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Processo n.º 120/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Na sequência de requerimento do Ministério Público foi proferido acórdão pelo
Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Dezembro de 2007, que decidiu:
“- Indeferir os pedidos de diligências requeridas pelo executado e dirigidas à
Direcção de Finanças de Coimbra, DIAP e inquirição de testemunhas;
- Por se não verificar causa obrigatória ou facultativa de recusa do mandado de
detenção dirigido pela Autoridade Judiciária neerlandesa à Autoridade Judiciária
portuguesa ordenar a entrega do cidadão A. à Autoridade Judiciária requerente
para cumprimento da pena de trezentos (300) dias de prisão, sob a condição de
ser assegurado pela Autoridade Judiciária competente que o executado terá,
depois de notificado da sentença condenatória, o direito de recorrer da
sentença que o condenou na pena supra mencionada ou ser submetido a novo
julgamento com a sua presença e com garantia dos direitos de defesa.”
O executado A. recorreu desta decisão, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por
acórdão de 9 de Janeiro de 2008, negado provimento ao recurso interposto.
O executado interpôs, então, recurso desta decisão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC,
requerendo a verificação de constitucionalidade das seguintes interpretações
normativas:
“ - Da norma do artigo 3º, n.º 1, al. c) e e), da Lei n.º 65/03, quando
interpretada no sentido de que quando se estiver perante um pedido de entrega
para cumprimento de uma condenação, o conteúdo do MDE de que se dá conhecimento
ao arguido não conter uma descrição circunstanciada das circunstâncias de tempo,
modo e lugar em que a infracção foi cometida, mesmo quando a sentença indicada
tiver sido proferida em julgamento sem a presença do arguido e inexistir
notificação da decisão da sentença condenatória.
- Da norma do artigo 3.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 65/03, quando interpretada
no sentido de admitir que para concretização das circunstâncias em que a
infracção foi cometida é bastante dar a conhecer ao arguido quais os tipos
legais de crime e respectiva epígrafe.
- Da norma do artigo 340, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de admitir que
o tribunal indefira um requerimento de produção de prova independentemente de um
juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da causa.
- Da norma resultante da interpretação conjugada do disposto nos artigos 3º, n.º
1, al. e), 11.º e 12.º da Lei n.º 65/03, numa dimensão normativa segundo a qual
o conteúdo do MDE não tem de abranger as informações necessárias à avaliação da
existência de causas de recusa de execução.”
Em 12-2-2008 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso
interposto, com a seguinte fundamentação:
“1. Dos requisitos de conhecimento do recurso de constitucionalidade
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas e já
não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais, em si mesmas consideradas.
Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo
70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da
verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade
haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão
recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões
normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Verifiquemos se este último requisito se encontra preenchido, relativamente às
interpretações normativas cuja constitucionalidade o recorrente questiona:
2. Da interpretação da norma do artigo 3º, n.º 1, al. c) e e), da Lei n.º 65/03,
no sentido de que quando se estiver perante um pedido de entrega para
cumprimento de uma condenação, o conteúdo do MDE de que se dá conhecimento ao
arguido não é obrigado a conter uma descrição circunstanciada das circunstâncias
de tempo, modo e lugar em que a infracção foi cometida, mesmo quando a sentença
indicada tiver sido proferida em julgamento sem a presença do arguido e
inexistir notificação da decisão da sentença condenatória.
Relativamente a esta questão, lê-se o seguinte no acórdão do
S.T.J.:
“São três as fases que o processo de decisão sobre a execução do mandado de
detenção europeu comporta:
1. A apreciação da suficiência das informações e da regularidade do mandado
(conteúdo e forma) — artigo 16º, n.º 2 a 4;
2. A detenção e audição da pessoa procurada — artigos 16º, n.ºs 5 e 6, 17º e
18º;
3. A decisão sobre a execução do mandado — artigos 20º e 22º.
Debruçando-nos sobre a primeira fase do procedimento, a da apreciação da
suficiência das informações e da regularidade do mandado de detenção,
constatamos que a lei a elege como antecedente prévio e necessário, condição
essencial da fase seguinte, a da detenção e audição da pessoa procurada.
Com efeito, da hermenêutica do n.º 5 do artigo 16º resulta claramente que só
após a sindicação da suficiência das informações e da regularidade do mandado, o
que tem lugar em despacho liminar a proferir pelo juiz relator — n.º 2 do artigo
16º —, é ordenada a entrega daquele para detenção da pessoa procurada.
Prevendo a lei, no caso de insuficiência das informações, a solicitação das
informações complementares necessárias — n.º 3 do artigo 16º.
Informações cujo juízo de suficiência deverá ter especialmente em conta, de
acordo com a parte final do n.º 2 do artigo 16º, o concreto conteúdo do mandado
de detenção estabelecido no artigo 3º.
Conteúdo que a lei, sob a epígrafe de direitos do detido (artigo 17º, n.º 1),
impõe seja dado a conhecer à pessoa procurada, ao estabelecer que a pessoa
procurada é informada, quando for detida, da existência e do conteúdo do mandado
de detenção europeu.
Em consonância com o disposto no n.º 5 do artigo 18º que, vai mais além, impondo
ao juiz relator, aquando da audição do detido, que o elucide sobre a existência
e o conteúdo do mandado de detenção e sobre o direito de se opor à execução do
mandado ou de consentir nela e os termos em que o pode fazer, bem como sobre a
faculdade de renunciar ao benefício da regra da especialidade.
Conteúdo que, de acordo com o n.º 5 do artigo 16º, é determinante para a entrega
do mandado, tendo em vista a detenção da pessoa procurada, no sentido de que,
não constando do mesmo as informações exigidas pelo artigo 3º, o juiz não pode
ordenar o prosseguimento do procedimento, isto é, não pode ordenar a detenção
da pessoa procurada.
O que bem se percebe.
Com efeito, só depois de o juiz se certificar da legalidade do mandado de
detenção, com verificação dos pressupostos formais e materiais que a lei exige
para a validade e exequibilidade do mesmo, pode ordenar a sua entrega ao
Ministério Público para que providencie pela detenção da pessoa procurada.
Conteúdo que a lei, repete-se, impõe seja dado a conhecer ao detido, já que
essencial para que o mesmo possa exercer o seu direito de audição e de oposição
ao mandado, ou seja, o seu direito de intervenção no acto, maxime de defesa, com
respeito pelo contraditório.
É que, como se consignou no acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Outubro de
2006, resulta do disposto no artigo 21º, n.º 2, da Lei n.º 65/03, que a oposição
da pessoa procurada pode ter por fundamentos o erro na identidade do detido ou a
existência de causa de recusa do mandado de detenção europeu, causas de recusa
previstas nos artigos 11º e 12º, consoante se trate de recusa imposta ou
facultativa.
Donde que o conhecimento do conteúdo do mandado de detenção é conditio sine qua
non de um adequado exercício do direito de defesa, postulado, ao menos, no
artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República, tendo em conta, nomeadamente,
que só conhecendo o conteúdo do mandado de detenção se poderá saber, por
exemplo, se a infracção foi amnistiada (artigo 11º, alínea a), se a pessoa
procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro
(alínea c) do artigo 11º), se a infracção é punível com pena de morte ou com
outra, pena de que resulte lesão irreversível da integridade física (artigo 11º,
alínea c) se está pendente em Portugal procedimento criminal contra a pessoa
procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção (artigo 12º,
n.º 1, alínea b).
Por outro lado, o conteúdo do mandado de detenção, concretamente a descrição da
natureza e qualificação jurídica da infracção, bem como a descrição das
circunstâncias em que foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de
participação nela assumido pela pessoa procurada, também são imprescindíveis
para que a mesma possa pronunciar-se sobre a faculdade de renunciar ao beneficio
da regra da especialidade e, em último termo, sobre se deseja ou deve consentir
seja executado o mandado de detenção ou, ao invés, opor-se à sua execução.
No caso vertente, como já se deixou subentendido, a detenção do ora recorrente
pela autoridade policial, sua apresentação em tribunal e acto de audição não
tiveram por base mandado de detenção, antes a inserção de indicação no SIS,
documentação que, no entanto, produz os mesmos efeitos do mandado, desde que
acompanhada das informações referidas no n.º 1 do artigo 30º.
Certo é que o mandado de detenção europeu foi apresentado e junto aos autos
antes de proferido o acórdão recorrido, como se vê de fls. 83 a 87.
Examinando o teor da indicação inserida nos S1S verificamos que, ao contrário do
alegado pelo recorrente, da mesma constam todas as informações impostas pelo n.º
1 do artigo 3º, com excepção da indicação da força executiva da sentença.
Com efeito, para além da identificação da pessoa procurada, ali se dá conta da
qualificação jurídica das infracções (fls. 14), com referência directa aos
dispositivos legais que as prevêem (fls.14) e indicação do limite máximo da pena
aplicável (fls. 14), bem como das circunstâncias em que foram perpetradas (fls.
18 e 19), com menção da data da sua prática (fls. 15), do lugar do seu
cometimento e do grau de participação nelas assumido pela pessoa procurada
(fls. 15) e, bem assim, da pena aplicada (fls. 14).”
Da leitura deste excerto resulta claramente que não se perfilhou a opinião de
que o Mandado de Detenção Europeu não tem que conter uma descrição das
circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a infracção foi cometida, mesmo que
a sentença a executar tenha sido proferida em julgamento sem a presença do
arguido e inexistir notificação da decisão da sentença condenatória.
Antes se disse que tais requisitos eram necessários, mas que eles constavam do
SIS em causa, pelo que a interpretação normativa questionada não constituiu
ratio decidendi da decisão recorrida.
3. Da interpretação da norma do artigo 3.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 65/03,
quando interpretada no sentido de admitir que para a concretização das
circunstâncias em que a infracção foi cometida é bastante dar a conhecer ao
arguido quais os tipos legais de crime e respectiva epígrafe.
Da leitura do excerto acima transcrito no ponto 2, constata-se com clareza que a
decisão recorrida não sustentou em nenhum passo esta interpretação, tendo, antes
pelo contrário, referido que todo o conteúdo do mandado de detenção deveria ser
comunicado ao executado e que deste deveriam constar “a descrição da natureza e
qualificação jurídica da infracção, bem como a descrição das circunstâncias em
que foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação nela
assumido pela pessoa procurada”.
A interpretação normativa questionada não consta, pois, da ratio decidendi da
decisão recorrida.
4. Da interpretação da norma do artigo 340, n.º 1, do CPP, no sentido de admitir
que o tribunal indefira um requerimento de produção de prova independentemente
de um juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da causa.
Relativamente a esta questão, lê-se o seguinte no acórdão do
S.T.J.:
“Aquando da oposição apresentada à execução do mandado de detenção o ora
recorrente alegou, junto do Tribunal da Relação, que na sequência de inspecção
tributária de que foi alvo por parte da Direcção Distrital de Finanças de
Coimbra, motivada por documentação remetida pelas autoridades holandesas,
foi-lhe instaurado um processo de inquérito pelo Ministério Público, o qual
ficou suspenso nos termos do artigo 47º, do RGIT, no seguimento de impugnação
judicial por si apresentada, razão pela qual é possível que esteja a correr
termos em Portugal procedimento criminal contra si pelos mesmos factos pelos
quais foi condenado na sentença que subjaz ao mandado de detenção objecto dos
autos.
Com base em tal alegação, tendo em vista o motivo de recusa facultativa de
execução do mandado de detenção previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º,
requereu para prova do mesmo:
- A notificação da Direcção de Finanças de Coimbra para juntar cópia certificada
de todo o processo administrativo de liquidação de impostos referente a si
referente;
- A notificação da Direcção de Finanças de Coimbra para informar que
documentação remeteu ao Ministério Público no âmbito daquele processo ou de
qualquer outro que tenha sido instaurado, juntado cópia de todo o expediente;
- A notificação do Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra no
sentido de informar se foi instaurado contra si processo de inquérito e, em
caso afirmativo, por indícios de que crime e qual o estado actual do mesmo. Para
prova do alegado também arrolou duas testemunhas.
Na decisão recorrida o Tribunal da Relação, apreciando este fundamento de
oposição, bem como o pedido de produção de prova tendo em vista o apuramento dos
factos integrantes daquele motivo de recusa facultativa, após ter considerado
que o fundamento de oposição invocado mais não constitui que uma mera hipótese
ou conjectura, sendo baseado em situação ou possibilidade virtual, entendeu não
caber ao tribunal a produção da prova requerida, indeferindo esta e
considerando, por carência de invocação de causa plausível, inexistir a referida
causa de recusa facultativa.
Decidindo, dir-se-á.
O recorrente requereu ao Tribunal da Relação a produção de certa e determinada
prova tendo em vista o apuramento de factos susceptíveis de integrarem motivo
por si alegado de recusa facultativa do mandado de detenção europeu contra si
emitido, concretamente o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º —
pendência em Portugal de procedimento criminal contra a pessoa procurada pelo
facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu.
Sucede que o recorrente ao invocar aquele motivo de recusa facultativa fê-lo,
claramente, de forma deficiente e inconsistente, baseando-se em mera suposição,
partindo de meras conjecturas.
Na realidade, é o próprio recorrente que expressamente refere na conclusão
número 7 do requerimento de oposição que apresentou:
“Consagrando o artigo 12º, n.º 1, alínea b), da Lei em causa que a execução do
mandado de detenção europeu pode ser recusada quando estiver pendente em
Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a
emissão do mandado de detenção europeu e tendo o arguido conhecimento que na
sequência de uma acção de inspecção tributária que lhe foi feita pela Direcção
Distrital de Finanças de Coimbra, lhe foi instaurado um processo de inquérito
pelo Ministério Público, face ao teor do que consta do art. 9º do requerimento
inicial, é perfeitamente possível que esteja a correr termos em Portugal
procedimento criminal contra o arguido pelos mesmos factos»’
Ou seja, o recorrente fundamenta o motivo de recusa invocado no facto de ser
possível estar a correr termos em Portugal procedimento criminal contra si pelos
mesmos factos pelos quais foi condenado na sentença que subjaz ao mandado de
detenção objecto dos autos.
Indicando como razão dessa possibilidade o facto de aquele procedimento ter sido
instaurado na sequência de acção de inspecção fiscal efectuada pela Direcção
Distrital de Finanças de Coimbra com base em documentação enviada pelas
autoridades holandesas e a circunstância de ter sido condenado naquela sentença,
para além de outros dois crimes, num crime de natureza fiscal.
Convenhamos que é pouco, mesmo muito pouco, para arguir o motivo de recusa
facultativa do mandado de detenção previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º
da Lei nº 65/03.
A arguição assim apresentada, produzida na base de uma mera suposição,
evidentemente que carece de relevância, sendo, por isso, legalmente
inatendível, razão pela qual bem andou o Tribunal da Relação ao indeferir o
pedido de produção de prova apresentado pelo recorrente, decisão que,
obviamente, não contende minimamente com o princípio constitucional segundo o
qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa.”
Da leitura deste excerto resulta também claramente que a decisão recorrida não
entendeu que o tribunal possa indeferir um requerimento de produção de prova
independentemente de um juízo sobre a sua desnecessidade para a boa decisão da
causa, antes tendo apreciado o juízo que nesses termos foi efectuado pelo
tribunal recorrido e concordado com ele, pelo que a interpretação normativa
questionada não constituiu manifestamente ratio decidendi da decisão recorrida.
5. Da interpretação conjugada do disposto nos artigos 3º, n.º 1, al. e), 11.º e
12.º da Lei n.º 65/03, numa dimensão normativa segundo a qual o conteúdo do MDE
não tem de abranger as informações necessárias à avaliação da existência de
causas de recusa de execução.
Esta questão colocada pelo recorrente reporta-se à decisão sobre a prescrição
do procedimento criminal suscitada pelo recorrente.
Relativamente a essa decisão lê-se o seguinte no acórdão do S.T.J.:
Invoca o recorrente que o Tribunal da Relação não deu resposta à questão por si
suscitada relativa à prescrição do procedimento criminal, sendo certo que, há
muito, decorreram os prazos de prescrição do procedimento criminal e da pena.
Observação prévia a fazer é a de que o recorrente, aquando da oposição que
deduziu ao mandado de detenção, não arguiu a prescrição da pena, antes e tão-só,
a da prescrição do procedimento criminal, razão pela qual não pode vir agora
suscitar aquela questão, visto que o recurso visa somente a sindicação da
decisão impugnada e não o conhecimento de questões novas
Certo é que o recorrente ao arguir a excepção de prescrição do procedimento
criminal se limitou a alegar (artigo 35º do articulado de oposição e número 9
das conclusões ali formuladas) que: «Face aos elementos dos autos constantes é
de admitir a prescrição do procedimento criminal, situação, aliás, de
conhecimento oficioso».
Por essa razão e perante os elementos constantes dos autos, o Tribunal da
Relação ao conhecer esta concreta questão, o que fez de fls. 117 (fls.28 do
acórdão) in fine a fls. 19 (fls. 30 do acórdão), após enunciar este fundamento
de oposição, limitou-se a considerar não ocorrer nenhuma causa de recusa
obrigatória ou facultativa de execução do mandado de detenção.
Não incorreu, pois, o Tribunal da Relação na nulidade arguida.
Relativamente à questão de findo dir-se-á que dos elementos constantes dos
autos, designadamente do mandado de detenção, resulta não se verificar a causa
de recusa facultativa de execução do mandado de detenção invocada pelo
recorrente, causa prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 12º, quer no que
concerne ao procedimento criminal quer no que tange à pena.
Certo é que esta causa de recusa facultativa atinente à prescrição do
procedimento criminal e da pena tem por pressuposto que os tribunais portugueses
sejam competentes para conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado
de detenção.
Os crimes que subjazem ao mandado de detenção europeu são os de omissão de
declaração de pagamento de salários a funcionários (artigo 100, da Lei Holandesa
de Coordenação da Segurança), falsificação de documento (artigo 225º, n.º 2, do
Código Penal Holandês) e falência fraudulenta (artigo 341º, n.º 3, do Código
Penal Holandês).
Como resulta do mandado de detenção, todas as infracções objecto do mesmo foram
cometidas por cidadão holandês em vários locais da Holanda.
Atento o que preceitua a lei substantiva penal sobre a aplicação da lei no
espaço — artigos 4º a 7º —, os tribunais portugueses carecem de competência para
conhecimento dos crimes que motivaram a emissão do mandado de detenção, uma vez
que todos eles foram praticados na Holanda, não se enquadrando qualquer deles na
previsão do artigo 5º.
Também se mostra improcedente, pois, o recurso nesta parte”.
Da leitura deste excerto resulta também claramente que a decisão recorrida não
sustentou que o Mandado de Detenção Europeu não tem de abranger as informações
necessárias à avaliação da existência de causas de recusa de execução.
Na verdade, o acórdão recorrido não abordou tal questão, uma vez que a mesma não
se revelou necessária para a decisão da oposição que estava subjacente à
enunciada interpretação, ou seja a prescrição do procedimento criminal.
Na verdade, a decisão recorrida considerou que devido aos tribunais portugueses
carecerem de competência para conhecimento dos crimes que motivaram a emissão
do mandado de detenção europeu, nunca poderia recusar o cumprimento do mandado
com fundamento no decurso do prazo de prescrição, atento o disposto no artigo
12.º, nº 1, e), da Lei nº 65/03.
A falta de dados necessários à verificação da prescrição do procedimento
criminal não foi, pois, fundamento da decisão recorrida, pelo que a
interpretação cuja inconstitucionalidade foi arguida também não integrou a ratio
decidendi daquela.
6. Conclusão
Do exposto resulta que nenhuma das interpretações normativas questionadas neste
recurso constitui ratio decidendi da decisão recorrida, pelo que, atenta a
natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, não é possível conhecer
do seu mérito, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos
do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
Desta decisão reclamou o recorrente para a conferência, com os seguintes
argumentos:
“1. Pré-compreensão e enquadramento jurídico da reclamação
Na impossibilidade de sindicar perante esse Tribunal a aplicação que permitiu ao
Supremo Tribunal de Justiça dar como preenchidos, face ao teor do SIS, os
requisitos impostos pelo artigo 3.º da Lei n.º 65/03, a presente reclamação
versa exclusivamente sobre a parte em que a douta decisão reclamada conclui que
a norma do artigo 340.º, n.º 1, do CPP, quando interpretada no sentido de
admitir que o tribunal indefira um pedido de produção de prova independentemente
de um juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da causa, “não
constituiu manifestamente ratio decidendi da decisão recorrida”, na medida, de
acordo com o exposto, se entendeu que o Supremo apreciou o juízo que foi
efectuado pela Relação e concordou com ele.
Apesar do reclamante ter alguma dificuldade em entender a concreta motivação que
determinou a contestanda proposição conclusiva – acreditando que a mesma não
pode apenas ser autorizada pela menção de que foi apreciado o juízo do tribunal
recorrido e houve concordância com ele que poderá concluir-se pela não aplicação
da norma em causa –, o verdadeiramente decisivo é que, da leitura dos
fundamentos decisórios lavrados nas instâncias, acaba por colher-se, claramente,
que a requerida prova acabou por ser indeferida à margem de qualquer juízo que
sobre a sua necessidade para a boa decisão da causa.
O executado alegou perante o Tribunal da Relação um facto absolutamente
inequívoco, qual fosse o de se encontrar a correr em Portugal um processo de
inquérito instaurado pelo Ministério Público na sequência de uma acção de
fiscalização da Administração Fiscal também suportada em documentação remetida
pelas autoridades holandesas.
Desconhecendo o teor da sentença condenatória e sem olvidar as omissões factuais
constantes do mandado e o curtíssimo prazo de defesa, o arguido, que não tinha
ao seu imediato dispor quaisquer elementos que lhe permitissem, com toda a
certeza, afirmar que o procedimento criminal aqui instaurado contendia com os
factos pelos quais fora condenado, perante aquela realidade afirmou “ser
possível que esteja a correr termos em Portugal procedimento pelos mesmos
factos” e requereu, de modo a que se pudesse concluir pela existência da causa
de recusa prevista no artigo 12.º, n.º 1, b), da Lei 65/03, que a Direcção de
Finanças fosse notificada para juntar cópia do competente processo
administrativo e para informar qual a documentação que remetera ao Departamento
de Investigação e Acção Penal de Coimbra desse ou de outro processo que tivesse
sido instaurado contra o ora reclamante.
Estava assim em causa a realização de diligências probatórias direccionadas a
demonstrar a sobrevivência de uma situação de facto cuja existência se admite,
lógico-inferativamente, à luz dos dados adiantados, como perfeitamente possível,
pelo que se pretendia confirmar a existência desse facto, que, a verificar-se,
constituía causa de recusa da execução do mandado.
2. A(s) ratio(nes) decidendi do(s) Acórdão(s) recorrido(s)
O artigo 340.º do CPP, na sua formulação literal dispõe que
“o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os
meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da
verdade e à boa decisão da causa”.
Dando aqui por reproduzida toda a argumentação expendida pelas instâncias, e por
mais que o reclamante tente perscrutar o seu sentido e a ratio decidendi
normativa que lhe subjaz, não se vislumbra, no mínimo que seja, que o Tribunal
haja indeferido a requerida produção de prova com base num juízo na sua
desnecessidade para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da
causa.
Da panóplia de razões que podem colher-se a partir do impugnado substrato
decisório, acaba, inversamente, por resultar que os motivos justificadores da
decisão passam completamente à margem de uma ponderação autónoma e concretizada
na aferição dos critérios que determinam a produção probatória.
Ilustrando tal conclusão, atente-se no teor da motivação seguida nos autos.
No douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra:
“(…) o executado deveria ter trazido ao tribunal os elementos mínimos que
suscitassem um incentivo processual tendente a comprovar (...)”; “não parece
suportável que o tribunal seja compelido a solicitar elementos a uma entidade
com base em suposições e sem que o interessado em comprovar a factualidade que
alega induza a ideia de que houve da parte dessa entidade uma recusa ou uma
justificação para a não entrega da documentação que pretende exibir como prova”;
não “deve[ndo] ser o tribunal a realizar os actos que ao interessado em
demonstrar uma determinada razão devia levar a efeito”.
No douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
“o recorrente fundamenta o motivo de recusa invocado no facto de ser possível
estar a correr termos em Portugal procedimento criminal contra si pelos mesmos
factos pelos quais foi condenado (...) indicando como razão dessa possibilidade
o facto de aquele procedimento ter sido instaurado na sequência de acção da
inspecção fiscal efectuada pela Direcção Distrital de Finanças de Coimbra com
base em documentação enviada pelas autoridades holandesas (...); a arguição
apresentada, produzida na base de uma mera suposição, evidentemente que carece
de relevância, sendo por isso, legalmente inatendível, razão pela qual andou bem
o Tribunal da Relação ao indeferir o pedido de produção de prova”.
Como se vê, o Tribunal permitiu-se indeferir o requerimento de produção de prova
independentemente da formulação de um juízo autónomo sobre a sua necessidade
para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, mas apenas por a pretensão
do ora reclamante dizer respeito a factos incertos ou de verificação possível,
sem avaliar, com isso, se o conhecimento da situação de facto suposta seria, ou
não, importante para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
Ou seja, o Tribunal ficou a montante da ponderação das referidas exigências que
determinam a produção de prova, o que é comprovado pelo facto do juízo judicial
ser, à luz do decidido, completamente estranho, indiferente e independente
àquela avaliação.
Nestes termos, s.m.o., a decisão recorrida aplicou efectivamente a norma do
artigo 340.º do CPP interpretada no sentido de admitir que o tribunal indefira
um requerimento de produção de prova independentemente de (hoc sensu, por outros
motivos que não) um juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da
causa.”
O Ministério Público respondeu a esta reclamação da seguinte forma:
A presente reclamação é, a nosso ver, manifestamente improcedente.
É, na verdade, evidente que a – aliás vaga – interpretação normativa, delineada
pelo recorrente, não constitui “ratio decidendi” do acórdão recorrido.
O que esteve na base do decidido não foi qualquer entendimento jurisprudencial
atinente ao âmbito das diligências probatórias no procedimento em causa, mas a
interpretação de que – ao invocar o motivo de recusa facultativa do mandato de
detenção – carece o arguido de especificar, em termos minimamente concretizados
e conclusivos, a pendência contra si de processo de natureza criminal, não
bastando alegar vagamente a “mera suposição” de que, eventualmente, ele possa
estar em curso.
Matéria que, como é óbvio, nada tem que ver com a interpretação normativa
questionada pelo recorrente.”
*
Fundamentação
Na reclamação apresentada o recorrente apenas manifesta discordância quanto ao
não conhecimento da questão de inconstitucionalidade da interpretação normativa
do artigo 340.º, do C.P.P., “no sentido de admitir que o tribunal indefira um
requerimento de produção de prova independentemente de um juízo sobre a sua
(des)necessidade para a boa decisão da causa”.
A decisão reclamada optou pelo não conhecimento desta questão por entender que a
mesma não constituía ratio decidendi da decisão recorrida.
Da leitura da fundamentação do acórdão do S.T.J. de 9-1-2008 resulta que este
aresto confirmou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de indeferimento de
um pedido de produção de prova, apoiado no disposto do artigo 340.º, do C.P.P.,
por entender que a mesma respeitava a alegação duma mera suposição da
verificação da circunstância integrante do motivo de recusa facultativa do
mandado de detenção previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 12.º, da Lei n.º
65/03.
O acórdão recorrido perfilhou o entendimento que a alegação dessa “vaga
suposição” não era suficiente para que se desenvolvesse uma actividade
probatória, exigindo-se que o arguido especificasse, em termos minimamente
concretizados e conclusivos, a pendência contra si de processo de natureza
criminal.
Ora, este entendimento não coincide e não pode sequer conviver com uma posição
que admita que um requerimento para produção de prova possa ser indeferido
independentemente de um juízo sobre a sua necessidade para a boa decisão da
causa.
Na verdade, o argumento utilizado pelo acórdão recorrido para confirmar a
decisão de não admissão do requerimento foi precisamente um juízo de
desnecessidade do mesmo, em virtude dos meios de prova indicados recaírem não
sobre a alegação de um facto, mas sim sobre uma “vaga suposição”.
Não integrando, pois, a ratio decidendi do acórdão recorrido, a interpretação
normativa cuja constitucionalidade o recorrente pretendia ver sindicada, deve
ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A., da decisão sumária
proferida nestes autos em 12-2-2008.
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Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, do D.L. n.º 303/98, de 7 de
Outubro (artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma).
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Lisboa, 4 de Março de 2008
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos