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Processo n.º 178/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., arguido no processo de que a presente reclamação é
dependência, reclama do despacho de 10 de Janeiro de 2008 que não admitiu o
recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de
Outubro de 2007 (integrado e esclarecido pelo acórdão de 27 de Novembro de 2007)
que decidiu rejeitar, por inadmissível, o acórdão interposto pelo ora reclamante
do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa quanto aos crimes e penas parcelares
que lhe foram impostos.
Em síntese, alega que, no recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, suscitou a questão da inconstitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do
artigo 400.º do CPP (na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto) e
que foi essa mesma norma que identificou no requerimento de interposição como
objecto do recurso para o Tribunal Constitucional, nunca tendo chamado à colação
a norma da alínea f) do mesmo n.º 1 do artigo 400.º, como o despacho reclamado
erroneamente supõe.
2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos termos
seguintes:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Note-se liminarmente que o ora reclamante não cumpriu o ónus de suscitar, em
termos processualmente adequados, - na motivação do recurso que dirigiu ao
Supremo – a questão de constitucionalidade da específica dimensão normativa da
alínea e) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP, indicando-a de forma precisa e clara.
Por outro lado, é evidente que o STJ não aplicou a dimensão normativa indicada
no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – já que,
perante a situação de concurso que se verificara quanto ao arguido, considerou
admissível o acesso ao Supremo para controverter a medida da pena correspondente
ao concurso criminoso (punido com a pena única de 6 anos de prisão); mas
denegou-o naturalmente para discutir as penas parcelares definitivamente
aplicadas pela Relação aos crimes concorrentes, cada um deles punível com pena
de prisão inferior a 5 anos.”
3. Para decisão da reclamação relevam as ocorrências processuais
seguintes:
a) O reclamante foi condenado em 1.ª instância, em cúmulo jurídico
das penas aplicadas por vários crimes, na pena única de 9 anos de prisão;
b) O Tribunal da Relação de Lisboa reduziu a pena única para 6 anos
de prisão, mediante a requalificação parcial dos factos com redução do número de
crimes.
c) O ora reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, sustentado além do mais que:
“(…)
Acresce, finalmente, que a interpretação da referida norma – art.º 400.º n.º 1
al. e) do CPP - no sentido que ora se defende é a única que, não brigando com a
sua letra e espírito, respeita as normas e princípios constitucionais que regem
a matéria em apreço.
Com efeito, dispõe o art.º 9.º al. b) da CRP que constitui tarefa fundamental do
Estado “garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos
princípios do Estado de direito democrático”.
Ora, no se vê como possa ser compatível com tal obrigação a hipótese de se
entender que o legislador ordinário pretendeu vedar o recurso ao STJ de cidadãos
condenados ao cumprimento de elevadas penas de prisão, em casos de concurso de
infracções por crimes puníveis com penas iguais ou inferiores a 5 anos de
cativeiro.
Tanto mais que, segundo prevê o art.º 18.º n.º 2 da CRP, “a lei só pode
restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos
na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”
(sublinhado nosso).
Acresce, ainda, que todos os cidadãos têm direito a um processo equitativo, como
resulta do disposto no artº 20.º n.º 4 da CRP.
Sendo que a justeza e equilíbrio dos processos mede-se também pela ponderação
dos valores em julgamento.
Assim, não respeitará tal ponderação a possibilidade de alguém sancionado com
pesada pena de prisão ser privado do recurso para o STJ e, em contraposição,
certas causas de natureza meramente civil e de valor mediano poderem ser
julgadas por aquela altíssima instância, como decorre, por exemplo, do disposto
no art.º 725.º n.º 1 do CPC.
Entende, por isso, o recorrente que, no caso em apreço, o art.º 400º n.º 1 al.
e) do CPP não o impede de interpor o presente recurso, sendo que qualquer
interpretação em sentido oposto, nomeadamente aquela que se tem vindo a
analisar, não só violaria as normas constitucionais acabadas de referir – artº 9
al. b), 18.º n.º 2 e 20.º n.º 4 - como afectaria as garantias de defesa do
arguido, mormente o direito ao recurso, consagradas no artº 32.º n.º 1 da
Constituição.”
d) Por acórdão de 25 de Outubro de 2007, o Supremo Tribunal de
Justiça julgou o recurso inadmissível quanto aos crimes e penas parcelares e
manifestamente improcedente quanto à pena correspondente ao concurso de crimes,
consignando o seguinte:
“4.1. Nos termos do art. 400.1.f do CPP, na redacção recentemente introduzida
pela Lei 48/2007 de 29AG0, entrada em vigor no dia 15SET07, o acórdão da Relação
nem sequer seria recorrível, por terem passado a não admitir recurso «os
acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem
[ainda que in meilius] decisão de 1.ª instância e apliquem [como no caso] pena
de prisão não superior a 8 anos».
4.2. E, mesmo perante a lei processual penal anterior (cfr. art. 400.1.e) e f)
do CPP, na redacção da lei 59/98 de 25AG0), o recurso – não sendo admissível
relativamente às penas parcelares (porque correspondentes a crimes puníveis com
pena de prisão não superior a cinco anos de prisão – apenas o seria em relação
ao respectivo concurso criminoso (pois que punível com pena de prisão – de 3,5 a
11 anos de prisão – de máximo superior a oito anos).
4.3. Ora, nos termos do art. 5.º do CPP, a lei processual penal, se bem que «de
aplicação imediata» (n. 1), «não se aplica aos processos iniciados anteriormente
à sua vigência quando da sua aplicação imediata possa resultar agravamento
sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma
limitação do seu direito de defesa» (n. 2, alínea a).
4.4. Será, por isso, de admitir o recurso, apenas, quanto à medida da pena
correspondente ao concurso criminoso (mas já não às penas parcelares
[definitivamente] aplicadas aos crimes concorrentes. cada um deles punível com
prisão até 2, 4 ou 5 anos).
4.5. No quadro da versão de 1998 do CPP, o Supremo não vinha aceitando – senão
relativamente à pena correspondente ao concurso criminoso – a posição em que o
ora recorrente se coloca de «o art. 400.1.e CPP [de então] não impedir a
interposição de recurso para o STJ, nos casos aí previstos se ao arguido for
aplicada pena [única] de prisão superior a 5 anos de prisão».
4.6. Com efeito, «não [era] admissível recurso de acórdãos proferidos, em
recurso, pelas Relações, em processo por crime a que [fosse] aplicável pena de
multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de
infracções (…)» (art. 400, n. 1, al. e), do CPP/98). Ou seja, «mesmo em caso de
concurso de infracções», não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em
recurso, pelas Relações, em processo por crime a que fosse aplicável pena de
multa ou pena de prisão não superior a cinco anos. No caso, todos os «processos
conexos» (art.s 24.º e 25.º do CPP) versam crimes puníveis com pena de prisão
não superior a 5 anos de prisão e daí, pois, que cada um deles valha como
«processo por crime a que é aplicável pena de prisão não superior a cinco anos».
Se julgados isoladamente, não haveria dúvidas, perante o CPP/98, de que não
seria admissível recurso do(s) acórdão(s) proferido(s), em recurso, pela
Relação. Ora, não havia razões substanciais – ou sequer, processuais – para que
se adoptasse um regime diverso de recorribilidade em função da circunstância de,
por razões de «conexão» («de processos» – art. 25.º), terem sido conhecidos
simultaneamente os crimes «concorrentes» (dos demais «processos conexos»).
Acresce que, para efeitos de recurso, «é autónoma a parte da decisão que se
referir, em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes» (art. 403.º n.º 2,
al. b), do CPP). Por isso, o art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP/98 advertia para
que tal regime de recorribilidade (no tocante «a cada um dos crimes», ou, mais
propriamente, ao «processo conexo» respeitante a cada «crime») se havia de
manter «mesmo em caso de concurso de infracções» julgadas «em processos conexos»
(ou em «um único processo organizado para todos os crimes determinantes de uma
conexão» - art.º 29.º n.º 1, do CPP). Aliás, se o art.º 400.º, n.º 1, nas suas
al.s e) e f), pretendesse, na sua versão de 19989, levar em conta a pena
correspondente ao «concurso de crimes», teria aludido a «processos por crime ou
concurso de crimes» (e não a «processos por crime, mesmo em caso de concurso»).
É certo que a «expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” suscitava
algumas dificuldades de interpretação». Porém, e uma vez «a pena aplicável ao
concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas
e como limite máximo a soma das penas aplicadas aos diversos crimes em concurso
(art. 77.º do CP)», «não parece que o legislador [tivesse ali] recorrido a um
critério assente na pena efectivamente aplicado no concurso», tanto mais que «em
abstracto é impossível determinar qual a pena aplicável aos crimes em concurso
antes da determinação da pena aplicada a qualquer deles». Donde que «a expressão
“mesmo em caso de concurso de infracções” [significasse ali] que, não importando
a pena aplicada no concurso, se tomar[ia] em conta a pena abstracta aplicável a
cada um dos crimes».”
e) O reclamante apresentou um requerimento em que arguiu a nulidade
(e, subsidiariamente, pediu a aclaração) deste acórdão, acusando-o de não se ter
pronunciado sobre a questão de inconstitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do
artigo 400.º do CPP que sustentou ter alegado.
f) Por acórdão de 27 de Novembro de 2007, o Supremo Tribunal de
Justiça apreciou esse requerimento e decidiu nos termos seguintes:
“4. CONCLUSÕES
4.1. Não se omitiu pronúncia sobre a questão – aliás, não suscitada em termos
adequados – da (in)constitucionalidade da interpretação que, a respeito do art.
400.1.e do CPP (na redacção anterior à Lei 48/2007), o Supremo vinha fazendo e o
acórdão ora reclamado reiterou;
4.2. Mas, a considerar-se a decisão reclamada incursa em tal vício, este acórdão
complementar, suprindo-a, sanará a correspondente nulidade.
5. DECISÃO
Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência para apreciar
a pretensa omissão de pronúncia suscitada, na sua reclamação de l3NovO7, pelo
arguido A., admite não ter enfrentado a correspondente questão de
inconstitucionalidade (no entendimento, que persiste mas em que não insiste, de
não estar obrigado a dela conhecer), mas admitindo a hipótese de dela dever ter
conhecido, delibera, para suprir o eventual vício, conhecer agora dela,
justificando o decidido, à luz da Constituição, quanto à questão da
(irr)ecorribilidade do acórdão recorrido, pelas mesmas razões que o tribunal
Constitucional não tem julgado inconstitucional «a norma do art.º 400.º, n.º 1,
[alínea e)], do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que é
inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão condenatório
proferido, em recurso, pelas Relações, que confirmem (mesmo que parcialmente,
desde que in mellius) decisão da 1ª instância, quando o limite máximo da moldura
penal dos crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado
não ultrapasse 8 anos de prisão».”
g) Em 18 de Dezembro de 2007, o reclamante interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, mediante requerimento do seguinte teor:
“Em cumprimento do disposto no art.º 75-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(Lei do TC), desde já, se indica que:
• o presente recurso é interposto ao abrigo da al b) do n.º 1 do art.º 70.° da
Lei do TC;
• a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, na
interpretação que lhe foi dada pela instância recorrida, é a constante do artº
400.º n°1 al. e) do CPP na sua redacção anterior à actualmente vigente.
- a interpretação normativa, que se pretende questionar, feita pelo STJ do
referido preceito - que, de resto, refere ser coincidente com a plasmada no
acórdão 2/06, de 3 de Janeiro, do TC - foi a de que é inadmissível recurso para
o STJ de acórdão condenatório proferido, em recurso, pelas Relações, que
confirmem (mesmo que parcialmente, desde que in melius) decisão da primeira
instância, quando o limite máximo da moldura penal dos crimes, individualmente
considerados, por que o arguido foi condenado não ultrapasse oito anos de
prisão;
• as normas ou princípios constitucionais que o recorrente considera violados
pela referida interpretação são as constantes dos art. 9.º al. b), 18.º n.º 2,
20.º n.º 4 e 32.º n° 1, todos da CRP, pelas razões oportunamente expostas no
requerimento onde tal questão foi suscitada, e que aqui se dão, por mera questão
de economia processual, por integralmente reproduzidas:
• o recorrente suscitou a aludida questão da inconstitucionalidade no
requerimento de interposição do recurso do acórdão do TRL para o STJ, ou seja,
no preciso momento em que ao recorrente se colocou a questão de pretender reagir
processualmente àquela decisão desfavorável.
h) Este recurso não foi admitido, por despacho de 10 de Janeiro de
2008, do seguinte teor:
“1. Nos termos do art. 400.1 f do CPP, na redacção recentemente introduzida pela
Lei n.º 48/2007 de 29 Ago, entrada em vigor no dia 15 Set.07, o acórdão da
Relação nem sequer seria recorrível, por terem passado a não admitir recurso «os
acórdãos condenatórios m proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem
[ainda que in mellius] decisão de 1ª instância e apliquem [como no caso] pena de
prisão não superior a 8 anos».
2. Mas, mesmo perante a lei processual penal anterior (cfr. art. 400.1.e) e f)
do CPP, na redacção da lei 59/98 de 25 Ago), o recurso – não sendo admissível
relativamente às penas parcelares (porque correspondentes a crimes puníveis com
pena de prisão não superior a cinco anos de prisão] – apenas o seria (como foi)
em relação ao respectivo concurso criminoso (pois que punível com pena de prisão
– de 3,5 a 11 anos de prisão – de máximo superior a 8 anso).
3. Daí que o Supremo Tribunal e Justiça, reunido em conferência no dia 25 Out07
para apreciar a questão prévia suscitada no exame preliminar do relator, se
tenha decidido pela não inadmissão e rejeição do recurso (inadmissível quanto às
penas parcelares e manifestamente improcedente quanto à pena conjunta), oposto
pelo cidadão A. ao acórdão da Relação de Lisboa que, em 07Mai07, o condenara,
como autor ou co-autor de um crime de falsificação agravada, de um crime de
auxílio à imigração, de um crime de falsificação documental tentada, de um crime
de receptação e de um crime de detenção ilegal de arma, nas penas parcelares de
3,5 anos de prisão, de 2,5 anos de prisão, de 1,25 anos de prisão, de 3 anos de
prisão e de 0,75 anos de prisão e na pena conjunta de 6 (seis) anos de prisão.
Alegara o condenado, no seu recurso para o Supremo, que «o art. 400.1 CPP não
impedia a interposição de recurso para o STJ, nos casos aí previstos se ao
arguido tivesse sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos de prisão».
O Supremo, porém, não impediu, no caso «a interposição de recurso», que, aliás,
admitiu (quanto ao concurso criminoso, única realidade a que, na decisão
recorrida, fora «aplicada pena de prisão superior a 5 anos de prisão»), e que,
só por manifesta improcedência, rejeitou.
É certo, todavia, que o STJ considerou inadmissível o recurso quanto aos crimes
– abstractamente puníveis e concretamente punidos com pena de prisão inferior a
cinco anos de prisão – de «auxílio à imigração ilegal», “falsificação de
documentos na forma tentada» e «receptação».
Acontece que o arguido/recorrente, conjecturando – porque era essa a
jurisprudência corrente no Supremo – que assim viesse a ser decidido, limitou-se
a alegar que a interpretação contrária «era a que melhor se coaduna[va] com a
letra e o espírito da norma , bem como os princípios fundamentais do nosso
sistema processual penal» e, ainda, que uma «interpretação que não impedisse a
interposição de recurso para o STJ» seria a única que se harmoniza[ria] com as
regras e princípios estabelecidos nos art.s 9.b, 18.2, 20.4 e 32.1 da
Constituição». Mas, para suscitar do próprio tribunal ad quem a apreciação da
eventual (in)constitucionalidade da norma – tal como previa vir a ser
interpretada/aplicada – do art. 400.1.e) do CPP, teria que cumprir – e não
cumpriu – as exigências feitas pelo art. 412.2 do CPP, incluindo a de indicar,
além da norma (in)constitucional previsivelmente violada, o sentido
(in)constitucional em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido
poderia vir a interpretá-la e, bem assim, o exacto sentido em que ela, no seu
entendimento, devia ser interpretada».
Não obstante, o arguido/recorrente interpôs, em 17Dez07, recurso para o Tribunal
Constitucional, «ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC», sindicando
a norma do art. 400.1.e do COPP, na sua redacção anterior à actual vigente,
interpretada no sentido da inadmissibilidade de recurso para o STJ de acórdão
condenatório proferido, em recurso, pelas Relações, que confirmem (mesmo que
parcialmente, desde que in mellius) decisão da 1ª instância, «quando o limite da
moldura penal dos crimes individualmente considerados por que o arguido foi
condenado não ultrapasse 8 anos de prisão».
No entanto, o Supremo não considerou inadmissível o recurso. Tanto que o
admitiu, se bem que circunscrito ao concurso criminoso e respectiva pena
conjunta.
Mas, mesmo em relação aos crimes concorrentes e às respectivas penas parcelares,
o que esteve em causa –na inadmissão parcial do recurso – não foi a decisão
confirmatória da Relação num contexto (que seria o da alínea f) do nº 1 do art.
400º do CPP, da redacção anterior à actual) em que «o limite da moldura penal
dos crimes individualmente considerados por que o arguido tivesse sido condenado
não ultrapassasse 8 anos de prisão» mas, antes, a própria decisão da Relação
–qualquer que ela fosse – no âmbito da alínea e) do n.º1 daquele art. 400.°
(«Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações,
em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não
superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções (...)»).
Assim sendo, e uma vez que a norma pretensamente submetida à sindicância do
Tribunal Constitucional foi uma (a do art. 400.1.e do CPP/98) e a interpretação
impugnada respeita a outra (a da alínea f) dos mesmos artigo e número), é
manifesta a sua falta de fundamento, o que, nos termos do art. 76.2 da LTC,
constitui motivo de indeferimento.
Vai, pois, indeferido o recurso constitucional de fls. 16737 e ss..
i) O reclamante apresentou um pedido de esclarecimento deste
despacho, sobre o qual recaiu o despacho de 25 de Janeiro de 2008, do seguinte
teor:
“O STJ considerou inadmissível o recurso quanto aos crimes – abstractamente
puníveis e concretamente punidos com pena de prisão inferior a cinco anos de
prisão – de «auxílio à imigração ilegal», «falsificação de documentos na forma
tentada» e «receptação»
O Supremo, porém, não impediu, no caso, «a interposição de recurso», que, aliás,
admitiu (quanto ao concurso criminoso, única realidade a que, na decisão
recorrida, fora «aplicada pena de prisão superior a 5 anos de prisão»).
Acontece que o arguido/recorrente, conjecturando – porque era essa a
jurisprudência corrente no Supremo – que assim viesse a ser decidido (quanto à
inadmissão parcial do recurso), limitou-se a alegar, no seu recurso para o STJ,
que a interpretação contrária «era a que melhor se coaduna[va] com a letra e o
espírito da norma, bem como os princípios fundamentais do nosso sistema
processual penal» e, ainda, que uma «interpretação que não impedisse a
interposição de recurso para o STJ», seria a «única que se harmoniza[ria]com as
regras e princípios estabelecidos nos art.s 9.b, 18.2, 20.4 e 32.1 da
Constituição».
Note-se porém que, para suscitar do próprio tribunal ad quem a apreciação da
eventual (in)constitucionalidade da norma – tal como previa vir a ser
interpretada/aplicada – do art. 400.1.e) do CPP, teria que cumprir – e não
cumpriu – as exigências feitas pelo art. 412.2 do CPP, incluindo a de indicar,
além da norma (in)constitucional previsivelmente violada, o sentido
(in)constitucional em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido
poderia vir a interpretá-la e, bem assim, o exacto sentido em que ela, no seu
entendimento, devia ser interpretada».
Não obstante, o Supremo conveio, em 27Nov07, em contextualizar
constitucionalmente a interpretação/aplicação que fizera da norma da alínea e)
do nº 1 do artº 400º do CPP/98, após o que o arguido/recorrente – aproveitando e
arrastando a situação de liberdade provisória em que se encontra desde 13Jul07 –
interpôs, em 17Dez07, recurso para o Tribunal Constitucional, «ao abrigo da al.
b) do nº 1 do art. 70º da LTC», sindicando a norma do art. 400.1.e do CPP, na
sua redacção anterior à actualmente vigente, interpretada no sentido da
inadmissibilidade de recurso para o STJ de acórdão condenatório proferido, em
recurso, pelas Relações, que confirmem (mesmo que parcialmente, desde que in
mellius) decisão da 1ª instância, «quando o limite da moldura penal dos crimes
individualmente considerados por que o arguido foi condenado não ultrapasse 8
anos de prisão».
No entanto, O Supremo não considerou inadmissível o recurso. Tanto que o
admitiu, se bem que circunscrito ao concurso criminoso e respectiva pena
conjunta.
Mas, mesmo em relação aos crimes concorrentes e às respectivas penas parcelares,
o que esteve em causa – na inadmissão parcial do recurso – não foi a decisão
confirmatória da Relação num contexto (que seria o da alínea f) do nº 1 do art.
400º do CPP, da redacção anterior à actual) em que «o limite da moldura penal
dos crimes individualmente 8 anos de prisão» mas, antes, a própria decisão da
Relação – qualquer que ela fosse – no âmbito da alínea e) do n.º 1 daquele art.
400º («Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas
relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de
prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções (…)»).
Assim sendo, e uma vez que a norma pretensamente submetida à sindicância do
Tribunal Constitucional foi uma (a do art. 400.1. e do CPP/98) e a interpretação
impugnada respeita a outra (a da alínea f) dos mesmos artigo e número), o
relator – entendendo manifesta a sua falta de fundamento, o que, nos termos do
art. 76.2 da LTC, constituiria motivo de indeferimento – indeferiu, em 10Jan08,
o recurso constitucional de fls. 16737 e ss.
Notificado no mesmo dia, o recorrente em 21Jan07 (2ª feira), pediu a aclaração
do despacho: «Se esse tribunal (…) fez Suas as razões que levaram o próprio
Tribunal Constitucional a não considerar inconstitucional o citado preceito
legal [art. 400.1.f. do CPP], não se compreende pior que motivo vem agora esse
STJ entender que a interpretação posta em causa pelo recorrente, no recurso por
si interposto, se refere à alínea f) do art. 400º nº 1 do CPP».
A explicação é simples:
a) O Supremo – para fundamentar, de harmonia com a Constituição, a interpretação
que fizera da norma da alínea e) do nº 1 do art. 400º do CPP (na versão anterior
à actual) – invocou as «mesmas razões» que haviam servido ao Tribunal
Constitucional para considerar conforme à Constituição «a norma do artigo 400,
nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que é
inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão condenatório
proferido, em recurso, pelas Relações, que confirmem (mesmo que parcialmente,
desde que in mellius) decisão da 1ª instância, quando o limite máximo da moldura
penal dos crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado
não ultrapasse 8 anos de prisão;
b) No entanto, o recorrente, embora, no seu recurso constitucional, tenha
identificado «a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal
[Constitucional] aprecie)» como a «constante do art. 400. 1.e do CPP», acabou
por indicar como «interpretação normativa feita pelo STJ» a de que «é
inadmissível recurso para o STJ de acórdão condenatório proferido, em recurso,
pela Relações, que confirmem (mesmo que (mesmo que parcialmente, desde que in
meilius) decisão da 1. a instância, quando o limite máximo da moldura penal dos
crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado não
ultrapasse 8 anos de prisão»;
c) Ora, esta interpretação dizia respeito não à alínea e) – a aplicada pelo
Supremo – mas à alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP (que o Supremo, aliás,
apenas invocara – no acórdão complementar de l7NovO7– na medida em que as razões
que justificavam a constitucionalidade de determinada interpretação do preceito
poderiam invocar-se para justificar a conformidade constitucional da que o
Supremo fizera da norma constante daquela outra alínea);
d) De qualquer modo, a norma aplicada pelo Supremo – extraída da alínea e) -
fora, antes, a de que «sem prejuízo da eventual admissibilidade do recurso
relativo ao correspondente concurso criminoso e à respectiva pena única, não é
admissível recurso, restrito às respectivas penas parcelares, de acórdãos
proferidos, em recurso, pelas relações, em processos, ainda que conexos, por
crimes a que seja aplicável pena de prisão não superior a cinco anos»;
e) Porém, não foi esta «interpretação «normativa» – longe disso – que o
recorrente – no seu recurso de 1 7DEzO7 para o Tribunal Constitucional – indicou
como «feita pelo STJ do referido preceito».
Foi isto, pois, o que se quis dizer quando, no despacho ora sob aclaração, se
afirmou que «a norma pretensamente submetida à sindicância do Tribunal
Constitucional foi uma (a do art. 400. 1.e do CPP/98) e a interpretação
impugnada respeita a outra (a da alínea f) dos mesmos artigo e número)».
4. Importa recordar os seguintes aspectos essenciais do regime
jurídico do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, com
imediata pertinência para a apreciação da presente reclamação e constantemente
reafirmados na jurisprudência do Tribunal:
Ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso
para o Tribunal Constitucional de decisão dos restantes tribunais (esgotados que
sejam os recursos ordinários, aspecto que no caso presente se não coloca) com
vista à apreciação da conformidade com regras e princípios da Constituição de
norma (i) que tenha integrado a ratio decidendi da decisão recorrida (ii) e em
relação à qual o recorrente tenha suscitada a questão de constitucionalidade
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer (cfr. n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Incumbe ao recorrente identificar, logo no requerimento de
interposição do recurso, a norma cuja inconstitucionalidade quer ver apreciada
(n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC). Ónus este que exige a enunciação por parte do
recorrente, de modo claro e preciso, do específico sentido normativo com que o
preceito foi aplicado.
O recorrente que não tenha dado cumprimento aos requisitos impostos
pelo artigo 75.º-A da LTC tem o ónus de suprir tais deficiências na reclamação,
em ordem a permitir uma decisão definitiva sobre a admissibilidade do recurso
(n.º 4 do artigo 77.º da LTC).
5. O despacho reclamado, embora também tenha discorrido sobre a não
suscitação adequada da questão de constitucionalidade, elegeu como razão
determinante para o indeferimento do requerimento de interposição de recurso o
facto de que “a norma pretensamente submetida à sindicância do Tribunal
Constitucional foi uma [a do artigo 430.º, alínea e) do CPP/98]) e a
interpretação impugnada respeita a outra [a da alínea f) dos mesmos artigo e
número)”. Pelo despacho de 25 de Janeiro de 2008 ficou esclarecido o que esta
afirmação, afinal, significa: a norma que o recorrente identifica como objecto
do recurso não corresponde ao sentido normativo da alínea e) do n.º 1 do artigo
400.º do CPP que o acórdão recorrido aplicou.
Justifica-se, portanto, que na apreciação da reclamação se comece
por verificar se a norma cuja apreciação de constitucionalidade se pretende
coincide com aquela de que o acórdão recorrido fez aplicação, para considerar
não admissível recurso da decisão da Relação.
6. Efectivamente, o Supremo Tribunal de Justiça considerou
admissível o recurso do acórdão da Relação quanto à medida da pena
correspondente ao concurso (fixada pela Relação em 6 anos de prisão, mas
abstractamente punível com pena superior a 8 anos de prisão), embora o tivesse
rejeitado por manifesta improcedência. Só não admitiu o recurso quanto aos
crimes que integram o concurso, ou à medida da pena que singularmente lhes
respeita, uma vez que nenhum desses crimes era abstractamente punível com pena
superior a 5 anos de prisão.
Resulta com suficiente clareza do n.º 4 (maxime, fundamento n.º 4.6)
do acórdão de 25 de Outubro de 2007, que, para chegar a essa decisão de não
admissibilidade parcial do recurso – e só o que respeita à não admissão do
recurso está em discussão – , o Supremo Tribunal de Justiça fez aplicação da
alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP na versão anterior à da Lei n.º
48/2007, de 29 de Agosto, e que a interpretou, como esclarece o despacho de 25
de Janeiro de 2008, no sentido de que “sem prejuízo da eventual admissibilidade
do recurso relativo ao correspondente concurso criminoso e à respectiva pena
única, não é admissível recurso, restrito às respectivas penas parcelares, de
acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processos, ainda que
conexos, por crimes a que seja aplicável pena de prisão não superior a cinco
anos”.
Verifica-se que, apesar de formalmente reportado à mesma alínea e)
do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, o sentido normativo que o recorrente indica no
requerimento de interposição é bem diverso daquele que fundou o juízo de
inadmissibilidade do recurso quanto aos crimes e penas parcelares. Não constitui
elemento da hipótese normativa da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, na
interpretação que fundou a não admissão do recurso, que a decisão da Relação
seja confirmativa (ainda que in mellius) da decisão da 1.ª instância, nem que a
moldura penal dos crimes individualmente considerados pelos quais o arguido
tenha sido considerado não ultrapasse os oito anos de prisão. Esses são
elementos que poderiam interessar á norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º
do CPP. O recurso não foi admitido simplesmente porque o máximo da moldura da
pena aplicável a cada um dos crimes em concurso não ultrapassava os cinco anos
de prisão, nessa parte como literalmente dispunha a alínea e) do n.º 1 do artigo
400.º do CPP. As demais considerações produzidas neste capítulo do acórdão
recorrido dizem respeito às razões pelas quais se admite o recurso quanto à pena
unitária, não às razões pelas quais se rejeitou o recurso quanto às penas de
cada um dos crimes em concurso.
Nem se objecte que o reclamante se limita a usar a formulação que o
acórdão que recaiu sobre a arguição de nulidade adoptou ao julgar improcedente a
questão de inconstitucionalidade suscitada. Com tal afirmação, o Supremo não
está a enunciar o sentido normativo da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º com
fundamento na qual não admitiu o recurso. Limita-se a transpor para o juízo de
não inconstitucionalidade da norma que aplicou 'as mesmas razões' pelas quais o
Tribunal Constitucional não tem julgado inconstitucional a norma da alínea f) do
n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
7. Assim sendo, a norma (o sentido normativo) que o recorrente
pretende submeter a apreciação do Tribunal Constitucional não corresponde à
ratio decidendi da não admissão pelo acórdão recorrido do recurso do acórdão da
Relação na parte que respeita aos crimes em concurso.
Deste modo, devendo confirmar-se o despacho reclamado quanto a este fundamento,
fica prejudicada a verificação dos demais pressupostos do recurso de
constitucionalidade, designadamente o de saber se mereceria confirmação o juízo
do despacho reclamado de que a questão de constitucionalidade não foi colocada
de modo processualmente adequado no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
8. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o
reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lisboa, 10 de Março de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão