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Processo n.º 1037/07
3ª Secção
Relator: Carlos Fernandes Cadilha
Acórdão, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
A. reclamou perante o presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, segundo o
disposto no artigo 688º do Código de Processo Civil, de um despacho de não
admissão de recurso de agravo, proferido pelo juiz da 2ª vara cível de Lisboa,
nuns autos de prestação de contas que corre termos nesse tribunal.
A reclamação encontra-se formulada do seguinte modo:
A. na acção de prestação de contas que lhe movem B. e outros, não se conformando
com o douto despacho que não admitiu o recurso interposto pelo requerimento de
15/06/07, vem reclamar de acordo com o artigo 688° do C. Proc. Civil contra a
sua não admissão, nos seguintes termos
Já Alberto dos Reis no seu livro Processos Especiais, Coimbra 1955, I Volume,
pág. 323 se interrogava “Da sentença que o juiz proferir no uso do poder
outorgado pelo artigo 1014° (hoje correspondente o n° 2 do artigo 1015°) caberá
recurso.
Juntamos fotocópia do texto respectivo para maior facilidade(Doc n° 1).
Já na página anterior o Eminente Professor vinha defendendo que para que o
arbítrio no julgamento das contas possa ser prudente e avisado é lícito ao juiz
a) Colher as informações que entender convenientes;
b) Mandar proceder às averiguações que considere justas;
c) Incumbir pessoa idónea de dar parecer sobre as contas.
Tendo sido chamados os compradores há, em nosso entender, que averiguar a razão
por que pagaram o preço que pagaram, e a quem pagaram na realidade, se ao Réu se
a outrem que eram credores deste nas transformações operadas. Na verdade não é
crível que um terreno que foi negociado como terreno rústico, tendo essa
negociação sido conduzida pelo seu proprietário, depois falecido, engenheiro de
profissão, tivesse subido ao preço que subiu. Há de facto que averiguar esse
misterioso milagre, e nada mais adequado do que os compradores para dizerem as
benfeitorias físicas e jurídicas de que o terreno foi alvo por intermédio do ora
Réu reclamante. Não se pode, em nosso entender, e salvo o devido respeito, virar
a cara às realidades, e procurar ver qual a razão para tal, que não teve origem
certamente em nenhum milagre.
Assim entendemos que há que averiguar junto dos compradores o que requeremos em
3 de Maio de 2007, nomeadamente, e a lei dá amplitude para tal, requerendo a sua
comparência em juízo para serem perguntados em instrução contraditória com
intervenção de ambas as partes.
O Réu não pode ficar reduzido à indefesa, ser excluído do contraditório, o que é
uma atitude inconstitucional, e as realidades, com contas ou sem elas, têm de
ser atendidas, são importantes e estavam no terreno à vista de toda a gente, e
não podem servir para um escandaloso enriquecimento sem causa das Autoras.
Em conclusão
Deve o recurso ser admitido, com as legais consequências, e revogado o douto
despacho em reclamação que violou o n° 2 do artigo 1015° e o n° 5 do artigo
1017°, todos do C. Proc. Civil e os nºs 1 e 4 do artigo 20° da Constituição.
Por decisão de 14 de Setembro de 2007, o Vice-Presidente do Tribunal da Relação
de Lisboa indeferiu a reclamação, dizendo, no essencial, que o despacho
recorrido era de mero expediente e de livre resolução do tribunal, sendo, como
tal, irrecorrível (cfr. fls. 76 e seguinte).
Desta decisão interpôs A. recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos:
A. recorrente no recurso em que são recorridos B. e outros não se conformando
com a douta decisão singular deseja da mesma interpor Recurso para o Tribunal
Constitucional nos termos da alínea b) do artigo 70° da Lei 28/82 de 15 de
Novembro, para apreciação da inconstitucionalidade da interpretação que foi dada
ao n° 2 do artigo 1015° e n° 5 do artigo 1017° todos do C. Proc. Penal, que
contraria os n°s 1 e 4 do artigo 20° da Constituição, conforme já indicou nas
suas conclusões de recurso entregues em 11 de Julho último.
Assim, e porque está em tempo, requer a V.Exa que considere interposto o
recurso, seguindo-se os ulteriores termos até final, com subida nos próprios
autos e efeito suspensivo (n° 4 do artigo 78° da Lei 28/82)
No Tribunal Constitucional, o relator proferiu decisão sumária, ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, com a seguinte
fundamentação:
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a suscitação pelo recorrente, durante o processo, da questão da
inconstitucionalidade da norma que pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie; e, nos termos do artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei, sobre o recorrente
recai o ónus de suscitar tal questão perante o tribunal recorrido, em termos de
este estar obrigado a dela conhecer.
Sucede, porém, que na reclamação que deduziu perante o Presidente do Tribunal da
Relação de Lisboa, o tribunal ora recorrido, o recorrente não suscitou qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa – ou seja, não imputou qualquer
inconstitucionalidade a qualquer norma ou interpretação normativa –,
limitando-se a censurar a inconstitucionalidade de uma atitude e de um despacho,
pelo que não cumpriu o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade a
que se fez referência.
Como tal, não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, por falta de
preenchimento de um dos seus pressupostos processuais.
O recorrente veio seguidamente reclamar para a conferência nos termos que
seguem:
A., no recurso em que são recorridos B. e outros, vem, nos termos do n° 3 do
artigo 78°-A da Lei n° 28/82, Reclamar para a Conferência dado que lhe parece
ter em tempo suscitado legalmente o problema da inconstitucionalidade na
Reclamação que apresentou, nos termos do artigo 688° do C. Processo Civil,
perante o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, uma vez que nas suas
alegações disse, nomeadamente, que “O Réu não pode ficar reduzido à indefesa,
ser excluído do contraditório, o que é uma atitude inconstitucional “para “Em
conclusão” dizer: “Deve o recurso ser admitido, com as legais consequências, e
revogado o douto despacho em reclamação que violou o n° 2 do artigo 1015° e o n°
5 do artigo 1017°, todos do C. Proc. Civil e os n°s 1 e 4 do artigo 20º da
Constituição”.
A recorrida respondeu pela forma que segue:
A decisão sumária proferida a 19 de Dezembro de 2007 bem evidencia que o
recorrente não imputou qualquer inconstitucionalidade a qualquer norma ou
interpretação normativa – limitando-se a censurar a inconstitucionalidade de uma
atitude e de um despacho
A reclamação agora apresentada pelo recorrente confirma este entendimento: para
o recorrente, não está em causa a legalidade do uso dos poderes discricionários,
nem a inadmissibilidade de recurso dos despachos proferidos no uso de poder
discricionário, mas o facto de o despacho em causa - proferido naqueles termos
que o recorrente aceita -, indeferir a realização de diligências por ele
requeridas.
Termos em que se conclui como bem se fez na decisão sumária.
2. Fundamentação
Tendo sido proferida decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto
do recurso, por se ter considerado que o recorrente não cumpriu o ónus de
suscitação da questão de constitucionalidade normativa que pretendia ver
apreciada pelo Tribunal – ónus que era imposto pelas disposições conjugadas dos
artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional
–, o recorrente vem reclamar para a conferência, dizendo que lhe parece ter
suscitado em tempo o problema da inconstitucionalidade na reclamação que
apresentou, nos termos do artigo 688° do Código de Processo Civil, perante o
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, uma vez que nas suas alegações
invocou que «[o] réu não pode ficar reduzido à indefesa, ser excluído do
contraditório, o que é uma atitude inconstitucional».
É, no entanto, patente que não pode entender-se uma tal alegação como bastante
para dar como verificada a suscitação, no decurso do processo, da questão de
constitucionalidade, visto que esta tem de ser identificada, como resulta da
citada disposição do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional, por referência a uma norma ou interpretação normativa que tenha
sido aplicada pelo tribunal recorrido, não bastando a imputação de violação de
norma ou princípio constitucional à própria decisão recorrida, como, de resto,
se explicitou na decisão sumária agora reclamada.
Ora, o recorrente, na referida reclamação para o presidente do Tribunal da
Relação, há pouco transcrita, não indicou qualquer norma (ou interpretação
normativa) que, tendo sido aplicada pelo despacho de que pretendia agravar,
fosse susceptível de se encontrar inquinada de inconstitucionalidade, sendo que
a referida alegação de que foi adoptada uma «atitude inconstitucional» apenas
pode ser entendida como imputada ao próprio despacho de não admissão do agravo,
o que é confirmado pela formulação conclusiva da dita reclamação, que atribui a
violação do artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição a esse despacho.
Termos em que não há qualquer motivo para alterar o julgado.
3. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão