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Processo n.º 1105/07
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., devidamente identificado nos autos, veio, a fls. 195 e seguintes interpor
recurso para este Tribunal, invocando para tanto que:
“a) É o recurso interposto ao abrigo do disposto nos artigos 280°, n.º 1, alínea
b), da Constituição da República Portuguesa (CRP), e 70°, n°1, alínea 1,), da
Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (LTC);
b) O presente requerimento reitera o apresentado a fls 165 e ss, objecto do
despacho de fls 193, cujo âmbito resulta alargado conforme previsto nos n°s 13 a
15.4 daquele, o qual fica, pois, tendo por objecto os despachos de 21.5.2007,
25.6.2007, 30.7.2007 e 27.9.2007.
2. Atento o teor do despacho de 27.3.2007, ora impugnado, especialmente no que
se refere à qualificação objectiva de uso anormal do processo e natureza
manifestamente dilatória dos requerimentos apresentados, impõe-se aduzir, como
razões objectivas de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional
(TC), e de que este não pode deixar de conhecer:
a) Objecto do processo e do recurso de que emerge a reclamação de 26.4.2007, é a
sucessiva recusa de pronúncia dos tribunais recorridos, sobre requerimento do
recorrente, neles integrado, para ser admitido como ASSISTENTE relativamente a
denúncia feita em 22 de Abril de 2003, dirigida ao Procurador Geral-Adjunto no
Tribunal da Relação de Lisboa, contra o licenciado B., Juiz de Direito na 1.ª
Vara Cível, 2ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por factos
ocorridos no âmbito dos Processos N°s 542/94 e 542-D/94 que lhe estavam afectos.
b) A Reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de justiça, por
requerimento de 26.4.2007, nunca foi conclusa ao seu destinatário legal: foi
conclusa a um dos seus Vice-Presidentes e por este decidida. Em consequência do
que, os restantes requerimentos passaram a ser-lhe dirigidos e por ele
despachados – o que configura nulidade processual de que o Tribunal
Constitucional não deixará de conhecer no âmbito da suscitada
inconstitucionalidade das normas do art.º 405.º do CPP, na sua concreta dimensão
aplicada nos despachos recorridos.
c) As razões constitucionais por que foram impugnadas as normas do art° 405.º do
Código de Processo Penal (CPP), já em 26.4.2007, tinham credencial legislativa:
a da Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, art.º 2°, n.º 1, alinea b). O reclamante
não a invocou no seu requerimento dessa data, por razões de prudência, pois já
em 1982 o legislador tinha revelado intenção de eliminar a ‘verdadeira anomalia’
(sic) consagrada nos art°s 688° e 689° do CPC, e repetida no art.º 652° do CPP
de então, conforme Proposta de Lei n.º 103/II de 20.5.1982, publicada no BMJ n.º
324, e texto de pp 170/1, mas tal intenção tinha-se frustrado por razões de
instabilidade politica. Presentemente, porém, a estabilidade politica permitiu
que o legislador concretizasse a sua vontade de respeitar as normas e os
princípios constitucionais vigentes, através da concretização daquela
autorização parlamentar, vertida no Dec. Lei n° 303/2007, de 24 de Agosto,
revogando aquele art° 689°, e alterando a redacção do dito 688°, nele
consignando que o despacho que não admita o recurso passa a ser objecto de
reclamação para o tribunal que seria competente para dele conhecer tal como o
recorrente tem vindo a defender neste e noutros processos, como sendo a única
solução conforme ao disposto na Constituição e aos princípios constitucionais
nela consignados. Certamente por descoordenação legislativa, a Lei n°48/2007, de
29 de Agosto, esqueceu-se de cumprir as mesmas disposições e princípios
constitucionais, mas a aplicação da norma do artigo 4.º do CPP, permitira
superar a inconstitucionalidade mantida no art° 405° deste.
3. QUESTÃO PRÉVIA destinada a prevenir cometimento de erro na AUTUAÇÃO DO
RECURSO no TC, eventualmente induzido pelos autos da Reclamação.
Nestes encontra-se indicado como RECORRIDO o Ministério Público.
No entanto, no processo e na reclamação respectiva, o recorrido é o Dr. B.,
acima identificado, contra o qual foi feita a denúncia de 22 de Abril de 2003, e
para cuja sustentação foi apresentado, na mesma data, requerimento de admissão
do ofendido/denunciante, ora recorrente, como Assistente, sobre o qual se
pronunciou o Procurador Geral-Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, por
despacho de 19.9.2003, em termos favoráveis, em principio.
Posteriormente, o representante do MP no DIAP de Lisboa, não conheceu de tal
directiva. Tal requerimento nunca foi apreciado por nenhum Juiz.
Pelo que, o Ministério Público não é recorrido no recurso para o TC – como já
não o foi na Reclamação de que ele promana, apesar da indicação em contrário
resultante de erro da secretaria.
4. O despacho de 27.9.2007, faz aplicação das impugnadas (constitucionalmente)
normas dos n.ºs 1,3 e 4 do art° 405.º do CPP, por:
a) ser proferido por um Vice-Presidente do STJ,
b) reiterar o não conhecimento do requerimento de fls 137, com fundamento em
precedente jurisprudencial, segundo o qual, no âmbito das reclamações do art°
405° do CPP, não é lícito,
c) arguir nulidades nelas cometidas, e pedir o seu suprimento,
d) pedir a reforma de despacho de indeferimento de requerimento de arguição e de
suprimento de nulidades,
e) arguir e pedir o suprimento de nulidade por recusa de conhecimento de
requerimento em que são arguidos lapsos manifestos de despacho anterior, arguir
a nulidade deste, e reiterar a arguição de inconstitucionalidade normativa antes
suscitada e sobre a qual não houvera pronúncia.
5. As normas e os princípios constitucionais violados por tais dimensões
normativas dos n°s 1,3 e 4 do art° 405° do CPP, são os que já se encontram
identificados no requerimento de fls 165 e ss, cujo teor, com a devida vénia,
aqui se dá por reproduzido.”
Por despacho de fls. 200 não foi admitido o recurso interposto pelas razões
aduzidas pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça:
“No que concerne ao recurso interposto a fls 195 não se admite o mesmo por as
normas dos n.°s 1, 3 e 4 do art. 405.° do CPP, cuja inconstitucionalidade se
pretende ver apreciada, não terem sido aplicadas na decisão ora impugnada
(despacho de 27.09.07), o que inviabiliza qualquer julgamento sobre elas por
parte do TC, porquanto os recursos de constitucionalidade desempenham uma função
instrumental. Dai o Tribunal Constitucional só poder conhecer de uma questão de
constitucionalidade quando ela exerce influência no julgamento da causa, o que
não se verifica na situação dos autos.”
Deste despacho foi deduzida a reclamação de fls. 207, na qual se invoca que:
“3. O recurso foi interposto do despacho de 27.9.2007, a fls 192, ao abrigo do
disposto nos art°s 280.º, n° 1, al. b), da Constituição, e 70°, n° 1, alínea b),
da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, como ampliação do recurso já interposto por
requerimento de fls 165-189, e nele logo previsto (cf. seus n°s 13 a 15.4).
As normas legais sindicadas foram as dos n°s 1, 3 e 4 do art° 405° do CPC, na
interpretação que delas foi feita em todos os despachos recorridos.
As normas e os princípios constitucionais violados por tais dimensões normativas
foram identificadas como sendo as que já se encontram identificadas no
requerimento de fls 165-189 (cf. n°5 do requerimento de fls 195-198).
4. Segundo o despacho ora impugnado, as identificadas normas dos n°s 1, 3 e 4 do
art° 405°, do CPP, não foram aplicadas no despacho de 27.9.2007, a fls 192.
Porém, afigura-se evidente que tais normas foram aplicadas nesse despacho tal
como o já tinham sido nos despachos anteriores de que foi interposto recurso
admitido por decisão exarada na primeira parte do mesmo.
Para o verificar, basta, salvo melhor entendimento, considerar o seguinte:
4.1. Quanto à arguida norma do n° 1 do artigo 405° do CPP.
Todos os despachos impugnados foram proferidos ao abrigo dessa norma, pois é com
base nela que o Vice Presidente do Supremo Tribunal de Justiça se considera
investido de poderes jurisdicionais para decidir reclamação dirigida ao
respectivo Presidente.
Essa norma – arguida de inconstitucionalidade logo no primeiro requerimento de
reclamação, reiterada nos subsequentes, nos termos que se encontram reproduzidos
no requerimento de fls 165-189, nºs 18 a 18.6 – foi aplicada nesse despacho de
fls 192, nos mesmos termos em que o fora nos despachos anteriores. Se ela não
tivesse sido aplicada nesse despacho, o seu subscritor ter-se-ia declarado sem
poder jurisdicional para o proferir.
4.2. Quanto à arguida norma do n° 3 do artigo 405° do CPP.
Ela foi aplicada no despacho de fls 192 – que é de indeferimento do requerimento
de fls 165-189, em que é reiterada a arguição da sua inconstitucionalidade,
conforme teor dos seus n°s 9 e 17 a 17.8 – nos mesmos termos em que já o fora no
despacho de 21.5.2007, impugnado por requerimento de arguição de NULIDADE
PROCESSUAL por omissão de actos que, no entendimento do reclamante, são impostos
por lei, e cuja violação é de conhecimento oficioso, mas que, segundo a
interpretação dela feita em tal despacho de 21.5.2007, o reclamante, apesar de
não ter sido notificado de qualquer despacho do Desembargador Relator, ‘aceitou
processualmente a indicação do juiz’.
A inconstitucionalidade desta norma voltou a ser arguida no requerimento de fls
137-145, n°s 6.3, 7 a 7.2 e 10 a 10.5.
Tal questão devia ter sido apreciada no despacho de fls 162, mas, este, sendo de
recusa em conhecer daquele requerimento, faz, implicitamente, a sua aplicação,
segundo o entendimento corrente desse Alto Tribunal (cf. acórdãos 176/88 e
318/90 de 12.12.90, Acórdãos Vol. 17, p. 249, e 11/99, DR, II Série de 24.3).
O despacho de fls 192, sendo de indeferimento do requerimento de fls 165-189,
com fundamento em que os vícios assacados ao despacho de fls 162, não se
verificam, faz aplicação da arguida norma do n° 3 do artigo 405° na
interpretação dela feita já no despacho de 21.5.2007, e reiterada no despacho de
25.6.2007, a fls 132-134.
4.3. Quanto à arguida norma do n° 4 do artigo 405° do CPP.
O despacho de 27.9.2007, a fls 192, é de indeferimento do requerido a fls
165-167, nºs 1 a 12, em que é pedido o suprimento de NULIDADE PROCESSUAL. Este
vício, decorrente da omissão de actos impostos por lei em fase de instrução da
reclamação na Relação, e em fase da sua apreciação na Presidência do Supremo, é
determinante de nulidade dos despachos subsequentes.
A decisão prevista na primeira parte do dito número quatro, foi, portanto,
impugnada com fundamento nesses vícios.
O dito despacho de 27.9.2007, tendo por objecto o requerimento de fls 165-167,
em que é requerido o suprimento das nulidades arguidas (cf. seus n°s 8 e 12)
fundamenta-se em que o despacho de fls 162, ‘não sofre de qualquer dos vícios
que o requerente lhe imputa’.
Esta fundamentação resulta da interpretação feita – previamente impugnada – de
que a decisão da primeira parte do n° 4, do artigo 405° do CPP, não pode ser
impugnada por via de arguição de nulidade nem de pedido de reforma, nem ser
objecto de pedido de aclaração, com fundamento em entendimento jurisprudencial
(cf. fls 162).
No requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, do
despacho de 27.9.2007, a fls 192, arguí-se que ele reitera o não conhecimento do
requerimento de fls 137 com fundamento em precedente jurisprudencial segundo o
qual, no âmbito das reclamações do art° 405° do CPP, não é lícito:
a) arguir nulidades nelas cometidas,
b) pedir a reforma de despacho de indeferimento de requerimento de arguição e de
suprimento de nulidades,
c) arguir e pedir o suprimento de nulidade por recusa de conhecimento de
requerimento em que são arguidos lapsos manifestos de despacho anterior, arguir
a nulidade deste, e reiterar a arguição de inconstitucionalidade normativa antes
suscitada e sobre a qual não houvera pronúncia.
O despacho de 27.9.2007, a fls 192, concentra em si todos estes vícios.
5. O despacho de 18.10.2007, ora impugnado, omite pronúncia sobre o teor do n°
4, alínea b), integrado pelo das subsequentes alíneas c) a e), do requerimento
de fls 195-198, sobre arguição de inconstitucionalidade das normas nele
identificadas, segundo as quais ‘não são processualmente admissíveis sucessivas
arguições de nulidade e pedidos de reforma’, também aplicadas no despacho de fls
192, pelo que, de acordo com os supra citados acórdãos desse Alto Tribunal,
também essa recusa de pronúncia constitui fundamento para admissão do recurso
dele interposto.”
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Tribunal Constitucional considerou
que a reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento.
Decidindo.
II – Fundamentação
Conforme resulta do despacho reclamado, no qual se rejeitou o recurso de
constitucionalidade interposto, o mesmo não veiculou decisão que indeferisse um
trâmite processual no sentido de rejeitar qualquer tipo de recurso penal.
Com efeito, o mencionado despacho de fls. 192, proferido pelo Senhor
Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, limitou-se a pôr fim a múltiplos
incidentes “pós-decisórios”, pelo que o mesmo despacho não aplicou os n.ºs 1, 3
e 4 do artigo 405.º do Código de Processo Penal.
Conforme bem salienta, a fls. 218, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto a “única
norma que implicitamente se poderá perspectivar como aplicada pelo referido
despacho é a que permite a um Supremo Tribunal pôr termo ao ‘uso anormal do
processo’, expresso na suscitação do incidente de ‘natureza manifestamente
dilatória’, precludindo às partes a possibilidade de deduzirem sucessivas
arguições de nulidade e pedidos de reforma retomando as mesmas posições.”
Ora, a aludida matéria a que o Supremo Tribunal de Justiça pôs fim e que se
integra nos actos que disciplinam a marcha do processo, cabendo a respectiva
direcção ao juiz, devendo desta forma, recusar o que for “impertinente ou
meramente dilatório” (artigo 265.º do Código de Processo Civil), não integra os
normativos invocados pelo reclamante.
Verifica-se, por conseguinte, a ausência de pressuposto essencial ao
conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto, na medida em que as
normas impugnadas não constituem a ratio decidendi da decisão recorrida (nem
tendo sido, sequer, por esta aplicadas).
III – Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a presente
reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não
tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando em 20 (vinte) UC a taxa de justiça.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2008
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos