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Processo nº 86/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal de 31 de Outubro de 2007.
2. Em 26 de Fevereiro de 2008, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do nº 1
do artigo 78º-A da LTC, com os fundamentos que se seguem:
«Face ao teor do requerimento de interposição de recurso, importa começar por
averiguar se o recorrente estava dispensado do ónus da suscitação prévia da
questão de inconstitucionalidade.
Estabelece a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC – norma ao abrigo da qual
foi interposto o presente recurso – que cabe recurso para o Tribunal
Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Nos presentes autos, o recorrente admite que a questão da constitucionalidade do
artigo 400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal, não foi suscitada em
qualquer peça processual anterior ao requerimento de interposição de recurso,
sustentando que, tendo o recurso sido admitido na Relação de Lisboa, não teve o
Recorrente oportunidade processual de a suscitar antes.
Sucede, porém, que o recorrente foi expressamente alertado para a interpretação
do artigo 400º, nº 1, alínea f), cuja constitucionalidade pretendia ver
apreciada, quando lhe foi notificada a resposta do Ministério Público à
motivação do recurso por si interposto. Nesta peça processual, produzida já
depois do despacho judicial que admitiu o recurso, sustentou-se, justamente, a
inadmissibilidade do recurso por força da alínea f) do nº 1 do artigo 400º do
Código de Processo Penal, pelo que o recorrente teve oportunidade de suscitar a
questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que veio a proferir a
decisão recorrida, pelo menos em tal momento processual. Para além do mais, na
medida em que a decisão de admissão do recurso não vinculava o Supremo Tribunal
de Justiça (artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal), o recorrente podia
e devia ter antecipado a interpretação que veio a ser feita da alínea f) do nº 1
do artigo 400º do Código de Processo Penal.
Não havendo qualquer razão para dispensar o recorrente do ónus da suscitação
prévia da questão de inconstitucionalidade, decorrente do preceituado nos
artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC, há que concluir pelo não
conhecimento do objecto do recurso, justificando-se a prolação da presente
decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos
do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os fundamentos seguintes:
«1°
A decisão em apreço não tomou conhecimento do objecto do recurso, porquanto o
Recorrente não estaria dispensado do ónus da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade, já que, a um tempo, poderia tê-la invocado depois da
notificação da resposta do Ministério Público à motivação do recurso, a outro
tempo, poderia ter antecipado a questão aquando da interposição do recurso, uma
vez que a decisão da admissão não vincularia o STJ.
2°
Não tem manifestamente razão tal linha de argumentação.
3º
Quanto ao primeiro argumento, é sabido que não é processualmente admissível
resposta do recorrente à resposta do Ministério Público à motivação do recurso,
pelo que, se então o tivesse feito, seria naturalmente confrontado com despacho
a determinar o desentranhamento dessa peça processual e a condenar em custas por
incidente anómalo.
4º
Quanto ao segundo argumento, também não colhe, porque o recorrente sabia que,
caso o recurso não fosse admitido, sempre teria direito a reclamar de tal
despacho para o Presidente do STJ, onde – então sim – deveria suscitar a questão
de inconstitucionalidade; acontece que o recurso foi admitido, pelo que o
primeiro acto processual contra o qual cabia reagir era, como foi, a decisão
pendente do presente recurso.
5º
Não cabe na estratégia de uma defesa ter de antecipar todas as argumentações
possíveis, ademais quando, perante uma decisão desfavorável, sempre estaria a
tempo de suscitar a questão da inconstitucionalidade.
6º
Ressalvado o devido respeito, a tese da decisão sumária ofende mesmo o direito a
um processo equitativo que o art. 6° da CEDH salvaguarda, uma vez que obrigaria
a defesa a antecipar, fora do tempo, argumentações desfavoráveis, o que seria
processualmente perverso.
7°
Por último, não pode o arguido deixar de reagir contra a condenação em 7 UC, o
que, em qualquer caso, julga ser manifestamente desproporcionado e iníquo em
função dos critérios previstos no art. 9º do D.L. n° 303/98, de 7 de Outubro».
4. Notificado, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal
respondeu-lhe nos termos seguintes:
«1º
Parece-nos ter razão o reclamante ao afirmar que, no caso dos autos, não teve
oportunidade processual de – em resposta às posições assumidas pelo Ministério
Público – suscitar a questão de constitucionalidade da norma definidora da
admissibilidade do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça: na verdade, o
arguido/recorrente não goza da possibilidade de replicar à motivação do recurso
do Ministério Público/recorrido – sendo certo que o arguido não foi neste caso,
notificado do parecer exarado, a p. 2003, pelo representante do Ministério
Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.
2°
Nem por isso deverá, todavia, proceder a presente reclamação: na verdade, e como
nota a decisão reclamada, a p. 2049, poderá entender-se que cabia ao recorrente
o ónus de, ao interpor recurso – e bem sabendo o teor de uma relevante corrente
jurisprudencial sobre a interpretação da alínea f), do n° 1, do artigo 400º -
colocar logo, em termos liminares, a questão da respectiva
inconstitucionalidade.
3°
Para além disso, importará notar que a questão de constitucionalidade suscitada
sempre teria de considerar-se como manifestamente infundada, face ao reiterado
entendimento deste Tribunal Constitucional sobre o âmbito, constitucionalmente
assegurado, de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, mesmo no caso de ocorrer
concurso de infracções que não implique aplicação de pena superior ao limite
previsto naquela alínea f)».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A decisão sumária agora reclamada fundou-se no facto de não haver qualquer
razão para dispensar o recorrente do ónus da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade formulada no requerimento de interposição de recurso
(artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC): o recorrente foi
expressamente alertado para a interpretação do artigo 400º, nº 1, alínea f),
cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada, quando lhe foi notificada a
resposta do Ministério Público à motivação do recurso por si interposto; o
recorrente podia e devia ter antecipado a interpretação que veio a ser feita da
alínea f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, na medida em que a
decisão de admissão do recurso não vinculava o Supremo Tribunal de Justiça
(artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal).
Contrariando esta argumentação, o reclamante sustenta que não é processualmente
admissível resposta do recorrente à resposta do Ministério Público à motivação
do recurso. É um facto que o artigo 413º do Código de Processo Penal não prevê
expressamente uma tal resposta, mas a circunstância de a resposta à motivação do
recurso ser notificada aos sujeitos processuais por ela afectados, segundo o nº
3 daquele artigo, não pode deixar de ter um sentido útil. Acresce que este
Tribunal tem entendido que não deve adoptar-se um entendimento tão estrito da
exigência constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que exclua peças
processuais não típicas ou normais, já que a razão de ser de uma tal exigência é
que o Tribunal Constitucional não seja confrontado com uma questão nova (neste
sentido, cf. Acórdão nº 102/95, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Tanto assim é que este Tribunal tem decidido que é de dar como verificado o
requisito em causa nos casos em que houve desentranhamento prévio de
requerimento ad hoc, se a suscitação da questão de inconstitucionalidade
normativa tiver ocorrido antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal
recorrido (neste sentido, cf. Acórdãos nºs 17/2007 e 71/2007, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
Por outro lado, o reclamante sustenta que não lhe era exigível que antecipasse a
interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça veio a fazer do artigo 400º, nº
1, alínea f), do Código de Processo Penal, quando recorreu do acórdão do
Tribunal da Relação de Évora. Deve notar-se, desde logo, na linha de
argumentação do reclamante, que a rejeição da possibilidade de questionar a
constitucionalidade de uma norma em requerimento autónomo arrasta o entendimento
de que a questão de constitucionalidade devia ter sido suscitada quando foi
interposto o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Acresce que, face à interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça vinha
fazendo da alínea f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal era
exigível que o recorrente antecipasse a decisão de rejeição do recurso quando
recorreu do Tribunal da Relação, bem sabendo que a admissão do recurso no
tribunal recorrido não vincula o tribunal para onde se recorre (artigo 414º, nº
3, do Código de Processo Penal). De resto, só mesmo a suscitação naquele momento
processual abriria, garantidamente, antecipando todas as vicissitudes
processuais possíveis, a via do recurso de constitucionalidade ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC. Sobre o recorrente impende, de facto, o
ónus de suscitar previamente a questão de inconstitucionalidade, em coerência
com o disposto na Constituição da República Portuguesa quanto à competência do
Tribunal Constitucional para reapreciar questões já julgadas pelo tribunal
recorrido (alínea b) do nº 1 do artigo 280º). E daí que só em casos anómalos,
quando o recorrente não dispôs de oportunidade processual para questionar a
constitucionalidade de uma norma durante o processo, haja conhecimento ex novo
da questão de inconstitucionalidade. Situação que, manifestamente, não se
verifica nos presentes autos.
2. O reclamante questiona, ainda, o montante da taxa de justiça (sete unidades
de conta), que julga ser manifestamente desproporcionado e iníquo em função dos
critérios previstos no artigo 9º do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro. Sem
razão, porém, atenta a moldura estabelecida no nº 2 do artigo 6º do mesmo
diploma: nas decisões sumárias a que se refere o nº 1 do artigo 78º-A a taxa de
justiça é fixada entre 2 UC e 10 UC.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 10 de Abril de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão