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Processo n.º 295/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I − Relatório
1. A., preso preventivamente por estar indiciado da prática de um crime de
tráfico de estupefacientes, veio requerer, perante o Supremo Tribunal de
Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do Código de
Processo Penal (CPP), a providência de habeas corpus, alegando, em síntese, o
seguinte:
“1 – O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, a
qual lhe foi aplicada por despacho judicial datado de 03 de Agosto de 2007, não
tendo, até à data, sido notificado do despacho de acusação.
2 – Ora, ao abrigo do disposto no artigo 215°, n.° 1, al. a) do C.P.P., a prisão
preventiva extingue-se quando, desde o seu início tiverem decorrido quatro meses
sem que tenha sido deduzida acusação. Este prazo eleva-se, porém, para seis
meses quando se proceda por crime punível com pena de prisão de máximo superior
a 8 anos, que é a situação dos presentes autos.
3 – Sucede que desde a data da aplicação da medida de prisão preventiva até
ontem, dia 3 de Fevereiro de 2008, decorreu esse prazo de seis meses e não tendo
sido declarados os presentes autos de excepcional complexidade, o que ditaria a
elevação dos prazos de prisão preventiva, ao abrigo do disposto no artigo 215°,
n.° 3 do C.P.P., tal significa que o prazo de duração máxima de prisão
preventiva expirou às 24 horas do dia de ontem, 3 de Fevereiro de 2008,
encontrando-se o arguido em situação de prisão preventiva ilegal.
4 – Perante tais factos, o arguido solicitou já durante o dia de hoje, 4 de
Fevereiro de 2008, a emissão de mandados de libertação e a consequente
restituição à liberdade.
5 – Sobre tal requerimento pronunciou-se a Meritíssima Juíza de Instrução por
despacho de fls. 485 e seguintes, entendendo que nada há a determinar, uma vez
que foi proferida acusação em 31 de Janeiro de 2008 – facto que o arguido
desconhece – e que os prazos previstos no artigo 215° do C.P.P. se contam da
data da prolação de acusação e não da data da notificação da mesma.
6 – Entendimento que, salvo o devido respeito, não colhe, porquanto a prolação
da acusação sem a notificação da mesma ao arguido não pode produzir quaisquer
efeitos em relação a este. A interpretação do disposto no artigo 215° do C.P.P.
no sentido para os efeitos nele previstos os prazos se contam da prolação da
acusação e não da sua notificação é inconstitucional, por violação do disposto
nos artigos 28°, n.° 4, 31° e 32°, n.° 1, todos da C.R.P., inconstitucionalidade
que desde já se argúi para todos os efeitos legais.
7 - Um tal entendimento, é contrário às garantias de defesa do arguido e torna
inefectivo o direito a habeas corpus em razão do excesso do prazo de prisão
preventiva em todas as situações em que já tivesse sido proferida acusação mas
este não tivesse conhecimento da mesma.
8 – Ademais, não tinha o arguido forma de, de modo imediato, tomar conhecimento
da prolação de despacho de acusação, porquanto mesmo nos processos não sujeitos
a segredo de justiça, o artigo 89° do C.P.P. determina que a consulta dos autos
durante o inquérito é feita mediante requerimento, sobre o qual há-de incidir
despacho do Ministério Público.
9 – Nos termos do disposto no artigo 228°, n.° 2 do C.P.C, aplicável ao Processo
Penal ex-vi do disposto no artigo 4° do C.P.P., ‘a notificação serve para (...)
chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto’. Daqui decorre que antes
da notificação, o arguido não tem qualquer conhecimento acto processual que
esteja em causa (tanto mais em processo penal, onde, conforme referido, a
consulta dos autos não é imediata). Por isso, impõe-se entender que um acto
processual não comunicado se tem como inexistente em relação ao arguido, devendo
este proceder em conformidade como se o mesmo não lhe tivesse sido praticado e
accionar todas as garantias de defesa que a lei e a Constituição lhe consagram.
10 – Ademais, dispõe o artigo 113°, n.° 9 do C.P.P., a notificação da acusação
deve ser efectuada directamente ao arguido, não sendo suficiente a notificação
ao respectivo mandatário. O que bem se compreende, atenta a relevância que a
prolação de despacho de acusação pode ter na situação processual do arguido,
especialmente quando esteja em causa a aplicação de medidas de coacção, um tal
despacho pode implicar alterações no seu estatuto coactivo e tem que ser
notificado ao arguido.
11 – Donde, tudo visto, impõe-se concluir que para efeitos do disposto no artigo
215° do C.P.P., os prazos de duração máxima de prisão preventiva devem ser
contados por referência à notificação do arguido da dedução de acusação e não da
prolação desse despacho, por não ter o arguido forma de sindicar quando é que o
mesmo é proferido. É este o entendimento que melhor se coaduna com as exigências
de segurança jurídica e melhor assegura as garantias de defesa do arguido. Por
essa razão, o arguido encontra-se em prisão preventiva ilegal desde as 00horas
do dia 4 de Fevereiro de 2008, impondo-se a sua imediata libertação.”
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, indeferiu
a petição de habeas corpus, por manifesta falta de fundamento.
2. Desse acórdão, o arguido veio interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do
artigo 215.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Penal, conjugada com a do
n.º 2 do mesmo artigo, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal
de Justiça no aresto recorrido.
Diz, nomeadamente, no seu requerimento:
“ (…) ao interpretar a norma constante do artigo 215°, n.°1, al. a) do C.P.P.
conjugada com a do n.° 2 (corpo do artigo) no sentido de que para efeitos de
averiguar do decurso dos prazos de duração máxima da prisão preventiva vale a
data da dedução da acusação e não a da sua notificação ao arguido, o STJ adoptou
um entendimento que é contrário às garantias de defesa do arguido, insustentável
face à protecção constitucional dispensada ao direito à liberdade e de todo
contrário aos ditames de máxima publicidade das restrições a essa liberdade, e
de controlabilidade dos actos e decisões que possam afectar o estatuto
processual do arguido.
6. A interpretação acolhida no acórdão recorrido dos mencionados normativos
viola, portanto, os Princípios Constitucionais do amplo exercício do Direito de
Defesa, da Legalidade e da Segurança Jurídica, bem como as garantias de defesa
asseguradas em processo penal consagrados, entre outros nos arts. 28°, 31° e 32°
todos da Constituição da República Portuguesa.”
Notificado para alegar, concluiu a sua argumentação pela seguinte forma:
“1.ª
O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva aplicada
por despacho judicial desde 03 de Agosto de 2007.
2.ª
O prazo de duração máxima dessa medida no caso dos autos, durante a fase de
Inquérito, é de 6 meses, por força da aplicação conjugada do disposto no artigo
215°, n.° 1, al. a) e n.° 2 do C.P.P.
3.ª
Esse prazo de seis meses terminava em 03 de Fevereiro de 2008.
4.ª
Data que passou sem que o arguido tivesse sido notificado de qualquer despacho
de acusação que tivesse sido deduzido contra si.
5.ª
Em face disso, o arguido invocou de imediato o decurso do prazo da prisão
preventiva e requereu a emissão dos competentes mandados de libertação.
6.ª
Pronunciando-se sobre o requerido, a Meritíssima Juíza de Instrução constatou
que havia sido proferida acusação nos autos em 31 de Janeiro de 2008, pelo que
se mostrava respeitado o prazo máximo de duração da medida de coacção a que o
arguido se encontrava sujeito.
7.ª
Não obstante, à data em que se perfizeram os seis meses de duração da medida de
coacção, o arguido não tinha conhecimento de ter sido deduzida acusação contra
si.
8.ª
Em suma, foi perfilhado o entendimento de que os prazos máximos de duração da
prisão preventiva previstos nos artigos 215°, n.° 1, al. a) e n.° 2 se contam
por referência à prolação da acusação e não à notificação desse despacho ao
arguido.
9.ª
Entendimento que atenta contra o disposto nos artigos 28°, n.° 4, 31° e 32°, n.°
1 da C.R.P..
10.ª
Inconformado, o arguido apresentou de imediato providência de habeas corpus,
porquanto tal entendimento se afigura contrário às suas garantias de defesa.
11.ª
Além de que torna inefectivo o direito a habeas corpus em todas as situações em
que o arguido se mantém em prisão preventiva para além dos prazos máximos
previstos, quando não tenha conhecimento da dedução da acusação, não obstante
esta ter sido já deduzida nos autos.
12.ª
A petição de habeas corpus veio a ser indeferida, tendo o STJ perfilhado também
a interpretação supra citada do artigos 215°, n.° 1, al. a) e n.° 2 da C.R.P..
13.ª
As restrições que a Lei Fundamental admite aos direitos, liberdades e garantias
individuais, hão-de restringir-se ao necessário para salvaguardar outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18°, n.° 2 da
C.R.P.).
14.ª
Por isso, a prisão preventiva há-de ser aplicada em situações em que mais
nenhuma outra medida de coação se afigure adequada e em ordem a satisfazer
necessidades de investigação ou de precaução face ao perigo que o arguido possa
representar para a comunidade.
15.ª
Por isso, essa medida afigura-se excepcional, face ao direito à liberdade
constitucionalmente consagrado (cfr. artigos 27° e 28° da CR.P.).
16.ª
E por se tratar de uma medida cautelar de última ratio, a lei, por imposição
constitucional (artigo 28°, n.° 4 – ‘a prisão preventiva está sujeita aos prazos
estabelecidos na lei’) define os prazos máximos da sua duração.
17.ª
O legislador definiu os prazos máximos de duração da medida de coacção de prisão
preventiva por referência às diversas fases processuais.
18.ª
Transcorridos esses prazos sem que determinado acto processual tenha tido lugar
(acusação, pronúncia, condenação), deixa de ser exigível que o arguido se
encontre privado da sua liberdade.
19.ª
A manutenção da medida de coacção para além desses prazos torna-se ilegal,
podendo o arguido reagir contra ela das formas legalmente admissíveis e
nomeadamente através da providência de habeas corpus prevista no artigo 31° da
C.R.P. e regulamentada nos artigos 220.º e 221° do C.P.P..
20.ª
O STJ baseia-se, entre outros, no argumento literal, em virtude de o artigo
215°, n.° 1, al. a) referir que a medida de coacção se extingue se decorrerem
quatro meses sem que se mostre deduzida acusação.
21.ª
Não pode ser atribuída maior importância ao elemento literal do que aos direitos
subjectivos do arguido – in casu, direito à defesa, à liberdade e à dignidade.
22.ª
Além disso, impõe-se atender não apenas à letra da lei mas também ao seu
espírito.
23.ª
E conjugando-se esses dois elementos, depreende-se que o prazo máximo de duração
da prisão preventiva se extingue se passados seis meses, num caso como o dos
autos, o Inquérito não tiver terminado com acusação, conhecida, do arguido.
24.ª
É uma garantia do arguido que ao cabo desses seis meses saiba se houve acusação
para que possa reagir no quadro legal de que dispõe.
25.ª
É incompreensível, do ponto de vista de alguém que se encontra limitado quanto à
sua liberdade que, tendo visto decorrer o prazo que inicialmente fixou para
limite dessa privação da liberdade, não possa reagir contra tal privação,
decorrido o mesmo.
26.ª
Sem dúvida o legislador disse menos do que queria, pelo que se impõe uma
interpretação extensiva, no que tange à necessidade de conhecimento, por parte
do arguido, dentro do prazo de quatro ou seis meses, consoante o crime, da
prolação de acusação contra si.
27.ª
Sendo a acusação é um acto processual que tem que ser notificado ao próprio
arguido, não sendo suficiente a simples notificação ao seu mandatário (artigo
113°, n.° 9 do C.P.P.), sem essa notificação, o mesmo considera-se inexistente
em relação ao arguido.
28.ª
Quando não notificada, a acusação não tem a virtualidade de produzir quaisquer
efeitos, nomeadamente o de iniciar a contagem dos prazos máximos de duração da
prisão preventiva por referência à fase processual seguinte.
29.ª
O entendimento defendido pelo STJ permite manter um arguido preso à ordem de
certos autos, desconhecendo este a existência ou conteúdo do despacho de
acusação.
30.ª
E no caso de o mesmo ser nulo, por falta de algum dos elementos previstos no
artigo 283°, n.° 3 do C.P.P., não há como explicar, à luz das garantias de
defesa, que o arguido se mantenha sujeito a prisão preventiva com fundamento na
existência de um despacho de acusação que consta dos autos, quando afinal este
não tem qualquer validade.
31.ª
Por outro lado, o argumento de que no caso de pluralidade de arguidos o prazo
seria diferente para cada um deles falece, porquanto o prazo de duração máximo é
uno para todos os arguidos e para todos os processos.
32.ª
Ponto é que dentro desse prazo, o arguido seja notificado dos despachos que
fazem iniciar o prazo relativo à fase processual seguinte, de forma a que as
regras de segurança jurídica prevaleçam sobre a incerteza.
33.ª
Por outro lado, durante a fase de Inquérito, a consulta dos autos pelo arguido
não é livre, devendo antes ser requerida ao Ministério Público, nos termos do
disposto no artigo 89°, n.° 1 do C.P.P., pelo que, se a acusação não for
notificada ao arguido, este não tem forma de, no imediato, saber se a mesma foi
deduzida ou não.
34.ª
E a sua liberdade não pode de modo algum ficar prejudicada ou compadecer-se com
a demora de aguardar por uma resposta ao requerimento que lhe permita consultar
o processo.
35.ª
Além disso, no artigo 215°, n.° 3 do C.P.P. prevê-se a faculdade de alargar os
prazos máximos de duração da prisão preventiva, através da declaração de
excepcional complexidade do processo.
36.ª
No caso dos autos, o arguido não fora notificado de qualquer declaração de
excepcional complexidade (aliás a mesma não existiu).
37.ª
Porém, decorrendo o prazo de duração máxima de tal medida, sem que tivesse sido
notificado da dedução de acusação, veio a ser-lhe recusada a sua libertação com
fundamentação em que a mesma havia sido produzida quatro dias antes.
38.ª
A interpretação acolhida permitiu prorrogar os prazos de duração máxima da
prisão preventiva sem recorrer a qualquer mecanismo legalmente previsto nem
assegurar a transparência que é desejável quando se trata de limitar a liberdade
do arguido.
39.ª
No caso dos autos, a falta de transparência foi tal que a mandatária do arguido
apenas veio a ser notificada do despacho de acusação em 14 de Fevereiro de 2008,
notificação, aliás, deficiente, uma vez que não continha todas as folhas de que
se compunha o despacho e ironicamente não continha a data em que foi proferida.
40.ª
A interpretação perfilhada faz ainda impender sobre o arguido, com manifesto
prejuízo para as suas garantias de defesa e para os seus direitos, o ónus de
suportar o tempo dispendido com as diligências, de tradução para língua que
compreenda do libelo acusatório.
41.ª
A comunicação ao arguido dos factos que lhe são imputados em língua que
compreenda é uma exigência decorrente da Constituição e da própria Convenção
Europeia dos Direitos do Homem e a respectiva tradução não pode prejudicá-lo em
nada comparativamente com outros arguidos e outros casos em que essa necessidade
não se coloque.
42.ª
Tanto viola as garantias de defesa do arguido a falta de notificação do libelo
acusatório dentro dos prazos de duração máxima de prisão preventiva como a sua
notificação numa língua que não compreenda.
43.ª
Só a interpretação do artigo 215°, n.° 1, al. a) e n.° 2 do C.P.P. no sentido de
que a prisão preventiva se extingue quando não for notificada ao arguido, em
língua que compreenda, no prazo de seis meses, é compatível com as garantias de
defesa que a Constituição lhe dispensa.
44.ª
A interpretação que foi acolhida pelo STJ afigura-se demasiado hermética e não
abre espaço à controlabilidade da prolação da acusação pelo arguido, sobretudo
porque na fase de Inquérito, em que o acesso aos autos é condicionado (artigo
89.º, n.º 1 do CPP).
45.ª
Em suma, a interpretação do disposto no artigo 215.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2
do CPP acolhida pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal de Faro e
confirmada pelo S.T.J, na recusa do pedido de habeas corpus, viola os Princípios
Constitucionais do amplo exercício do Direito de Defesa, da Legalidade e da
Segurança Jurídica, bem como as garantias de defesa em processo penal
consagrados, entre outros, nos artigos 28.º, 31.º e 32.º todos da Constituição
da República Portuguesa.”
3. Nas contra-alegações, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto concluiu pela seguinte
forma:
“1. Não é inconstitucional o bloco normativo resultante do disposto no artigo
215.º, n.º 1, alínea c) [leia-se a), já que foi indicado, por lapso, a alínea
c)] e n.º 2 do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que
para efeito de contagem do prazo de duração da prisão preventiva na fase de
inquérito releva a dedução de acusação e não a notificação da mesma ao arguido.
2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
Cumpre decidir.
II – Fundamentação
4. Na situação em apreço, cumpre apreciar a norma constante do artigo 215.º, n.º
1, alínea a), com referência ao n.º 2, do Código de Processo Penal, na redacção
introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, por violação, “entre outros
dos artigos 28.º, 31.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa”, na
interpretação de que, para efeitos de averiguar do decurso dos prazos de duração
máxima da prisão preventiva, vale a data da dedução da acusação e não a da sua
notificação ao arguido.
O referenciado normativo, no que ora interessa, tem a seguinte redacção:
“Artigo 215.º (Prazos de duração máxima da prisão preventiva)
1 – A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem
decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) (…)
c) (…)
d) (…)
2 – Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para
seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo,
criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime
punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
a) Previsto no artigo 299.°, no n.° 1 do artigo 318.°, nos artigos 319°, 326.°,
331.° ou no n.° 1 do artigo 333.° do Código Penal e nos artigos 30.°, 79.° e
80.° do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.° 100/2003, de 15 de
Novembro;
b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou
de elementos identificadores de veículos;
c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e
equiparados ou da respectiva passagem;
d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou
cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em
negócio;
e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)
6 – (…)
7 – (…)
8 – (…)”
Das disposições constitucionais aduzidas pelo Recorrente no requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal, bem como nas alegações produzidas –
artigos 28.º, 31.º e 32.º – importa salientar, paralelamente, aliás, ao que
ocorreu com os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 404/2005 e 208/2006 (publicados,
respectivamente no Diário da República, II Série, de 31 de Março de 2005 e 4 de
Maio de 2006) que a norma que releva como parâmetro de avaliação da conformidade
constitucional é tão somente a constante do artigo 28.º, n.º 4, de harmonia com
o qual: “A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.”
5. A questão que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade
radica na norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de
Processo Penal, segundo a qual o prazo máximo da prisão preventiva, na fase de
inquérito, afere-se em função da data da prolação da acusação e não da data da
notificação da mesma.
A mesma decisão recorrida referenciou jurisprudência uniforme do Supremo
Tribunal de Justiça, com destaque para o Acórdão de 11 de Outubro de 2005 (in
Colectânea de Jurisprudência, 3.ª, página 186).
Em sede de apreciação de constitucionalidade, e embora a situação em apreço não
seja, de todo, idêntica à constante no citado Acórdão n.º 404/2005, (porquanto
no presente caso questiona-se a alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º, e no
referenciado aresto questionava-se a alínea c)), exarou-se no mesmo que:
“2.4. Recordada a jurisprudência relevante do Tribunal Constitucional sobre a
matéria, importa salientar que o legislador processual penal de 1987 adoptou
modelo diverso do até então vigente quanto à fixação dos limites máximos de
prisão preventiva.
Na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e suas diversas modificações,
adoptou‑se o sistema de fixação de prazos máximos de prisão preventiva
directamente correspondentes a cada fase processual. Esses prazos eram, na
redacção do artigo 308.º dada pelo Decreto‑Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro, e
do artigo 273.º, na redacção do Decreto‑Lei n.º 402/82, de 23 de Setembro: 1.º –
desde a captura até à notificação ao arguido da acusação ou do pedido de
instrução contraditória pelo Ministério Público: 40 dias por crimes a que caiba
pena de prisão maior; 90 dias por crimes cuja investigação caiba exclusivamente
à Polícia Judiciária ou que legalmente lhe seja deferida; 2.º – desde a
notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo
Ministério Público até ao despacho de pronúncia em 1.ª instância: 4 meses, se
ao crime couber pena a que corresponda processo de querela; 3.º – após a
formação da culpa: 3 anos (ou, se terminarem antes, quando se igualar metade
da duração máxima da pena correspondente ao crime mais grave imputado ao
arguido, ou, no caso de recurso da decisão condenatória, quando se atingir a
duração da pena de prisão fixada na decisão recorrida). Neste regime, não havia
‘transferências’ de tempos de prisão preventiva: se esta fosse determinada
apenas após a notificação da acusação, aplicava-se o prazo indicado em 2.º
lugar, sendo indiferente que na fase precedente o arguido tivesse estado em
liberdade.
O regime instituído pelo Código de Processo Penal de 1987 é diverso, pois não há
contagens separadas de prazos para cada fase. O prazo conta-se sempre do início
da prisão preventiva, mas não pode exceder certos limites (acumulados)
reportados a quatro marcos processuais: 1.º - dedução da acusação; 2.º –
prolação de decisão instrutória quando tenha havido instrução; 3.º – condenação
em 1.ª instância; 4.º – trânsito em julgado da condenação. A estes quatro marcos
aplicam-se três regimes: o normal (6, 10 e 18 meses e 2 anos), o especial
atendendo à gravidade dos crimes (8 meses, 1 ano, 2 anos e 30 meses) e o
excepcional quando a essa gravidade dos crimes acresce a excepcional
complexidade do procedimento (12 e 16 meses e 3 e 4 anos) – n.ºs 1, 2 e 3 do
artigo 215.º do CPP. Como refere Germano Marques da Silva (Curso de Processo
Penal, vol. II, 2.ª edição, Lisboa, 1999, p. 289):
‘Não há um prazo de prisão preventiva para cada fase processual, há é um limite
máximo de duração da prisão preventiva até que se atinja determinado momento
processual. Por isso, se o início da prisão preventiva só se verificar já na
fase de instrução ou na de julgamento, os limites máximos até à decisão
instrutória, condenação em 1.ª instância ou decisão transitada continuam a ser
os mesmos. Por idêntica razão, se numa determinada fase se tiver esgotado o
limite do prazo de duração da prisão, o arguido pode voltar a ser preso se se
passar a outra fase e se se mantiverem as razões para determinar a sua prisão,
desde que se não tenha ainda atingido o máximo da correspondente fase.’
Na base desta alteração de sistema terá estado o propósito de promover o
andamento sem delongas do processo, incentivando os respectivos responsáveis a
respeitar os prazos de conclusão de cada fase, sob risco de insubsistência de
uma prisão preventiva tida por essencial para a prossecução dos objectivos da
justiça criminal.”
6. Já na vigência da nova redacção dada ao artigo 215.º, pela Lei n.º 48/2007,
de 29 de Agosto, decidiu este Tribunal no Acórdão n.º 2/2008 (publicado no
Diário da República, II Série, de 14 de Fevereiro de 2008):
“Segundo o regime do citado artigo 215º do Código de Processo Penal, o prazo de
duração da prisão preventiva conta-se sempre do seu início e não pode exceder
certos limites (acumulados) que se reportam a quatro marcos processuais: 1.º -
dedução da acusação; 2.º – prolação de decisão instrutória quando tenha havido
instrução; 3.º – condenação em 1.ª instância; 4.º – trânsito em julgado da
condenação. Aos prazos fixados para cada uma dessas fases processuais
aplicam-se, consoante os casos, três diferentes regimes: o normal (4 meses, 8
meses, 1 ano e 2 meses e 1 ano e 6 meses); o especial, em que se atende à
gravidade dos crimes (6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos); e o
excepcional, quando a essa gravidade dos crimes acresce a excepcional
complexidade do procedimento (1 ano, 1 ano e 4 meses, 2 anos e 6 meses e 3 anos
e 4 meses) – n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 215.º do CPP.
A ideia central do sistema é a de fazer coincidir, ao menos tendencialmente, a
duração máxima (acumulada) de prisão preventiva com o termo das sucessivas fases
processuais. Os prazos de 4 meses, 8 meses e 1 ano de limite máximo de prisão
preventiva até dedução de acusação correspondem são indicativos da duração do
inquérito em cada um dos circunstancialismos definidos no artigo 215º, n.º 1,
alínea a), e n.ºs 2 e 3 (cfr. artigo 276.º, n.º 1, primeira parte, e n.º 2,
alíneas a) e c)). O acréscimo de 4 meses ao limite máximo de prisão preventiva,
em todas as situações, até prolação da decisão instrutória, toma em atenção os
prazos máximos de 2 e 3 meses para conclusão da instrução, que só se inicia com
o requerimento para abertura de instrução, a apresentar no prazo de 20 dias a
contar da notificação da acusação e a que acresce o prazo de 10 dias para
prolação do despacho de pronúncia (cfr. artigos 306.º, n.ºs 1, 2 e 3, 287.º, n.º
1, e 307.º, n.º 3, todos do CPP). É dentro desta lógica que se fixou o
prolongamento da duração máxima da prisão preventiva por mais 6 meses, 10 meses
e 22 meses, tempo estimado como eventualmente necessário para conclusão do
julgamento em 1.ª instância, e por mais 4 meses, 6 meses e 10 meses, tempo
estimado para conclusão das fases de recursos até se atingir o trânsito em
julgado.
Como se verifica, os prazos de duração máxima de prisão preventiva são
pré-determinados segundo a fase processual, a gravidade do tipo legal de crime e
a complexidade do procedimento.”
7. Conforme resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição, o direito à
liberdade admite restrições, entre as quais se conta a detenção ou prisão
preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponde pena
de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. Constituindo as
restrições ao direito à liberdade restrições a um direito fundamental integrante
na categoria de direitos, liberdades e garantias, estão sujeitos às regras do
artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, o que quer dizer, segundo se exarou no
recente Acórdão n.º 2/2008, já citado, que “só podem ser estabelecidos para
proteger direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo
limitar-se ao necessário para os proteger.”
Acresce que, como resulta do citado artigo 28.º, n.º 4, da Constituição da
República Portuguesa, “a prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos
na lei”, significando que não pode, face à sua natureza de “ultima ratio”, de
deixar de estar temporariamente limitada. Cabendo à lei a fixação de prazos de
prisão preventiva, dispõe, consequentemente, o legislador ordinário de uma
relativa margem de liberdade de conformação, sem embargo de dever ser respeitado
o princípio da proporcionalidade, conforme salientam Gomes Canotilho e Vital
Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, I
volume, Coimbra, página 490 e, no mesmo sentido Jorge Miranda e Rui Medeiros, in
Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2005, página 321, e Acórdãos deste
Tribunal n.ºs 137/92 e 246/99 (o primeiro disponível em
www.tribunalconstitucional.pt e o segundo publicado no Diário da República, II
Série, de 28 de Julho de 1999).
8. No recurso em análise não vem equacionada a questão da apreciação da
conformidade constitucional do regime global da prisão preventiva e da sua
duração, mas tão-somente a disposição legal que fixa o termo do prazo da prisão
preventiva aplicado no acórdão recorrido.
Nesta perspectiva, não se detecta razão de ser para emitir um juízo de
inconstitucionalidade.
Com efeito, estamos perante a fixação do termo de um prazo fixado na lei, de
acordo com uma interpretação desta que “não se mostra incongruente com a
aventada justificação do sistema instituído de duração de prisão preventiva, não
desrazoável, tendo em atenção os factores relevantes de estar em causa crime de
especial gravidade (…).” (Acórdão n.º 208/2006, já citado).
Na verdade, o legislador não está impedido de tomar em conta como termo final do
prazo da primeira fase da prisão preventiva a data de acusação, uma vez que este
momento se revela congruente com propósito de promover sem delongas o normal
decurso do processo.
Não é assim desrazoável a opção do legislador.
9. Assim, a prisão preventiva do Recorrente está sujeita a um prazo que não
desrespeita o princípio da razoabilidade e em nada resulta prejudicado o seu
direito de defesa.
Efectivamente, e, conforme se exarou na contra-alegação de recurso por parte do
Ministério Público:
“Este último, aliás, na dimensão da reacção à acusação contra si deduzida, não
regista qualquer encurtamento do prazo, a que alude o artigo 287° do Código de
Processo Penal – este sim a iniciar-se após a notificação daquela – nem pelo
facto de o arguido ter tomado conhecimento da mesma alguns dias depois do fim do
prazo a que alude a alínea a) do n° 1 do artigo 215° do Código de Processo Penal
(é o que se indicia, pelo menos, do facto de estar em curso a tradução da
acusação, em 06-02-08, cfr. fls. 6 a 8 do apenso; e, em 14 de Fevereiro, ter
sido notificada a mandatária do arguido – cfr, fls. 80), se pode concluir que
foi prejudicado no exercício do seu direito de contraditar e pôs em causa a
acusação contra si proferida.”
Assim, e porque nenhuma norma ou princípio constitucionais foram violados não
poderá obter vencimento a tese sufragada pelo recorrente.
III – Decisão
Em face do exposto, acordam negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida, na parte impugnada.
Custas pelo Recorrente, fixadas em 25 (Vinte e cinco) UCs.
Lisboa, 14 de Maio de 2008
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos