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Processo n.º 1083/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são
recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo das alíneas b) e g) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele
Tribunal de 11.10.2007, para apreciação:
− Ao abrigo da referida alínea b), da inconstitucionalidade da norma do artigo
188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), na «interpretação segundo a
qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de
telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público
conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o
arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua
relevância», por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição;
− Ao abrigo da citada alínea g), da aplicação da enunciada interpretação, já
julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 660/06
(publicado no Diário da República, 2ª série, de 10.01.2007).
2. O presente recurso emerge de processo de instrução a correr termos no 3.º
Juízo Criminal de Sinta, no qual foi proferido despacho, em 05.02.2007, que
indeferiu a invocada nulidade das intercepções telefónicas efectuadas nos autos
e decidiu, na parte que agora releva, que «a circunstância de ter sido
determinada a desmagnetização das sessões telefónicas sobre as quais não recaiu
despacho de transcrição em nada contende com o direito de defesa dos arguidos,
pois o conteúdo das transcrições efectuadas será sempre susceptível de
contradição por estes».
Desse despacho os arguidos, aqui recorrentes, interpuseram recurso para o
Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 11.10.2007, negou provimento
ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Neste acórdão, ora recorrido, adere-se aos argumentos constantes do voto de
vencida da Juiz Conselheira Maria Fernanda Palma, aposto ao Acórdão n.º 660/2006
do Tribunal Constitucional, e conclui-se que «o controle jurisdicional das
intercepções telefónicas efectuadas nos autos se mostra feito de acordo com o
regime legal à data das mesmas vigente e a destruição ordenada mostra-se
conforme a tal regime bem como à interpretação dos preceitos constitucionais
invocados.»
3. Os recorrentes alegaram, concluindo da forma seguinte:
«1) O Tribunal da Relação interpretou o n.º 3 do artigo 188.º do CPP com não
sendo inconstitucional o entendimento de permitir ao juiz de instrução destruir
todo o material não seleccionado, sem antes o arguido dele ter conhecimento e
consequentemente pronunciar-se sobre a sua relevância;
2) Foram postos em escuta vários números de telefone em que foram escutados os
ora recorrentes, tendo o material sido destruído por não interessar à
investigação ou para a prova;
3) As conversas destruídas, poderiam ter sido usadas pelos arguidos na sua
defesa, contextualizando as seleccionadas como relevantes para a prova;
4) A norma constante do n.º 3 do artigo 188.º do CPP, ao ordenar a destruição do
material não seleccionado, numa fase anterior às partes interessadas terem total
acesso às escutas, está ferida de inconstitucionalidade material, por violação
expressa das garantias de defesa por parte dos arguidos nos termos do artigo
32.º, n.º 1, da CRP;
5) Deve ser declarada inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 188.º do CPP,
por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, na interpretação segundo a
qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de
telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público
conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o
arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua
relevância.»
4. O representante do Ministério Público neste Tribunal apresentou
contra-alegações onde conclui o seguinte:
«Não é inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 188.º, do Código de Processo
Penal (redacção anterior à actualmente vigente), no segmento que estabelece a
destruição dos elementos considerados não relevantes, quando interpretada no
sentido de que o arguido não tem que deles tomar conhecimento.»
5. Por despacho de fls. 478 foi determinado que os presentes autos aguardassem a
decisão do Plenário deste Tribunal sobre idêntica questão de
inconstitucionalidade.
Cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
6. No Acórdão n.º 70/2008, de 31.01.2008 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), do Tribunal Constitucional, decidiu-se não
julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.° 3, do Código de Processo
Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando
interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material
coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem
que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o
eventual interesse para a sua defesa.
Este acórdão foi tirado em Plenário do Tribunal, por determinação do seu
Presidente, nos termos do artigo 79.º-A da LTC, para evitar divergências
jurisprudenciais.
É esta jurisprudência, inteiramente aplicável ao caso em apreço, que aqui se
reitera, com a consequente improcedência do recurso, quer ao abrigo da alínea
b), quer ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
III − Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento aos recursos.
Custas pelos recorrentes, quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades
de conta.
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres (votei o precedente acórdão, sem prejuízo de manter
o juízo emitido na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 70/2008, por
entender dever acatar a orientação firmada em Plenário, cuja intervenção foi
determinada ao abrigo do artigo 79-A da Lei do Tribunal Constitucional)
Rui Manuel Moura Ramos (subscrevendo na íntegra a declaração do Senhor
Conselheiro Mário Torres)