nº 1 do artigo 70° da LTC».
Notificada, a recorrida não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Para a decisão reclamada foi manifesto que os acórdãos do Supremo Tribunal
Administrativo de 11 de Abril de 2007 e de 12 de Julho de 2007 não recusaram a
aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua
contrariedade com uma convenção internacional, nem a aplicaram em
desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal
Constitucional. Razão pela qual se decidiu não tomar conhecimento do objecto do
recurso interposto daquelas decisões ao abrigo da alínea i) do nº 1 do artigo
70º da LTC.
Face à alegação da reclamante de que o Supremo Tribunal Administrativo
interpretou e aplicou norma, que extrai do artigo 234º § 3º do Tratado de Roma,
em desconformidade com o anteriormente decidido por este Tribunal em matéria de
contrariedade de norma constante de acto legislativo com convenção
internacional, importa notar que no Acórdão nº 621/98 (tirado no processo que a
reclamante refere, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) não foi decidida
qualquer questão daquele tipo. Neste aresto o Tribunal Constitucional decidiu
não julgar inconstitucional o artigo 13º do Decreto-Lei nº 15/87, de 9 de
Janeiro, por não haver desconformidade entre esta disposição e os artigos 106º,
nº 2, e 168º, nº 1, alínea i), da Constituição (versão de 1982); não julgar
inconstitucional o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 235/88, de 5 de Julho,
por considerar não haver violação do artigo 168º, nº 1, alínea q), da
Constituição (versão de 1982);e não tomar conhecimento do pedido de apreciação
da constitucionalidade do artigo 11º do Decreto-Lei nº 15/87, de 9 de Janeiro.
Resta, assim, concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a parte da decisão sumária que foi reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 15 de Maio de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão