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Processo n.º 1007/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
1.1. A fls. 65 foi proferida neste autos a seguinte decisão sumária:
1. A. e outro, notificados do acórdão da Relação de Guimarães que lhes
indeferiu a arguição de nulidades e o requerimento de reforma do acórdão,
interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do
disposto no artigo 678.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Por despacho do Desembargador Relator esse recurso não foi admitido por o valor
da causa se conter dentro da alçada do tribunal da Relação (fls.33).
Desse despacho reclamam os recorrentes (fls. 2 e ss.), sustentando, no que ao
presente caso ora cabe considerar, que o disposto no n.º 4 do artigo 678.º do
Código de Processo Civil é inconstitucional ao não admitir o recurso com
fundamento no valor da alçada, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, 13.º, n.º 1
da Constituição da República Portuguesa.
Por decisão proferida em 18 de Setembro de 2007 (fls. 40 e ss.), o Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir a reclamação, tendo fundamentado o
seu juízo nos seguintes termos:
“ (…)
II. Cumpre apreciar e decidir.
No caso em apreço, a acção tem o valor de € 4507,04 (conforme se encontra
narrativamente certificado a fls. 12); logo não é admissível recurso para este
Supremo Tribunal face ao disposto no art. 678.º n.º 1, do CPC, tendo em conta
que a alçada da Relação é do montante de € 14 963,94.
Com efeito, o n.º 4 do art. 678.º do CPC deve interpretar-se em conjugação com o
n.º 1, admitindo-se o recurso nele baseado apenas quando o valor seja superior
ao da alçada da Relação.
Refira-se que em situações semelhantes à constante dos autos é admissível
recurso para o S.T.J., quando o valor da causa ultrapasse a alçada da Relação,
de harmonia com o disposto no art. 678.º, n.º 1, do CPC. Se neste contexto for
interposto recurso para o S.T.J. possibilita-se a este conhecer da
jurisprudência divergente, uniformizando-a mesmo, se se revelar necessário ou
conveniente, de harmonia com o que se estabelece no art. 732.º-A do citado
Código.
Tivesse o legislador outra intenção e seguramente referiria, na parte inicial do
art. 678.º, n.º 4, do CPC, tal como fez na parte final do n.º 2 do mesmo artigo,
que o recurso era sempre admissível, independentemente do valor da causa.
Por outras palavras: poderá haver recurso quando a divergência jurisprudencial
surgir em causa semelhante que ultrapasse o valor da alçada da Relação.
E não se diga que nesta perspectiva não havia necessidade de consagrar a norma
excepcional do n.º 4 do art. 678.º.
É que há casos em que, pelo tipo ou natureza de processo, o recurso para o
Supremo é sempre inadmissível seja qual for o valor da causa.
É para esses casos que nunca viriam ao Supremo, que surgiu, na versão originária
do actual CPC, a norma do anterior art. 764.º a que corresponde com modificações
o n.º 4 do art. 678.º. (vide Lopes Cardoso, Cód. Processo Civil Anotado, 3
edição, pag. 463 e, entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 11-10-79, B.M.J. 290,
pág. 309).
Refira-se ainda que, na hipótese ajuizada os acórdãos-fundamento indicados
provêm do Supremo Tribunal de Justiça e não da Relação o que sempre
inviabilizava a invocação do n.º 4 do art. 678.º do CPC.
Quanto à nulidade imputada ao despacho reclamado, por omissão de pronúncia, não
pode a mesma fundamentar a reclamação para o presidente do tribunal superior; a
existir o alegado vício processual, devia ter sido arguido perante o Ex.mo
Desembargador relator que proferiu o despacho, atento o disposto no art. 668º,
n.º 3, do CPC.
No respeitante à alegação de o art. 678º, n.º 4, do CPC, quando interpretado no
sentido de o recurso não ser admissível, ser inconstitucional, por violação dos
arts. 20.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1, da CRP, refere-se que o Tribunal Constitucional
tem sustentado que a Constituição não impõe que tenha de haver recurso de todos
os actos do juiz, como também não exige que se garanta sempre um segundo grau de
jurisdição e, muito menos, um terceiro grau de jurisdição.
Ora, a admitir-se recurso para este S.T.J., estar-se-ia a garantir um terceiro
grau de jurisdição. Mais: no âmbito do processo civil, o direito à tutela
judicial efectiva, consagrado no art. 20.º da CRP, basta-se, em princípio, com
uma instância única (cf. entre outros o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
261/02 de 18 de Junho de 2002).
Não se julga, assim, inconstitucional a norma do art. 678.º, 4, do CPC. No mesmo
sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 100/99 de
10 de Fevereiro de 1999.
Inconformado, o recorrente interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15
de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), com o
seguinte teor:
Norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie:
A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é a do nº
4 do artigo 678º do CPC, aplicada com o sentido de em situações como a dos autos
não admitir recurso por motivo de alçada, apesar de, no caso, o recurso estar
fundamentado por referência aos valores que a regra da admissão de recurso visa
proteger, sendo que o douto acórdão de que os réus interpuseram recurso de
revista está em manifesta contradição com a jurisprudência largamente dominante,
quer das várias Relações, quer do Supremo Tribunal de Justiça, a qual declara
que o artigo 429º do Código Comercial comina a anulabilidade e não a nulidade.
Aplicada com a interpretação que a Relação acolheu, confirmada em sede de
reclamação, a norma do nº 4 do artigo 678.º do CPC viola os direitos
fundamentais explicitados na fundamentação do requerimento de interposição do
não admitido recurso de revista, aqui tido por reproduzido, e discrimina os
recorrentes, em relação aos seus concidadãos cujas idênticas causas têm sido,
abundantemente, julgadas com fundamento numa interpretação oposta do artigo 429º
do Código Comercial.
Normas e princípios constitucionais que se consideram violados:
A aplicação do nº 4 do artigo 678º do CPC, com o aludido sentido, produz
injustiça relativa e viola o dever de os tribunais assegurarem a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, consignado no artigo
202º, nº 2, contra o disposto no artigo 20º, nº 1, o qual consagra o direito de
tutela jurisdicional efectiva, similar aos direitos, liberdades e garantias,
directamente aplicável, ex vi do artigo 18º, todos da CRP.
Sendo que a interpretação do artigo 429º do Código Comercial acolhida pela
Relação, para decidir a apelação, é, ela mesma, susceptível de ofender, não só o
direito de tutela jurisdicional efectiva, como o princípio da igualdade,
consignado no artigo 13.º, n.º 1, da CRP, tornando materialmente
inconstitucional esse normativo.
Face ao presente caso concreto, em que, por via do douto acórdão da Relação,
objecto do não admitido recurso de revista, se produz tão intensa ofensa a
valores fundamentais constitucionalmente protegidos, uma interpretação meramente
literal do citado nº 4 do artigo 678.º do CPC, acolhendo um sentido restritivo
que, no caso concreto, produza o efeito de impedir o recurso ordinário para o
Supremo Tribunal de Justiça, e, em virtude disso, a tutela jurisdicional
efectiva dos direitos e legítimos interesses dos recorrentes, bem como o seu
direito a receberem dos tribunais um tratamento similar ao de todos os seus
concidadãos, é incompatível com o nº 1 do artigo 20º e com o nº 1 do artigo 13º,
ambos da CRP.
Peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade:
A questão de inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento de interposição
de recurso de revista, no Tribunal da Relação de Guimarães, bem como na
reclamação deduzida contra o despacho que não admitiu esse recurso.
2. No Tribunal Constitucional o recorrente foi convidado a “indicar de forma
clara o exacto sentido com que foi aplicada, na decisão recorrida, a norma
retirada do n.º 4 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, cuja conformidade
constitucional pretende questionar”, tendo respondido nos seguintes moldes:
Na decisão recorrida a norma do nº 4 do artigo 678º do CPC foi aplicada com o
sentido de nunca ser admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em
contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão
fundamental de direito, se o valor da causa não admitir recurso ordinário, e
ainda que o recurso se fundamente em contradição com jurisprudência, não só das
Relações, mas também do Supremo Tribunal de Justiça, sobre essa mesma questão
fundamental de direito, consubstanciando uma corrente jurisprudencial
consolidada e praticamente pacífica.
3. Quer o Tribunal da Relação, quer o Supremo Tribunal de Justiça usam,
enquanto fundamento decisório das decisões proferidas, o disposto no n.º 1 do
referido artigo 678.º.
Diz a Relação que a causa se contém dentro da alçada da relação, inexistindo
recurso ordinário por motivo que não é estranho à alçada do Tribunal. Por outro
lado, a decisão da reclamação proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça deixa
claro que “(...) não é admissível recurso para este Supremo Tribunal face ao
disposto no artigo 678.º, n.º 1 do CPC, tendo em conta que a alçada da Relação é
do montante de Euros 14 963, 94. Com efeito, o n.º 4 do art. 678.º do CPC deve
interpretar-se em conjugação com o n.º 1, admitindo-se o recurso nele baseado
apenas quando o valor seja superior ao da alçada da relação.”
Destes excertos resulta que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de
Justiça não foi admitido porque ao caso não cabia recurso ordinário por motivo
respeitante à alçada do tribunal, logo, por aplicação dos critérios de
recorribilidade em função do estabelecimento de alçadas, constantes do n.º 1 do
artigo 674.º do Código de Processo Civil (CPC).
O recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do disposto na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC obedece à verificação cumulativa de vários
requisitos, sendo um deles o de a decisão recorrida ter aplicado a norma
questionada enquanto ratio decidendi do julgamento formulado e com o sentido
questionado pelo recorrente.
De acordo com o ora analisado, resulta que a decisão recorrida não fez aplicação
do preceito questionado enquanto fundamento normativo do julgamento em causa,
com o exacto sentido questionado pelo recorrente, pois a admissibilidade do
julgamento ampliado de revista requerido pelo recorrente é condicionada à
inexistência de recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal; e,
como vimos, no caso, a inexistência de recurso ordinário deriva, precisamente,
do estabelecimento de alçadas e, consequentemente, do facto do valor da causa
não ser superior ao da alçada do tribunal da Relação, como prescrito no n.º 1 do
artigo 678.º do CPC.
4. De todo o modo, e independentemente do se diz quanto à norma que subjaz à
ratio decidendi da decisão pretendida impugnar, sempre a questão de
constitucionalidade haveria de improceder.
Efectivamente, a questão colocada pelo recorrente no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade — sobre o prisma da violação do
dever de os tribunais assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos, consignado no artigo 202.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1 da
Constituição da República, o qual consagra o direito de tutela jurisdicional
efectiva, similar aos direitos, liberdades e garantias, directamente aplicável,
ex vi do artigo 18.º, todos da CRP — não é nova na jurisprudência do Tribunal
Constitucional, que tem jurisprudência firme quanto ao sentido da garantia de
acesso ao direito e aos tribunais consagrada no artigo 20.º, n.º 1 da
Constituição.
Como se disse no Acórdão n.º 257/2007 deste tribunal (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt):
“(…)
O Tribunal tem entendido que a Constituição não impõe ao legislador ordinário
que permita sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição
para defesa dos seus direitos; fora do campo do processo penal, o legislador
dispõe, com efeito, de liberdade no estabelecimento dos requisitos de
admissibilidade dos recursos, designadamente quando reportados ao valor da acção
ou da sucumbência, como sucede com o estabelecimento de alçadas. Pode ler-se,
por exemplo, no Acórdão n.º 431/2002 (publicado nos Ac. TC, vol.54, pag. 527):
«De facto, é jurisprudência firme deste Tribunal que a Constituição, maxime, o
direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta
sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa
dos seus direitos, destacando-se os Pareceres da Comissão Constitucional nºs.
8/78 (5º vol.) e 9/82 (19º vol.) e o Acórdão nº. 65/88, de 23 de Março, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 653 a 670.
Mais recentemente, ilustram esse entendimento, entre muitos outros, o Acórdão
nº. 149/99, de 9 de Março, de que se transcreve:
“De resto e já em termos gerais, na interpretação do disposto no artigo 20º, nº
1 da C.R.P., o Tribunal Constitucional vem reiteradamente entendendo que a
Constituição não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais,
afora aquelas de natureza criminal condenatória e, aqui, por força do artigo
32º, nº 1 da Lei Fundamental (cfr., por todos, Acórdão nº 673/95 in DR, II
Série, de 20/3/96); e no mesmo sentido aponta a maioria da doutrina (cfr.
Ribeiro Mendes “Direito Processual Civil” AAFDL, vol. III pp. 124 e 125 e Vieira
de Andrade “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976” pp. 332
e 333).”
Também no Acórdão nº. 239/97, de 12 de Março, se disse:
“A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do
estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado
tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do
sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática,
posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da
esmagadora maioria) das acções aos diversos ‘patamares’ de recurso.
5. Em face do exposto, decide-se elaborar a presente Decisão Sumária, nos
termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional,
assim improcedendo o recurso.
1.2. O recorrente reclama desta decisão, argumentando:
1. Salvo o devido respeito, na douta decisão sumária não se logrou apreender o
que efectivamente está em causa.
2. Os recorrentes não pretendem que não haja alçadas.
Os recorrentes acham bem e indispensável que haja alçadas, sob pena de o sistema
entrar em colapso, como bem se diz no Acórdão nº 239/97, de 12 de Março, do
Tribunal Constitucional.
Os recorrentes entendem é que não pode a norma do n.º 1 do artigo 678.º do CPC,
que impede o recurso em resultado, e muito bem, do estabelecimento de alçadas,
deixar desprotegidos os valores subjacentes ao normativo do n.º 4 do mesmo
artigo 678.º, os quais relevam do caso concreto dos autos e carecem, por isso,
também, de ser protegidos.
3. Isto é, os recorrentes entendem que os valores subjacentes às excepções do
n.º 4 do artigo 678.º do CPC estão, precisamente, em causa no caso concreto dos
presentes autos.
E que, por isso, o nº 4 do artigo 678º do CPC é inconstitucional, se
interpretado e aplicado com o sentido de “nunca ser admissível recurso do
acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente
Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito, se o valor da causa não
admitir recurso ordinário, e ainda que o recurso se fundamente em contradição
com jurisprudência, não só das Relações, mas também do Supremo Tribunal de
Justiça, sobre a mesma questão fundamental de direito, consubstanciando uma
corrente jurisprudencial consolidada e praticamente pacífica”.
Como os próprios recorrentes esclareceram, a solicitação do Exmo. Senhor Juiz
Conselheiro Relator, nesse Tribunal Constitucional.
Mas como, salvo melhor opinião, já resultava claro no requerimento de
interposição do rejeitado recurso, no Tribunal da Relação.
4. O recurso, em causa, do Acórdão da Relação de Lisboa que negou razão aos
recorrentes foi interposto precisamente com base naquele modo de ver dos
recorrentes, a saber:
(i) tendo em conta o valor da acção;
(ii) a impossibilidade de recurso ordinário em função da alçada;
(iii) o disposto, todavia, no n.º 4 do artigo 678.º do CPC;
(iv) o facto de os recorrentes entenderem que, no caso concreto, estão em causa,
precisamente, os valores que o citado n.º 4 do artigo 678.º acolhe para
prescrever a admissibilidade de recurso contra a regra das alçadas;
(v) a inconstitucionalidade de um entendimento que conduzisse à rejeição do
recurso com base numa interpretação do normativo daquele n.º 4 do artigo 678.º
que considerasse que o caso concreto não merecia a tutela aí prevenida, e que,
portanto, esse normativo não ofenderia nenhuma norma ou princípio constitucional
se se tivesse de decidir, como afinal se decidiu, que o recurso tinha de ser
rejeitado por razões do valor da causa e das regras sobre a alçada e por não
estar o caso previsto na letra daquele mesmo normativo do n.º 4 do artigo 678.º
do CPC, ao contrário do que os recorrentes defenderam no requerimento de
interposição de recurso.
5. Com efeito, face aos próprios termos do requerimento de interposição do
recurso que foi rejeitado aos recorrentes, ao decidirem esse mesmo requerimento
de interposição de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa e o Supremo Tribunal
de Justiça não puderam deixar de se pronunciar sobre o referido fundamento, pelo
qual os requerentes pediram a admissão do recurso, a saber, a
inconstitucionalidade do normativo do n.º 4 do artigo 678.º do CPC: se o recurso
não fosse admitido, como não foi, com fundamento em o caso não estar
expressamente abrangido nas situações da mesma natureza aí prevenidas, que são,
precisamente, as de o valor da alçada não ser impeditivo de recurso quando estão
em causa os valores, que, no entender dos recorrentes, estão em causa no caso
concreto dos autos e que gozam de protecção constitucional.
6. Assim, ao invés do que parece sustentar-se na douta decisão sumária, ora
reclamada, a questão de constitucionalidade suscitada e decidida não tem nada a
ver com o disposto no n.º 1 do artigo 678.º do CPC.
Nem a Relação e o Supremo, ao decidirem o requerimento de interposição de
recurso e a reclamação, se limitaram a aplicar o referido n.º 1 do artigo 678.º
do CPC.
Antes invocaram essa disposição legal para rejeitarem a questão da
inconstitucionalidade suscitada, muito claramente, pelos recorrentes,
relativamente ao disposto no n.º 4 do artigo 678.º do CPC, à luz do caso
concreto, no próprio requerimento de interposição de recurso.
7. É certo que, com todo o devido respeito, têm os recorrentes de concluir que a
Relação e o Supremo não se esforçaram muito para enfrentarem os fundamentos da
questão de constitucionalidade suscitada pelos recorrentes.
Antes os rejeitaram sumariamente, sem grande ponderação.
Tal como agora no Tribunal Constitucional se decidiu sumariamente.
Ainda acreditam, porém, os recorrentes, em que Vossas Excelências, Venerandos
Conselheiros, não vereis esta reclamação como mais um sinal de uma qualquer
persistente teimosia que esteja a compelir os recorrentes a maçarem os
Tribunais.
Querem os recorrentes ainda acreditar em que Vossas Excelências, com serenidade,
olhareis para esta reclamação e, com um pouco mais de profundidade, vereis nela
uma hipótese séria de os recorrentes terem, simplesmente, razão, a justificar
que se lhes dê oportunidade para apresentarem alegações, a fim de a questão de
constitucionalidade suscitada vir a decidida com um pouco mais de ponderação
(…)”.
1.3. Não houve resposta da recorrida.
Fundamentação
2.1. O recurso de inconstitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações
introduzidas pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), como é o presente,
depende da verificação de requisitos específicos – artigos 280.º, n.º 4 da
Constituição e 72.º n.º 2 da LTC – decorrentes da natureza normativa da
impugnação e do carácter instrumental do recurso: exige-se, em suma, que a
impugnação apresente, como objecto, uma regra jurídica determinável com
generalidade e abstracção, assim arredando do âmbito do recurso as operações
intelectuais que preenchem tipicamente o veredicto jurisdicional, e que a regra
impugnada constitua o verdadeiro e efectivo pressuposto jurídico da solução
consagrada na decisão recorrida, pois só assim a eventual procedência do recurso
terá repercussão no processo.
A decisão recorrida, no presente caso, é o despacho proferido em 18 de Setembro
de 2007 no Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação deduzida pelos
ora reclamantes contra o despacho que, na Relação de Guimarães, não admitiu a
revista que pretendiam interpor para o Supremo Tribunal de Justiça. Aquele
despacho assenta, como aliás é de fácil apreensão, no disposto no n.º 1 do
artigo 678º do Código de Processo Civil, fundamentado que está na constatação de
que 'tendo em conta que a alçada da relação é do montante de €14.963,94' e que
'a acção tem o valor de €4.507,04', o que fez concluir que 'não é admissível
recurso para este Supremo Tribunal'.
É certo que os reclamantes, como argumento para poder ser-lhes admitido o
recurso, invocavam o disposto no n.º 4 do aludido artigo 678º do Código de
Processo Civil, cuja doutrina pretendiam ser aplicável ao seu caso; e é ainda
certo que o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, autor do aludido
despacho, depois de subsumir a situação ao n.º 1 do preceito em causa, explicou
a razão pela qual não era aplicável ao caso o n.º 4 do dito preceito, conforme
pretendiam os reclamantes. Mas esta situação não altera o pressuposto jurídico
da decisão recorrida; importa, assim, sublinhar – porque a reclamação contesta
este ponto – que a decisão recorrida assenta efectivamente, na parte que agora
interessa reter, na norma do n.º 1 do artigo 678º do Código de Processo Civil e
não na norma que o recorrente elegeu para objecto do recurso, a constante do n.º
4 daquele preceito.
Tal é suficiente para que o Tribunal não possa conhecer do recurso, pois, ainda
que lhe fosse concedida procedência, permaneceria incólume o fundamento em que
assentara a decisão, isto é, a norma do n.º 1 do artigo 678º do Código de
Processo Civil, não impugnada pelos reclamantes.
A reclamação vem, aliás, realçar o equívoco em que laboram os reclamantes quanto
à natureza e âmbito do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC, como é o presente.
Na verdade, ao elegerem como objecto do recurso a norma que, no seu
entendimento, lhes confere o direito de recorrer, e não aquela que o Tribunal
recorrido verdadeiramente aplicou, fica patente que, afinal, os recorrentes
pretendem sindicar a solução jurídica que o Supremo Tribunal de Justiça adoptou
no âmbito do recurso, criticando aquilo que chamam «a inconstitucionalidade de
um entendimento que conduzisse à rejeição do recurso com base numa interpretação
do normativo daquele n.º 4 do artigo 678.º que considerasse que o caso concreto
não merecia a tutela aí prevenida, e que, portanto, esse normativo não ofenderia
nenhuma norma ou princípio constitucional se se tivesse de decidir, como afinal
se decidiu, que o recurso tinha de ser rejeitado por razões do valor da causa e
das regras sobre a alçada e por não estar o caso previsto na letra daquele mesmo
normativo do n.º 4 do artigo 678.º do CPC, ao contrário do que os recorrentes
defenderam no requerimento de interposição de recurso». É, aliás, o que também
resulta da alegação de que o valor da alçada não deveria ser impeditivo de
recurso «quando estão em causa os valores, que, no entender dos recorrentes,
estão em causa no caso concreto dos autos e que gozam de protecção
constitucional».
Em suma, os reclamantes não se aperceberam de que, desta forma, estão a
questionar a decisão recorrida em si mesmo considerada, em lugar de visarem
obter um julgamento de inconstitucionalidade da norma mobilizada como ratio
decidendi da decisão em crise.
2.2. Em todo o caso, na decisão sumária em análise procurou identificar-se
um entendimento normativo que pudesse ser extraído do requerimento de
interposição e do esclarecimento solicitado nos termos do artigo 75º-A n.º 5 da
LTC, apesar da errada identificação da norma aplicada, e por isso se antecipou a
solução de improcedência do recurso se, por hipótese, fosse possível dele
conhecer.
Com efeito, independentemente das razões alegadas pelos reclamantes para obterem
a possibilidade de recorrerem de revista, o certo é que, do ponto de vista
normativo, só seria possível descortinar uma obrigação constitucionalmente
imposta ao legislador ordinário para permitir nesse caso o recurso – e é nestes
termos que deve ser observada a questão – se o Tribunal entendesse que a
Constituição, fora do campo de determinadas decisões no âmbito do processo
penal, retirasse ao legislador liberdade no estabelecimento dos requisitos de
admissibilidade dos recursos, designadamente quando reportados ao valor da acção
ou da sucumbência, como sucede com o estabelecimento de alçadas. Todavia, o
entendimento do Tribunal é o oposto, tal como se pretendeu explicar na decisão
sumária em análise, o que sempre arrastaria a improcedência do recurso.
3. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão