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Processo n.º 337/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. EP - Estradas de Portugal , E.P.E., expropriante no processo de
expropriação por utilidade pública que a opõe aos expropriados A. e B., interpôs
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do Tribunal da
Relação de Guimarães que manteve a sentença que considerara que, no cálculo da
indemnização por expropriação de uma parcela de terreno em que estava implantado
um edifício de habitação, se incluem os montantes correspondentes à penalização
que os expropriados tiveram de suportar em consequência da liquidação
antecipada e à perda de bonificação de juros de um empréstimo bancário contraído
para a construção da casa, bem como ao custo de registos e os emolumentos para
aquisição de nova casa e despesas de mudança.
2. Prosseguindo o recurso, o expropriante apresentou alegações em
que conclui nos termos seguintes:
“1ª Do princípio constitucional da justa indemnização decorre, para o
legislador, a necessidade de, ao definir os respectivos critérios de cálculo,
tomar em consideração, quer a “vertente do interesse público” quer o “princípio
da igualdade de encargos” entre os cidadãos.
2ª. O critério fixado no Código das Expropriações para alcançar a compensação
integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados e para garantir
que estes, em comparação com outros cidadãos, não sejam tratados de modo
desigual e injusto, é o valor real e corrente do bem (art. 23º do CE/99) -
também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem
expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido
normativo.
3.ª A observância do “princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos
públicos” na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada
de uma indemnização integral ou de uma compensação total do dano infligido ao
expropriado, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual
natureza e valor.
4.ª A teoria da substituição funciona apenas em “sentido figurado” ou
“abstractamente”, já que o sujeito expropriado não pode ser indemnizado do
conjunto das despesas reais e concretas que tiver de fazer para readquirir um
bem do mesmo tipo ou qualidade daquele de que se viu privado;
5.ª Isto mesmo se consagra no artigo 23.º, nº 1, do actual Código das
Expropriações, ao impor que a justa indemnização visa «ressarcir o prejuízo que
para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e
corrente do bem» (sublinhado nosso);
6.ª Assim, ao contrário do que se sustentou no douto acórdão em crise, não
integram o conceito de justa indemnização as quantias alegadamente gastas pelos
expropriados por «circunstâncias relacionadas com o empréstimo» concedido para
aquisição da construção implantada na parcela, bem como os custos com «eventuais
registos e emolumentos a despender com a aquisição de uma nova residência e, bem
assim, com os custos derivados da mudança de residência».
7.ª É inconstitucional a norma contida no nº 1 do artigo 23º do Código das
Expropriações (1999), quando interpretada no sentido de incluir na justa
indemnização o conjunto das despesas reais e concretas que o expropriado tiver
de fazer para readquirir um bem do mesmo tipo e qualidade daquele de que se viu
privado.
TERMOS EM QUE, deverá dar-se provimento ao presente recurso, devendo o acórdão
recorrido ser reformado em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade da
norma contida no nº1 do artigo 23º do Código das Expropriações (1999), quando
interpretada no sentido de incluir na justa indemnização o conjunto das despesas
reais e concretas que o expropriado tiver de fazer para readquirir um bem do
mesmo tipo e qualidade daquele de que se viu privado, assim se fazendo justiça!”
Os expropriados também alegaram, tendo concluído nos seguintes
termos:
“Iª O disposto no artº 23º nº 1 do C. E. tem de ser interpretado à luz do
princípio da igualdade, consagrado no artº 13 da C.R.P.
IIª À luz deste princípio e na sua vertente da relação externa da expropriação,
deve a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um
tratamento desigual entre os expropriados e os não expropriados
IIIª A observância do mesmo princípio, quanto à igualdade dos cidadãos perante
os encargos públicos, exige que a expropriação seja acompanhada de uma
indemnização integral do dano sofrido.
IVª Assim a única interpretação constitucionalmente admissível para o artigo 23
nº 1 do Código de Expropriações é a que aplicando o dito princípio de igualdade
inclui no prejuízo suportado pelo Expropriado também as despesas que este terá
para adquirir um bem de igual natureza e qualidade.
Vª O conceito de “justa indemnização” tem uma abrangência muito maior do que
aquela que o limita à ideia de uma mera substituição de um bem pelo seu valor
real e corrente.
VIª É dominante na doutrina sobre expropriações o entendimento de que a
reposição da situação patrimonial dos Expropriados, só se verificará na situação
de a indemnização englobar, além do valor de mercado do bem expropriado, também,
o ressarcimento de outros prejuízos patrimoniais causados directa e
necessariamente pela expropriação na esfera jurídica patrimonial dos
expropriados (desvalorização da parte sobrante, etc.) e, ainda, as despesas
necessárias para substituir o bem expropriado por outro equivalente
VIIª Constitui imperativo constitucional, consagrado no C.E. e, ainda, na
doutrina mais autorizada, ressarcir-se os Expropriados de todos os prejuízos e
despesas, sofridos pela expropriação, de modo a ficarem numa situação semelhante
à que possuíam antes de terem sido afectados com a expropriação.
VIIIª O critério do valor de mercado contempla, apenas, o valor que seria
necessário despender para adquirir um bem semelhante, esquecendo a perspectiva
dos expropriados, que terão de suportar uma série de despesas para substituir o
bem que lhe foi subtraído.”
II - Fundamentos
3. Recordemos o essencial do litígio, no que respeita ao problema em
que se insere a questão de constitucionalidade.
Num processo de fixação da indemnização por expropriação por
utilidade pública de uma parcela em que estava implantada uma casa, os
expropriados pediram que o montante indemnizatório incluísse, a mais do valor do
bem, o correspondente a outros prejuízos que imputam ao acto expropriativo, a
saber: os montantes que tiveram de suportar em consequência da perda da
bonificação do juro e da liquidação antecipada de um empréstimo que haviam
contraído para a construção da casa, bem como os custos de registo e emolumentos
para aquisição de uma nova casa e as despesas inerentes à mudança de residência.
O tribunal de 1.ª instância, perfilhando o entendimento de que a observância do
princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos exige que a
expropriação por utilidade pública seja acompanhada por uma compensação integral
do dano infligido ao expropriado, acolheu esta pretensão, incluindo no cômputo
da indemnização uma parcela de € 2.678,39, a título de despesas acrescidas com a
liquidação do empréstimo (despesas comprovadas), e outra de € 10.000, para
cobrir os custos de registos e emolumentos relacionados com a aquisição de uma
nova casa e as despesas com a mudança de residência (calculados segundo juízos
de experiência comum).
O expropriante sustentou, em recurso para a Relação, que essas
quantias não integram o conceito de “justa indemnização” por expropriação, sendo
inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da igualdade
(artigo 13.º da CRP) e da justa indemnização (n.º 2 do artigo 62.º da CRP), a
norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações, quando interpretado
no sentido de incluir na indemnização o conjunto de despesas reais e concretas
que o expropriado tiver de fazer para readquirir um bem do mesmo tipo e
qualidade daquele de que se viu privado.
A esta questão respondeu o acórdão recorrido nos seguintes termos:
“Quanto aos custos com a transferência de residência, novo empréstimo, registos,
emolumentos e mudanças, questão fulcral das conclusões, subscrevemos as
considerações do Prof. Alves Correia transcritas na decisão recorrida:
“A obrigação de indemnização por expropriação por utilidade pública não se
confunde com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por
factos ilícitos, pelo risco e pela violação dos deveres contratuais. Ao passo
que esta abrange todas as perdas patrimoniais do lesado e cobre não só o
prejuízo causado, mas também os benefícios que deixou de obter em consequência
da lesão, tendo como objectivo colocá-lo na situação em que estaria se a
intervenção não tivesse tido lugar, aquela engloba apenas a compensação pela
parte patrimonial suportada e tem por finalidade a criação de uma nova situação
patrimonial correspondente e de igual valor. De uma maneira geral, entende-se
que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma
integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem
expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao
seu valor de compra e venda” – “As Garantias do Particular na Expropriação por
Utilidade Pública”, p.128 e 129”.
Quanto à inconstitucionalidade invocada na conclusão 7ª, o mesmo autor dá
resposta a esta questão na obra (O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade,
cit., p. 532 e ss.) ao defender que o conceito constitucional de «justa
indemnização» leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização
meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da
igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação.
Atendo-nos apenas à primeira e à segunda dimensões – aquelas que têm a ver com o
princípio da justiça da indemnização visto na direcção do expropriado –,
dir-se-á, com o autor referido, que no conceito de justa indemnização vai
implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os
critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal (blösse
Nominalentschädigung), a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a
uma indemnização simplesmente aparente. Estar-se-á perante uma indemnização
meramente simbólica quando, por exemplo, a lei, baseando-se num critério
abstracto, que não faça qualquer referência ao bem a expropriar e ao seu valor
segundo o seu destino económico, permite indemnizações que não se traduzem numa
compensação adequada do dano infligido ao expropriado.
Segundo o autor citado, o princípio da igualdade, como elemento normativo
inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por
expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de
comparação: o princípio da igualdade no âmbito relação interna e o principio da
igualdade no domínio da relação externa da expropriação.
No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com
os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num
montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A
observância do «princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos
públicos» na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada
de uma indemnização integral (volle Entschcädigung) ou de uma compensação
integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a
indemnização por expropriação possua um «carácter reequilibrador» em beneficio
do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se
traduzir numa «compensação séria e adequada» ou, noutros termos, numa
compensação integral do dano suportado pelo particular.”
Segundo Pedro Elias da Costa a indemnização só será justa se conseguir repor a
situação económica do expropriado, nomeadamente, se possibilitar “fazer face às
despesas que terá de suportar para substituir o bem expropriado por outro
equivalente (ex: custos com aquisição de nova habitação, custo com transporte de
mobílias, custos com, a feitura dos registos, obtenção de documentos, etc.)”.
Daqui resulta claramente que essas despesas têm de ser consideradas para o
efeito do cálculo da indemnização pela expropriação, pois que, se assim não
fosse, o expropriado não veria o dano económico sofrido integralmente
ressarcido, não acarretando tal indemnização qualquer inconstitucionalidade.
Não colhem, pois, as conclusões da apelante.
Nestes termos, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso,
mantendo-se a decisão recorrida.”
4. O n.º 1 do artigo 23.º, que é a norma básica do Código das
Expropriações quanto ao conteúdo da indemnização, dispõe que “[a] justa
indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade
expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da
expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu
destino efectivo e possível numa utilização económica normal, à data da
declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e
condições de facto existentes naquela data”.
O acórdão recorrido interpretou esta norma como abrangendo no
montante indemnizatório a arbitrar ao expropriado não só o correspondente à
perda do direito ou da substância da coisa objecto de expropriação (o valor do
bem expropriado), mas também as despesas necessárias (os prejuízos subsequentes
ou derivados) para que o expropriado substitua o bem de que o acto ablativo o
privou por outro equivalente.
Convém, todavia, delimitar mais rigorosamente o objecto do recurso
porque a norma efectivamente aplicada tem um alcance mais restrito do que esta
formulação poderia inculcar.
Na verdade, o entendimento de que a indemnização pela expropriação deve
consistir na atribuição ao expropriado de um montante que lhe permita substituir
o bem de que foi privado por outro equivalente – o critério do valor de
substituição que, na dialética argumentativa, poderia parecer que o acórdão
recorrido aceitou como sentido normativo a extrair, sem reserva, do referido
conceito legal de “justa indemnização” – não foi aplicado na máxima extensão que
a fórmula indicada pelo recorrente poderia comportar.
Com efeito, a indemnização correspondente ao valor do bem expropriado foi
determinada segundo os critérios referenciais objectivos constantes dos artigos
26.º e 28.º do Código das Expropriações, cujo resultado tenderá para o valor de
substituição mas não coincide necessariamente com ele. Essa componente do
montante indemnizatório – o que poderemos designar por indemnização principal ou
da substância – não foi objecto de recurso para a Relação. Abrangido pelo
recurso para a Relação e, subsequentemente, pelo âmbito de aplicação do sentido
questionado da norma é, somente, o que respeita à indemnizabilidade, a este
título, das despesas ou custos colaterais inerentes à reposição da situação em
que o expropriado se encontrava e em que não incorreria se não fosse o acto
expropriativo. Isto é, tendo presente que se trata de um recurso de fiscalização
concreta de constitucionalidade, só está em causa a verificação da conformidade
com o princípio constitucional da “justa indemnização” da referida norma
interpretada como comportando a inclusão, no cômputo da quantia devida ao
expropriado a título de indemnização por expropriação, do montante
correspondente aos prejuízos patrimoniais subsequentes ou derivados que sejam
consequência directa e necessária da expropriação do prédio por utilidade
pública e que não respeitem ao valor deste, calculado de acordo com os critérios
estabelecidos nos artigos 26.º a 28.º do Código.
Em segundo lugar, convém relembrar que ao Tribunal Constitucional
não compete senão apreciar a conformidade de tal sentido normativo aos
parâmetros constitucionais pertinentes.
Assim, não cabe no presente recurso verificar a realidade (ou razoabilidade) de
tais despesas ou custos e a efectividade do nexo causal entre cada uma delas e o
acto expropriativo, nem fixar a melhor interpretação do direito ordinário,
designadamente, saber que significado atribuir, nesse âmbito, ao facto de os
Códigos das Expropriações de 1991 e 1999 não conterem disposição expressa
semelhante à da parte final do n.º 1 do artigo 28.º do Código das Expropriações
de 1976 (“ O prejuízo do expropriado mede-se pelo valor real e corrente dos bens
expropriados, e não pelas despesas que haja de suportar para obter a
substituição da coisa expropriada por outra equivalente”). Tudo isso é matéria
de aplicação do direito ordinário ao caso concreto.
5. Seja permitido referir, sem preocupações de exaustão, que estas majorações ou
indemnizações acessórias, correspondendo a prejuízos decorrentes do acto
expropriativo mas que não se compreendem no estrito valor real e corrente da
coisa, são também aceites noutras ordens jurídicas próximas da nossa.
Assim, segundo FERNANDO ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da
Igualdade, pag. 551 (nota 152), a jurisprudência alemã admite a indemnização, em
geral, dos custos ou danos resultantes directamente da expropriação que não
tenham cobertura no valor real do bem: a diminuição do valor do terreno sobrante
no caso de expropriação parcial; os custos da mudança de habitação, de
estabelecimento comercial ou industrial e de local de exercício de profissão
liberal; os custos para a transferência de um serviço; a perda de determinado
círculo de clientes; as despesas necessárias para a realização de uma reunião.
No direito francês entende-se que o carácter integral da reparação implica que,
independentemente da indemnização principal, representando o valor patrimonial
do elemento desaparecido (o edifício, o terreno, etc.), o expropriado deve
receber indemnizações acessórias correspondendo a diversas espécies de
prejuízos, entre eles os custos de substituição inerentes ao “reemprego” da
parte da indemnização correspondente ao valor da coisa na aquisição de outra da
mesma natureza (Code de L'Expropriation, art. R.13-46: 'L'indemnité de remploi
est calculée compte tenu des frais de tous ordres normalmente exposés pour
l'aquisition de biens de même nature moyennant un prix égal au montant de
l'indemnité principale ') e as despesas de mudança e reinstalação e os custos de
registo (Cfr. RENÉ HOSTIOU, Code de L'Expropriation, págs. 47 e segs. e págs.
157 e segs e JEAN -MARIE AUBY e PIERRE BON, Droit Administratif des Biens, 3.ª
ed., pág. 480).
Em Espanha (cfr. EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA e TOMÁS-RAMON FERNANDEZ, Curso de
Derecho Administrativo, II, 2.ª ed., pag. 274), entende-se que a objectivação do
valor dos bens ou direitos expropriados não impede que se indemnizem
acessoriamente os prejuízos que tenham origem na operação expropriatória, uma
vez que do que se trata é de proporcionar ao expropriado um valor de
substituição que lhe permita repor tudo o que a expropriação lhe tira e
recuperar, em consequência, todas as utilidades reais que para ele supunha o
objecto expropriado.
Aliás, entre nós, esta ideia de a indemnização dever cobrir outros prejuízos
patrimoniais, causalmente ligados ao acto expropriativo e diversos daqueles que
estão compreendidos no estrito valor da coisa expropriada, está presente, em
maior ou menor medida, noutras disposições do Código das Expropriações,
designadamente, no n.º 2 do artigo 29.º (depreciação ou necessidade de vedação
das partes sobrantes), na parte final do n.º 4 do artigo 30.º (prejuízos da
paralização da actividade comercial ou industrial ou do exercício de profissão
liberal exercida pelo arrendatário no local expropriado, durante o período
necessário para a transferência para o novo local) e no artigo 31.º
(indemnização pela interrupção da actividade comercial, industrial, liberal ou
agrícola do proprietário expropriado).
6. Retomando a questão de constitucionalidade, o que se pretende que o Tribunal
decida é se a norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações,
interpretada de modo a incluir na indemnização atribuída ao proprietário
expropriado uma parcela destinada a compensá-lo das despesas que tenha de
suportar para substituir o bem expropriado por outro equivalente e que se não
compreendam no valor do bem (ou direito) expropriado, determinado segundo os
critérios referenciais dos artigos 26.º e seguintes do referido Código, viola o
princípio da “justa indemnização”
Reconhece-se que a questão assim colocada – de infracção por excesso
ao referido princípio constitucional – mereceria resposta negativa imediata para
quem entendesse que o sentido da consagração do direito à “justa indemnização”
por expropriação no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição é, apenas, aquele que
corresponda a uma dimensão favorável ao expropriado. Com efeito, poderia
considerar-se duvidoso que, de um enunciado que institui uma condição à
expropriação por utilidade pública (ou de validade das normas
infraconstitucionais que comportem um efeito expropriativo), inserido num
preceito constitucional primacialmente dirigido à garantia da propriedade, se
retire a possibilidade de inviabilizar normas que garantam uma indemnização
que, não sendo inferior ao valor do bem, possa ser considerada (ao abrigo de
algum critério) como mais ampla que um valor «aceitável» desse bem.
Porém, não é este (unidireccional ou de mera garantia do expropriado) o
entendimento que a jurisprudência deste Tribunal – pelo menos a jurisprudência
maioritária, podendo colher-se uma elucidativa indicação das nuances ou
divergências da jurisprudência do Tribunal a este propósito, embora aplicadas a
um problema particular, no Acórdão n.º 469/2007, publicado no Diário da
República, II Série, de 30 de Outubro de 2007 – tem feito do conceito de “justa
indemnização” inserto no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição. O Tribunal tem
considerado, numa leitura desta norma constitucional em conjugação com o
princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, estar vedado
ao legislador adoptar um critério de determinação do valor da indemnização por
expropriação que conduza ou consinta a inclusão de elementos de valorização
puramente especulativos ou anómalos, de tal modo que a expropriação seja factor
de um locupletamento manifestamente injusto a favor do expropriado.
Segundo esta orientação, para ser justa a indemnização por expropriação não deve
criar a favor do expropriado uma situação mais vantajosa do que a dos
proprietários não expropriados em idênticas circunstâncias (vertente externa do
princípio da igualdade na relação de expropriação). A questão tem-se colocado a
propósito da avaliação como terrenos para construção de parcelas situadas em
áreas a que os instrumentos de ordenamento do território não reconhecem essa
potencialidade, designadamente em área de RAN ou REN. Mas o princípio é válido
em geral. Como se repetiu no acórdão n.º 275/2004 por transcrição dos acórdãos
n.ºs 333/2003 e 557/2003 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
“[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa
razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia
invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante
indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era
para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma
situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante
fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento
injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser
indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado,
os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na
REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não
alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente
estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre
os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a
propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização,
obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não
expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam
os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não
expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir
ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso,
não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser
desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública.
Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode
ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção.”
Vale por dizer que a indemnização deve ser justa, tanto do ponto de vista da
satisfação do interesse do particular expropriado, como do ponto de vista da
realização do interesse público.
É, pois, pertinente averiguar se a norma em causa – com aquele conteúdo
indemnizatório que consente ou impõe, na interpretação adoptada pela decisão
recorrida – viola o princípio da “justa indemnização” ou o princípio da
igualdade. Sendo que a afirmação da violação deste último princípio, quando se
confrontam com ele normas respeitantes à determinação da indemnização por
utilidade pública, significa o reconhecimento (pelo menos implícito) de que com
tal critério se infringe, por defeito ou excesso, o princípio da 'justa
indemnização', que é o parâmetro constitucional específico e o ponto de partida
para a convocação do princípio da igualdade enquanto revelador (ou elemento de
densificação) do sentido directo e imediato do qualificativo “justo” aposto a
indemnização.
7. Sucede que a componente indemnizatória agora em consideração não
é identificável com aquelas hipóteses de inclusão de elementos de valorização do
bem expropriado, sem atender aos condicionamentos legais ou regulamentares ao
seu aproveitamento susceptíveis de afectar a determinação do respectivo valor em
condições normais de mercado, relativamente às quais o Tribunal tem
maioritariamente, considerado ocorrer violação do princípio da igualdade na
relação externa da expropriação.
O que agora está em apreciação é uma situação (uma dimensão normativa) bem
diversa. Aprecia-se uma interpretação das normas respeitantes ao cálculo ou à
determinação da indemnização por expropriação (recte, na vinculação processual
do presente recurso de fiscalização concreta, a norma extraída do n.º 1 do
artigo 23.º do Código das Expropriações) que atenda a prejuízos reais, directa e
necessariamente decorrentes do acto expropriativo e que acresçam ao valor do
bem, que se somem à parcela indemnizatória calculada por referência a esse
valor.
Na situação sob exame, não se trata de saber se o proprietário
expropriado sai manifestamente favorecido relativamente aqueles proprietários
sujeitos a idênticas limitações legais ou regulamentares e que não foram
“contemplados” com a expropriação, mas de saber se o conceito de “justa
indemnização” consente que, além do valor do bem, se compensem despesas em que
só o expropriado incorreu e em que ele apenas tenha incorrido ou tenha de
incorrer por virtude do acto expropriativo ou para substituir o bem expropriado
por outro do mesmo tipo e de idêntico valor ou utilidade.
8. A resposta positiva que o acórdão recorrido deu a esta questão
encontra justificação na observância do princípio da igualdade na relação
externa da expropriação, que é um elemento material densificador do conceito
constitucional da “justa indemnização”, como o Tribunal tem repetido. O
expropriado acabaria por suportar um sacrifício patrimonial especial se, por
esta ou por outra via, não lhe fosse atribuída uma compensação pelas despesas
que, embora não fazendo parte da “perda de substância” e não estando, por isso,
incluídos no valor real e corrente do bem expropriado (no seu valor de mercado,
normativamente entendido), derivam directa e necessariamente do acto
expropriativo.
A compensação das despesas em que o expropriado tenha de incorrer para
concretizar a entrega da coisa ou adquirir um bem que lhe proporcione utilidade
idêntica à daquele de que foi privado não o enriquece injustamente à custa do
expropriante. Pelo contrário, é um meio idóneo para evitar que o interesse
público que justifica a expropriação recaia de modo especial sobre o sujeito
expropriado que, além do sacrifício do seu concreto direito de propriedade
mediante a submissão à “alienação forçada” inerente à expropriação, vê a sua
situação patrimonial anormalmente afectada por aquelas despesas necessárias para
transformar o valor da coisa expropriada (o montante pecuniário correspondente à
substância) noutro bem da mesma natureza, capaz de lhe proporcionar utilidade
idêntica à daquele de que foi privado (v. gr., as despesas notariais e de
registo para aplicação do valor do bem na aquisição de outro do mesmo tipo e as
despesas de mudança do recheio, no caso de expropriação de um edifício).
Incluindo o correspondente a essas maiores despesas que o acto de desapossamento
faz especialmente incidir sobre o expropriado, designadamente aquelas em que
incorra para readquirir um bem do mesmo tipo e qualidade daquele que foi objecto
de expropriação, porque só assim cobre a integralidade do prejuízo directo,
material e certo causado pelo acto expropriativo, o montante indemnizatório
mantêm-se nos limites da correcção dos efeitos patrimoniais lesivos directamente
decorrente desse acto. São despesas ou custos que redundam em decréscimo da
situação patrimonial do expropriado e que o atingem de modo diferenciado
relativamente aos restantes proprietários de bens da mesma natureza, que não
tenham sido expropriados.
Ora, o direito à justa indemnização é a concretização do princípio
da igualdade de todos perante os encargos públicos, princípio este que resulta,
por seu turno, da aplicação ao domínio do património privado daqueles valores
gerais que exigem a criação de um direito que seja igual, proporcional e não
arbitrário. Todos juntos estes princípios geram uma regra que pode ser enunciada
do seguinte modo: sempre que o bem comum exigir que certo ou certos particulares
sofram sacrifícios patrimoniais que sejam de índole grave e especial, por
excederem em natureza e intensidade os encargos normais que são impostos a todos
pelas necessidades da vida colectiva, fica o Estado obrigado a compensar a perda
anormal que infligiu. A justa indemnização é a corporização desta regra (MARIA
LÚCIA AMARAL, Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador,
pág. 573).
Assim, mesmo que, porventura, se entendesse que a compensação de tais prejuízos
poderia fazer-se ao abrigo de outro instituto ou por outros meios processuais –
o que, atendendo ao objecto do recurso não cumpre agora dilucidar –, o certo é
que a sua consideração, no âmbito do processo de expropriação e como componente
da indemnização aí calculada, não exorbita do reestabelecimento da situação
patrimonial afectada pelo acto expropriatório e, consequentemente, não pode ser
taxada de injusta.
Pode, pois, concluir-se que a dimensão normativa em apreciação,
abrangendo na indemnização por expropriação prejuízos patrimoniais
necessariamente decorrentes do acto expropriativo que especialmente incidem
sobre o expropriado, realiza o princípio da igualdade de contribuição para os
encargos públicos, não violando, por conseguinte, o princípio da justa
indemnização consagrado no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, condenando-se a recorrente
em custas com 25 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 21 de Abril de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão