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Processo n.º 43/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
Por despacho de 4 de Abril de 2005 (a fls. 27), considerou-se sem efeito um
recurso interposto por A. da sentença final proferida num processo penal em que
era arguido, pelos seguintes fundamentos:
Notificado por carta enviada em 04/03/2005 (cfr. fls 483) para em 5 (cinco) dias
juntar o documento comprovativo da autoliquidação da taxa de justiça devida pela
interposição de recurso de sentença final e pagar a taxa sanção prevista no
art.º 80º, nº. 2, do CCJudiciais, o arguido pagou esta taxa no prazo da
respectiva guia, que lhe foi enviada por registo, mas não apresentou aquele
comprovativo senão em 18/03/2005 e, portanto, para além do prazo fixado.
Termos em que, ao abrigo do disposto no nº 3 do artº 80º do C.C.Judiciais, se
considera sem efeito o recurso interposto a fls 466 e segs., condenando-se o
recorrente nas custas do incidente, com taxa de justiça fixada em 3 (três) UC –
cfr. artº. 16º do C. Custas Judiciais.
A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora deste despacho que
considerou sem efeito o recurso por si interposto, tendo na motivação respectiva
(a fls. 18 e seguintes) formulando as seguintes conclusões:
1º O mandatário do recorrente, por mero lapso, em vez de autoliquidar e pagar,
juntando o respectivo documento comprovativo, a taxa de justiça por interposição
do recurso, no montante de 2 UC, tão só o fez com a 1 UC, ficando, portanto, em
dívida, 1 UC, como remanescente.
2° Em consequência, foi o mandatário do recorrente notificado, em 04.03.2005,
para, “no prazo de cinco dias, apresentar o documento comprovativo do pagamento
autoliquidado da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, e proceder
ao pagamento da sanção prevista no artigo 80°, n.° 2, do CCJ, conforme guia que
se junta, uma vez que o pagamento efectuado através do depósito autónomo com o
NIP 310029260 não corresponde ao devido nos presentes autos”.
3° A mencionada guia não discrimina claramente as verbas integrantes do valor
cujo pagamento era solicitado, referindo-se, tão só, ao montante total de 178 €,
mesmo quando no descritivo se lê, confusamente “Taxa de Justiça Sanção (Penal) —
art.80º/2”.
4º A guia em questão deveria ter especificado que metade do valor total
apresentado (178 €), correspondia à parte da taxa de justiça não paga, e que a
outra metade dizia respeito à sanção, de montante igual, à taxa de justiça em
dívida. Sanção que, no caso concreto, se traduzia em mais 1 UC.
5º A mesma guia apontava o dia 17.03.2005 como data-limite para a realização do
pagamento do montante dela constante, excedendo, assim, o prazo de 5 dias
estabelecido no art. 80°/2 do CCJ.
6º Por força dos deveres de informação, transparência e lealdade que impendem
sobre a administração pública, o mandatário do recorrente confiou na data-limite
fixada na guia, efectuando o pagamento e apresentando o respectivo comprovativo
dentro do prazo nela fixado, dando, assim, cumprimento ao consignado no n.° 2 do
art. 80° do CCJ, tal como lhe foi solicitado pela notificação e pela guia de
pagamento que a acompanhou
7º Confundido por um inesperado telefonema, de 18.03.2005, efectuado amavelmente
por um funcionário do Tribunal, alertando o mandatário do recorrente para uma
pretensa falta de pagamento de mais 1 UC que correspondia a um remanescente da
taxa de justiça devida, aquele, não interpretando correctamente o n.º 2 do art.
80º do CCJ, procedeu, na mesma data, ao pagamento de mais 1 UC, cujo
comprovativo apresentou no próprio dia 18.03.2005, no convencimento, aliás, de
que faltava pagar, ainda, aquele valor.
7° Induzida em erro por tal pagamento e pela data em que foi efectuado —
18.03.2005 — ou seja, no dia imediato à data-limite constante da guia enviada ao
mandatário do recorrente em 03.03.2005, a Ex.ma Juiz proferiu o douto despacho
de fls. 502, ora recorrido, considerando sem efeito o recurso interposto a fis.
466 e seguintes dos autos, ao abrigo do n°3 do art. 80° do CCJ, por entender que
o recorrente, tendo embora realizado o pagamento “no prazo da guia que lhe foi
enviada para o efeito, não juntou” o respectivo comprovativo “senão em
18.03.2005, portanto, para além do prazo”.
8° Ora, o recorrente não só efectuou o pagamento dentro do prazo fixado na guia
que lhe foi remetida, como, dentro do mesmo prazo, juntou aos autos o respectivo
comprovativo. Além disso, ainda fez, embora indevidamente, o pagamento de 1 UC.
9° Tendo dado cumprimento integral ao disposto no n.° 2 do art. 80° do CCJ, não
pode, em justiça, ser considerado sem efeito o recurso interposto pelo
recorrente, ao abrigo do que reza o n°3 do mesmo normativo, ou seja, por
“omissão do pagamento das quantias devidas”.
10º Aliás note-se que o n°3 do art. 80° do CCJ aponta a “omissão do pagamento
das quantias referidas no número anterior”.
11º Acontece que o douto despacho, de que ora se recorre, explicitamente afirma
que o recorrente realizou o pagamento (solicitado justamente com base no n°2 do
art. 80° do CCJ) dentro do prazo estabelecido na guia que, para o efeito, lhe
foi remetida. Todavia, o douto despacho recorrido dá o recurso sem efeito por o
recorrente não haver junto aos autos o respectivo comprovativo, “senão em
18.03.2005 e, portanto, para além do prazo fixado”.
12° Sucede que o recorrente não só realizou o pagamento no prazo fixado na guia,
como, dentro do mesmo prazo, juntou aos autos o respectivo comprovativo. O que,
se bem se julga, retira todo o fundamento legal ao douto despacho recorrido.
13° Fundamento legal que, por outro lado, também se afigura faltar, na medida em
que o douto despacho recorrido expressamente aponta a não junção ao autos do
comprovativo de um pagamento efectuado dentro do prazo como razão exclusiva da
decisão de considerar sem efeito o recurso interposto pelo recorrente do douto
despacho de fls. 502, ora recorrido.
14° Tal despacho, do modo como foi proferido, foi, aliás, além do permitido pelo
n°3 do art. 80º do CCJ, que comina tal sanção apenas para o caso de “omissão do
pagamento das quantias referidas no número anterior”. Donde concluir-se que o
douto despacho, ora recorrido, violou o princípio da tipicidade por que se rege
o direito sancionatório.
15º Em suma, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por
outro que ordene o prosseguimento do recurso, especificamente ordenando a sua
subida ao Venerando Tribunal da Relação de Évora, pois, assim, se fará a devida
e boa JUSTIÇA.
Por acórdão de 20 de Março de 2007 (a fls. 29 e seguintes), o Tribunal da
Relação de Évora, em conferência, negou provimento ao recurso, mantendo
integralmente o despacho recorrido.
Inconformado com este acórdão, A. dele interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, nos seguintes termos (fls. 48 e seguintes):
[….]
Pretende assim o ora Recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade das normas
contidas no art° 80.º, n.ºs 2 e 3, do Código das Custas Judiciais, na redacção
que lhe foi conferida pelo Dec-Lei n.° 324/2003, de 27-12, aplicadas pela
decisão recorrida;
Porquanto, tais normas afrontam os artigos 2°, 18º, n.º 2, 20°, n.ºs 1 e 4 (in
fine), e 32º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
O Recorrente somente agora reputa de inconstitucionais as normas referidas,
porquanto às mesmas não lhe foi dada oportunidade de com elas se conformar.
Isto é, não lhe foi pessoalmente notificada a decisão cominatória da preclusão
do seu direito ao recurso por via da alegada omissão da apresentação do
documento comprovativo da taxa de justiça devida pela interposição do recurso da
sentença penal condenatória, que não da sua falta de pagamento.
Por conseguinte, entende o Recorrente que tais normas ofendem directamente os
princípios constitucionais da proporcionalidade, sub princípio do Estado de
Direito, de acesso aos Tribunais e a um processo equitativo e das garantias de
defesa, neste se integrando o direito ao recurso.
Porquanto, a aplicação de tais normativos, no âmbito do processo penal,
efectuada no douto acórdão proferido por essa Relação não atentou nas
consequências advindas de tais princípios constitucionais, os quais restringem
intoleravelmente o acesso ao direito, na vertente de um processo justo com
respeito pela possibilidade das partes poderem pleitear sem que possam ver
precludida a sua actividade processual por razões de tardia apresentação nos
autos dos comprovativos do pagamento das taxas legais para o acesso ao mesmo,
que não a omissão deste, ademais, quando não lhe são pessoalmente notificadas
tais preclusões, o que põe em causa as garantias de defesa do ora Recorrente e o
seu direito ao recurso e a ver examinada a sua causa por forma justa e
equitativa, conforme também comanda o art° 6º da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem, directamente aplicável pelo art° 16º da nossa Lei Fundamental.
Por despacho de 29 de Novembro de 2007, não foi admitido o recurso de
constitucionalidade, pelos seguintes fundamentos (fls. 52):
Apreciando o requerido de fls. 92 a 95, afigura-se que a decisão proferida não é
recorrível dado que a questão da inconstitucionalidade das normas não foi
suscitada no processo.
Assim, ao abrigo do disposto nos artºs. 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da
Lei nº 28/82, de 15.Nov., na redacção actual, não se admite o recurso interposto
para o Tribunal Constitucional.
A. reclamou deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, pelos seguintes
fundamentos (fls. 10 e seguintes):
1) O Reclamante interpôs recurso do despacho proferido a fls..., dos autos de
processo comum singular, o qual correu termos pelo 1º Juízo - 1ª Secção do
Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo sob o P.° 687/02.OTACTX, onde, por sua
vez, não lhe foi admitido o recurso que havia interposto da sentença final,
porquanto teria omitido a junção aos autos do comprovativo do pagamento da taxa
de justiça devida pela respectiva interposição, assim desconsiderando as normas
contidas no artº 80.º, n.ºs 2 e 3, do CCJ, na redacção conferida pelo Dec-Lei
n.° 324/2003, de 27/12.
2) Desse despacho, como disse, interpôs recurso para a Relação de Évora, o qual
foi admitido, e por esta Relação, mediante acórdão, julgado o mesmo
improcedente, pelo que manteve a decisão tomada na 1ª instância.
3) Do acórdão proferido, veio o Reclamante interpor recurso de
constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.° 1, do art° 70°,
da Lei 28/82, de 15-11, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.° 85/89, de
7-09, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26-02, porquanto entendeu que naquele se fez
interpretação inconstitucional das normas constantes da acima citada disposição
do CCJ.
4) Assim, o Recorrente assacou à interpretação daquela norma efectuada pelo
douto acórdão recorrido, a violação das disposições constitucionais vazadas nos
arts. 2º, 18º, n.° 2, 20º, n.º 1 e 4 (in fine) e 32º, n.° 1, todos da
Constituição, o que fez no respectivo requerimento com que interpôs o recurso de
constitucionalidade.
5) Para tanto, aduziu neste que somente, após a prolação do acórdão recorrido, o
fazia, porquanto anteriormente não lhe tinha sido facultada oportunidade para o
fazer, na medida em que não lhe foi notificada pessoalmente a decisão
cominatória da preclusão do seu direito ao recurso por via da alegada omissão de
apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida
pela interposição do recurso da sentença condenatória.
6) Todavia, o Exmo. Desembargador Relator proferiu despacho de não admissão do
recurso interposto, porquanto entendeu não ser a decisão proferida recorrível
por não ter sido suscitada a questão da inconstitucionalidade no processo.
7) Ora, o Reclamante insurge-se contra tal entendimento, isto porque a alínea em
causa que prevê que a questão de inconstitucionalidade seja suscitada “durante o
processo”, conceito a que se refere o despacho reclamado, não deve ser entendido
no seu sentido “formal”, mas num sentido “funcional”. Bem assim nas situações
excepcionais ou anómalas, com o é o caso vertente, já que o Reclamante não teve
oportunidade de suscitar tal questão de inconstitucionalidade até à decisão
final, por falta da dita admonição do efeito preclusivo da norma aplicanda, para
o que o mesmo deve ser dispensado de tal exigência a que se reporta o despacho
reclamado.
8) Na verdade, o Reclamante não teve conhecimento, nem a ele lho foi dado
pessoalmente, das consequências preclusivas do seu direito ao recurso da
sentença final condenatória que necessariamente lhe poderiam advir da omissão da
junção aos autos do comprovativo da taxa de justiça devida pela sua
interposição, cujo pagamento efectuou. Ademais também não lhe era exigível juízo
de prognose da possibilidade de tal efeito decorrente da norma cuja
inconstitucionalidade arguiu no requerimento de interposição de recurso, por
força de imposição de ónus que sobre si impenderia de a suscitar
antecedentemente à prolação da decisão recorrida, porquanto, rectas contas, pois
dele não lhe foi dado conhecimento por molde a com ele se poder motivar.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se nos seguintes termos (fls. 54 v.º):
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, o ora reclamante não suscitou, durante o processo (isto é, no âmbito
do recurso que endereçou ao Tribunal da Relação) a questão de
constitucionalidade a que reportou o recurso de fiscalização concreta – sendo
óbvio que, ao contrário do que afirma, teve, para tanto, plena oportunidade
processual, face à natureza da questão processual que constituirá objecto da
impugnação deduzida.
II. Fundamentação
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a suscitação pelo recorrente, durante o processo, da questão da
inconstitucionalidade da norma ou interpretação normativa que submete à
apreciação do Tribunal Constitucional.
E, nos termos do artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei, tal questão só se considera
suscitada durante o processo se o for perante o tribunal que proferiu a decisão
de que se recorre para o Tribunal Constitucional, em termos de aquele tribunal
estar obrigado a conhecer dessa questão.
Ora, verifica-se que, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de
Évora (o tribunal ora recorrido), o recorrente não imputou qualquer
inconstitucionalidade às normas do artigo 80º, n.º s 2 e 3, do Código das Custas
Judiciais – as normas que, no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, indica como constituindo o objecto deste recurso –, sendo
certo que a aplicação destas normas pelo tribunal ora recorrido era
perfeitamente previsível, pois que tais normas já haviam sido aplicadas no
despacho então recorrido (o despacho de 4 de Abril de 2005), que foi
integralmente mantido.
E, nestes termos, não podendo entender-se a decisão recorrida como uma decisão
surpresa, não estava o recorrente dispensado de suscitar atempadamente a questão
de constitucionalidade, sendo irrelevante que o tenha vindo a fazer no
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, já após
a prolação da decisão recorrida.
Termos em que deve manter-se o despacho ora reclamado, que não admitiu o recurso
para o Tribunal Constitucional.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão