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Processo nº 1193/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
do acórdão daquele Tribunal de 4 de Outubro de 2007.
2. Em 15 de Janeiro de 2008 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto
no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, com os seguintes fundamentos:
«O recorrente requer a apreciação da norma do artigo 720º, nº 1 do Código de
Processo Civil. Estabelece a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, ao abrigo
da qual o presente recurso foi interposto, que cabe recurso para o Tribunal
Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, ou seja, “a tempo
de o tribunal recorrido poder decidir essa questão” (Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 155/95, Diário da República, II Série, de 20 de Junho de
1995).
No requerimento de interposição de recurso, o recorrente admite que não se
mostra cumprido o requisito da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade, alegando a “surpresa de uma interpretação normativa
insólita e inesperada e com a qual não se podia razoavelmente contar».
É certo que o Tribunal Constitucional “tem vindo a entender, num plano
conformador da sua jurisprudência genérica sobre este tema, que naqueles casos
anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para
suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de
esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir,
ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade” (Acórdão nº
61/92, Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992). E tem vindo a
entender “que uma das situações em que o interessado não dispõe de oportunidade
processual para suscitar a questão da constitucionalidade antes de esgotado o
poder jurisdicional é precisamente a daqueles casos em que é confrontado com uma
situação de aplicação ou interpretação normativa, feita pela decisão recorrida,
de todo imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser exigível que a
antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da
prolação dessa decisão” (Acórdão nº 426/2002, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
O caso presente não se assemelha, porém, de forma alguma, às situações que
originaram esta jurisprudência.
Por um lado, o recorrente alega uma interpretação normativa insólita e
inesperada, que não se vislumbra no acórdão recorrido, já que este se limitou a
aplicar o artigo 720º, nº 1, do Código de Processo Civil; por outro, nunca
poderia qualificar-se como insólita ou inesperada – imprevisível –, a aplicação
de norma processual vigente e aplicável, por força do artigo 4º do Código de
Processo Penal.
Tendo presente o conteúdo do nº 1 do artigo 720º (Defesa contra as demoras
abusivas), o momento processual em causa e o indeferimento anterior de
requerimento em que já havia sido invocado o artigo 98º do Código de Processo
Penal (cf. ponto 3. do Relatório), o recorrente não estava dispensado do
cumprimento do ónus de, antecipando a possibilidade de aplicação do artigo 720º
do Código de Processo Civil, suscitar previamente quanto a esta norma a questão
de inconstitucionalidade. Daí que seja de concluir pelo não conhecimento do
objecto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo
78º-A, nº 1, da LTC)».
3. O recorrente vem agora reclamar para a conferência desta decisão (artigo 78º,
nº 3, da LTC), sustentando o seguinte:
«(…) a decisão sumária parte do pressuposto que o requerente ao indicar o artigo
98º do CPP, estava a provocar um “incidente” com a finalidade de retardar o
processo ou a decisão.
3) Mas na verdade o artigo 98º do CPP fala em “exposições, memoriais e
requerimentos”; e o que o arguido fez não foi mais do que uma exposição dentro
do objecto do processo, não requerendo absolutamente nada para que sobre essa
EXPOSIÇÃO tivesse que recair qualquer despacho ou acórdão.
4) Aliás, seria o mesmo que o arguido ter endereçado uma carta a INCORPORAR no
processo a expor que estava preso INOCENTEMENTE.
5) É preciso não esquecer que a apresentação de exposições ou memoriais
consagrados no artigo 98º do CPP em alguns casos até tem assento constitucional
52º nº 1 da CRP.
6) Aliás conforme transcrição na douta decisão sumária o que o ora recorrente
escreveu foi: «Venerandos Conselheiros, nesta fase, e dentro dos limites
processuais artº 98º do CPP), é tudo o que nos oferece expor a V.Exas» e nada
mais. – o sublinhado é nosso- .
7) É certo que o STJ pronunciou-se sobre a exposição “que não “requerimento”, no
próprio dia em que estava publicada a leitura do douto acórdão, mas disso
nenhuma culpa tem o ora recorrente, pois que, salvo o devido respeito que é
muito, não tinha sido requerido e consequentemente nada havia a ordenar ou a
decidir sobre tal exposição.
8) Daí não se ter perspectivado e se ter referido que se estava perante uma
decisão imprevisível e inédita no sentido que o recorrente estava com a
exposição a protelar a decisão.
9) Posteriormente, e aí sim, aplicando na mesma o artigo 98º e 380º nº 1 al.b)
do CPP e 669º nº 1 al.a) do CPC ex vi artº 4º do CPP, já se “requereu” o
esclarecimento sobre o douto acórdão de 5 de Julho de 2007.
10) Em todo o caso antes das prolacção da douta decisão ora recorrida o
recorrente nada “requereu” que pudesse de uma forma ou de outra atrasar de forma
abusiva ou manifesta o decurso normal do processo.
11) Aliás a ser outro entendimento, sempre teria o recorrente de à cautela
suscitar inevitavelmente aquando de qualquer requerimento, a possibilidade de
ser aplicado o artigo 720º do CPC, ou melhor ainda nunca o fazer
independentemente de a lei processual penal o permitir; isto é: está lá mas
cuidado!
12) Por isso entendemos sempre ressalvado o devido respeito pela aliás, douta
decisão sumária que na verdade o arguido ao não ter requerido nada anteriormente
à decisão recorrida não podia prever a aplicação do artigo 720º nº 1 do CPC ao
seu caso.
13) Basta pensar que nessa data o arguido até estava em cumprimento de pena à
ordem de outro processo até 18-02-2008, pelo que pergunta-se em que medida
estava a obstaculizar a baixa do processo ou o cumprimento do julgado... não
vislumbramos nenhuma.
14) Daí entendermos que a suscitação da inconstitucionalidade da norma do artigo
720º nº 1 do CPC aplicável naquela fase ao processo penal, não podia ter sido
suscitada anteriormente como se alegou.
15) E não se pode fazer recair a boa-fé processual do arguido ao simplesmente
“expor” a sua posição no processo sem protelar o mesmo, que tivesse que
“adivinhar” a aplicação posterior do citado artigo e diploma ao Processo penal».
4. Notificados os recorridos, respondeu apenas o Ministério Público, nos
seguintes termos:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º
Na verdade – e para além de o recurso ser manifestamente infundado, por ser
evidente que a previsão normativa do regime adequado a pôr termo ao uso abusivo
e anormal do processo em nada colide com a Lei Fundamental – a argumentação do
reclamante em nada abala os fundamentos da decisão reclamada».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objecto do
recurso, com fundamento na não suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade, considerando-se que o recorrente não estava dispensado de
tal ónus.
O reclamante sustenta, por um lado, que a decisão sumária parte do pressuposto
que o requerente ao indicar o artigo 98º do Código de Processo Penal estava a
provocar um incidente; e, por outro, que, considerada a fundamentação da decisão
reclamada, sempre teria o recorrente de à cautela suscitar inevitavelmente
aquando de qualquer requerimento, a possibilidade de ser aplicado o artigo 720º
do Código de Processo Civil.
Quanto ao primeiro argumento, importa começar por notar que a decisão reclamada
não partiu – nem poderia partir – do pressuposto que o requerente estava a
provocar um incidente ao indicar o artigo 98º do Código de Processo Penal. Sem
extravasar o âmbito do juízo que então importava fazer, concluiu-se que o
recorrente não estava dispensado do ónus da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade, tendo presente o conteúdo do nº 1 do artigo 720º, o
momento processual em causa e o indeferimento anterior de requerimento em que já
havia sido invocado o artigo 98º do Código de Processo Penal. Estava em causa
disposição legal sobre a defesa contra as demoras abusivas; o poder
jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça já se havia esgotado quanto à
matéria da causa; este Tribunal já se tinha pronunciado sobre documento junto
aos ao abrigo do artigo 98º do Código de Processo Penal, de novo invocado no
pedido de aclaração da decisão que confirmou o acórdão condenatório do Tribunal
da Relação de Évora.
Pelo exposto, o reclamante não pode inferir da decisão reclamada que o
recorrente tem de antecipar a aplicação do artigo 720º do Código de Processo
Civil sempre que apresente um qualquer requerimento. No circunstancialismo
descrito, e muito particularmente face à invocação reiterada do artigo 98º do
Código de Processo Penal, é que era exigível que o recorrente antecipasse a
aplicação daquele artigo do Código de Processo Civil. Conforme jurisprudência do
Tribunal Constitucional, o requisito da suscitação prévia da questão de
constitucionalidade compreende, salvo casos excepcionais que no caso se não
verificam, a exigência de que os recorrentes efectuem um juízo de prognose
relativamente à aplicação de determinada norma; um dever de prudência técnica na
antevisão do direito plausível de ser aplicado; o ónus de perspectivar as várias
hipóteses razoáveis de selecção e interpretação do direito potencialmente
aplicável (neste sentido, cf. Acórdãos nºs 678/99, 573/2003 e 188/2007,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Resta, pois, concluir pelo indeferimento da reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e, em consequência, confirmar a
decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Março de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão