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Processo n.º 1050/07
1ª Secção
Relator: Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I.Relatório
1.1.
No presente processo, o arguido A. recorreu para o Tribunal Constitucional ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro,
invocando “a inconstitucionalidade da anterior alínea e) do art. 400.º do CPP
interpretada no sentido de que a não admissão de um recurso sobre uma decisão
que rejeitou o recurso de uma decisão de um tribunal de 1ª instância não viola o
acesso ao direito e aos tribunais do recorrente, constitucionalmente consagrado
no art. 20º da CRP (…) e não viola o princípio da jurisdicionalidade,
constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da CRP, que garante ao
arguido todos os meios de defesa, incluindo o recurso”.
1.2.
Foi, no entanto, logo proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto
do recurso, com o seguinte fundamento:
“(…)
Os recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do disposto na alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional – LTC – (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela
Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro) obedecem à verificação cumulativa de
determinados pressupostos, de acordo com o prescrito no n.º 2 do artigo 72.º, no
n.º 2 do artigo 75.º- A do referido diploma e n.º 4 do artigo 280.º da
Constituição da República Portuguesa.
Entre eles, o de a norma cuja constitucionalidade se pretende sindicar ter sido
aplicada pela decisão de que se recorre na dimensão normativa questionada (ver,
entre outros, neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 497/94,
disponível para consulta em www.tribunalconstitucional.pt).
O recorrente defende que a não admissão do recurso se ficou a dever a uma errada
interpretação da lei e da Constituição, nomeadamente do artigo 400.º, n.º 1,
alínea e) do Código de Processo Penal.
Afirma que a interpretação que foi feita deste preceito “consubstancia uma dupla
rejeição do recurso interposto de uma sentença a todos os títulos nula por
alicerçada e fundamentada em pressupostos manifestamente nulos”.
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça aplicou a norma constante do artigo
400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal no sentido de que em
processo por crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a
cinco anos, não é admissível o recurso para aquele Supremo Tribunal.
A norma foi aplicada, na decisão, no sentido de que o recurso interposto não é
admissível em consequência do tipo de crime em questão (crime de tráfico de
menor gravidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º
e 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à
tabela I-C anexa ao referido Decreto-lei, na pena de um ano e seis meses de
prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos).
Resulta, deste modo, claro que não é possível afirmar-se que a norma em crise
tenha sido aplicada e interpretada com sentido normativo que o recorrente lhe
atribui.
Tal é bastante para que não possa conhecer-se do objecto do recurso interposto
pelo recorrente, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, na
medida em que, a decisão recorrida não fez aplicação da norma com o exacto
sentido ora questionado.
3. De todo o modo, o objecto do recurso foi já apreciado em diversas decisões
deste Tribunal.
Assim, nos Acórdãos n.ºs 209/90, 189/01, 265/94 e 49/03 (todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt), decidiu-se que os sujeitos processuais não têm o
direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz nas diversas fases processuais
e que o princípio das garantias de defesa apenas impõe ao legislador que
consagre a faculdade de recurso das decisões penais condenatórias bem como de
actos judiciais que tenham efeito na situação do arguido face à privação ou
restrição da sua liberdade; também nos Acórdãos n.ºs 682/06 e 487/06 (igualmente
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), a norma ora em causa interpretada
no sentido de não admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da
decisão condenatória proferida pela Relação em recurso de decisão absolutória da
1ª instância, foi considerada não inconstitucional.
Tanto bastaria para, no caso presente, se remeter para a firme jurisprudência
reiterada pelo Tribunal Constitucional, e julgar, dessa forma, improcedente o
recurso.
2.1.
Notificado da decisão, veio o recorrente reclamar, nos termos e com os
fundamentos seguintes:
“(…)
1. Serviu de fundamento à decisão sumária de não reconhecimento do recurso de
constitucionalidade interposto, o facto de esta ter considerado, que tanto o
Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, como o Colendo Supremo Tribunal de
Justiça terão efectuado uma correcta apreciação da anterior alínea e), do n.º 1
do art. 400º do CPP.
2. Mas, o Recorrente considera que as interpretações da lei, ainda que,
correctamente efectuadas, podem, ainda assim, violar preceitos constitucionais,
como é o caso.
3. Na verdade, e no entender do Recorrente, salvo melhor opinião, essa
interpretação é, no caso concreto, inconstitucional, por violação dos art. 20º e
32º, n.º 1 da CRP.
4. Se num julgamento, manifestamente, inquinado por ilegalidades e nulidades,
não tiverem sido assegurados ao arguido quaisquer possibilidades de recurso da
decisão, conforme foi o caso, estar-se-á, manifestamente a violar o duplo grau
de jurisdição em matéria penal.
5. Aliás, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa nem sequer teve conhecimento
da matéria de facto e de direito alegada pelo recorrente quando, liminarmente,
recusou o recurso.
6. Quando esse recurso tinha por base várias nulidades e irregularidades
invocadas, nomeadamente:
a) Nulidade das buscas efectuadas em casa do arguido;
b) Nulidade da confissão do arguido por preterição de formalidades legais;
c) Não ter sido efectuado, no julgamento, qualquer tipo de prova;
d) Não ter sido permitido o aperfeiçoamento do recurso conforme requerido pelo
arguido;
e) De não ter havido transcrição da prova (não) produzida em julgamento,
conforme requerido pelo arguido;
7. Ou seja, considerar que acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em
processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não
superior a cinco anos não sejam susceptíveis de recurso é uma coisa, tal como já
fizeram o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e o Colendo Supremo Tribunal
de Justiça.
8. Coisa bem diferente é, no entender do arguido/recorrente, requerer que essa
norma seja declarada inconstitucional quando interpretada no sentido de violar o
duplo grau de jurisdição no processo penal.
9. Assim, deve este Tribunal Constitucional admitir o recurso, para que as
inconstitucionalidades suscitadas possam ser apreciadas.
10. Por outro lado, o [...] relator da decisão sumária invocou como
fundamentação o facto de o objecto do recurso já ter sido apreciado em diversas
decisões deste Tribunal, com indicação dos Acórdãos nº 2009/90, 189/01, 265/94 e
49/03.
11. Mas, salvo o devido respeito, nesses Acórdãos não foram, de todo, apreciadas
as razões que levaram o recorrente a requerer a inconstitucionalidade da
referida norma.
12. Porquanto, como a própria douta decisão sumária refere, nesses Acórdãos
“decidiu-se que os sujeitos processuais não têm o direito de impugnar todo e
qualquer acto do juiz nas diversas fases processuais e que o princípio das
garantias de defesa apenas impõe ao legislador que consagre a faculdade de
recurso das decisões penais condenatórias, bem como de actos judiciais que
tenham efeito na situação do arguido face à privação ou restrição da sua
liberdade.” (sic)
13. Ora, se o arguido recorreu de uma decisão penal condenatória que o priva da
sua liberdade (um ano e seis meses de prisão, ainda que essa pena tenha ficado
suspensa, pelo período de três anos), o seu recurso deve ser admitido, nos
mesmíssimos termos em que esses Acórdão decidiram.
14. Mais, adianta a douta decisão sumária que também nos Acórdãos nº 682/06 e
487/065 foi proferida decisão de “não admitir o recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça da decisão condenatória proferida pela Relação em recurso de decisão
absolutória da 1.ª’ instância foi considerada não inconstitucional”.
15. Ora, neste caso nem sequer é essa situação que está em causa, mas sim a
anterior alínea e) do nº 1 do art. 400.º do CPP. Porque, no actual objecto do
recurso está em causa um Acórdão da Relação que nem condenou, nem absolveu.
16. Pois, muito simplesmente, limitou-se a não tomar conhecimento do objecto do
recurso interposto da decisão da 1.ª instância, quando essa decisão estava
inquinada por várias nulidades, entre elas a do próprio julgamento....
17. Por fim, o Colendo Juiz Conselheiro, Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça admitiu o recurso para apreciação das inconstitucionalidades invocadas
pelo recorrente, em despacho notificado ao arguido em 7 de Novembro de 2007.
18. Pelo que, nos termos do art. 79.º, nº 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
as alegações de recurso, junto deste Tribunal Constitucional, deveriam ser
enviadas para este Tribunal Constitucional, no prazo de 30 dias, ou seja, até 7
de Dezembro de 2007.
19. Foi isso que o Recorrente fez, tendo a sua entrega sido conseguida em 10 de
Dezembro de 2007, cfr. cópia do registo que se junta como doc. 1.
20. Logo, em 11 de Dezembro de 2007, data da decisão sumária, já sobre este
recurso não deveria ter sido proferida qualquer decisão sumária que
inviabilizasse o conhecimento do objecto do recurso, por esta ter sido
extemporânea, salvo melhor opinião.
21. Assim sendo, e uma vez que o arguido/recorrente já fez a entrega das suas
alegações junto deste Tribunal Constitucional devem estas ser objecto de análise
em Conferência, para que se decida sobre a admissibilidade do recurso, nos
termos do art. 78º-A, n.º 4.
22. Em suma, o que o recorrente pretendia e continua a pretender, é que este
Tribunal aprecie e declare a inconstitucionalidade da anterior alínea e) do art.
400.º do CPP, tal como foi explanado nas suas alegações, já apresentadas, e que
aqui se voltam a oferecer, no sentido de que seja declarada a
inconstitucionalidade:
a) da anterior alínea e) do art. 400.º do CPP interpretada no sentido de que a
não admissão de um recurso sobre uma decisão que rejeitou o recurso de uma
decisão de um tribunal de 1.ª instância não viola o acesso ao direito e aos
tribunais do recorrente, constitucionalmente consagrado no art. 20.º da CRP;
b) da anterior alínea e) do art. 400.º do CPP interpretada no sentido de que a
não admissão de um recurso sobre uma decisão que rejeitou o recurso de uma
decisão de um tribunal de 1.ª instância não viola o princípio da
jurisdicionalidade, consagrado no art. 32º, nº 1 da CRP, que garante ao arguido
todos os meios de defesa, incluindo o recurso, de que faz integralmente parte o
duplo grau de jurisdição em matéria penal.
c) da anterior alínea e) do art. 400.º do CPP interpretada no sentido de que a
não admissão de um recurso sobre uma decisão baseado num julgamento onde não
tinha sido efectuado qualquer tipo de prova, por a convicção do tribunal ter
ficado assente em buscas legalmente nulas e numa eventual confissão do arguido
que nunca se concretizou, não viola o princípio da jurisdicionalidade,
consagrado no art. 32º, nº 1 da CRP, que garante ao arguido todos os meios de
defesa, incluindo o recurso, de que faz integralmente parte o duplo grau de
jurisdição em matéria penal.
d) da anterior alínea e) do art. 400º do CPP interpretada no sentido de que a
não admissão de um recurso sobre uma decisão que não assegurou, minimamente, ao
arguido a possibilidade de responder à vista do Ministério Público antecedente
ao exame preliminar, por esta nunca ter existido, residindo nessa preterição uma
denegação do direito de defesa do arguido, incluindo o recurso, não viola o
princípio da jurisdicionalidade, consagrado no art. 32º, nº 1 da CRP, que
garante ao arguido todos os meios de defesa, incluindo o recurso, de que faz
integralmente parte o duplo grau de jurisdição em matéria penal.
e) da anterior alínea e) do art. 400.º do CPP interpretada no sentido de que a
não admissão de um recurso sobre uma decisão, onde não foi dada ao arguido
qualquer possibilidade de efectuar ou requerer a transcrição da prova efectuada
em julgamento, não viola o princípio da jurisdicionalidade, consagrado no art.
32º, nº 1 da CRP, que garante ao arguido todos os meios de defesa, incluindo o
recurso, de que faz integralmente parte o duplo grau de jurisdição em matéria
penal (…)”.
2.2.
O Ministério Público, por seu turno, entende que a reclamação é manifestamente
improcedente.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II.
Fundamentação
3.1.
Pode antecipar-se que a reclamação ora deduzida contra a decisão sumária – que
decidiu, em suma, não conhecer do objecto do recurso interposto pelo recorrente,
em virtude de a norma sindicada não ter sido aplicada pela decisão recorrida com
o sentido questionado pelo recorrente – não abala os fundamentos da mesma.
Com efeito:
É liminarmente de afastar a matéria alegada nos pontos 1 a 7 da reclamação, que
não constitui qualquer questão de constitucionalidade normativa, antes
representa discordância quanto à decisão recorrida, em si mesma considerada.
Todavia, as decisões proferidas pelos Tribunais não são – enquanto tal –
sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, nem mesmo quando se lhes imputa erro
de julgamento gerador de um resultado decisório desconforme com a Constituição –
que é o que parece resultar do texto da reclamação ora apresentada.
Além disso, o objecto do presente recurso de inconstitucionalidade – tal como se
retira do requerimento de interposição do recurso de fls. 127, conjugado com os
termos em que ocorreu a suscitação da questão perante o Tribunal recorrido –, é
a interpretação da norma contida no n.º 1, alínea e) do artigo 400.º do Código
de Processo Penal enunciada nos seguintes termos:
“69. Ainda que Vexa. assim o não entenda, deverá, no mínimo, ter em consideração
que a não admissão do recurso limita de forma drástica e significativa não só os
direitos de defesa do arguido, incluindo o recurso, mas também o acesso ao
direito e aos tribunais constitucionalmente consagrados nos art. 32º, nº 1 e 20º
da CRP, respectivamente.
70. Porquanto a interpretação da anterior alínea e) do nº 1 do art. 400º do CPP
consubstancia uma dupla rejeição do recurso interposto de uma sentença a todos
os título nula por alicerçada e fundamentada em pressupostos, manifestamente
nulos.
71. A não admissão do recurso não limita apenas o direito de recurso do arguido.
Essa não admissão é muito mais que uma limitação desse direito. Essa não
admissão do recurso é a mais clara obstrução ao direito de o arguido poder
recorrer de uma da decisão de um tribunal de primeira instância inquinada pelos
vícios identificados quer em sede de audiência de julgamento, quer em sede de
recurso.
72. Pois, a rejeição liminar de qualquer um dos seus recursos, anteriormente
apresentados, não assegura ao arguido qualquer garantia de defesa, incluindo o
recurso, conforme consagrado no art. 32º da CRP.
73. Pelo que, se conclui, ainda, que a não admissão do recurso faz errada e
inconstitucional interpretação do art. 400º, nº 1, alínea e) do CPP ao negar o
acesso ao direito e aos tribunais consagrado no art. 20º da CRP.
74. Que, a não admissão do recurso faz errada e inconstitucional interpretação
do art. 400.º, n.º 1, alínea e) ao não garantir ao arguido, todos os direitos de
defesa, incluindo o recurso.
75. O recurso de um Julgamento, sublinhe-se, onde não foi produzida qualquer
prova”.
Acontece que o sentido com que a norma constante do n.º 1, alínea e) do artigo
400.º do Código de Processo Penal foi aplicada na decisão recorrida não é o
sindicado pelo recorrente, como afirmou a decisão reclamada, em virtude de o
Tribunal recorrido ter decidido, com base nessa norma, não admitir o recurso por
um específico motivo – aqui inultrapassável face à omissão do reclamante em o
enunciar na norma que pretendia sindicar –, respeitante à norma secundária do
tipo legal do crime em questão, pois considerou que a pena aplicável era de
multa ou de prisão não superior a cinco anos, casos em que não é admissível
recurso.
E é precisamente esta consequência – a inadmissibilidade do recurso – que o
reclamante considera violadora do princípio do duplo grau de jurisdição, mas que
o Tribunal Constitucional tem julgado, nos Acórdãos citados na decisão sumária
proferida, não desconforme com a Constituição.
Não há qualquer razão para se não ter por firme a jurisprudência invocada, pelo
que se reafirma, também nesta parte, a decisão sumária reclamada.
3.2.
Quanto aos pontos 17 a 21 da reclamação: são para este efeito totalmente
irrelevantes as alegações de recurso que as partes tenham apresentado no
processo antes do mesmo ser admitido no Tribunal Constitucional – cfr. artigo
78.º-A, n.º 1 e artigo 79.º da LTC.
3.3.
Resta, por último, fazer notar que o objecto do recurso de inconstitucionalidade
fica definido no requerimento de interposição, não podendo as partes ampliá-lo
posteriormente.
Assim, o constante das alíneas c), d) e e) do ponto 22 da reclamação,
ultrapassando esse âmbito, não pode ser conhecido.
III.
Decisão
4.
Nestes termos, e em face do exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão