Imprimir acórdão
Processo n.º 33/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., L.da, apresentou reclamação para a
conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 28 de Janeiro de
2008, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito,
não tomar conhecimento do recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte
fundamentação:
“1. A., L.da, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo (STA), de 25 de Outubro de 2007, que, concedendo
provimento aos recursos jurisdicionais interpostos pela Câmara Municipal de
Braga e B. SA, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de
Penafiel, de 28 de Dezembro de 2006, que havia anulado a deliberação da Câmara
Municipal de Braga, de 15 de Abril de 1999, que adjudicara a venda do jornal C.,
incluindo respectivo título e a universalidade de bens, designadamente
equipamentos, que o integram, à B..
No requerimento de interposição de recurso refere a recorrente:
«I – ENQUADRAMENTO
Do recurso contencioso de anulação interposto
1.º – A recorrente interpôs recurso contencioso de anulação da
deliberação da Câmara Municipal de Braga aprovada em reunião ordinária
realizada em 15 de Abril de 1999, nos termos da qual foi deliberado ‘adjudicar
à “Empresa B., SA”, o jornal “C.”’ (certidão junta como Documento n.º 1 à
petição inicial de recurso, a fls. 21).
2.º – Conforme resulta da petição inicial de recurso (e da alegação
apresentada pela recorrente), o pedido de anulação da deliberação da Câmara
Municipal de Braga fundamentava‑se na invalidade da referida deliberação, por
vício de violação de lei, decorrente da violação do princípio da legalidade, da
violação expressa do disposto no artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86, de 27 de
Outubro, e da violação do princípio da igualdade e do princípio da
concorrência, uma vez que a deliberação recorrida se teria fundamentado na
aplicabilidade de um critério ilegal constante do Regulamento do Concurso – o
critério constante da alínea c) do ponto 3.2 do Regulamento do Concurso – o qual
não deveria, pelas violações identificadas, ter sido aplicado.
De acordo com o factor de ponderação constante da alínea c) do ponto
3.2 do Regulamento nos termos do qual ‘Às candidaturas apresentadas em que
participem trabalhadores do jornal “C.”, constantes do anexo III, será atribuída
uma bonificação de um ponto por cada trabalhador participante’ (cf. Doc. n.º 3
junto petição inicial de recurso a fls. 25 e seguintes).
3.º – Ou seja, no entendimento sustentado pela A. – sufragado pelo
Tribunal a quo, como se verá – a disposição regulamentar contida na alínea c)
do ponto 3.2. do Regulamento viola os princípios da igualdade e concorrência a
que a Administração Pública deve obediência na regulamentação dos concursos
administrativos e ainda o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º
358/86 e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 20/86, pelo que a deliberação recorrida, ao
executar e concretizar a disposição regulamentar contida nessa alínea c) do
ponto 3.2. do Regulamento, é pois ilegal, por violação dos mesmos princípios e
preceitos, e inválida por violação de lei, na forma de anulabilidade de acordo
com a doutrina do artigo 135.º do CPA.
4.º – Assim, não obstante estivesse em causa, em sede de recurso
contencioso de anulação, a apreciação da validade do acto administrativo em que
se traduz a deliberação da Câmara Municipal de Braga de adjudicação do jornal
‘C.’, as razões de invalidade de tal acto inquinavam igualmente – como alegado
pela recorrente – o Regulamento aplicado por tal deliberação, em especial o seu
ponto 3.2, alínea c).
E entre tais fundamentos contava‑se a violação do princípio da
igualdade e da concorrência concursal (enquanto emanação do princípio da
igualdade no âmbito concursal), ambos com consagração legal (artigos 5.º do
CPA) e constitucional (artigos 13.º, 266.º, n.º 2, e 81.º, n.º 1, alínea f),
todos da Constituição da República Portuguesa).
Da Sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel
5.º – Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel foi
proferida sentença nos termos da qual foi dado provimento ao recurso
contencioso de anulação e, consequentemente, anulada a deliberação da Câmara
Municipal de Braga aprovada em reunião ordinária realizada em 15 de Abril de
1999, a qual adjudicou à ‘B. a alienação do jornal ‘C.’.
Nos termos da referida sentença, para além da ilegalidade do acto de
adjudicação cuja nulidade era propugnada, foi claramente sublinhada a
violação dos princípios merecedores de tutela constitucional pela norma do
Regulamento do Concurso para a adjudicação do jornal ‘O C..
‘O que está em causa nos presentes autos é saber se a disposição da
alínea c) do ponto 3.2. do falado regulamento de concurso, que estipula que “às
candidaturas apresentadas em que participem trabalhadores do jornal «C.»“,
constantes do anexo III, será atribuída uma bonificação de um ponto por cada
trabalhador participante”, viola ou não os princípios da igualdade (por
discriminatória) e da concorrência, bem como dos critérios legais de preferência
impostos pelos artigos 2.º, n.º 2, da Lei n.º 20/86, de 21 de Julho, e 8.º, n.º
1, do Decreto‑Lei n.º 358/86, de 27 de Outubro, na redacção em vigor à data da
abertura do concurso (...)
Independentemente da natureza jurídica do jornal “C.” (...) certo é
que a autoridade recorrida estava, enquanto órgão da Administração,
“geneticamente atada à obrigação de observar os princípios gerais da actividade
administrativa, mormente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da
justiça e da boa fé, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 5, do Código do
Procedimento Administrativo (CPA), e que a partir do momento que decidiu,
livremente (no exercício da sua autonomia) ou forçada pelo comando contratual
consubstanciado na cláusula terceira do «Auto de Venda» referida em D) do
probatório, alienar o jornal «C.» por via de concurso e segundo o regime da Lei
n.º 20/86 e do Decreto‑Lei n.º 358/86, se auto‑vinculou a respeitar, tanto na
elaboração do regulamento do concurso, como na sua aplicação ao longo do
procedimento, além das disposições destes diplomas, o «espírito» e os princípios
próprios de qualquer procedimento concursal (...), nomeadamente os princípios da
igualdade, da concorrência, da transparência e da proporcionalidade, os quais
impõem que as próprias regras do regulamento do concurso garantam a todos os
candidatos por igual (ou ao menos não lhes tolham ou limitem) as mesmas
condições de concorrência efectiva e transparente (...)
Ora, os factores de preferência a ter em conta na avaliação das
candidaturas no concurso em pauta são unicamente os expressa e taxativamente
previstos no artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86, na redacção da Lei n.º 72/88,
de 26 de Maio, na senda, aliás, do estabelecido no n.º 2 do artigo 2.º da Lei
n.º 20/86, e entre eles não figura a bonificação suplementar de um ponto por
cada trabalhador do jornal «C.» que participe numa candidatura, instituída pela
alínea c) do ponto 3.2 do regulamento do concurso. (...) a partir do momento em
que a matéria das preferências foi directa e taxativamente regulada por um acto
normativo de grau superior (na circunstancia a Lei n.º 20/86 e o Decreto‑Lei n.º
358/86), nenhum outro acto normativo de grau inferior pode dispor inovatória e
diferentemente sobre a mesma matéria (principio do congelamento do grau
hierárquico), mais a mais infringindo princípios gerais da actividade
administrativa e princípios básicos do direito concursal, como são os princípios
da igualdade, da concorrência e da proporcionalidade, que é o que aqui
acontece.’ (sublinhados nossos).
Do recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo
6.º – Tendo sido interposto recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo da sentença supra citada pela autoridade recorrida e pela
recorrida particular, estas, desde logo, manifestaram ter compreendido bem o
sentido e alcance da sentença recorrida na parte em que apreciou a
inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da
concorrência, da norma constante do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento do
Concurso, ao afirmarem:
‘A norma regulamentar em apreço – a alínea c) do ponto 3.2 do
Regulamento de Concurso para alienação do jornal «C.» – é um acto normativo
emanado por um órgão da Administração Local e, como tal, susceptível de ser
apreciado sob o ponto de vista da sua constitucionalidade. Aliás, foi isso
mesmo que se fez na decisão recorrida: confrontando o normativo com os ditames
dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade (o princípio
da concorrência é a emanação positiva do princípio da igualdade), decidiu‑se
existir violação destes princípios.’
Nas suas contra‑alegações de recurso, a ora recorrente – ‘A.’ –
manteve o seu entendimento de que a deliberação de adjudicação à ‘B. era ilegal
porque executava e concretizava disposições regulamentares – as do ponto 3.2,
alínea c), do Regulamento, que violam disposições legais aplicáveis e ainda os
princípios da igualdade da concorrência, a que a Administração Pública deve
obediência na regulamentação dos concursos administrativos.
Mais aduziu a ora recorrente que tal disposição regulamentar não
correspondia aos critérios imperativos de preferência legalmente estabelecidos
(artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 e do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º
20/86), nem correspondia às medidas de participação dos trabalhadores previstas
nos artigos 5.º e 9.º do Decreto‑Lei n.º 358/86, em consonância com as
exigências do artigo 296.º da Constituição da República Portuguesa, configurando
a bonificação que resulta de tal norma regulamentar uma medida discriminatória,
não justificada nem justificável e arbitrária.
Do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
7.º – Foi proferido Acórdão, agora notificado e de que se interpõe
o presente recurso, o qual concedeu provimento ao recurso jurisdicional e, em
consequência, revogou a sentença recorrida, negando provimento ao recurso
contencioso.
Tal decisão fundamentou‑se, entre outros, nos seguintes
entendimentos:
(i) de que o n.º 3.2 do Regulamento do Concurso não corresponde a
uma condição de exercício do direito de preferência, mas antes a um critério
para efeitos de adjudicação, para efeito de graduação no concurso: ‘Se
observarmos este ponto 3 verificamos que nele se misturam duas coisas
distintas, condições de exercício do direito de preferência, no n.º 3.1 (que
substancialmente é a reprodução do n.º 1 do transcrito artigo 8.º [do DL n.º
358/86] e critérios básicos para efeitos de adjudicação, no n.º 3.2. E, sendo
assim, como é, esta alínea c) do ponto 3.2 não encerra uma condição para o
exercício do direito de preferência (...) mas antes, um critério mais para
efeito de graduação no concurso.’;
(ii) de que, assim sendo, não viola essa norma regulamentar ‘o
artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 29/86, nem o artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86,
que o regulamentou’;
(iii) de que tal norma regulamentar não violava também os artigos
6.º e 7.º do Decreto‑Lei n.º 358/86, ‘por não se tratar de critério para
apreciação de propostas que ali esteja proibido’, sendo certo que nunca foi
suscitada nos autos a violação destas normas, sendo o entendimento sufragado no
acórdão que ‘do artigo 6.º do Decreto‑Lei, aí somente se identificam os pontos
que obrigatoriamente devem constar do regulamento do concurso, o que mostra à
evidência que a enumeração feita nas suas diversas alíneas não é exaustiva,
permitindo‑se, por isso, que outras ali não previstas sejam contempladas’;
(iv) de que tal norma regulamentar não faz ‘nenhuma discriminação
violadora do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP)’;
(v) de que ‘não se vê que uma norma com o conteúdo desta, que aponta
no sentido da participação dos trabalhadores da empresa, seja desproporcional’;
(vi) de que tal norma regulamentar não introduz ‘qualquer elemento
perturbador da concorrência’.
Tal significa que, ao considerar que a norma regulamentar constante
do ponto 3.2, alínea c), não violava os princípios acima referidos, a decisão
recorrida aplicou a referida norma regulamentar ao caso concreto –
designadamente à deliberação impugnada – considerando esta última válida à luz
da norma regulamentar que, no entendimento do acórdão, não inquinava de nenhuma
das inconstitucionalidades que lhe foram assadas pela recorrente e na sentença
recorrida (pela violação dos princípios da igualdade e da concorrência).
Mas mais, no acórdão recorrido, e sem que tal nunca tivesse sido
suscitado ou pudesse ser equacionado, considera‑se que tal norma regulamentar
não violava o disposto os artigos 6.º e 7.º do Decreto‑Lei n.º 358/86,
permitindo, de resto, o artigo 6.º [sic]
Vejamos então as questões de inconstitucionalidade e os momentos em
que as mesmas foram suscitadas.
II – AS QUESTÕES DE CONSTITUCIONALIDADE A APRECIAR E MOMENTO EM QUE
SE SUSCITARAM
8.º – Como decorre do enquadramento supra exposto, a norma cuja
inconstitucionalidade deve ser apreciada – e que foi aplicada na decisão
recorrida – corresponde ao ponto 3.2, alínea c), do Regulamento respeitante à
Alienação do Jornal ‘C.’, junto como Doc. 3 à petição de recurso.
9.º – As questões de inconstitucionalidade a apreciar prendem‑se,
desde logo, com a violação dos princípios constitucionais de igualdade e
concorrência concursal que, para além de se imporem pela via legal, se
encontram constitucionalmente consagrados – artigos 13.º, 266.º, n.º 2, e 81,
n.º 1, alínea f), todos da Constituição da República Portuguesa.
10.º – Tais questões foram suscitadas pela recorrente logo na
petição de recurso contencioso de anulação, foram consideradas procedentes na
sentença da 1.ª Instância e foram mantidas pela recorrente nas suas
contra-alegações de recurso jurisdicional, não tendo obtido provimento no
acórdão recorrido.
11.º – Outra questão de inconstitucionalidade, igualmente relativa
à norma regulamentar constante do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento
respeitante à Alienação do Jornal ‘C.’, junto como Doc. 3 à petição de recurso,
prende‑se com a interpretação e aplicação de tal norma, em conjugação com a
aplicação do artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 358/86, em violação dos mesmos
princípios.
12.º – A aplicação do disposto no artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º
358/86 não foi suscitada pela recorrente – nem o podia ser dado que não era
imputada pela recorrente a violação, pela norma regulamentar em crise, de tal
norma legal – e apenas no acórdão recorrido veio a ter lugar.
13.º – Contudo, a interpretação e aplicação da norma regulamentar
constante do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento respeitante à Alienação do
Jornal ‘C.’, junto como Doc. 3 à petição de recurso, em conjugação com o do
disposto no artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 é igualmente inconstitucional,
por violação dos mesmos princípios, tal como suscitado na petição de recurso.»
O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do STA,
de 28 de Novembro de 2007, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal
Constitucional (n.º 3 do artigo 76.º da LTC), e, de facto, entende‑se que o
presente recurso é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão
sumária de não conhecimento do seu objecto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do
artigo 78.º‑A da LTC.
2. Como é sabido, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, para
além da sua admissibilidade depender da verificação cumulativa dos requisitos
de a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada durante o
processo e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais, o n.º 2 do
artigo 72.º da LTC só confere legitimidade para a interposição desse recurso à
«parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade
de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (sublinhado
acrescentado).
Com a introdução desta norma pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de
Fevereiro, foi propósito do legislador, face a anterior divergência
jurisprudencial do Tribunal Constitucional, tornar claro que a suscitação da
questão de inconstitucionalidade tem de ser feita perante o tribunal que
proferiu a decisão de que se recorre para o Tribunal Constitucional, sendo
irrelevante a anterior suscitação, pela mesma parte, perante instâncias
inferiores, mas depois «abandonada». Como refere José Manuel M. Cardoso da Costa
(A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3.ª edição, Coimbra, 2007, p. 77,
nota 98), «o requisito processual em causa deixa de estar preenchido quando,
suscitada embora a questão de inconstitucionalidade perante uma determinada
instância, ela é abandonada em recurso ordinário, entretanto interposto da
decisão proferida por aquela (v. já os Acórdãos n.ºs 36/91 e 177/91)». E isto –
sublinhe‑se – quer a parte que suscitara a questão perante instâncias inferiores
surja na nova instância como recorrente, quer surja como recorrido (cf., entre
outras decisões neste sentido, o Acórdão n.º 371/2005 e as Decisões Sumárias
n.ºs 103/2006 e 624/2007).
Ora, na peça processual apresentada perante o tribunal que proferiu
a decisão ora recorrida (a contra‑alegação endereçada ao STA nos recursos
jurisdicionais interpostos pela Câmara Municipal de Braga e pela «B.»), a ora
recorrente não suscitou nenhuma das questões de inconstitucionalidade normativa
que agora pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, sendo certo que
não se verifica nenhuma daquelas situações excepcionais ou anómalas em que se
poderia considerar dispensada desse ónus (inexistência de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade ou carácter
inesperado e insólito da interpretação e aplicação do direito efectuadas pelo
acórdão recorrido).
Na verdade, o teor da contra‑alegação da ora recorrente (fls. 345 a
369) endereçada ao STA foi sumariado nas seguintes conclusões:
«A. No concurso público para a alienação do jornal C., alienação
essa compreendendo o título daquele órgão jornalístico bem como a
universalidade de bens que o integra, a Câmara Municipal da Braga deliberou
adjudicar à B., SA, o jornal C.;
B. O regime legal aplicável à alienação de participações detidas
pelo Estado ou por qualquer entidade pública em empresas de comunicação social,
bem como a alienação de títulos de órgãos de comunicação social do sector
público e dos bens e instalações das respectivas empresas, como é o caso da
alienação do jornal C., decorre do disposto no Decreto‑Lei n.º 358/86, de 27 de
Outubro – alterado pela Lei n.º 24/87, de 24 de Junho, e pela Lei n.º 72/88, de
26 de Maio –, o qual foi aprovado no uso da autorização legislativa concedida ao
abrigo do artigo 2.º da Lei n.º 20/86, de 21 de Julho.
C. De facto, no caso dos autos verificam‑se os factos que
constituem a previsão das normas que definem o âmbito de aplicação dos diplomas
acima referidos: alienação pelo sector público do título de um jornal e dos bens
que o integram, detidos por serviços municipalizados – Editora D./SM – os quais,
como organização autónoma, são verdadeiras empresas municipais;
D. De resto, para além de estar vinculada a aplicar e cumprir o
regime legal acima identificado, por força do princípio da legalidade, a
autoridade recorrida obrigou‑se contratualmente a fazê‑lo, como bem sublinhou o
Tribunal a quo;
E. A deliberação de adjudicação à B. baseou‑se na classificação
desta concorrente nos termos da alínea c) do ponto 3.2 do Regulamento que prevê
que ‘Às candidaturas apresentadas em que participem trabalhadores do jornal C.
constantes do anexo III será atribuída uma bonificação de um ponto por cada
trabalhador participante’;
F. Na prática, o factor de ponderação constante da alínea c) do
ponto 3.2 do Regulamento configura uma preferência não prevista na lei que viola
os critérios imperativos de preferência legalmente estabelecidos, pelo que o
mesmo viola o princípio da igualdade e os preceitos legais constantes do artigo
8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 e do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 20/86;
G. Não correspondendo aos critérios imperativos de preferência
legalmente estabelecidos (artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 e do n.º 2 do
artigo 2.º da Lei n.º 20/86), nem correspondendo às medidas de participação dos
trabalhadores previstas nos artigos 5.º e 9.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 em
consonância com as exigências do artigo 296.º da Constituição da República
Portuguesa, a bonificação que resulta de tal critério consubstancia uma medida
discriminatória, não justificada nem justificável e arbitrária;
H. Ao que acresce que, tendo em conta as circunstâncias concretas
do concurso em causa, nomeadamente o número de trabalhadores da Editora D./SM e
os outros factores de ponderação, tal critério consagra a possibilidade dos
trabalhadores do C. eliminarem, apenas por sua vontade, os restantes
concorrentes, pelo que igualmente é violado o princípio da concorrência;
I. Consequentemente, impunha‑se a não aplicação do factor de
ponderação previsto na alínea c) do ponto 3.2 do Regulamento do Concurso;
J. Assim, da não aplicação do factor de ponderação ilegal constante
do Regulamento e da valoração da proposta da recorrente em conformidade com as
normas legais aplicáveis, deveria a proposta da recorrente ter sido
classificada em primeiro lugar.
K. A deliberação de adjudicação à B. é, pois, ilegal porque
executa e concretiza disposições regulamentares – as do ponto 3.1, alínea a), e
3.2, alínea c), do Regulamento – que violam disposições legais aplicáveis e
ainda os princípios da igualdade da concorrência, a que a Administração Pública
deve obediência na regulamentação dos concursos administrativos, devendo ser
anulada por vício de violação de lei.
L. São manifestamente erradas, e irrelevantes nesta sede, as
conclusões 8 a 11 da recorrida particular porque nestes autos apenas está em
causa a apreciação da legalidade da deliberação de adjudicação à B. da
alienação do jornal C., e a anulação de tal acto, não cabendo nesta sede
discutir quais o efeitos que tal anulação terá na venda efectuada à B:, nem os
efeitos que a mesma terá na esfera jurídica da A., esta sim a verdadeira lesada
até ao momento, por ter sido preterida ilegalmente da adjudicação.»
Como é patente, nesta peça não se suscita qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, designadamente as identificadas no
requerimento de interposição do recurso, limitando‑se a ora recorrente (então
recorrida) a sustentar a ilegalidade do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento em
causa, por violação de disposições legais e de princípios legais (cf. conclusão
K), que não de normas ou de princípios constitucionais.
Pelas razões expostas, o presente recurso surge como inadmissível,
por ilegitimidade da recorrente, o que determina o não conhecimento do seu
objecto.”
1.2. A reclamação para a conferência apresentada pela
recorrente, após reproduzir ipsis verbis a parte I (n.ºs 1.º a 7.º) do
requerimento de interposição de recurso atrás transcrito, prossegue:
“II – O RECURSO DE CONSTITUCIONALIDADE INTERPOSTO PELA RECORRENTE
8.º – Face ao que decorre do supra exposto, a recorrente interpôs o
presente recurso visando a apreciação da inconstitucionalidade da norma – que
foi aplicada na decisão recorrida – correspondente ao ponto 3.2, alínea c), do
Regulamento respeitante à Alienação do Jornal «C.», junto como Doc. 3 à petição
de recurso.
9.° – As questões de inconstitucionalidade a apreciar prendem‑se com
a violação dos princípios constitucionais de igualdade e concorrência concursal
que, para além de se imporem pela via legal, se encontram constitucionalmente
consagrados – artigos 13.º e 266.º, n.º 2, e 81.º, n.º 1, alínea f), todos da
Constituição da República Portuguesa.
10.º – Tal questão foi suscitada pela recorrente logo na petição de
recurso contencioso de anulação – onde identificou não só os princípios mas
também as normas constitucionais em causa –, foram consideradas procedentes na
sentença da 1.ª Instância e foram mantidas pela recorrente nas suas
contra‑alegações de recurso jurisdicional, tendo sido objecto de apreciação
pelo Supremo Tribunal Administrativo, não merecendo, contudo, provimento no
acórdão recorrido.
11.º – A outra questão de inconstitucionalidade, igualmente relativa
à norma regulamentar constante do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento
respeitante à Alienação do Jornal «C.», junto como Doc. 3 à petição de recurso,
prende‑se com a interpretação e aplicação de tal norma, em conjugação com a
aplicação do artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 358/86, em violação dos mesmos
princípios.
12.° – A aplicação do disposto no artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º
358/86 não foi suscitada pela recorrente – nem o podia ser dado que não era
imputada pela recorrente a violação, pela norma regulamentar em crise, de tal
norma legal – e apenas no acórdão recorrido veio a ter lugar.
13.º – Contudo, a interpretação e aplicação da norma regulamentar
constante do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento respeitante à Alienação do
Jornal «C.», junto como Doc. 3 à petição de recurso, em conjugação com o do
disposto no artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 é igualmente inconstitucional,
por violação dos mesmos princípios, tal como suscitado na petição de recurso.
III – DA DECISÃO SUMÁRIA OBJECTO DA PRESENTE RECLAMAÇÃO
14.° – Nos termos da decisão sumária aqui reclamada, entendeu‑se não
ser o recurso admissível com fundamento na não suscitação durante o processo das
questões de constitucionalidade normativa supra identificadas.
15.º – Tal decisão funda‑se no entendimento de que é irrelevante a
anterior suscitação de questões de inconstitucionalidade depois «abandonadas»,
sublinhando que apenas pode ser tomada em consideração a peça processual perante
o tribunal que proferiu a decisão ora recorrida – isto é a contra‑alegação
endereçada ao STA, sendo que nesta, no entendimento de tal decisão apenas foi
sustentada «a ilegalidade do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento em causa, por
violação de disposições legais e de princípios legais (cf. conclusão K), que não
de normas e princípios constitucionais».
16.° – Sucede que essa não é a leitura correcta das contra‑alegações
da recorrente, como, de resto, o STA o reconheceu.
Vejamos.
17.° – Logo no início dos presentes autos – na sua petição de
recurso contencioso de anulação – a recorrente invocou que a norma regulamentar
constante do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento respeitante à Alienação do
Jornal «C.», junto como Doc. 3 à petição de recurso violava:
(i) os princípios da igualdade e da concorrência concursal (enquanto
emanação do principio da igualdade no âmbito concursal), identificando que ambos
tinham consagração legal (artigos 5.º do CPA) e constitucional (artigos 13.º e
266.º, n.º 2, e 81.º n.º 1, alínea f), todos da Constituição da República
Portuguesa),
(ii) e o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 358/86
e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 20/86.
18.° – Sempre que utilizou a expressão «princípios de igualdade e da
concorrência concursal», a recorrente nunca os identificou como meros
princípios legais, e contrapôs à sua violação a violação adicional de
preceitos, esses sim, apenas legais (os artigos 8.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º
358/86 e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 20/86).
19.° – Com efeito, nem na conclusão K. das contra‑alegações de
recurso para o STA, nem em qualquer parte dessas contra‑alegações ou outra peça
do processo, a recorrente identificou os princípios violados – de igualdade e
concorrência – como meros princípios legais.
20.° – E se visasse apenas tais princípios como princípios legais
nunca teria afirmado, como afirmou na conclusão K. das contra‑alegações de
recurso para o STA, «disposições legais aplicáveis e ainda os princípios de
igualdade e da concorrência a que a Administração deve obediência», porquanto os
princípios em causa já estariam integrados nas «disposições legais» (no caso
concreto, tratar‑se‑ia da disposição legal constante do artigo 5.º do CPA),
bastando‑lhe ter invocados estas.
21.º – É imperioso, pois, concluir, que a recorrente nunca
«abandonou» o que alegou na sua petição inicial, nomeadamente quanto à tutela
constitucional dos princípios da igualdade e concorrência, cuja violação sempre
invocou nestes autos, inclusive nas alegações de recurso para o STA, como de
resto o STA o compreendeu, e bem.
Com efeito,
22.° – O requisito da arguição da questão de inconstitucionalidade
«durante o processo», significa que a mesma deve ser colocada em termos de o
tribunal recorrido poder decidir essa questão.
23.° – Ora, no caso concreto, o STA considerou, e bem, estar arguida
a questão de inconstitucionalidade, razão pela qual apreciou em concreto tal
questão, concluindo que a norma regulamentar – constante do ponto 3.2, alínea
c), do Regulamento respeitante à Alienação do Jornal «C.» não faz «nenhuma
discriminação violadora do princípio da igualdade (artigo 13.º CR.P)».
24.° – Tal significa que o STA, perante a invocação expressa de um
principio – o da igualdade – que tem consagração constitucional,
independentemente de não ser alegada tal consagração (a norma constitucional
concreta) nas alegações que lhe foram dirigidas, compreendeu devidamente que se
encontrava suscitada a questão de inconstitucionalidade, e apreciou‑a.
25.° – Isto porque, como é evidente, para a suscitação da questão de
inconstitucionalidade normativa de modo processualmente adequado, não é
obrigatória a identificação da norma constitucional, bastando para tanto que se
invoque a violação de um princípio, que tem, além do mais, indubitavelmente,
consagração constitucional.
26.° – Não deixa de ser, pois, estranho, que na Decisão Sumária se
entenda não estar suscitada perante o tribunal recorrido a questão de
inconstitucionalidade que esse mesmo tribunal recorrido entendeu estar
suscitada e que, por isso, apreciou e decidiu.
27.° – Tal apenas se deve a uma visão formalista de pretender que,
ao suscitar‑se a questão de constitucionalidade, deva identificar‑se a norma
constitucional, não bastando para tanto a invocação do princípio
constitucional, o que é totalmente contrário à jurisprudência deste Tribunal.
28.° – Tal visão é, porém, redutora e errónea, devendo concluir‑se
que a invocação de princípios consagrados constitucionalmente, nos termos em que
a recorrente os invocou, constitui a suscitação de forma adequada da questão de
inconstitucionalidade.
29.° – Ao exposto acresce que na Decisão Sumária não se tomou
qualquer posição quanto à outra questão de inconstitucionalidade, igualmente
relativa à norma regulamentar constante do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento
respeitante à Alienação do Jornal «C.», junto como Doc. 3 à petição de recurso,
que se prendia com a interpretação e aplicação de tal norma, em conjugação com a
aplicação do artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 358/86, em violação dos mesmos
princípios.
30.° – A recorrente expressamente alegou que não suscitou tal
questão anteriormente, nem o podia fazer, dado que não era imputada pela
recorrente a violação, pela norma regulamentar em crise, de tal norma legal,
tendo a mesma apenas sido aplicada no acórdão recorrido.
31.º – Trata‑se, pois, de uma situação excepcional, dado que nunca a
norma do artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 (e a sua aplicação conjunta com
norma regulamentar constante do ponto 3.2, alínea c), do Regulamento
respeitante à Alienação do Jornal «C.») foi alegada nos autos – pela autoridade
recorrida, pela recorrida particular ou pelo tribunal de 1.ª instância – sendo
absolutamente inesperada a sua consideração e aplicação pelo STA.
Termos em que deve ser deferida a presente reclamação e, em
consequência, ser admitido o presente recurso, seguindo-se os demais trâmites
até final.”
1.3. Notificados os recorridos da apresentação da
reclamação, respondeu B., SA, manifestando inteira concordância com a decisão
sumária reclamada e respectiva fundamentação. A recorrida Câmara Municipal de
Braga não apresentou resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Na fundamentação da decisão sumária ora reclamada,
começou por salientar‑se que, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a sua admissibilidade dependia – para
além da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada durante o processo e de a decisão
recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões
normativas arguidas de inconstitucionais – do reconhecimento da legitimidade da
recorrente, que o artigo 72.º, n.º 2, da LTC, na redacção dada pela Lei n.º
13‑A/98, de 26 de Fevereiro, limitou à “parte que haja suscitado a questão da
inconstitucionalidade (…) de modo processualmente adequado perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela
conhecer”.
Foi por se entender que a recorrente carecia de
legitimidade, por não ter, ela própria, suscitado a questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, que a
decisão sumária ora reclamada concluiu pelo não conhecimento do recurso. Tendo
sido este o fundamento dessa decisão, é de todo irrelevante que o acórdão
recorrido tenha conhecido da questão de constitucionalidade, seja oficiosamente,
seja a requerimento de outra parte.
Interessa, pois, apurar tão‑só se a recorrente suscitou
perante o tribunal recorrido, em termos processualmente adequados, as questões
de constitucionalidade que pretende ver apreciadas no presente recurso. E, como
se evidenciou na decisão sumária reclamada, a partir da alteração de 1998 à LTC,
é inequívoco que, para apuramento do cumprimento desse ónus, apenas há que
atender às peças processuais endereçadas ao tribunal que proferiu a decisão
recorrida – isto é, no caso, às contra‑alegações apresentadas pela recorrente,
endereçadas ao STA, nos recursos jurisdicionais interpostos pela Câmara
Municipal de Braga e pela “B.” –, sendo irrelevantes eventuais suscitações das
questões de inconstitucionalidade em anteriores fases processuais e perante
tribunais inferiores.
2.1. Nas aludidas contra‑alegações, a primeira alusão
aos princípios da igualdade e da concorrência consta da seguinte passagem (fls.
2-3 das alegações, fls. 346‑347 destes autos):
“No entendimento sustentado pela A. – sufragado pelo Tribunal a
quo, como se verá – a disposição regulamentar contida na alínea c) do ponto 3.2
do Regulamento viola os princípios da igualdade e concorrência a que a
Administração Pública deve obediência na regulamentação dos concursos
administrativos e ainda o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º
358/86 e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 20/86, pelo que a deliberação recorrida, ao
executar e concretizar a disposição regulamentar contida nessa alínea c) do
ponto 3.2 do Regulamento, é, pois, ilegal, por violação dos mesmos princípios e
preceitos, e inválida, por violação de lei, na forma de anulabilidade, de
acordo com a doutrina do artigo 135.º do CPA.”
Nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa é
aqui suscitada, sendo expressamente imputada à norma regulamentar o vício de
ilegalidade por violação dos princípios (obviamente, princípios legais) da
igualdade e da concorrência e de normas de direito ordinário.
2.2. Na segunda passagem em que alude a tais princípios
(fls. 15 das alegações e fls. 359 destes autos), diz a recorrente:
“Temos, pois, que a autoridade administrativa devia obediência aos
princípios gerais da actividade administrativa, aos princípios próprios de
qualquer procedimento concursal, nomeadamente os princípios da igualdade, da
concorrência, da transparência e da proporcionalidade, bem como ao regime da Lei
n.º 20/86 e do Decreto-Lei n.º 358/86 e, contrariamente ao que pretendem a
autoridade recorrida e recorrida particular, tal não se verificou nos autos sub
judice.”
No contexto em que é produzida, o que se questiona é a
legalidade da actuação da autoridade administrativa, face quer aos princípios
gerais dessa actuação, quer aos princípios próprios dos procedimentos
concursais (que são princípios legais), não sendo imputada, sequer
implicitamente, a qualquer norma de direito ordinário a violação de princípios
ou normas constitucionais.
2.3. Na terceira passagem com hipotética relevância para
a aferição do cumprimento, pela recorrente, do apontado ónus (fls. 17‑20 das
alegações e fls. 361‑364 destes autos), lê‑se:
“Desta forma, a deliberação recorrida, fundamentando‑se num preceito
ilegal do Regulamento, veio preterir a preferência legal que assistia à
recorrente (nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º
358/86), colocando‑a na situação de, embora apresentando uma proposta
economicamente mais favorável, vir a ser afastada da adjudicação.
Pelo que é forçoso concluir, como conclui o Tribunal a quo, que, ao
ordenar as preferências na adjudicação de modo desconforme com as prioridades
legais, o Regulamento (disposição contida na alínea c) do ponto 3.2) violou os
preceitos legais constantes do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 e
do n.º 2 [do artigo 2.º] da Lei n.º 20/86, que necessariamente deviam enformar o
seu conteúdo, estendendo‑se tal violação à deliberação recorrida, que aplicou a
disposição contida na alínea c) do ponto 3.2 do Regulamento.
12.° – Para além de uma violação das normas legais aplicáveis – em
especial do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 358/86 e do n.º 2 [do artigo
2.º] da Lei n.º 20/86, foram também violados os princípios da igualdade e da
concorrência, sendo totalmente improcedentes os argumentos da autoridade
recorrida e da recorrida particular no sentido de «justificarem» a discriminação
da norma regulamentar em que se fundou a deliberação recorrida.
Com efeito, é indiscutível que o Regulamento veio introduzir no
processo concursal uma preferência subjectiva que integra uma verdadeira
discriminação entre concorrentes.
Na regulamentação de um concurso administrativo como o presente
deverão ser observados os princípios gerais que norteiam a actividade
administrativa, nomeadamente o princípio da igualdade, segundo o qual não podem
ser privilegiados, prejudicados, privados de qualquer direito ou isentos de
qualquer dever nenhum administrado (artigo 5.º do CPA).
O estabelecimento pelo Regulamento do concurso de um factor de
ponderação que beneficia os trabalhadores do jornal «C.» – em total contradição
com o principio da participação preferencial dos trabalhadores nos processos de
privatização, como se viu, e com as concretas medidas de «preferência» e
tratamento desigual consentidos na lei aplicável – constitui, assim, uma
violação do princípio da igualdade, tornando ilegal a respectiva disposição
regulamentar que o prevê (alínea c) do ponto 3.2 do Regulamento).
Para além disso, a alínea c) do ponto 3.2 do Regulamento do
Concurso, pelo modo como contempla e valora a participação dos trabalhadores do
«C.» na sua privatização, consagra a possibilidade de estes praticamente e de
uma forma automática vencerem o concurso caso decidissem apresentar
conjuntamente, todos eles, uma proposta, na medida em que, sendo 17 os
trabalhadores do Jornal «C.», qualquer proposta por eles apresentada –
independentemente do tipo de associação por estes escolhida (societária,
cooperativa ou outra), bem como do preço proposto, teria à partida uma pontuação
base de 17 pontos, acrescida da pontuação conforme o tipo de associação e o
preço proposto.
Isto significa que qualquer outro concorrente que apresentasse a
melhor proposta em termos de preço e que pudesse beneficiar do factor de
ponderação 12 nos termos da alínea a) do ponto 3.2 do Regulamento (reportado ao
critério legal, uma vez que o regulamentar, como se referiu, é ilegal), teria no
máximo a pontuação de 17 pontos.
Ou seja, mesmo desconhecendo‑se quem iriam ser os candidatos, e
quais iriam ser as propostas, na prática a alínea c) do ponto 3.2 do
Regulamento constitui um impedimento à adjudicação a qualquer outro concorrente
em [que não] participem trabalhadores do jornal, ao mesmo tempo que atribui aos
trabalhadores da empresa a privatizar a possibilidade de, dentro do concurso,
eliminarem, por sua vontade própria, todos os demais concorrentes,
independentemente da bondade intrínseca das suas propostas.
Assim, mercê desta disposição regulamentar, a decisão de adjudicação
ficou pura e simplesmente dependente da vontade dos trabalhadores em
participarem ou não no concurso, sendo que a sua participação sempre vedaria,
na prática, o acesso ao mesmo de quaisquer outros concorrentes, o que constitui
a eliminação dos demais concorrentes pelo simples facto de uma certa categoria
se apresentar a concurso.
Ora, é da essência do procedimento concursal que o mesmo se destine
à obtenção das melhores condições contratuais possíveis, mercê de um mecanismo
de concorrência que incentive os concorrentes a apresentar as melhores
propostas.
Daí decorre que os concursos administrativos deverão respeitar o
princípio da concorrência, isto é, deverão «considerar os concorrentes como
opositores uns dos outros, permitindo‑se‑lhes que efectivamente compitam ou
concorram entre si, que sejam medidos (eles ou as suas propostas) sempre e
apenas pelo seu mérito relativo em confronto com um padrão ou padrões iniciais
imutáveis» (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e
Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Almedina, pág. 101).
Nestes termos, a alínea c) do ponto 3.2 do Regulamento do Concurso
constitui também uma violação do princípio da concorrência e, nessa medida, é
igualmente ilegal.”
De novo surge como inquestionável que nenhuma questão de
inconstitucionalidade normativa vem suscitada pela recorrente, sendo sempre
qualificado como de ilegalidade o vício apontado à norma do regulamento do
concurso, por preterição de uma preferência legal (a conferida pela alínea b) do
n.º 1 do artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86), com violação de preceitos
legais (o referido artigo 8.º, n.º 1, e artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 20/86) e
dos princípios legais da igualdade (que a recorrente reporta explicitamente ao
artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo, e não ao artigo 13.º da
Constituição) e da concorrência (expressamente ligando à violação deste último
princípio a ilegalidade da norma do regulamento do concurso).
2.4. A quarta passagem da alegação da recorrente em que
alude aos princípios em causa consta de fls. 21 dessa peça (fls. 365 destes
autos), nela se afirmando:
“14.° – Quanto a tal deliberação de adjudicação, e face ao que se
expôs, é forçoso concluir, como o fez o Tribunal a quo, pela sua ilegalidade,
dado que a mesma executa e concretiza a disposição regulamentar contida na
alínea c) do ponto 3.2 do Regulamento, a qual, como acima se demonstrou, viola o
disposto nos artigos 8.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 358/86 e 2.º, n.º 2, da Lei
n.º 20/86 e ainda os princípios da igualdade e concorrência a que a
Administração Pública deve obediência na regulamentação dos concursos
administrativos.
E da violação de tais preceitos e princípios decorre,
inexoravelmente, a invalidade do acto recorrido, por violação de lei, na forma
de anulabilidade, de acordo com a doutrina do artigo 135.º do CPA, pelo que
deve ser anulada a deliberação recorrida.”
Mais uma vez, nenhuma questão de inconstitucionalidade
normativa se suscita, mas antes de simples ilegalidade (por violação de normas
legais e de princípios legais) da norma regulamentar e do acto administrativo
que a aplicou.
2.5. Idêntica conclusão se extrai, por último, das
conclusões F a K da alegação da recorrente (fls. 22‑23 da alegação e fls.
367‑368 destes autos), em que se sintetiza o desenvolvido no seu teor:
“F. Na prática, o factor de ponderação constante da alínea c) do
ponto 3.2 do Regulamento configura uma preferência não prevista na lei que viola
os critérios imperativos de preferência legalmente estabelecidos, pelo que o
mesmo viola o princípio da igualdade e os preceitos legais constantes do artigo
8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 e do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 20/86;
G. Não correspondendo aos critérios imperativos de preferência
legalmente estabelecidos (artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º 358/86 e n.º 2 do
artigo 2.º da Lei n.º 20/86), nem correspondendo às medidas de participação dos
trabalhadores previstas nos artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 358/86 em
consonância com as exigências do artigo 296.º da Constituição da República
Portuguesa, a bonificação que resulta de tal critério consubstancia uma medida
discriminatória, não justificada nem justificável e arbitrária;
H. Ao que acresce que, tendo em conta as circunstâncias concretas do
concurso em causa, nomeadamente o número de trabalhadores da «Editora D./SM» e
os outros factores de ponderação, tal critério consagra a possibilidade dos
trabalhadores do «C.» eliminarem, apenas por sua vontade, os restantes
concorrentes, pelo que igualmente é violado o princípio da concorrência;
I. Consequentemente, impunha‑se a não aplicação do factor de
ponderação previsto na alínea c) do ponto 3.2 do Regulamento do Concurso;
J. Assim, da não aplicação do factor de ponderação ilegal constante
do Regulamento e da valoração da proposta da recorrente em conformidade com as
normas legais aplicáveis, deveria a proposta da recorrente ter sido
classificada em primeiro lugar.
K. A deliberação de adjudicação à «B.» é, pois, ilegal porque
executa e concretiza disposições regulamentares – as do ponto 3.1, alínea a), e
3.2, alínea c), do Regulamento que violam disposições legais aplicáveis e ainda
os princípios da igualdade [e] da concorrência, a que a Administração Pública
deve obediência na regulamentação dos concursos administrativos, devendo ser
anulada por vício de violação de lei.” (sublinhados acrescentados).
Não tendo a recorrente suscitado, perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa reportada ao ponto 3.2, alínea c), do Regulamento em causa, carece a
mesma de legitimidade para interpor recurso tendo por objecto essa questão.
3. Critica ainda a recorrente não ter a decisão sumária
reclamada tomado posição quanto a uma “outra questão de inconstitucionalidade”,
referida no requerimento de interposição de recurso, e que se reportaria à
mesma norma regulamentar, agora em conjugação com o artigo 6.º do Decreto‑Lei
n.º 358/86.
No entanto, tal questão é, em rigor, a mesma que foi
suscitada a propósito da norma regulamentar, isoladamente considerada, sendo os
mesmos os princípios constitucionais pretensamente violados e não se
vislumbrando em que é que os dados da questão se alteram com a invocação do
artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 358/86.
A isto acresce que, como a recorrente expressamente
reconhece, não suscitou a questão da inconstitucionalidade desta norma legal
perante o tribunal recorrido, sendo certo que, mesmo que a norma desse artigo
6.º tivesse sido expressamente invocada, pela primeira vez, no acórdão
recorrido, daí não decorre que a interpretação que dele foi feita nesse acórdão
seja de qualificar como anómala, insólita ou imprevisível, em termos de a
dispensar do ónus de suscitação prévia da sua inconstitucionalidade.
Recorde‑se que o artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 358/86
(diploma que estabeleceu o regime disciplinador da alienação de participações
ou bens e instalações detidos pelo Estado em empresas de comunicação social)
dispõe:
“Do referido regulamento do concurso terão de constar
obrigatoriamente, pelo menos, os elementos seguintes:
a) Prazo para a apresentação das respectivas propostas, o qual não
poderá ser inferior a 30 nem superior a 60 dias;
b) Base de licitação;
c) Identificação do objecto de alienação;
d) Fixação da caução provisória a prestar pelos concorrentes,
através de depósito ou garantia bancária, de montante correspondente até 10% do
valor da base de licitação;
e) Indicação da data e local da abertura das propostas e menção do
prazo máximo, não superior a 30 dias, para a decisão da adjudicação;
f) Indicação concreta dos prazos e demais condições de pagamento;
g) Indicação dos documentos a apresentar pelos concorrentes;
h) Menção dos diplomas legais aplicáveis à alienação e ao respectivo
concurso.”
A interpretação deste preceito, feita pela decisão
recorrida, no sentido de que nele “somente se identificam os pontos que
obrigatoriamente devem constar do regulamento do concurso, o que mostra à
evidência que a enumeração feita nas suas diversas alíneas não é exaustiva,
permitindo‑se, por isso, que outras ali não previstas sejam contempladas” (e,
portanto, permitindo a inserção, nesse regulamento, de item como o da
questionada alínea c) do ponto 3.2), nada tem de inesperado, antes corresponde
ao sentido natural do seu teor literal (do regulamento “terão de constar
obrigatoriamente, pelo menos, os elementos seguintes”).
Assim sendo, mesmo que fosse possível conferir autonomia
a esta “outra questão de inconstitucionalidade”, também quanto a ela faltaria o
requisito da sua prévia suscitação, perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, por parte da recorrente, que, assim, carece de legitimidade para a
interposição do presente recurso, o que determina o não conhecimento do seu
objecto.
4. Em face do exposto, acorda‑se em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 4 de Março de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos