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Processo n.º 140/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. e Outra, reclamam, ao abrigo do artigo 77.º, da Lei do Tribunal
Constitucional, do despacho do Relator do Tribunal da Relação de Guimarães, de
10 de Janeiro de 2008, que, considerando não se verificarem os requisitos
legais, não admitiu o recurso para este Tribunal Constitucional do Acórdão e
subsequente pedido de aclaração do mesmo, num processo de expropriação em que é
expropriante B., SA.
Os Reclamantes alegam o seguinte:
“1. Sobe a presente Reclamação a esse Tribunal Constitucional em virtude de o
Tribunal da Relação de Guimarães não haver procedido a uma correcta e
consentânea interpretação dos argumentos expostos no requerimento de
interposição de recurso para esse Venerando Tribunal Constitucional e,
consequentemente, de não haver subsumido em tal interpretação as normas
jurídicas do Código das Expropriações, dando-lhe um exacto alcance e sentido que
se adequasse às exigências e espírito prescritivo do art.° 62.°, n.° 2 da
Constituição da República Portuguesa.
E, na verdade, havendo aquele Sr. Juiz Desembargador/Relator, fundamentado a sua
não-admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, no facto de os
recorrentes não haverem invocado a ‘...inconstitucionalidade de qualquer norma
que tivesse sido aplicada na decisão’, cumpre-nos aqui alegar que, data venia,
não procedendo aquele Senhor Magistrado a uma correcta constatação e
interpretação dos vários textos onde se tratou de tal matéria, acabou aquele
Tribunal da Relação por levar a cabo uma errónea e inadequada decisão.
E isto porque, como bem se constata no requerimento a pedir a reforma do acórdão
ou a invocar a sua nulidade, de pág.... desses autos, já os recorrentes nesse
mesmo requerimento, e a partir do seu art.° 23.°, invocaram a
inconstitucionalidade resultante da forma imprópria, e até errónea, com que os
art.°s 23.º, n.°s 1, 3 e 6 e 29.º do Código das Expropriações foram
interpretados.
E, ao invocarem, os ali ora recorrentes, essa errónea interpretação de tais
normas da lei ordinária, alegaram ainda, do mesmo passo, a violação da
inconstitucionalidade do art.° 62.°, n.°2 da CRP!...
2. Mas se os ali recorrentes, por um lado, invocaram essa errónea e
inconsequente interpretação e aplicação de tais normas ao caso sub judice,
invocaram igualmente que, fazendo-o, aquele Sr. Magistrado, em desrespeito à
constitucionalidade do art.° 62.°, n.° 2 da CRP, atrás citado, pediram ainda
fosse considerada irrelevante a um quanto ou tanto tardia invocação da ali
arguida violação de tal comando constitucional.
Efectivamente, declararam aqueles recorrentes que essa tardia arguição da
violação do art.° 62.°, n.° 2 CRP, pela indevida e errónea interpretação dada
àqueles ali referenciados artigos do Código das Expropriações, foi devido ao
facto de, sempre aguardando convictos a procedência do competente recurso de
apelação instaurado, não se lhes vislumbrava sequer a necessidade de invocar, em
tal recurso de apelação, essa inconstitucionalidade das normas de direito
substantivo, o que só posteriormente aconteceu, naquele referido requerimento de
reforma do acórdão em citação.
Em tais circunstâncias, havendo então, os ora reclamantes, invocado essa
inconstitucionalidade do art.° 23.°, n.°s 1, 3 e 6 e art.° 29.°, n.° 2, ambos do
CE, aquando do requerimento a pedir a reforma do acórdão e a sua nulidade,
deverá ser tal invocada inconstitucionalidade considerada subsistente, legal e
oportunamente deduzida!...
Diga-se, entretanto que a invocação da inconstitucionalidade das normas do C.E.
já atrás referenciadas, nos termos em que foi deduzida, sai reforçada pela
interpretação a dar à alínea b) do n.° 1 do art.° 70.° da Lei Constitucional,
quando tal norma prescreve:
-“Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo”,
3. De facto, não se referindo o contexto desta norma às diligências específicas
na tramitação do mesmo processo, então é porque a lei constitucional se contenta
em que tal arguição possa ser invocada num simples pedido de aclaração de
reforma ou de anulação da sentença final.
E nem se argumente que a invocação da inconstitucionalidade das normas de
direito ordinário, por violação da CRP, deve ocorrer nos articulados anteriores
à sentença (ou acórdão), com o fundamento de que os Srs. Magistrados, ao
elaborarem tais Decisões, devem já ter presentes nos autos tais invocações, a
fim de tomarem em linha de conta essas parciais violações da Lei, decidindo em
conformidade.
Com efeito, no caso dos autos, se o Sr. Juiz Relator pretendesse tomar em linha
de conta as consequências dessas violações (do art.° 62.°, n.° 2 da CRP), podia
efectivamente cumprir esse desiderato na Decisão final que proferiu, em
resultado desse requerimento a pedir a reforma ou anulação do acórdão que o
recurso dos autos mereceu!...
4. Por outro lado, deve ainda aqui deixar-se assinalado que, devendo ser os Srs.
Juízes, em qualquer Instância Judiciária, os fiéis devedores ao pontual
cumprimento da Constituição, e incontornáveis garantes da constitucionalidade
das leis ordinárias, não deverá ser necessário, e muito menos imperioso, que as
partes litigantes venham reclamar desse fiel cumprimento da constitucionalidade
das normas!..
5. Entretanto, Senhores Juízes Conselheiros, o averiguar da violação da
constitucionalidade do art.° 62.°, n.° 2 da CRP, nesse Tribunal Constitucional,
haverá de impor-se à nossa consciência ético-jurídica, como uma necessária
consequência.
É que, nos presentes autos persistem circunstâncias causais a levarem-nos à
firme convicção de que, no caso de não ser admitido o presente recurso para esse
Tribunal Constitucional, ficando os ora reclamantes dramática e incoerentemente
prejudicados, não poderá ser cumprida a Justiça e a Equidade a que têm direito.
E não é em vão que o Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, depois de bem
reflectir nos depoimentos das testemunhas e em todo o material probatório
inserto nos autos, acabou por concluir na sua sentença que a parcela sobrante à
presente expropriação era aplicável uma desvalorização de 40% do valor venal da
mesma, achada antes da obra resultante da expropriação.
E nem se diga que a disparidade de critérios, entre o Tribunal de 1.ª Instância
e o Tribunal da Relação, no que tange à desvalorização da parcela sobrante não
deve constituir-se em razão suficiente para que esse Tribunal constitucional não
acorra a dirimir tal disparidade de valores e fazer triunfar a Justiça do caso
presente!...
E que – e para citarmos o Professor Castanheira Neves, in a Revolução e o
Direito, 1976, pág. 230 -, ‘absoluta não é a Constituição, absoluto é o
direito’, pois existem ‘valores intangíveis e inconfessáveis para qualquer
legislador’, pelo que ele deve ser a ‘boca por onde fala a justiça ao fazer a
sua entrada na vida’, isto é, ao concretizar-se em normas jurídicas.
E também Carlos Moreira, in Do Direito do Estado e das suas relações, Oração de
Sapiência, in Boletim da Faculdade de Direito, Vol. XXXIV, 1958, págs. 2 e sgts,
escreve:
‘…uma norma é inconstitucional quando ela viola de forma inadmissível, por
totalmente insuportável, os postulados fundamentais de Justiça e que vão
implicados na própria ideia de Estado de Direito.’
Assim, mediante tal flagrante disparidade de critérios no que tange ao encontro
do ponto óptimo na desvalorização da parcela sobrante sub judice, já esse
Tribunal Constitucional poderá aferir necessidade e até oportunidade de
intervenção no litígio gerado no seio das 2 (duas) referenciadas Instâncias
Judiciárias.
Daqui, Senhores Juízes Conselheiros, bem poderão Vossas Excelências constatar da
incoerente e errónea interpretação dada aos artigos 23.°, n.° 1, 3 e 6 e 29.° do
Código das Expropriações, e bem poderão alcançar o quanto tal errónea
interpretação feriu a constitucionalidade do art.° 62.°, n.° 2 da Constituição
da República Portuguesa!...
De facto, se no próprio seio das Instâncias Judiciárias se levanta o problema da
lei injusta, e que se concretiza no facto de nessa Instância de concluir por
atribuir 40% de desvalorização a essa parcela sobrante e na Relação nada a tal
título se atribuir então, como vamos tranquilizar os ora expropriados,
fazendo-os acreditar na bondade das Decisões que sobre o seu prédio foram
tomadas?!...”
2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto a este tribunal pronunciou-se
no sentido da manifesta falta de fundamento da reclamação deduzida.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Versa a presente reclamação o despacho do Exmo. Desembargador Relator da
Relação de Guimarães que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional,
na medida em que “o recorrente não invocou a inconstitucionalidade de qualquer
norma que tivesse sido aplicada na decisão.”
Adianta-se já que a reclamação carece manifestamente de fundamento.
4. No caso concreto, e expressamente admitido pelos Reclamantes no requerimento
de reclamação (a fls. 3 dos autos), a questão de constitucionalidade não foi
arguida atempadamente, isto é, durante o processo.
Recordemos o que disseram os Reclamantes:
“E isto porque, como bem se constata no requerimento a pedir a reforma do
acórdão ou a invocar a sua nulidade, de pág.... desses autos, já os recorrentes
nesse mesmo requerimento, e a partir do seu art.° 23.°, invocaram a
inconstitucionalidade resultante da forma imprópria, e até errónea, com que os
art.°s 23.º, n.°s 1, 3 e 6 e 29.º do Código das Expropriações foram
interpretados.
[…] [os ali recorrentes] pediram ainda fosse considerada irrelevante a um tanto
ou quanto tardia invocação da ali arguida violação de tal comando constitucional
(…) devido ao facto de, sempre aguardando convictos a procedência do competente
recurso de apelação instaurado, não se lhes vislumbrava sequer a necessidade de
invocar, em tal recurso de apelação, essa inconstitucionalidade das normas de
direito substantivo (…)”
Um dos pressupostos de conhecimento dos recursos interpostos ao abrigo do artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é a suscitação de
questão de constitucionalidade normativa durante o processo. Esta expressão tem
sido interpretada, nos termos de jurisprudência firme e reiterada deste
Tribunal, como exigindo a suscitação da questão de constitucionalidade em
momento anterior ao esgotamento do poder jurisdicional do tribunal a quo, que,
em regra, se dará com a prolação da decisão final nos termos do artigo 666.º,
n.º 1, do Código de Processo Civil.
No entanto, nos autos, a questão de constitucionalidade vem arguida apenas no
requerimento de pedido de reforma do acórdão, isto é, extemporaneamente – não no
decurso do processo mas em momento posterior, impossibilitando, por conseguinte,
o Tribunal recorrido de se pronunciar sobre a referida matéria.
Não constituindo a decisão da Relação de Guimarães qualquer surpresa para os
Reclamantes no que respeita à questão de constitucionalidade que pretendem ver
apreciada, constata-se que a mesma foi suscitada extemporaneamente pelo que não
pode haver conhecimento do recurso.
III – Decisão
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a
reclamação.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2008
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos