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Processo n.º 480/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A.
reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei
da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
despacho daquele Tribunal, de 30.04.2008, que indeferiu o seu requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Para tanto, invoca o seguinte:
«[…] FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO
1. Entende a decisão reclamada que o STJ não decidiu que não há obrigatoriedade
de fundamentar as opções a tomar e que nunca aceitou como provado que a
impressão do fax de fls. 1701 aconteceu antes da audiência, não tendo, pois
feito a interpretação que lhe foi atribuída.
2. Entende, ainda, a decisão reclamada que o art. 720.° do CPC foi aplicado a
questão diversa.
3. Ora, é incontornável que o fax de fls. 1701, sem possibilidades de
contestação, por estar provado documentalmente, foi remetido do escritório do
signatário, pelas 8.39 horas de 17 de Janeiro de 2008 e foi recebido, no STJ,
pelas 8.47 horas do mesmo dia, sendo que se «…de acordo com as instruções em
vigor em execução e a prática do tribunal…» as telecópias enviadas mal são
impressas são logo entregues na Secção, algo correu mal para tal fax só ter
chegado à Secção «…após o inicio da sessão de julgamento…», segundo a versão de
31 de Janeiro, ou «…depois de realizada a audiência…», segundo a versão de 13 de
Março.
4. Ora, é incontornável que, quando em 25 de Janeiro, consultou os autos nenhuma
informação constava nos mesmos sobre a razão pela qual o fax chegado às 8.47
horas não fora objecto de ponderação, até tal data.
5. Ora, é incontornável que tal vício, tal omissão, foi levantada, em tempo
útil, em 28 de Janeiro.
6. Ora, é incontornável que, em 31 de Janeiro, o STJ, pura e simplesmente, fugiu
à questão.
7. Ora, é incontornável que, em 13 de Março, o STJ, volta a fugir à questão
colocada, como se efectivamente se não verificassem os vícios levantados em 18
de Fevereiro e fosse possível afastar, com um qualquer raciocínio, o provado
documentalmente a fls. 1701.
8. Ora, é incontornável que o STJ, confrontado com a necessidade de ter de
justificar o que lhe foi requerido em 3 de Abril, entendeu ser mais fácil fugir
à questão do que justificar a opção.
9. Ora, é incontornável que quem reclama que lhe justifiquem uma decisão «...
que nem humana nem normativamente é aceitável….» não quer mais que conhecer a
razão, a fundamentação, daquilo que não entende e de que têm obrigação de o
convencer.
10. Quem se recusa a esclarecer o fundamento legal duma opção que os autos
demonstram não ter sustentáculo de facto − o fax chegou ao Supremo às 8.47 horas
de 17 de Janeiro e não há maneira de contornar este dado objectivo, provado
documentalmente − objectivamente, independentemente do que diga e mesmo que
queira refugiar-se no não aceitar o que está provado documentalmente outra coisa
não faz que afirmar que não há que fundamentar a opção que fizeram e ao mandar
descer o processo entendendo que o exigir a fundamentação é dilatório mais não
faz que tentar impedir o direito de defesa.
11. O Acórdão de 13 de Março é explicito no sentido de que não há que conhecer a
irregularidade arguida «...nada havia a apreciar em relação a tal
requerimento…», escreveu-se lá.
12. Temos, pois, que não só o STJ decidiu conforme lhe é atribuído, como o
recusar o que está provado documentalmente não lhe permite fugir à necessidade
de explicar as razões das suas opções, maxime essa mesma, como o art. 720.° foi
aplicado exactamente à questão aduzida no recurso.
Termos em que deve ser determinado que o recurso seja admitido.»
2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu
parecer, nos termos seguintes:
«A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
Na verdade, o recorrente não identifica, em termos minimamente inteligíveis
qualquer norma ou interpretação normativa aplicável ao caso pela decisão
impugnada, susceptível de integrar objecto idóneo do controlo da
constitucionalidade, cometido a este Tribunal – limitando a dissentir da solução
dada, em função de circunstâncias particulares e indissociáveis do caso
concreto, a determinada questão adjectiva.»
3. Com relevância para a presente decisão resulta dos autos o seguinte:
− Por decisão do Tribunal Colectivo de Valença, A. foi condenado, pela prática,
em autoria material e concurso real, de um crime de homicídio simples, um crime
de detenção de arma ilegal, e um crime contra a preservação da fauna e espécies
cinegéticas na pena única de 11 anos e 3 meses de prisão e no pagamento de uma
indemnização aos demandantes do pedido de indemnização cível.
− Inconformados, o arguido e as assistentes recorreram para o Tribunal da
Relação de Guimarães que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido e
rejeito o recurso interposto pelas assistentes.
− Ainda inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que,
por acórdão de 17.01.2008, negou provimento ao recurso.
− Por requerimento da mesma data, o mandatário do arguido veio requerer que
fosse dado sem efeito o julgamento aprazado para 17.01.2008, por se encontrar
impedido em julgamento noutro processo.
− Por requerimento de 28.01.2008 veio o arguido requerer a irregularidade do
tramitado posteriormente à entrada daquele requerimento de 17.01.2008.
− Por acórdão de 31.01.2008, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu o
requerido com fundamento, em síntese, no facto de o requerimento em causa «só
ter dado entrada na secção de processos depois de iniciada a audiência, ou seja,
quando já não era possível proceder ao seu adiamento».
− Por requerimento de 21.02.2008, o arguido veio arguir a nulidade deste acórdão
de 31.01.2008, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13.03.2008,
desatendido a arguição de nulidade.
− Por requerimento de 04.04.2008, o arguido veio requerer o «esclarecimento do
fundamento legal da opção tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça».
− Por acórdão de 09.04.2008, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu, por falta
de fundamento legal, o pedido do requerente.
− Por requerimento de 29.04.2008, o arguido veio interpor recurso dos citados
acórdãos de 31 de Janeiro, de 13 de Março e de 9 de Abril para o Tribunal
Constitucional, para apreciação da «inconstitucionalidade da interpretação
efectuada nas decisões recorridas do art. 123.º do CPP e 720.º do CPC, no
sentido de que tendo sido arguida a irregularidade do tramitado posterior à
entrada do requerimento de fls. 1701 não há que conhecer da mesma por, apesar de
estar provado documentalmente que tal requerimento deu entrada no STJ pelas 8.47
horas de 17 de Janeiro, o mesmo só ter chegado à Secção “…após o início da
sessão de julgamento…” (acórdão de 31 de Janeiro) ou “…após realizada a
audiência…” (acórdão de 13 de Março), apesar das instruções em execução e a
prática do tribunal no sentido de que, mal impressas as telecópias são entregues
na Secção e que não existe obrigatoriedade legal de fundamentar tal opção, sendo
intenção do recorrente obstar à baixa do processo o pretender saber o fundamento
legal de tal entendimento.»
- Por despacho de fls. 51/52 não foi admitido o recurso, com fundamento, em
síntese, no facto de o recurso vir interposto como se de uma só decisão e de uma
só interpretação se tratasse, o que não era o caso; no facto de não ter sido
feita a interpretação do artigo 123.º do CPP que o recorrente imputa às
decisões; e, ainda, por se considerar que a interpretação do artigo 720.º do
CPC, atribuída ao tribunal, se mostrar incompreensível e não poder considerar-se
que o recorrente tenha sido surpreendido com o recurso ao dispositivo do artigo
720.º do CPC, face ao seu comportamento processual anterior.
− É deste despacho que vem interposta a presente reclamação.
4. Como refere o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, é
manifesta a falta de razão do reclamante.
Pretende a apreciação da constitucionalidade das interpretações, alegadamente
efectuadas nas decisões recorridas, dos artigos 123.º do CPP e 720.º do CPC, sem
que, no entanto, indique qual o tipo de recurso, de entre os previstos no n.º 1
do artigo 70.º da LTC, que visa intentar (não o faz no requerimento de
interposição de recurso nem na presente reclamação).
Independentemente desta omissão, o certo é que o reclamante não identifica, de
modo perceptível, qual a norma ou interpretação normativa que reputa
inconstitucional nem qual a decisão do Supremo Tribunal de Justiça onde teria
sido acolhida tal norma ou interpretação. Não o faz no requerimento de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional nem na presente
reclamação, sendo certo que também não suscitou, durante o processo, perante o
tribunal recorrido, qualquer questão de constitucionalidade normativa.
O reclamante limita-se a discordar da interpretação do direito ordinário,
adoptada nas sucessivas decisões do Supremo Tribunal de Justiça − questão que,
evidentemente, escapa à competência deste Tribunal Constitucional − nunca
enunciando um critério normativo dissociável das circunstâncias particulares do
caso concreto.
Esta conclusão é, aliás, reforçada pelo teor da presente reclamação, na qual o
reclamante apenas vem, mais uma vez, manifestar o seu dissentimento
relativamente aos acórdãos proferidos nos autos.
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o
recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 2 de Julho de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos