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Processo n.º 756/07
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., Recorrido nos presentes autos em que figura como Recorrente o Ministério
Público, intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão, em 19 de
Dezembro de 2003, acção de impugnação e investigação da paternidade contra B.,
C. e a Herança aberta por óbito de D., representada pelos seus herdeiros,
pedindo (1) que se declare que não é filho do primeiro réu e (2) que se
reconheça que é filho do falecido D.. Pediu ainda que lhe seja reconhecida a
qualidade de herdeiro, entregues as quantias entretanto recebidas pelos outros
herdeiros e declarados nulos os actos por eles realizados.
Por despacho saneador de 30 de Maio de 2005, foram considerados provados os
seguintes factos:
“Encontram-se provados, nos presentes autos, com relevância para a boa decisão
da causa, os seguintes factos:
A) O autor é filho da ré C., tendo nascido a 08.07.1967.
B) A referida C. foi casada em primeiras núpcias com o réu B. em 16.08.1956, de
quem se divorciou em 18.05. 1984.
C) À data do nascimento do autor, a ré C. encontrava-se separada de facto do réu
B. desde 1965, sendo que desde então não mais com aquele havia coabitado, tomado
refeições ou vivido em condições análogas às dos cônjuges, não mais com aquele
tendo mantido relações de sexo, nomeadamente nos 180 dias anteriores ao período
da concepção do autor.
D) Em tal período de concepção, e durante 3 anos, a ré C. viveu com o falecido
D. em relação idêntica e exclusiva à dos cônjuges, uma vez que já se encontrava
separada de facto do seu então marido.
E) O referido D. era feirante e com ele a ré C. conviveu intimamente, mantendo
ambos uma relação amorosa de carácter notório, sendo vistos em locais públicos,
acompanhando-o a ré C. e com ele residindo no lugar de Lageosa nos três anos de
convivência que com aquele manteve.
F) O autor foi concebido na constância de tal relação, sendo seu pai biológico o
referido D..
G) Durante a sua vida, o falecido D. conviveu com o autor, chamava neta à filha
deste, e ajudou-o economicamente, nomeadamente, no ano de 1992, altura em que
lhe comprou uma camioneta e o ajudou no negócio, tendo ainda nesse ano com ele
residido.
H) Pelo menos desde essa data, o autor foi reputado como filho pelo falecido D.,
tratado como tal por aquele e assim reconhecido publicamente, o que só foi
interrompido pelo óbito súbito de D., que faleceu em 03.01.2002, vítima de um
atropelamento mortal.
1) O autor e o falecido D. desentenderam-se sem que este tenha chegado a
reconhecer-lhe a paternidade, nunca tendo também o autor, até à instauração da
presente acção, impugnado formalmente a paternidade que se encontrava
estabelecida a favor do marido de sua mãe.”
O Réu E. contestou, nomeadamente, por excepção, invocando a caducidade do
direito de acção do Autor nos termos do artigo 1842.º, alínea c), do Código
Civil.
Considerando que o processo reunia os elementos necessários à decisão da causa,
o Exmo. Juiz da Comarca de Santa Comba Dão, no despacho saneador, decidiu pela
seguinte forma:
“A) Não aplicar o prazo de caducidade previsto no artigo 1842º, n.º 1, al. c) do
Código Civil por inconstitucionalidade;
B) Julgar a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
– Reconhecer que o autor, A., não é filho de B., ordenando o respectivo
cancelamento do registo de nascimento;
– Reconhecer que o falecido D. é o pai do autor A., ordenando-se o respectivo
averbamento no registo de nascimento.”
Na parte respeitante à questão de constitucionalidade, a decisão recorrida
fundou-se, essencialmente, na seguinte argumentação:
“4 Numa primeira abordagem seria pois de afirmar, em obediência ao sobredito
artigo 1842° e às razões acima aduzidas, a caducidade do direito do autor de
intentar a presente acção, o que determinaria a improcedência da mesma.
Mas será de aplicar ao caso em apreço (em que se encontra cientificamente
comprovado que o autor não é filho do marido da mãe) o referido prazo de
caducidade?
Na esteira do doutamente decidido no acórdão do STJ de 31.01.2007 (disponível em
www.dgsi.pt), somos de entender que não, na medida em que – conforme aí foi
sustentado – o respeito pela verdade biológica sugere a imprescritibilidade do
direito de impugnar a paternidade.
Conclui-se em tal aresto pela inconstitucionalidade da citada disposição legal,
com argumentos inteiramente aplicáveis ao caso dos autos, por identidade de
razões (ainda que aí o juízo de inconstitucionalidade recaia sobre a al. a) e no
nosso caso esteja em discussão a al. c), sufragando-se essencialmente no citado
acórdão o entendimento de que perante a verdade biológica trazida aos autos pelo
exame de ADN não relevam os prazos que a lei impõe para o exercício do direito
de acção, por ofender o direito à ‘identidade pessoal’, constitucionalmente
consagrado nos artigos 25°, 26°, n.° 1, e 18°, n.° 2 da CRP.
A este propósito convirá chamar à colação o acórdão n.° 23/2006 do Tribunal
Constitucional (publicado no DR, I Série, de 8 de Fevereiro de 2006), por força
do qual foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da
norma contida no artigo 1817° do Código Civil, na medida que prevê para a
caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a
partir da maioridade do investigante – tendo, em virtude de tal declaração de
inconstitucionalidade, deixado de existir qualquer prazo de caducidade para a
propositura das acções de investigação de paternidade, como acontece, aliás, na
maior parte dos sistemas jurídicos que nos são próximos, consagrando a
imprescritibilidade das acções de reconhecimento da filiação propostas pelo
filho os artigos 133° do Código Civil Espanhol, 270° do Código Civil Italiano,
1600° do Código Civil Alemão e 1606.º do Código Civil Brasileiro (cfr., neste
sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 23.05.2006, proferido no processo n.º
776/06-3 e relatado pelo Dr. Cura Mariano, onde se pode ler que ‘até nova
intervenção do legislador nesta matéria, o filho poderá exercitar a todo o
tempo, durante toda a sua vida, o seu direito a ver judicialmente reconhecida a
sua filiação’).
Ora, o que o acórdão do STJ vem dizer, com o que concordamos, é que os
pressupostos do referido acórdão do Tribunal Constitucional ‘têm inteira
aplicação ao caso concreto, por tal temática ser muito semelhante à ora em
apreciação’.
Como parâmetros constitucionais mais significativos para aferir das limitações
ao direito de investigar a paternidade, apela o acórdão em questão ao direito de
constituir família (por um lado), com a correspectiva previsão de meios para o
estabelecimento jurídico dos vínculos da filiação; e (por outro lado) ao direito
à identidade pessoal, com que abre logo o n.° 1 do artigo 26.º da CRP. Mas para
além disso, vai buscar apoio à ideia de que se tem verificado ‘uma progressiva,
mas segura e significativa, alteração dos dados do problema, constitucionalmente
relevantes, a favor do filho e da imprescritibilidade da acção – designadamente
com o impulso científico e social para o conhecimento das origens, os
desenvolvimentos da genética e a generalização dos testes genéticos de muito
elevada fiabilidade. Alteração esta que ‘não deixa incólume o equilíbrio de
interesses e direitos, constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e
sancionado também pela jurisprudência, empurrando-o claramente a favor do
direito de conhecer a paternidade’.
Grande parte da responsabilidade vai aqui – continua o citado aresto – para ‘o
peso dos exames científicos nas acções de paternidade e para a alteração da
estrutura social e da riqueza, levando a encarar a outra luz a dita ‘caça às
fortunas’ Mas nota-se também um movimento científico e social em direcção ao
conhecimento das origens, com desenvolvimentos da genética, nos últimos 20 anos,
que têm acentuado a importância dos vínculos biológicos (mesmo se porventura com
exagero do seu determinismo). O desejo de conhecer a ascendência biológica tem
sido tão acentuado que se assiste a movimentações no sentido de afastar o
segredo sobre a identidade dos progenitores biológicos, mesmo para os casos de
reprodução assistida’.
‘Não deve, igualmente, ignorar-se a valorização da verdade e da transparência,
com a possibilidade de acesso a informação e dados pessoais e do seu controlo,
com a promoção do valor da pessoa e da sua ‘autodefinição’, que inclui,
inevitavelmente, o conhecimento das origens culturais e genéticas. A partir de
1997 consagrou-se aliás, expressamente, um direito ao desenvolvimento da
personalidade no artigo 26° da CRP (.) comportando dimensões como a liberdade
geral de acção e uma cláusula geral de tutela da personalidade. E se tanto o
pretenso filho como o suposto progenitor podem invocar este preceito
constitucional, não é excessivo dizer-se que ele pesa mais do lado do filho,
para quem o direito de investigar é indispensável para determinar as suas
origens.’
Dentro deste contexto, e partindo das premissas assinaladas, facilmente se
rebatem os argumentos que acima expendemos a propósito da (im)prescritibilidade
das acções de filiação.
A começar pelo argumento do ‘riscos de fraudes’ decorrentes de um envelhecimento
das provas, o qual não pode hoje ser considerado relevante. É que os avanços
científicos permitiram o emprego de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da
certeza e, por esse meio, mesmo depois da morte é hoje muitas vezes possível
estabelecer com grande segurança a maternidade ou a paternidade.
Por outro lado, também o argumento de que as acções de impugnação / investigação
visam frequentemente fins tão-só patrimoniais de ‘caça à herança’ tem hoje de
ser visto a outra luz. Para além das mudanças operadas quer no acesso ao
direito, quer no acesso à riqueza (podendo muitas acções corre hoje entre
autores e réus com meio de fortuna não muito diversos), a verdade é que o citado
argumento se situa num plano predominantemente patrimonial, ‘não podendo ser
decisivo ante o exercício de uma faculdade personalíssima, constituinte clara da
identidade pessoal’ – cfr., acórdão n.° 23/2006 do Tribunal Constitucional,
publicado no DR, I Série, de 8 de Fevereiro de 2006, cuja fundamentação
continuamos a seguir de perto.
Quanto ao interesse do pretenso ou impugnado progenitor de não ver indefinida ou
excessivamente protelada a dúvida quanto à sua paternidade, afigura-se que o
mesmo não deve ser sobrevalorizado no confronto com bens constitutivos da
personalidade, não podendo conceder-se a uma certeza ou segurança patrimonial
relevância decisiva para excluir o direito eminentemente pessoal, que integra
uma dimensão fundamental da personalidade, de repor a verdade biológica acerca
da filiação.
Concluiu, pois, o referido acórdão do Tribunal Constitucional que ‘o regime em
apreço (...) tem como consequência uma diminuição do alcance do conteúdo
essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família,
que incluem o direito ao reconhecimento da paternidade ou da maternidade’,
decidindo (como aliás já o haviam decidido os acórdãos n.° 486/04, de 7 de
Julho, e n.° 11/2005, de 12 de Janeiro e as decisões sumárias n.°s 114/2005 e
288/2005, de 9 de Março e 4 de Agosto) pela inconstitucionalidade do artigo
1817°, n.° 1 do Código Civil, nos termos acima referidos.
Pois bem. Uma vez aqui chegados, e transpondo os parâmetros constitucionais
supra referidos para o caso em apreço, entendemos – como entendeu o citado
acórdão do STJ de 31.01.2007 – que o juízo normativo de inconstitucionalidade
que incidiu sobre o artigo 1817°, n.° 1 do Código Civil, deve igualmente incidir
sobre o artigo 1842° do mesmo diploma legal.
Como salientam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (in, ‘Curso de Direito da
Família’, Vol. II, Tomo 1, 2006, pág. 137), ‘os prazos de caducidade para as
acções de estabelecimento de filiação estão em crise ou tornaram-se menos
sedutores, sobretudo quando a caducidade não visa proteger urna realidade
familiar efectiva, um vínculo de filiação ‘social’ que desempenhe as suas
funções, apesar de lhe faltar o fundamento biológico. Na verdade, a previsão de
um prazo para os fins típicos e abstractos da defesa e segurança tornou-se pouco
convincente nestas matérias.’
Com efeito, ao direito fundamental à identidade e integridade pessoal, como
ainda ao direito ao desenvolvimento da personalidade não devem ser colocadas
desproporcionadas restrições, pelo que as razões que estiveram na origem da
declaração de inconstitucionalidade do mencionado artigo 1817.º do Código Civil,
estão outrossim para a disposição contida no artigo 1842°, n.° 1 do mesmo
Código” – cfr., acórdão do STJ de 31.01.2007.
Na verdade, ‘não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança
prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do
interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da
tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da
personalidade. Assim, reitera-se o já afirmado – o respeito puro e simples pela
verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade. Essa verdade
biológica consubstancia-se num direito de conformação da própria vida, um
direito de liberdade geral de acção cujas restrições têm de ser
constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais. Ora, não se
antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, seja necessário e
proporcional face aos valores que estão em causa sempre que uma questão de
filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do o direito ser conforme à
realidade em homenagem a essas restrições. A valorização dos direitos
fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de onde vem, na vertente da
ascendência genética, e a inerente força redutora da verdade biológica fazem-na
prevalecer sobre os prazos de caducidade para as acções de estabelecimento de
filiação’ – Cfr., acórdão do STJ de 31.01.2007.
Concluímos assim – estribando-nos no entendimento sufragado pelo douto acórdão
do STJ que vimos citando – pela inconstitucionalidade do prazo de caducidade
estabelecido no artigo 1842°, n.° 1, al. c), pelo que o direito do autor de
impugnar a paternidade estabelecida a favor do marido da mãe se não encontra
sujeito a qualquer prazo, podendo ser exercitado a todo o tempo.
Entender diferentemente seria promover a desconformidade do direito com a
realidade e descurar a verdade biológica, ofendendo de forma desproporcional e
injustificado os direitos fundamentais do autor à sua identidade e integridade
pessoal.
Excepto, claro está, se o exercício do direito de impugnar configurar uma
verdadeira situação de abuso de direito, por ofender a boa fé, os bons costumes
e sobretudo, o fim social do direito ao reconhecimento da filiação – o que se
não verifica, in casu, atentas as especiais circunstâncias resultantes da
matéria de facto considerada provada, uma vez que se revela compreensível que
face ao tratamento de facto dispensado ao autor pelo seu pai biológico (igual ao
de uma relação parental) este não sentisse qualquer necessidade de obter um
reconhecimento jurídico dessa situação, impugnando a paternidade estabelecida a
favor do marido da mãe (cfr., neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de
23.05.2006, proferido no processo n.° 776/06-3 e relatado pelo Dr. Cura
Mariano).”
2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da Comarca de Santa Comba Dão
veio interpor recurso obrigatório para este Tribunal, ao abrigo do disposto no
artigo 70.º, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (Lei do
Tribunal Constitucional).
Notificado para alegar, concluiu o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste
Tribunal Constitucional pela seguinte forma:
“1.º
A norma constante do artigo 1842°, n° 1, alínea c) do Código Civil, enquanto
estabelece o prazo de caducidade de um ano, contado da data em que o filho teve
conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido
da mãe, para a respectiva acção de impugnação, viola as disposições conjugadas
dos artigos 26°, n° 1, 36°, n° 1, e 18°, n° 2, da Constituição da República
Portuguesa.
2.º
Na verdade, o estabelecimento de tal prazo de caducidade, colide com o direito
fundamental ao reconhecimento do vínculo de filiação biológica por parte do
filho, revelando-se desproporcionado, pelo menos nas situações em que é
manifesta a inexistência de qualquer interesse relevante da família conjugal na
estabilidade da filiação presumida.”
Não foram produzidas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentos
3. A decisão recorrida desaplicou, com fundamento em inconstitucionalidade, a
norma contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, conquanto
prevê um prazo de caducidade de um ano para o filho, nascido na constância do
matrimónio da mãe, intentar acção de impugnação da paternidade presumida contra
o marido daquela.
Dispõe assim aquela norma:
“[A acção de impugnação da paternidade pode ser intentada] pelo filho, até um
ano depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou
posteriormente, dentro de um ano a contar da data em que teve conhecimento de
circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.”
A argumentação da decisão recorrida remete, no seu essencial, para a
argumentação expendida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de
Janeiro de 2007 que desaplicou, por inconstitucionalidade, o artigo 1842.º, n.º
1, alínea a), do Código Civil e, ainda, no Acórdão n.º 23/2006, do Plenário do
Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, I Série, de 8 de
Fevereiro de 2006, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória
geral, da norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, aplicável ex vi do artigo
1873.º, do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de
investigar a paternidade, um prazo de dois anos a contar da maioridade do
investigante.
Este Tribunal já apreciou, em duas ocasiões, a constitucionalidade de prazos de
caducidade relativamente ao direito de impugnar a paternidade presumida. No
Acórdão n.º 589/2007, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de
Janeiro de 2008, proferido exactamente na sequência de recurso interposto do
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça já citado, para que remete o despacho ora
recorrido, o artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), não foi julgado inconstitucional,
face ao direito à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade.
Já a norma objecto do presente recurso, contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea
c), foi objecto de julgamento de inconstitucionalidade no Acórdão n.º 609/2007,
publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Março de 2008, na medida em
que prevê, para a caducidade do direito do filho maior ou emancipado de impugnar
a paternidade presumida do marido da mãe, o prazo de um ano a contar da data em
que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho
daquele.
4. Estribando-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça mencionado o qual,
por sua vez, adere, em larga medida, à fundamentação do citado Acórdão n.º
23/2006, o despacho a quo fundou o juízo de inconstitucionalidade da norma em
apreço no direito a constituir família, no direito à identidade pessoal, no
direito ao desenvolvimento da personalidade, e na violação do princípio da
proporcionalidade, atendendo à crescente importância atribuída à verdade
biológica tributária do progresso científico que, nos últimos tempos, se
consolidou no domínio dos testes de paternidade.
5. Como já se referiu, o citado Acórdão n.º 609/2007, julgou inconstitucional, o
artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), “na medida em que prevê, para a caducidade do
direito do filho maior ou emancipado de impugnar a paternidade presumida do
marido da mãe, o prazo de um ano a contar da data em que teve conhecimento de
circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, por
violação dos artigos 26.°, n.° 1, 36.°, n.°s 1 e 18.°, n.° 2 da Constituição da
República Portuguesa.”
Vejamos a argumentação expendida nesse aresto:
“[…] resulta dos autos que a Autora terá conhecido as circunstâncias das quais
podia inferir não ser filha do Recorrido ….., ‘pelo menos em 3 de Abril de
2000’. Assim, face ao artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, o seu
direito de acção extinguir-se-ia um ano depois, em Abril de 2001, na medida em
que havia atingido a maioridade em 21 de Março de 1997.
Não poderá, no entanto, deixar de se atender a outros factores, nomeadamente o
facto de, até Abril de 2000, a Autora ter vivido com a sua mãe e ter, então,
apenas vinte e um anos de idade.
Com efeito, o prazo de um ano previsto no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), para
que o filho pondere adequadamente as circunstâncias e promova a acção de
impugnação da paternidade presumida, parece manifestamente exíguo,
particularmente nos casos em que, como o dos autos, o conhecimento das
circunstâncias que indiciam a não paternidade biológica do marido da mãe ocorreu
em momento temporalmente próximo da data em que o interessado alcançou a
maioridade e a sua própria autonomia.
Nesta medida, e na sequência da lógica argumentativa que o Tribunal
Constitucional tem desenvolvido em sede de caducidade das acções de investigação
da paternidade, justifica-se o juízo de inconstitucionalidade material da norma
contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil.
17. Com efeito, o “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito
fundamental à integridade pessoal” ganhando uma dimensão mais nítida, como,
ainda, o “direito ao desenvolvimento da personalidade”, leva, em si, a que não
se coloquem desproporcionadas restrições aos direitos fundamentais
consubstanciados na aludida identidade pessoal e ao desenvolvimento da
personalidade, pelo que as razões que estiveram na origem da declaração da
inconstitucionalidade do mencionado artigo 1817.°, n.° 1, do Código Civil estão,
outrossim para a disposição contida no artigo 1842.°, n.° 1 alínea c), do mesmo
Código.
18. Não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer
dizer, que seja necessário e proporcional face aos valores que estão em causa
sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do
direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições.
A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de
onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da
verdade biológica fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade, tal como se
prefigura na norma em apreço, para as acções de estabelecimento de filiação.
Com efeito, como bem acentua o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto na sua alegação,
‘o único interesse que poderia invocar-se em contraponto ao direito fundamental
do filho a conhecer e determinar juridicamente a sua verdadeira paternidade
biológica seria o da ‘harmonia’ e estabilidade da vida e da família conjugal.’
Tal interesse não poderá, no entanto, prevalecer, face ao princípio da
proporcionalidade, pois que tais limitações específicas ao direito de agir
contra supostos progenitores casados (ao tempo do nascimento ou apenas no
momento do reconhecimento), embora com antecedentes no nosso sistema jurídico,
traduzem-se em efeitos discriminatórios, constitucionalmente vedados, contra os
filhos concebidos fora do casamento.
19. É certo que o réu, no caso o marido da mãe, poderá também invocar direitos
fundamentais, como o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar,
que poderão ser afectados pela revelação de factos que o possam pôr em crise.
Não se vê, porém, que se possa proteger tais interesses do eventual progenitor à
custa do direito de investigar a própria paternidade, determinada
fundamentalmente pelo ‘princípio da verdade biológica’ que inspira o nosso
direito da filiação.
20. Por outro lado, destinando-se os prazos de caducidade a sancionar a inércia
ou o desinteresse do titular do direito, esse argumento não pode ser
considerado, já que tal prazo decorrerá, na grande parte das situações, quando o
filho ainda vive em casa da mãe e do marido, em economia comum e sem autonomia
económica.
Assim, a fixação de tal prazo, manifestamente exíguo, tendo em vista,
nomeadamente, que não devem desconsiderar-se as diversas circunstâncias que
envolvem a sua decisão no sentido de vir impugnar a paternidade que lhe é
atribuída, acarreta uma injustificada e desproporcionada limitação aos direitos
fundamentais do filho em causa, nomeadamente o direito à identidade e
integridade pessoal, bem como o direito a constituir família, que incluem o
direito a conhecer a filiação materna e paterna e, como tal, apresenta-se como
violadora do conteúdo desses mesmos direitos.
21. Consequentemente, quer no plano da sua justificação, quer no plano dos seus
efeitos, a solução em causa não pode hoje ser constitucionalmente admissível por
se revelar desproporcionado, violando também o disposto no artigo 18.º, n.° 2 da
Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, e, conforme foi decidido pelo Exmo. Juiz da Comarca de Abrantes, as
desvantagens que advêm da perda da possibilidade do direito de vir a ter a sua
paternidade em correspondência com a verdade biológica são superiores e
claramente desproporcionadas em relação às desvantagens eventualmente
resultantes, para o impugnado e sua família.
22. Um último argumento, de carácter pragmático, que vem esgrimido não só na
decisão recorrida, como também na alegação de recurso, leva-nos a concluir no
mesmo sentido, uma vez que, a impugnação da paternidade presumida, em casos como
o dos autos, se apresenta como um mecanismo essencial no iter processual que o
impugnante-investigante tem de percorrer de forma a alcançar a definição e
estabelecimento da verdade biológica da sua ascendência. Com efeito, existindo
uma paternidade estabelecida e devidamente registada, a fixação de outra depende
impreterivelmente do afastamento daquela. Caso procedesse a caducidade do
direito de impugnação daquela, assim se cercearia, em definitivo, o direito do
filho a ver reconhecida a paternidade biológica tanto mais que não há
coincidência entre os prazos de tais acções.
Conclui-se que a norma prevista no artigo 1842.°, n.º 1, alínea c), na dimensão
interpretativa explicitada, é inconstitucional por violação dos artigos 26.º,
n.° 1, 36.°, n.º 1 e 18. °, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.”
6. Em primeiro lugar, cumpre realçar que a ratio subjacente à previsão
legislativa de prazos de caducidade para as acções de impugnação e de
investigação da paternidade não é inteiramente coincidente.
Assim, a propósito da limitação do direito a investigar, têm-se avançado com
argumentos atinentes à segurança jurídica dos pretensos pais e respectivos
herdeiros bem como ao enfraquecimento da prova devido ao decurso do tempo. Por
outro lado, também a necessidade de obviar a comportamentos egoísticos e
abusivos, motivados por interesses de cobiça, tem sido invocada para a
justificação destes prazos (uma síntese destes argumentos pode ser encontrada no
Acórdão n.º 23/2006 bem como em Guilherme de Oliveira, Caducidade das Acções de
Investigação, Lex Familiae – Revista Portuguesa de Direito da Família, ano 1,
n.º 1, 2004, pp. 7-8).
Estes argumentos vingaram, durante largo período de tempo, no plano legislativo,
dogmático e jurisprudencial. A solução vigente, todavia, consagrada com a
aprovação do Código Civil de 1966, veio afastar a tradição anterior que permitia
a proposição de acções de investigação com maior amplitude.
Assim, a versão originária do Código de Seabra previa que as acções de
investigação da paternidade pudessem ser intentadas durante toda a vida dos
pretensos pais ou durante pouco tempo depois da morte dos mesmos, desde que
ocorrida durante a menoridade do filho. Tais acções podiam ainda ser propostas a
todo o tempo desde que se fundassem em escrito do pai.
O Decreto n.º 2, de 1910, consagrou a possibilidade de intentar a acção no ano
subsequente à morte do suposto progenitor. Em análise a este regime anterior ao
actual Código Civil, Guilherme de Oliveira fala de prazos que podiam “chegar a
tocar as fronteiras da imprescritibilidade.” (Critério Jurídico da Paternidade,
Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1998, p. 462).
O regime então em vigor não foi incólume a críticas. Gomes da Silva, por
exemplo, defendeu, por um lado, que o mesmo propiciava situações de “caça à
herança dos pais” e, por outro, que o estabelecimento da filiação devia ser
estimulado perto do nascimento, em momento crucial, portanto, do desenvolvimento
da personalidade do filho (apud Guilherme de Oliveira, Critério…, cit., p. 464).
Estabeleceu-se então, com o Código Civil de 1966, a regra da caducidade da acção
de investigação da maternidade ou paternidade no termo dos dois anos
subsequentes à maioridade ou emancipação do filho, ressalvados os casos de
existência de escrito do pretenso progenitor, de posse de estado ou, ainda, de
registo inibitório ou de suspensão do início e do curso do prazo.
A Reforma do Código Civil de 1977 manteve, no essencial, este regime, com base,
muito presumivelmente, na consideração do direito fundamental do suposto pai à
reserva da intimidade da vida privada e familiar (como assinala Guilherme de
Oliveira, Caducidade…, cit., p. 9).
7. De igual modo, em sucessivas pronúncias, também o Tribunal Constitucional
começou por entender que os prazos de caducidade estabelecidos para as acções de
investigação da paternidade não beliscavam qualquer norma constitucional
(Acórdãos n.ºs 99/88, 413/89, 451/89 e 506/99, publicados, respectivamente,
Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988, 15 de Setembro de 1989,
21 de Setembro de 1989 e 17 de Março de 2000, e Acórdãos n.ºs 311/95 e 525/2003
– disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Razões de certeza e segurança
motivaram os vários julgamentos no sentido da não inconstitucionalidade das
normas contidas nos artigos 1817.º, n.ºs 1 e 2, tendo em vista a necessidade de
obviar a situações de pendência ou dúvida sobre a filiação por períodos
demasiadamente longos.
Já o Acórdão n.º 456/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de
Fevereiro de 2004, julgou inconstitucional o artigo 1817.º, n.º 2, na medida em
que estabelecia um prazo para o filho intentar a acção de investigação assente
em factos estritamente objectivos impedindo, na prática, o direito de agir
sempre que os fundamentos e as razões para instaurar a acção surgissem pela
primeira vez em momento posterior ao decurso daquele prazo. No caso concreto, o
filho tinha-se deparado com a impugnação da paternidade presumida intentada pelo
pai legal num momento em que já não lhe era possível, face ao prazo previsto na
norma, intentar a acção de investigação da paternidade. A norma foi julgada
inconstitucional por violação do direito à identidade pessoal, nos termos dos
artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 3, da Constituição.
Posteriormente, o Acórdão n.º 486/2004, publicado no Diário da República, II
Série, de 18 de Fevereiro de 2005, julgou novamente inconstitucional a referida
norma, por violação dos direitos fundamentais à identidade pessoal, ao
desenvolvimento da personalidade e a constituir família, em conjugação com o
princípio da proporcionalidade. Este aresto, reflectindo a evolução que se
começou a fazer sentir relativamente a esta temática, particularmente ao nível
de alguma doutrina, face ao desenvolvimento científico e à nova centralidade do
princípio da verdade biológica, extraível do direito à identidade pessoal e ao
desenvolvimento da personalidade, bem como do próprio direito fundamental à
família, veio a desencadear, a par de outras decisões no mesmo sentido – Acórdão
do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 11/2005, publicado no Diário da
República, II Série, de 18 de Março de 2005, e Decisões Sumárias n.ºs 114/2005 e
288/2005, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt – a declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo
1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 1873.º, conquanto nela
se estabelecia a extinção, por caducidade, do direito de investigar a
paternidade em regra a partir dos 20 anos de idade do filho (Acórdão n.º
23/2006, citado).
8. Atente-se no seguinte excerto do Acórdão n.º 486/2004, para cuja
fundamentação remete o Acórdão n.º 23/2006:
“14. Na análise referida, não pode ignorar-se a evolução dos elementos
relevantes para a questão de constitucionalidade, que, entre outras, tem
determinado também a alteração de soluções legislativas e doutrinais. Tal
alteração dos dados normativos do sistema (incluindo a nível constitucional) e
dos elementos sociológicos e científico‑técnicos, que como que ‘envolvem’ a
questão de constitucionalidade do prazo de investigação de paternidade previsto
no artigo 1817.º do Código Civil, não deve, na verdade, ser desconhecida, mesmo
por quem conclua que, ainda assim, tal norma pode não padecer de
inconstitucionalidade.
Com efeito, tem-se verificado uma progressiva, mas segura e significativa,
alteração dos dados do problema, constitucionalmente relevantes, a favor do
filho e da imprescritibilidade da acção – designadamente, com o impulso
científico e social para o conhecimento das origens, os desenvolvimentos da
genética, e a generalização de testes genéticos de muito elevada fiabilidade.
Esta alteração não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos,
constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e sancionado também pela
jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de conhecer a
paternidade.
Grande parte da responsabilidade vai, aqui, para o peso dos exames científicos
nas acções de paternidade e para a alteração da estrutura social e da riqueza,
levando a encarar a outra luz a dita ‘caça às fortunas’. Mas nota-se também um
movimento científico e social em direcção ao conhecimento das origens, com
desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, que têm acentuado a
importância dos vínculos biológicos (mesmo se, porventura, com exagero no seu
determinismo). O desejo de conhecer a ascendência biológica tem sido tão
acentuado, que se assiste a movimentações no sentido de afastar o segredo sobre
a identidade dos progenitores biológicos, mesmo para os casos de reprodução
assistida (cuja consideração está, evidentemente, fora do âmbito do presente
recurso), tendo até, entre nós, sido já aprovada uma proposta de lei (a Proposta
n.º 135/VII, in Diário da Assembleia da República, I série, n.º 95 de 18 de
Junho de 1999, págs. 3439-3440 e 3459-3460) que previa a possibilidade de as
pessoas nascidas em resultado da utilização de técnicas de procriação
medicamente assistida obterem, após a maioridade, informações sobre a identidade
dos seus progenitores genéticos (só não tendo entrado em vigor por ter sido
objecto de veto político pelo Presidente da República).
Não deve, igualmente, ignorar-se a valorização da verdade e da transparência,
com a possibilidade de acesso a informação e dados pessoais e do seu controlo,
com a promoção do valor da pessoa e da sua ‘autodefinição’, que inclui,
inevitavelmente, o conhecimento das origens genéticas e culturais. A partir de
1997, consagrou-se, aliás, expressamente um “direito ao desenvolvimento da
personalidade” no artigo 26.º da Constituição (Paulo Mota Pinto, O direito ao
livre desenvolvimento da personalidade, in Portugal‑Brasil, ano 2000, Coimbra,
2000), comportando dimensões como a liberdade geral de acção e uma cláusula de
tutela geral da personalidade. E, se tanto o pretenso filho como o suposto
progenitor podem invocar este preceito constitucional, não é excessivo dizer-se
que ele ‘pesa’ mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de
investigar é indispensável para determinar as suas origens.
Importa, porém, analisar especificamente a procedência, hic et nunc, das
justificações avançadas para a exclusão do direito a investigar a paternidade
depois dos vinte anos de idade do pretenso filho.
15. Como se disse, invocam-se, para justificar o regime actual, os riscos de
fraudes decorrentes de um ‘envelhecimento das provas’.
Tal dificuldade de prova constituía uma justificação de peso, frequentemente
invocada, para a limitação temporal prevista na lei, desde logo, porque
contendia com a própria fiabilidade do resultado da acção, e, consequentemente,
com a credibilidade do resultado quanto à identidade pessoal invocada.
Não parece, porém, que esta justificação possa actualmente ser considerada
relevante. É que os avanços científicos permitiram o emprego de testes de ADN
com uma fiabilidade próxima da certeza – probabilidades bioestatísticas
superiores a 99,5% -, e, por esse meio, mesmo depois da morte é hoje muitas
vezes possível estabelecer com grande segurança a maternidade ou a paternidade.
Assim, a justificação relativa à prova perdeu quase todo o valor, com a eficácia
e a generalização das provas científicas, podendo as acções ser julgadas com
base em testes de ADN, que não envelhecem nunca. Como salienta Guilherme de
Oliveira, Caducidade…, cit., pág. 11, ‘os exames podem fazer-se muitos anos
depois da morte do suposto pai, ou na ausência do pai! Morrem as testemunhas,
mudam os lugares, é certo, mas nada disso altera, verdadeiramente, o caminho que
as acções seguem, e hão-de seguir cada vez mais, no futuro’.
16. Não é, pois, o valor da certeza objectiva da identidade pessoal que está em
causa, mas antes a segurança para sujeitos ou pessoas concretas –
designadamente, o interesse do pretenso progenitor, que poderia ser investigado,
em não ver indefinida ou excessivamente protelada uma situação de incerteza
quanto à sua paternidade, bem como o interesse, sendo o caso, da paz e harmonia
da família conjugal constituída pelo pretenso pai, a que se junta o argumento de
que as acções de investigação visam frequentemente fins tão-só patrimoniais (de
‘caça à herança’).
Começando por este último, também ele não pode deixar de ser visto a outra luz.
Se já anteriormente não era claro que acções antigas fossem necessariamente
intentadas contra honestos cidadãos, com uma finalidade de cobiça, é certo que,
hoje, quer o acesso ao direito quer a composição da riqueza mudaram, podendo
mesmo muitas acções que poderiam beneficiar da imprescritibilidade decorrer
hoje, provavelmente, entre autores e réus com meios de fortuna não muito
diversos, com formação profissional e um emprego – Guilherme de Oliveira (ob.
cit., pág. 11, nota 14) pergunta mesmo: ‘Seria concebível, nas leis
contemporâneas, ler: ‘O filho ilegítimo (…) presume-se pobre, salvo prova em
contrário…’, como se lia no art. 44.º, do Decreto n.º 2, de 1910?’. E o móbil do
investigante pode bem ser apenas esclarecer a existência do vínculo familiar,
chamar o progenitor a assumir a sua responsabilidade e descobrir o lugar no
sistema de parentesco para deixar de estar só. Isto, mesmo em momentos em que
não tenha pretensões patrimoniais, por não poder deduzir pretensões de natureza
alimentar e não ter ainda previsivelmente expectativas sucessórias.
Acresce que o argumento se situa num plano predominantemente patrimonial, não
podendo ser decisivo ante o exercício de uma faculdade personalíssima,
constituinte clara da identidade pessoal, como a de averiguar quem é o seu
progenitor. Pode, aliás, deixar-se em aberto a questão de saber se a motivação,
também patrimonial, da família do pretenso progenitor merece maior apreço do que
a do investigante, quando aquela pretende ‘proteger’ a herança, [face] à
protecção deste último, por se afigurar decisiva a impossibilidade de anular
totalmente a possibilidade de exercer o ‘direito pessoal” a conhecer o
progenitor, a partir dos vinte anos, com invocação de uma tal motivação de
segurança patrimonial. Perante esta diferença, verdadeiramente qualitativa, dos
interesses em presença, afigura-se, aliás, difícil que se possa sindicar a
motivação do investigante – e, de toda a forma, se a motivação censurável pode
fundar limitações em casos extremos (a aplicação do instrumento do abuso do
direito ou de outro remédio expressamente previsto), não legitimará por certo
uma exclusão geral e total do direito a investigar a paternidade.
Poderá aceitar-se que o argumento da segurança possa eventualmente justificar um
prazo de caducidade da investigação de paternidade. Mas o certo é que no
presente caso está apenas em causa o concreto prazo previsto no artigo 1817.º,
n.º 1, do Código Civil, que conduz à caducidade da acção logo a partir dos vinte
anos de idade.
17. Quanto ao interesse do pretenso progenitor em não ver indefinida ou
excessivamente protelada a dúvida quanto à sua paternidade, não pode, desde
logo, deixar de observar-se que, se o que está em questão é realmente a
incerteza quanto à paternidade, esta pode hoje, com grande segurança, ser logo
eliminada, com a concordância do próprio pretenso progenitor que nisso estiver
realmente interessado, bastando, para tal, aceitar a realização de um vulgar
teste genético de paternidade.
Não deve sobrevalorizar-se, no confronto com bens constitutivos da
personalidade, a garantia de ‘segurança jurídica’, que releva sobretudo no
âmbito patrimonial. Note‑se que a ordem jurídica não mostra uma preocupação
absoluta com a segurança patrimonial dos herdeiros reconhecidos do progenitor,
podendo qualquer herdeiro preterido intentar acção de ‘petição da herança’, a
todo o tempo, com sacrifício de quem tiver recebido os bens (artigo 2075.º do
Código Civil).
E, de qualquer modo, pode duvidar-se de que o pretenso progenitor mereça uma
protecção da segurança da sua vida patrimonial que justifique a regra de
exclusão do direito do investigante, logo a partir dos vinte anos e sem
consideração de outras circunstâncias, a saber que é o seu pai. É que não pode
conceder-se a uma certeza ou segurança patrimonial de outros filhos, ou do
pretenso progenitor, relevância decisiva para excluir o direito, eminentemente
pessoal e que integra uma dimensão fundamental da personalidade, a saber quem é
o pai ou a mãe biológicos.
Na verdade, afigura-se que a pretensão de satisfazer, através do sacrifício do
direito do filho a saber quem é o pai, um puro interesse na tranquilidade – em
‘ser deixado em paz’ – ou na eliminação rápida de dúvidas – em resolver o
assunto – não é digna de tutela, se se tratar realmente do progenitor. Este tem
uma responsabilidade para com o filho que não deve pretender extinguir pelo
decurso do tempo, logo que aquele completa 20 anos, pela simples invocação de
razões de segurança, confiança ou comodidade. E se, diversamente, não se tratar
do verdadeiro progenitor, pode, como se disse, submeter-se a um teste genético
sem nada a temer. Retomando as palavras de Guilherme de Oliveira (ob. cit., pág.
10), ‘se o suposto progenitor julga que é o progenitor, está nas suas mãos
acabar com a insegurança – perfilhando – e se tem dúvidas pode mesmo promover a
realização de testes científicos que as dissipem; se, pelo contrário, não tem a
consciência de poder ser declarado como progenitor, não sente a própria
insegurança. E se for um dia surpreendido pelas consequências de um ‘acidente’
passado há muito tempo, dir-se-á que tem sempre o dever de assumir as
responsabilidades, porque mais ninguém o pode fazer no lugar dele.’
Também a circunstância, aduzida em defesa do regime actual, de o estabelecimento
da filiação alegadamente dever ter lugar quando é mais necessário, e pode ser
mais útil para o filho, não pode considerar-se decisiva, desde logo, porque –
mesmo aceitando a lógica ‘assistencial’ deste argumento – o dever de prestação
de alimentos pelos pais aos filhos se prolonga bem para além da maioridade. E,
de qualquer forma, a apreciação da conveniência em determinar a identidade do
seu progenitor, como elemento da sua identidade pessoal, corresponde a uma
faculdade eminentemente pessoal, em que apenas pode imperar o critério do
próprio filho, e não qualquer ‘interpretação’ externa do seu interesse ou
utilidade deste na investigação da paternidade.
E também não se vê que possa só por si a protecção do interesse na paz e
harmonia da família conjugal que pode ter sido constituída pelo pretenso pai,
considerar-se decisiva. Ao que acresce especificamente, ainda, que o investigado
casado não deve ou pode seguramente receber, por esse facto, maior protecção
contra potenciais investigantes do que o solteiro. Tal tratamento desigual
baseia-se numa circunstância irrelevante para o fim visado pelo investigante,
com a acção de investigação de paternidade, para além de tais limitações
específicas ao direito de agir contra supostos progenitores casados (ao tempo do
nascimento ou apenas no momento do reconhecimento), embora com antecedentes no
nosso sistema jurídico, se traduzirem em efeitos discriminatórios,
constitucionalmente vedados, contra os filhos concebidos fora do casamento.
É certo que o investigado poderá também invocar direitos fundamentais, como o
‘direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar’ (ou, mesmo, também,
como se disse, o direito ao desenvolvimento da personalidade), que poderão ser
afectados pela revelação de factos que o possam comprometer. Não se vê, porém,
que se possa proteger tais interesses do eventual progenitor à custa do direito
de investigar a própria paternidade. Uma alegada
‘liberdade-de-não-ser-considerado-pai’, apenas por terem passado muitos anos
sobre a concepção, ou um interesse em eximir-se à responsabilidade jurídica
correspondente, determinada fundamentalmente pelo ‘princípio da verdade
biológica’ que inspira o nosso direito da filiação, não podem considerar-se
dignos de tutela, pelo menos, a ponto de sacrificar o direito do filho a apurar
e ver judicialmente declarado que é o seu pai (e lembre-se, aliás, que como se
disse, não é de excluir que se possa chegar, mesmo fora de um processo judicial,
mediante exames realizados no próprio Instituto Nacional de Medicina Legal, à
conclusão de que certa pessoa é progenitora de outra, ficando, porém, a verdade
biológica sem relevância simplesmente porque o progenitor não pretende perfilhar
e o filho já completou vinte anos).
18. Pode, pois, concluir-se que o regime em apreço, ao excluir totalmente a
possibilidade de investigar judicialmente a paternidade (ou a maternidade), logo
a partir dos vinte anos de idade, tem como consequência uma diminuição do
alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a
constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da
maternidade.
Neste ponto, não pode ignorar-se, desde logo, que o prazo de dois anos em causa
se esgota normalmente num momento em que, por natureza, o investigante não é
ainda, naturalmente, uma pessoa experiente e inteiramente madura (constatação
que não é contrariada, nem pelo limite legal para a aquisição de capacidade de
exercício de direitos, nem, muito menos, pela previsão legal de uma tutela geral
da personalidade, no seu potencial de aperfeiçoamento). E, sobretudo, que tal
prazo pode começar a correr, e terminar, sem que existam quaisquer
possibilidades concretas de – ou apenas justificação para – interposição da
acção de investigação de paternidade, seja por não existirem ou não serem
conhecidos nenhuns elementos sobre a identidade do pretenso pai (os quais só
surgem mais tarde), seja simplesmente por, v.g., no ambiente social e familiar
do filho ser ocultada a sua verdadeira paternidade, ou não existir justificação
para pôr em causa a paternidade de quem sempre tenha tratado o investigante como
filho (sem, todavia, que a paternidade deste esteja estabelecida e venha a ser
impugnada, como aconteceu no caso que deu origem ao julgamento de
inconstitucionalidade proferido no acórdão n.º 456/2003).
Logo por esta razão, portanto, se conclui que o prazo de dois anos é
inconstitucional, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º
3, da Constituição.
19. Mesmo, porém, que se negasse uma verdadeira afectação do conteúdo essencial
dos direitos referidos, por se entender que podem ainda restar (pelo menos, na
maioria dos casos) certas possibilidades investigatórias ao filho, afigura-se,
também logo no plano da sua justificação – que não já apenas no dos efeitos –,
que a solução em causa não pode, hoje, ser considerada constitucionalmente
admissível, por violação da exigência de proporcionalidade (lato sensu)
consagrada no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
É que, pelo menos no actual contexto, tal regime passou a traduzir uma
apreciação manifestamente incorrecta dos interesses ou valores em presença, em
particular, quanto à intensidade e à natureza das consequências que esse regime
tem para cada um destes: não só os prejuízos, designadamente não patrimoniais,
que advêm da perda, aos vinte anos de idade, do direito a saber quem é o pai, se
apresentam claramente desproporcionados em relação às desvantagens eventualmente
resultantes, para o investigado e sua família, da acção de investigação (quer
esta proceda – caso em que só será mais evidente a falta de justificação para
invocar estes interesses –, quer não), como são possíveis, como se disse,
alternativas, quer ligando o direito de investigar às reais e concretas
possibilidades investigatórias do pretenso filho, sem total imprescritibilidade
da acção (por exemplo, prevendo um dies a quo que não ignore o conhecimento ou a
cognoscibilidade das circunstâncias que fundamentam a acção), quer para obstar a
situações excepcionais, em que, considerando o contexto social e relacional do
investigante, a invocação de um vínculo exclusivamente biológico possa ser
abusiva, não sendo de excluir, evidentemente, o tratamento destes casos-limite
com um adequado ‘remédio’ excepcional (seja ele específico – cfr. o regime
referido do Código Civil de Macau – ou geral, como o abuso do direito,
considerando-se ilegítimo desprezar os efeitos pessoais a ponto de se considerar
a paternidade como puro interesse patrimonial, a ‘activar’ quando oportuno).”
Tanto no Acórdão n.º 486/2004, como nos arestos que se lhe seguiram, o Tribunal
Constitucional não se pronunciou no sentido de a imprescritibilidade da acção de
investigação ser a única solução constitucionalmente admissível. A possibilidade
de previsão legislativa de um prazo de caducidade que dê satisfação aos vários
interesses em presença ficou, por conseguinte, salvaguardada.
9. No entanto, algumas vozes têm ecoado a favor da imprescritibilidade das
acções de filiação. No recente Curso de Direito da Família, de Francisco Pereira
Coelho e Guilherme de Oliveira, pode-se ler que “os prazos de caducidade para as
acções de estabelecimento de filiação estão em crise ou tornaram-se menos
sedutores, sobretudo quando a caducidade não visa proteger uma realidade
familiar efectiva, um vínculo de filiação ‘social’ que desempenhe as suas
funções, apesar de lhe faltar o fundamento biológico. Na verdade, a previsão de
um prazo com os fins típicos e abstractos da defesa e segurança tornou-se pouco
convincente nestas matérias” (Volume II, Tomo I, p. 137). E, mais adiante, “os
tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação (…). De
facto, não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das
provas; e não se pode atribuir o relevo antigo à ideia de insegurança
prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do
interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da
tutela crescente dos direitos fundamentais à identidade pessoal e ao
desenvolvimento da personalidade.” (ob. cit., p. 139)
Impõe-se, no entanto, realçar que as justificações avançadas no sentido da não
limitação do direito a intentar a acção de investigação da paternidade (para
além das já mencionadas de índole jurisprudencial e dogmática, cfr. o regime
vigente ao nível comparado exposto no citado Acórdão n.º 23/2006), não são
matematicamente transponíveis para a análise dos prazos de impugnação da
paternidade.
10. Vejamos então se os argumentos em que se funda o despacho recorrido, e que
foram colhidos, no essencial, no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
o qual, por sua vez, buscou apoio na fundamentação expendida no Acórdão n.º
486/2004, são mobilizáveis para a análise da situação que se prefigura nos
autos.
Comecemos por recordar o que dispõe o Código Civil em matéria de impugnação da
filiação paterna.
O regime da impugnação da paternidade presumida do filho nascido ou concebido na
constância do matrimónio da mãe assenta, por um lado, no estabelecimento da
legitimidade de vários interessados (a mãe, o marido e o filho) e, por outro, na
fixação de diferentes prazos de caducidade. Assim, a mãe pode intentar a acção
de impugnação no prazo de dois anos após o nascimento do filho. Já ao presumido
pai assiste o prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de factos
que possam indiciar a sua não paternidade. No que diz respeito ao filho, o prazo
é de um ano após ter atingido a maioridade ou emancipação ou, quando apenas
tomou conhecimento de circunstâncias que permitam concluir a não paternidade do
presumido pai, posteriormente, no prazo de um ano contar de tal data. A acção
pode ainda ser proposta pelo Ministério Público a requerimento de quem se
declarar pai do filho desde que judicialmente reconhecida a viabilidade do
pedido. O prazo, neste caso, é de sessenta dias a contar da inscrição no registo
da paternidade do marido da mãe.
Já a impugnação da perfilhação, nos termos do artigo 1859.º, está sujeita a um
regime totalmente diverso, sendo a legitimidade activa atribuída não só ao
perfilhante e perfilhado mas também a qualquer pessoa que tenha interesse moral
ou patrimonial na sua procedência, bem como ao Ministério Público. Esta acção
não se encontra sujeita a qualquer prazo, podendo ser intentada a todo o tempo,
mesmo depois da morte do perfilhado.
11. São conhecidas as razões que se costumam invocar para justificar a
caducidade das acções de impugnação da paternidade: o perigo do enfraquecimento
das provas e o dano resultante de uma insegurança prolongada em matéria tão
sensível. No que se refere, especialmente, à impugnação da paternidade do marido
da mãe, reflexo da presunção legal pater is est (nos termos do artigo 1826.º,
n.º 1, do Código Civil), avulta ainda uma outra razão, relacionada com o
princípio da protecção da família conjugal, enquanto “direito à protecção da
sociedade e do Estado, tornando-a, assim, objecto de uma garantia
[institucional]” (Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da
Família, Volume I, Introdução. Direito Matrimonial, 4.ª Edição, Coimbra Editora,
2008, p. 132).
Relativamente aos prazos curtos previstos para a acção da mãe e do marido desta,
adianta-se, ainda, “a vantagem de tutelar os interesses do próprio filho em não
ver indefinidamente pendente o risco de afastamento da presunção legal de
paternidade. […] ‘[A] acção do filho subsistirá normalmente por muitos anos,
após estar esgotado o direito de impugnar a paternidade pelos restantes
interessados (necessariamente pela mãe, provavelmente pelo marido, já que
plausivelmente terá este conhecimento das circunstâncias que inculcam a
inexistência do vínculo biológico durante a menoridade do filho.’ […] ‘[O]
estabelecimento de prazos ‘curto[s]’ – embora razoáveis e adequados – para os
progenitores impugnarem a paternidade presumida radicará, deste modo, numa
tutela do interesse do próprio filho menor, réu na acção, evitando,
nomeadamente, que o impugnante/marido da mãe – conhecedor de circunstâncias que
inculcam a sua não paternidade – possa prolongar indefinidamente a pendência de
tal situação, servindo-se dela como instrumento de ‘pressão’ sobre o cônjuge e,
indirectamente, sobre o próprio filho, nomeadamente quando confrontado com o
dever de pagamento de alimentos ou de contribuição para as despesas
domésticas.’” (cfr. Acórdão n.º 609/2007, citado)
E, nesta sede, vincando a possibilidade de, contrariamente ao defendido
relativamente à caducidade do direito de investigar a paternidade, as acções de
constituição de novos vínculos poderem merecer um regime diferente da pretensão
de impugnar vínculos existentes, sustentam os mesmos Autores que as razões que
levam a defender a imprescritibilidade das acções de investigação não parecerão
tão líquidas para as acções de impugnação. Assim, no que concerne a estas
acções, “se me parece hoje claro que a investigação da paternidade deve ser
imprescritível, não me parece tão líquido que a impugnação da paternidade (do
marido ou do perfilhante) deva ser assim tão livre”, na medida em que “as
impugnações agridem um estado jurídico e social prévio, que pode ter uma duração
e uma densidade consideráveis” (Curso…, Volume II, cit., pp. 139-140).
Vejamos o cenário comparatístico descrito no Acórdão n.º 609/2007:
“A regra da caducidade da impugnação é conhecida pela generalidade dos sistemas
jurídicos (como nota Guilherme de Oliveira, Critério…, cit., p. 371).
O Código Civil espanhol prevê um prazo curto para o marido agir, contado desde o
nascimento do filho (artigo 136 do Código Civil espanhol). Já o filho dispõe de
um ano a contar do registo da filiação ou da maioridade ou do acesso à plena
capacidade jurídica. Este prazo de caducidade, no entanto, apenas está previsto
no caso em que existe posse de estado de filiação matrimonial. No caso
contrário, o direito de impugnar pode ser exercido a todo o tempo pelo filho ou
pelos seus herdeiros (artigo 137).
O artigo 136 foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional
espanhol, por violação do direito à tutela judicial efectiva, na parte em que
prevê o prazo de um ano para o marido da mãe intentar a acção de impugnação da
paternidade sempre que se demonstra que não tinha conhecimento que não era,
efectivamente, o pai biológico (Sentenças do Plenário n.ºs 138/2005 e 156/2005).
Estas pronúncias limitaram-se, no entanto, a aferir a inconstitucionalidade do
prazo concretamente previsto na norma, mormente do respectivo dies a quo.
Explicitou-se, por conseguinte, a possibilidade de o legislador, no âmbito da
sua margem de conformação, estabelecer um outro prazo para a impugnação da
paternidade presumida, em ordem à salvaguarda da segurança jurídica, ‘dentro de
cânones respetuosos con ele derecho a la tutela judicial efectiva (…).”
Em França, a recente reforma da filiação, concretizada pela Ordonnance n.º
2005-709, que entrou em vigor em 1 de Julho de 2006, veio simplificar e
harmonizar o regime das acções de contestação da paternidade, nomeadamente no
que diz respeito à legitimidade activa e aos prazos para agir. Existem agora
dois meios processuais disponíveis para contestar a paternidade, consoante se
verifique ou não posse de estado conforme ao título (assente em paternidade
presumida ou por reconhecimento).
Na ausência de posse de estado, qualquer interessado, incluindo o filho, pode
intentar a acção no prazo de dez anos a contar do estabelecimento da filiação. O
filho pode ainda contestar a paternidade nos dez anos seguintes após ter
atingido a maioridade (artigos 334 e 321 do Code Civil). Caso exista posse de
estado conforme ao título, apenas a mãe, o pretenso pai, o filho ou o marido ou
autor do reconhecimento, conforme o caso, podem contestar a paternidade
estabelecida. Neste caso, o prazo é de apenas de 5 anos a contar daquele
estabelecimento (artigo 333).
No direito suíço, a presunção de paternidade pode ser impugnada judicialmente
pelo marido e pelo filho mas, relativamente a este último, apenas se a comunhão
de vida dos cônjuges terminou antes de atingir a maioridade (artigo 256 do Code
Civi suíço). O marido tem o prazo de um ano para intentar a acção após o
conhecimento do nascimento e dos indícios de que poderá não ser o pai biológico.
Já o filho pode agir durante a menoridade e no prazo de um ano após ter atingido
a maioridade. Em todo o caso, a acção pode ainda ser intentada após o decurso
dos referidos prazos em caso de motivo atendível que justifique a não
observância dos mesmos (artigo 256c).
Na Alemanha, vigora um regime muito semelhante ao estabelecido pelo nosso Código
Civil, ressalvando-se a possibilidade de o pai biológico poder impugnar a
paternidade presumida apenas nos casos em que não existe, entre o filho e o
marido da mãe, relações ‘sócio-familiares’.
A previsão de prazos de caducidade e de limitações ao direito de impugnar a
paternidade não se revela, por conseguinte, uma opção legislativa isolada no
plano comparatístico.
Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já teve oportunidade de se
pronunciar sobre a previsão legal de prazos para a impugnação da paternidade
presumida do marido da mãe. Fê-lo, no entanto, apenas relativamente ao direito
de acção do pai presumido e da mãe (relativamente ao pai presumido, cfr.
Acórdãos Shofman v. Rússia e Mizzi v. Malta; no que diz respeito à mãe, cfr.
Acórdãos Znamenskaya v. Rússia e Kroon v. Países Baixos).
Das várias pronúncias do Tribunal Europeu resulta que a previsão legal de prazos
para a impugnação da paternidade presumida não é, em si mesma, contrária à
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente no que diz respeito ao
seu artigo 8.º. Assim, o Tribunal aceita que, em atenção aos valores da
segurança jurídica e da estabilidade das relações familiares, a paternidade
presumida possa tornar-se inatacável. O que se exige, no entanto, é que o prazo
estipulado permita, efectivamente, a possibilidade de os titulares do direito de
agir, querendo, poderem lançar mão de tal meio processual e contrariar a
presunção legal de paternidade em ordem à reposição da verdade biológica.”
Em crítica aos prazos de caducidade previstos na lei, Guilherme de Oliveira já
havia defendido que os prazos deveriam ser mais longos: “A decisão de impugnar é
fundamental e difícil para um qualquer dos titulares: o marido desencadeia ou
ratifica a desagregação familiar; a mulher faz o mesmo e assume publicamente a
violação da fidelidade conjugal; o filho decide com base em factos que chegam ao
seu conhecimento por interpostas pessoas, anos depois do seu nascimento, com a
agravante possível de algumas relações subsistentes com o marido da mãe lhe
tolherem a vontade. Além disso a perempção devia ceder perante alterações
excepcionais e graves da vida familiar que tornassem injusta e inútil a
subsistência do vínculo: a prática de ofensas muito graves contra o marido,
imputáveis ao filho, que afectassem desesperadamente a relação paternal, ou a
ocorrência de outros factos ponderosos tais que a manutenção do vínculo acabasse
por ser gravemente lesiva dos interesses do filho.” (Critério…, cit., p. 390).
Analisados os interesses subjacentes às normas que prevêem prazos de caducidade
para a acção de impugnação da paternidade resultante da presunção pater is est,
vejamos agora, mais concretamente, a norma objecto do recurso – o artigo 1842.º,
n.º 1, alínea c). Tendo em atenção a multifacetada axiologia que se vem
concretizando, destacam-se nesta norma, fundamentalmente, os interesses da
segurança e certeza na determinação do estado das pessoas e da protecção da
família conjugal (na medida em que se está perante a legitimidade activa do
filho).
Impõe o princípio da segurança jurídica a “transparência da ‘situação jurídica’,
i.e., que ela se revele facilmente cognoscível, com total confiança, por
qualquer pessoa nisso razoavelmente interessada, e que não possa ser
arbitrariamente subvertida, e ainda que sejam previsíveis as concretas decisões
das instâncias competentes para as proferir – o que nomeadamente acontecerá se
puderem ter-se por justificadamente satisfeitas as exigências da ‘clareza do
direito’, da ‘estabilidade jurídica’, da consonância societária do direito’ e da
‘paz jurídica’, numa palavra, da ‘vigência do direito’.” (Fernando José Bronze,
Lições de Introdução ao Direito, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2006, p. 487)
O valor da segurança decorre desde logo do princípio do Estado de Direito,
enquanto objectivo e fim último vinculante do exercício dos poderes do Estado.
De acordo com este princípio, “a actuação dos poderes públicos deve ser sempre
uma actuação antevisível, calculável e mensurável. Num Estado de Direito as
pessoas devem poder saber com o que contam.” (Maria Lúcia Amaral, A Forma da
República, Coimbra Editora, 2005, p. 178).
A par desta pré-ordenação institucionalizada, como nunca é demais assinalar,
atende ainda a norma em análise ao interesse da protecção da família conjugal,
que resulta, aliás, de exigência constitucional imposta ao legislador, nos
termos do artigo 67.º, da Constituição. Com efeito, enquanto elemento
fundamental da sociedade, a família beneficia de uma garantia institucional que
a protege, nomeadamente, de factores de perturbação ou instabilidade que
coloquem em crise a união familiar.
Referidos que estão, de um prisma normativo, os interesses em presença, resta
saber se o preceito belisca as normas e princípios constitucionais,
designadamente as que parametrizaram o despacho recorrido.
Somos desde já levados a considerar que muito dificilmente a consagração de um
prazo de caducidade, em concreto, daria cumprimento ao esforço imposto pelo
princípio da proporcionalidade em sentido estrito. A consagração de um prazo
limitativo do direito de agir cerceia – indiscutivelmente – o direito
fundamental à identidade pessoal e à família (que compreende o direito a
conhecer e estabelecer a respectiva filiação paterna) e ao desenvolvimento da
personalidade.
Importa, nesta sequência, avaliar, então, se o prazo de caducidade previsto no
artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, face aos interesses que
tutela, e perante os seus efeitos em face dos direitos fundamentais em jogo, é
passível de censura jusconstitucional.
Na identificação que se impõe, de um ponto de vista lógico-sistemático, dos
interesses jusfundamentais em presença, e partindo das concretizações já
estabelecidas em jurisprudência anterior (remetendo-se, aqui, para os Acórdãos
n.ºs 23/2006, e 609/2007, citados), saliente-se que já no Acórdão n.º 99/88,
publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988, este
Tribunal afirmou a existência de um direito fundamental ao conhecimento e
reconhecimento da paternidade, adiantando que, por referência aos direitos
consagrados nos artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Constituição, “não se vê
como se possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver reconhecido o pai –
o direito de conhecer e ‘pertencer ao cujo pai é’, para usar a fórmula vernácula
e expressiva do velho Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Julho de
1938 – como uma das dimensões dos direitos constitucionais referidos, em
especial do direito à identidade pessoal, ou uma das faculdades que nele vai
implicada.” Se já então, e até anteriormente, como vinha assinalando Guilherme
de Oliveira, na edição de 1979 do seu Critério Jurídico da Paternidade, onde, a
dado trecho, se lê que “o direito ao conhecimento da ascendência biologicamente
verdadeira ganhou uma relevância tal que nos permite considerá-lo como um dos
aspectos dos direitos fundamentais da pessoa – designadamente, como uma faceta
do direito à integridade pessoal e à identidade (…) que tutelam a ‘localização
social’ do indivíduo”, não se olvida que a acentuada tendência biologicista que
predomina nas sociedades actuais, vocacionadas para a recepção dos contributos
que a evolução científica introduziu ao nível dos testes comprovativos da
filiação natural, bem como para uma tendência sociológica exacerbadora do
princípio da verdade biológica, reflecte a mutação da axiologia que baseou a
regras previstas no Código Civil a propósito do estabelecimento da filiação.
Aliás, o direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da filiação
biológica busca a sua génese última no princípio de valor irredutível da
dignidade que postula uma constante “abertura às novas exigências da pessoa
humana” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa
Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 1999). E isto
procede igualmente no que respeita às acções de impugnação da filiação já
estabelecida.
Perante a já assinalada instrumentalidade do pedido de impugnação relativamente
à acção de investigação que, em definitivo, permitirá a consolidação da
filiação, concluir-se pela caducidade de tal meio processual tem como
consequência impedir, em absoluto, a realização do direito a conhecer e
estabelecer a filiação biológica. E realce-se que no caso dos autos o Autor (e o
Tribunal) sabe, com a máxima certeza permitida pela ciência, que aquela pessoa é
(era), efectivamente, o seu pai biológico.
Inexistindo qualquer realidade familiar digna de tutela, bem como qualquer
eventual direito do pai presumido a não ver destruída a relação de afecto que
com o filho – ainda que não biológico – desenvolveu durante certo período de
tempo – pois que quem é pai legal in casu nunca actuou como tal – é possível
vislumbrar ainda alguns interesses que, em abstracto, sejam convocáveis no
sentido da validade da caducidade.
Por um lado, pode ser invocado o direito à reserva da vida privada e à própria
identidade pessoal do pretenso pai. É certo, no entanto, que uma pretensa
“liberdade de não ser considerado pai” não poderia proceder em face do direito
do filho “a apurar e ver judicialmente declarado que é o seu pai” (cfr. Acórdão
n.º 23/2006, citado).
Para além destes interesses outros ainda se podem descortinar, relacionados com
os descendentes e herdeiros do pai biológico. É certo que a solidez deste tipo
de argumentos adquire uma fragilidade ainda maior do que os parâmetros
relacionados com os eventuais interesses do pai. Mesmo que se considerassem
procedentes os argumentos tradicionalmente invocados a propósito da necessidade
de evitar as designadas “caças às heranças” e de salvaguardar os interesses dos
restantes herdeiros, o que tem sido contestado por relevante doutrina, com
acolhimento no Acórdão n.º 23/2006, o certo é que, como se escreveu nesse
aresto, tal sorte de fundamento “se situa num plano predominantemente
patrimonial, não podendo ser decisivo ante o exercício de uma faculdade
personalíssima, constituinte clara da identidade pessoal, como a de averiguar
quem é o seu progenitor.” E, prosseguindo, “perante esta diferença,
verdadeiramente qualitativa, dos interesses em presença, afigura-se, aliás,
difícil que se possa sindicar a motivação do investigante (…).”
De qualquer das formas, a consideração dos interesses que poderiam obstar ao
interesse do próprio filho, apenas reflexa ou remotamente poderá aqui relevar. É
que eles vingam em toda a sua intensidade (ainda que eventualmente enfraquecida
face à consideração dos direitos do filho em presença) apenas no campo da
caducidade das acções de investigação da filiação – essas é que conduzem à
constituição de um (novo) vínculo jurídico. E o objecto do recurso sub judicio
prende-se apenas com a consideração do prazo de caducidade da acção de
impugnação, meio processual destinado à extinção do vínculo existente. O que
significa que o único interesse em presença virtualmente capaz de justificar o
prazo legal, a par da segurança jurídica enquanto interesse fundamental da
comunidade, relacionar-se-ia, exclusivamente, com eventuais interesses do (ex)
marido da mãe. Já vimos, no entanto, que, em concreto, não procedem tais
considerações.
Resta, por conseguinte, a eventual consideração de um interesse abstracto da
comunidade na segurança e estabilidade das relações de filiação estabelecidas no
sentido de impossibilitar, a partir de determinado momento, a extinção de tais
realidades. Não vemos no entanto que esse argumento proceda em casos em que –
como o dos autos – a realidade jurídica não assenta correspectivamente – de um
ponto de vista sociológico, afectivo, material – no modo de vida dos
interessados.
Assim, a realização do Direito, mormente do Direito Constitucional enquanto
validade normativa constituinte, partindo de uma fiscalização teleológica
(Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais…, cit., p. 225), exige o
afastamento da caducidade prevista na norma atenta a evidente violação do
princípio da proporcionalidade em sentido estrito. A gravidade das restrições
impostas ao direito fundamental a estabelecer a sua verdade biológica,
autonomamente considerado e enquanto dimensão contida nos direitos à identidade
pessoal e à família, na medida em que daquelas resulta a absoluta ineficácia de
tal faculdade pessoal, abrangida pelo núcleo irredutível da dignidade que deve
ser reconhecida a cada ser humano, impõe um juízo de censura jusconstitucional
dirigido à norma.
Por outro lado, a procedência de uma presunção de paternidade relativamente ao
marido da mãe em casos em que, comprovada e ostensivamente, a concepção ocorreu
em momento temporalmente distante do fim da união conjugal, revela-se
desrazoável face às consequências que inelutavalmente produz na esfera jurídica
do filho que se vê, assim, impedido de obter a destruição do vínculo filial que
lhe permita a proposição da acção tendente ao estabelecimento da sua verdade
biológica na dimensão da ascendência paterna.
Com efeito, não se observa a necessária relação de proporção ou de justa medida
entre a via que foi escolhida para a realização do interesse público e a medida
de realização do mesmo interesse (Maria Lúcia Amaral, A Forma…, cit., p. 189).
Conclui-se, pois, que a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código
Civil, na medida em que prevê, para a caducidade do direito do filho maior ou
emancipado de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe, o prazo de um
ano a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa
concluir-se não ser filho do marido da mãe, é inconstitucional, por violação dos
artigos 26.°, n.° 1, 36.°, n.°s 1 e 18.°, n.° 2, da Constituição da República.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional o artigo 1842.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil, na
medida em que prevê, para a caducidade do direito do filho maior ou emancipado
de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe, o prazo de um ano a contar
da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não
ser filho do marido da mãe, por violação dos artigos 26.°, n.° 1, 36.°, n.°s 1 e
18.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Maio de 2008
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira – Vencido. Concederia
provimento ao recurso essencialmente pelas razões invocadas
na declaração que anexei ao Acórdão n.º 609/2007.
Rui Manuel Moura Ramos