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Processo n.º 731/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No âmbito da acção declarativa de condenação proposta por A. contra o Estado
Português, que corre os seus termos sob o n.º 27/04.3 TTBGG, no Tribunal do
Trabalho de Bragança, foi conhecida e decidida incidentalmente a impugnação
judicial intentada pela ali Autora relativamente à decisão negativa proferida
pelos serviços de segurança social em matéria de concessão do benefício do apoio
judiciário.
A impugnação judicial em questão foi julgada improcedente nos seguintes termos:
“1. A A. A. requereu perante o Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro
Distrital de Segurança Social de Bragança o benefício de apoio judiciário na
modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
O C.D.S.S. de Bragança notificou a requerente da sua intenção de indeferir o
apoio judiciário na modalidade solicitada, porquanto, dispondo de um rendimento
relevante para efeitos de protecção jurídica de € 677,64, apenas teria direito à
modalidade de pagamento faseado com periodicidade mensal, sendo o valor da
prestação de € 160,00. Mais informou a requerente, além do mais, de que deveria
declarar expressamente se aceitava o benefício nesta modalidade (pagamento
faseado).
A requerente nada disse.
Por decisão de 6/3/2007, notificada à requerente por carta datada de 7/3/2007,
foi indeferido o benefício de apoio judiciário na modalidade solicitada, isto é,
de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, considerando
que a requerente não aceitou a modalidade de pagamento faseado.
A requerente veio agora impugnar judicialmente essa decisão, alegando, em
síntese, a inconstitucionalidade material das normas previstas no Anexo à Lei
34/2004 de 27/7 e na Portaria 1085-A/2004 de 31/8, já declarada pelo Ac. nº
840/05 do Tribunal Constitucional, bem como do art. 29º nº 5 al. b) da Lei
34/2004, também declarada no Ac. nº 420/06 do mesmo Tribunal, por violação do
art. 20º da Constituição, com os argumentos de que a decisão impugnada não
ponderou o valor que entretanto foi fixado à acção, que é de € 610.219.75 e as
repercussões de tal circunstância na taxa de justiça inicial e subsequente e nas
custas do processo, que litiga contra o Estado e, por isso, encontra-se numa
posição de desigualdade processual, já que este beneficia de isenção de custas
e elabora as leis, que a imediata exigência do pagamento das custas e encargos
do processo judicial em caso de indeferimento do apoio judiciário esvazia de
conteúdo útil qualquer impugnação judicial dessa decisão, pois o requerente
teria de continuar a despender as taxas de justiça e encargos enquanto impugnava
esse pagamento, o que contenderia com o direito ao acesso aos tribunais e
justiça, na medida em que constrange o particular a acatar a decisão
administrativa proferida a propósito da sua condição económica unicamente por
não ter meios económicos para obter a sua reapreciação judicial e, finalmente,
que apenas os seus rendimentos e não também os do seu marido, deverão contar
para efeitos da insuficiência económica.
Termina pedindo a revogação da decisão impugnada e a declaração de
inconstitucionalidade por violação do art. 20º da Constituição das normas
previstas na Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto, nomeadamente as referidas nos
artigos 6º a 10º, assim como do Anexo à Lei 34/2004 de 29/7 e revogação da
decisão de pagamento imediato das custas e encargos, por inconstitucionalidade,
por violação da citada norma constitucional, dos artigos 29º nº 5 al. b) da Lei
34/2004 e 6º nº 1 al. o), 14º nº 1 al. a), 23º nº 1, 24º nº 1 al. e), 28º e 29º
do Cod. Custas Judiciais.
O CDSS manteve a decisão impugnada.
Cumpre decidir.
2. A requerente não põe em causa os dados de facto apurados na decisão impugnada
quanto aos seus rendimentos e ao resultado matemático da aplicação dos critérios
estabelecidos no Anexo à Lei 34/2004 e das fórmulas estabelecidas na Portaria nº
1085/2004, questionando, apenas, a conformidade constitucional da aplicação de
tais Anexo e Portaria.
Assim, com relevo para a decisão, importa ter presente a seguinte factualidade:
a) a requerente é casada, sendo o seu agregado familiar constituído pela
própria, pelo marido e por uma filha;
b) a requerente e o marido são trabalhadores por conta de outrem, auferindo
rendimentos mensais líquidos de € 719,18 e € 476,50, respectivamente e possuem
dois veículos automóveis, bem como um prédio urbano com o valor patrimonial de €
82.734,75;
c) a requerente e o marido são casados segundo o regime patrimonial da comunhão
geral de bens (doc. de fls. 304);
d) o valor da presente acção foi alterado para € 610.219,75 por despacho de
27/12/2006;
e) a requerente liquidou a diferença relativa à taxa de justiça inicial
resultante da alteração do valor da acção em 15/01/2007, no valor de € 1040,75,
tendo pago a título de taxa de justiça inicial a quantia global de € 1152,00.
2.1 Perante o rendimento da A., concluiu o CDSS de Bragança, por aplicação do
Anexo à Lei 34/2004 e das fórmulas estabelecidas nos artigos 6º a 10º da
Portaria nº 1085-A/2004 que o rendimento relevante desta para efeitos de
protecção jurídica é de € 481,77, o que lhe confere o direito à protecção
jurídica na vertente de apoio judiciário, não na modalidade pretendida pela
requerente, de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o
processo, mas tão só na modalidade de pagamento faseado desses mesmos taxa de
justiça e encargos.
Ora, salvo melhor entendimento, tal resultado, pelo simples facto de não ter
sido reconhecido à A. o direito à modalidade mais ampla de apoio judiciário, que
é a dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo,
ao contrário do sustentado pela A., não implica a violação do seu direito
constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20º da
Constituição. Pelo contrário, a aplicação ao caso concreto da A. dos critérios
de determinação da insuficiência económica estabelecidos no Anexo à Lei 34/2004
e na Portaria 1085-A/2004 redundou no reconhecimento de que aquela está em
condições de beneficiar de protecção jurídica, mas numa modalidade mais
restrita, que é a de pagamento faseado dos encargos processuais, no pressuposto
de que o seu rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, lhe
permite custear dessa forma as despesas do processo, facto que, aliás, a A. não
contesta expressamente, limitando-se a arguir a inconstitucionalidade daquelas
normas. A interpretação que a A. pretende dar ao art. 20º da Constituição vai no
sentido de que a justiça deveria ser gratuita para todos os que estivessem em
situação de carência económica para custear as despesas do processo judicial,
independentemente do grau e medida dessa insuficiência económica. Mas não é
assim. O princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais apenas
postula que a sua concretização não seja contrariada pela insuficiência de meios
económicos. Daí que, como diz o Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira, na
declaração de voto aposta no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 420/2006, in
D.R. II Série. Parte D, de 19/10/2006, “o apoio judiciário não é um pressuposto
primário de acesso ao direito e aos tribunais, antes constitui um remédio de
carácter excepcional destinado a permitir aquele acesso aos interessados que
comprovadamente dele necessitam”.
Quanto ao argumento do valor da acção, não se vislumbra qualquer relevância
deste na situação concreta da A., uma vez que o cálculo da prestação mensal a
que a A. estaria obrigada caso tivesse aceite a modalidade de pagamento faseado
é efectuado com referência ao rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica e ao valor do salário mínimo nacional. Quer isto dizer que o montante
da prestação é sempre o mesmo, independentemente do valor da acção, apenas
podendo variar o número de prestações a pagar, sendo certo que este sempre
estaria limitado pelo disposto no art. 13º da Portaria 1085-A/2004: se o
somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário exceder em
dado momento em quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário
pode suspender o pagamento das restantes prestações, sem prejuízo do seu
pagamento poder ser retomado caso venha a apurar-se, na conta final, haver
quantias em dívida pelo beneficiário.
Igualmente inócuo é o argumento de que a A. está em situação de desigualdade
processual relativamente ao R. Estado, pelo facto deste beneficiar de isenção de
Custas. Por um lado, nos tribunais da jurisdição comum, este apenas beneficia de
dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça inicial e subsequente quando
litigue na qualidade de réu, requerido ou executado, não estando, por isso,
isento de custas, como alegou a A.. Por outro lado, tal dispensa em nada onera a
A. no que respeita aos encargos processuais, pelo que não constitui qualquer
violação do princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais.
É certo que o Tribunal Constitucional, no recente Acórdão nº 654/2006 (Processo
nº 840/2005), publicado no D.R., 2ª Série de 19/1/2007, se pronunciou pela
inconstitucionalidade das normas supra referidas, mas apenas na parte em que
impõem que o rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio do
apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do
agregado familiar, independentemente do requerente de protecção jurídica fruir
de tal rendimento. Mas não é esse o caso da A., já que esta, por força do regime
de bens do seu casamento, é, juntamente com o seu marido e em igual medida,
titular de todos os rendimentos de que beneficia o seu agregado familiar. Ou
seja, o rendimento considerado no caso concreto é o efectivamente auferido e
fruído pela A, uma vez que tanto o seu salário, como o do seu cônjuge se
integram no património comum do casal.
2.2 No que toca ao disposto no art. 29º nº 5 al. b) da Lei 34/2004 de 29/7,
importa salientar que a decisão impugnada não fez aplicação de tal dispositivo,
limitando-se a advertir a A. das consequências da decisão de indeferimento do
beneficio de apoio judiciário, designadamente as previstas na citada norma.
Acontece, porém, que nesta fase processual não foram exigidos à A. quaisquer
pagamentos a título de taxa de justiça ou outros encargos processuais por força
da norma em apreço. Com efeito, a A. já havia pago integralmente a taxa de
justiça inicial antes de requerer o benefício do apoio judiciário e ainda não é
devida a taxa de justiça subsequente, uma vez que ainda não chegou o momento
processualmente oportuno para tal. É, assim, extemporânea a arguição da
inconstitucionalidade da norma do art. 29º nº 5 al. b) da L.A.J. e das demais
disposições do Cod. Custas Judiciais mencionadas pela requerente, pela simples
razão de que, até ao presente, não foram as mesmas ainda aplicadas por decisão
que prejudicasse a requerente.
Mostra-se, pois, totalmente infundada a presente impugnação judicial.
3. Perante o exposto, julgo improcedente o recurso de impugnação da decisão que
indeferiu o apoio judiciário à impugnante A..”
A Requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
suscitando, com fundamento na violação do disposto no n.º 1, do artigo 20.º, da
Constituição da República Portuguesa, a inconstitucionalidade das normas
constantes do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e das normas constantes
dos artigos 6.º a 10.º, da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na
interpretação segundo a qual o valor da acção não assume qualquer relevância na
apreciação da situação de insuficiência económica para efeitos de concessão do
benefício do apoio judiciário.
A Requerente interpôs igualmente recurso desta decisão para o Tribunal
Constitucional, desta feita ao abrigo do disposto na alínea g), do n.º 1, do
artigo 70.º da LTC, sob a alegação de que as referidas normas foram já julgadas
inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, mais concretamente no acórdão
n.º 654/2006, publicado na 2.ª Série do Diário da República, de 19 de Janeiro de
2007.
*
A Recorrente apresentou posteriormente alegações, culminando as mesmas com a
formulação das seguintes conclusões:
“ A) Deve ser revogada a decisão impugnada, de fls. 307 a 312, declarando-se
inconstitucionais por violação do art. 20 da Constituição da República
Portuguesa, as normas previstas na Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto,
nomeadamente as referidas no art. 6 a 10 da mesma Portaria, assim como do Anexo
à Lei nº 34/2004 de 29 de Julho.
B) Face ao aumento do valor processual, a AA. requereu Apoio Judiciário na
modalidade de dispensa total de pagamento da taxa de justiça e encargos com o
processo;
C)Foi-lhe indeferido o pedido de apoio judiciário, na modalidade pretendida;
D) A recorrente alegou aquando do seu pedido, além de que o seu vencimento tinha
baixado, que o valor da acção foi “... fixado em 610,219,75 euros, pelo que a
taxa de justiça é agora de 2.304 euros, inicial e subsequente e as custas finais
importam em 12.864 euros devido à alteração processual do valor”;
E) Porém tal facto foi simplesmente ignorado pelos serviços de Segurança Social,
não lhe atribuindo qualquer importância, e,
F) Só considerou os (factos) rendimentos apresentados e em resultado da
aplicação das fórmulas matemáticas previstas na Portaria nº 1805-A/2004 de 31 de
Agosto...verificando-se dispor o agregado familiar da requerente de um
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica no valor de 476,50
euros, pelo que nos termos da alin. C) do Anexo Lei nº 34/2004, tem direito
a...pagamento faseado de 160 euros de periodicidade mensal”
G) E nos termos do artigo 20 da Lei nº 34/2004, indeferiu a modalidade
pretendida;
H) Interposto recurso de tal decisão, o douto despacho ora impugnado manteve a
decisão administrativa, com o fundamento de que além do mais,
I) O pagamento faseado não impede o acesso ao direito e aos tribunais por
insuficiência económica e de que a recorrente interpreta o art. 20 da C.R.P, no
sentido de que a justiça deveria ser gratuita para todos os que estivessem em
situação de carência económica, independentemente do grau e medida dessa
insuficiência económica;
J) A recorrente alegou, é que a alteração do valor processual, não deveria ter
sido ignorado e que tal facto, não é indiferente, já que se reflecte na
(in)suficiência económica da recorrente, sendo um encargo excepcional que terá
de suportar para manter o acesso à justiça e ao direito;
L) Entende-se pois, que tais fórmulas e diplomas legais, são inconstitucionais,
no sentido de que tal valor é ignorado pelas ditas fórmulas,
M) Sendo certo que não será indiferente litigar com o valor de mil ou um milhão,
atendendo-se simplesmente ao resultado das fórmulas e ignorando-se o rendimento
e a sua correlação com os custos do processo;
N) Quer dizer, é absurdo que calculado o rendimento, não se atente ao valor da
acção e à insuficiência económica ou não para suportar antecipadamente ou a
final os custos do mesmo;
O) O valor da acção foi alterado para 610.219,75 euros e daí todas as
consequências processuais conhecidas, nomeadamente na impugnação de qualquer
decisão judicial, onde a taxa de justiça inicial é de 2.304 euros e as custas
finais importam em 12.864 euros;
P) Ora tal facto, mesmo em pagamentos faseados e tendo em conta o valor apurado
dos rendimentos da AA., importa o reconhecimento da insuficiência económica da
mesma para suportar tais custos;
Q) E isto mesmo que tais prestações, sejam suspensas após excederem quatro vezes
o valor da taxa de justiça inicial, mas claro pagando tudo quando no final se
apurar o que ainda está em dívida;
R) À recorrente é pois legitimo impugnar e não aceitar o pagamento em prestações
e pedir isenção de pagamento por insuficiência económica,
S) Até porque sempre teria de pagar e suportar os encargos processuais em
prestações sucessivamente acrescidas onerando o seu insuficiente património, em
caso de recursos e impugnações que não pode recear dele se socorrer quando
entender, por falta de meios económicos;
T) A aplicação das fórmulas previstas na Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto,
constantes do art. 6 a 10, em concreto ao caso dos autos, é assim
inconstitucional, quando não atende ao valor processual da acção e consequente
encargos daí decorrentes;
U) Na verdade, o art. 20 da CRP, refere que a todos é assegurado o acesso ao
direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos;
V) Ora tal desiderato, não pode ser mera retórica, e não pode afastar da defesa
dos seus direitos, as pessoas que careçam de meios económicos suficientes para
suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um
processo judicial, designadamente custas e honorários forenses” – cfr. ACTC, nº
98/2004 – D.R. II série de 1/04/2004;
X) Quer dizer, reitera-se, não é indiferente, litigar com um valor processual de
mil euros ou um milhão, pois é pelo valor processual que é liquidada a taxa de
justiça em cada momento processual, seja na acção principal recursos e
incidentes;
Z) “O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser
uma norma fechada, ponderando estritos económico-financeiros, como resulta
claro da adopção de uma fórmula matemática” Ac. Trib Const. nº 840/05, in
www.tribunalconstitucional.pt.
AA) Quer dizer, a recorrente pediu protecção jurídica para este seu processo,
com aquele valor e cujas consequências e encargos se vão reflectir no desenrolar
da demanda e não para qualquer direito a reclamar abstractamente, pelo que lhe
devia ser concedido o dito Apoio na modalidade pretendida;
BB) Isto mesmo em pagamento faseado, que implica sempre pagamento, podendo até
incorrer em diversos pagamentos faseados, caso pretendesse e necessitasse de
invocar, recorrer ou reclamar de decisões, com as quais não concordasse;
CC) Além disso, a recorrente litiga contra o Estado e em processo de trabalho
reivindicando direitos sociais que o próprio Estado ignora, mas que exige aos
particulares;
DD) O Estado está confortavelmente instalado, na isenção de prévio pagamento de
taxas de justiça e outros encargos processuais e nas leis que ele próprio
elabora numa situação pois de desigualdade processual para com a recorrente;
EE) É que os processos de trabalho, tendo a onerosidade social implícita, eram
contados em metade de custas processuais devidas, até há algum tempo,
FF) E conforme anunciado (sendo concretizado), deverão ter isenção de taxa de
justiça, precisamente tendo em conta a fragilidade económica e social dos
litigantes nos Tribunais de Trabalho;
GG) Acresce também, que quem propôs a acção foi a requerente mulher e são os
seus rendimentos que devem contar para efeitos de insuficiência económica e não
os do marido;
HH) A requerente não pode pois suportar os encargos judiciais, nem mesmo em
pagamentos faseados;
II) Acresce ainda que as normas aplicadas, foram declaradas inconstitucionais
por acórdão deste Venerando Tribunal, nº 654/2006, publicado no D.R. 2ª Série,
de 19/01/2007, acarretando deste modo a sua inconstitucionalidade de acordo com
o fundamento do art.70º, nº 1 alin g) da LTC;
JJ) Deve ser revogada a decisão impugnada, declarando-se inconstitucionais por
violação do art. 20 da Constituição da República Portuguesa, as normas previstas
na Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto, nomeadamente as referidas no art. 6 a
10 da mesma Portaria, assim como do Anexo à Lei nº 34/2004 de 29 de Julho.
(...)”.
*
Fundamentação
1. Da modalidade do recurso
No presente caso, a recorrente interpôs recurso de constitucionalidade
simultaneamente ao abrigo das alíneas b) e g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Nos termos das referidas normas, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das
decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo (al. b)) e das decisões dos tribunais que apliquem
norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal
Constitucional (al. g)).
No que respeita à segunda modalidade de recurso acabada de enunciar, importa
referir liminarmente que não se mostram preenchidos, no caso concreto, os
pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade.
Ao invés do que foi laconicamente alegado pela recorrente, o Tribunal
Constitucional não julgou inconstitucional, em toda a sua extensão, o anexo da
Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º, da
Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto.
Efectivamente, no aludido Acórdão n.º 654/2006, o Tribunal Constitucional
limitou-se a julgar inconstitucional, por violação do n.º 1, do artigo 20.º da
Constituição, o anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os
artigos 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em
que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão de benefício do
apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do
agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica
fruir tal rendimento.
Nos presentes autos, o tribunal a quo não aplicou as referidas normas com a
aludida dimensão interpretativa já julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional, na medida em que, desde logo, se entendeu que a requerente
beneficiava da totalidade do rendimento conjugal por força do regime de bens do
respectivo casamento.
A recorrente apenas beneficiaria da aplicação da referida jurisprudência
constitucional, se tivesse alegado e provado que não fruía do rendimento do
respectivo cônjuge, pois, nesse caso, o rendimento conjugal já não poderia
assumir qualquer relevância para a apreciação da situação de insuficiência
económica da requerente.
Acresce a isso que – conforme resulta dos factos dados como provados pela
decisão recorrida – a requerente não teria qualquer interesse na desconsideração
do rendimento líquido do respectivo cônjuge para efeito de apreciação da sua
alegada situação de insuficiência económica, na medida em que a requerente
aufere um rendimento líquido superior ao do respectivo cônjuge e,
consequentemente, até é beneficiada com o alargamento do número de elementos do
agregado familiar para efeito das pertinentes deduções dos impostos sobre o
rendimento, das contribuições para a segurança social e dos encargos com as
necessidades básicas e com a habitação da totalidade do agregado familiar.
Assim sendo, apenas se apreciará este recurso, na modalidade prevista no artigo
70.º, n.º 1, b), da LTC.
2. Do objecto do recurso
O presente recurso de constitucionalidade versa a matéria do acesso ao Direito e
aos tribunais, em especial a constitucionalidade do regime legal ordinário do
instituto da protecção jurídica.
A recorrente suscita a inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 1,
do artigo 20.º, da Constituição, das normas constantes do Anexo à Lei n.º
34/2004, de 29 de Julho, e das normas constantes dos artigos 6.º a 10.º, da
Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na interpretação do tribunal a quo,
segundo a qual o valor da acção não releva na apreciação da situação de
insuficiência económica para efeitos de concessão do benefício do apoio
judiciário.
Importa, contudo, precisar o sentido da interpretação normativa perfilhada pela
decisão recorrida, relativamente a esta questão.
Para melhor compreender o alcance da decisão recorrida, importa recuperar
sucintamente os elementos essenciais que servem de pano de fundo ao presente
recurso.
A Recorrente pugna pela concessão do benefício do apoio judiciário, na
modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o
processo, invocando, além do mais, que não dispõe de meios económicos bastantes
para custear os encargos de uma acção por si intentada junto da jurisdição
laboral e à qual foi atribuído o valor de € 610.219,75.
Por seu turno, os serviços da segurança social entenderam que a recorrente
apresentava um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica no valor
de € 677,64 e que não tinha condições objectivas para suportar pontualmente os
custos do processo e, por esse motivo, reconheceram à recorrente o direito ao
benefício do apoio judiciário, mas apenas na modalidade de pagamento faseado de
taxa de justiça e demais encargos com o processo, mais concretamente na
modalidade de pagamento mensal da importância de € 160,00.
A recorrente impugnou judicialmente essa decisão da segurança social, alegando,
na parte que ora releva, que não foi devidamente ponderada a concreta
responsabilidade por custas decorrente do valor atribuído à acção e da eventual
perda integral da demanda, tanto mais que as custas finais serão sempre devidas
e poderão ascender ao montante de € 12.864,00. Pretendia, assim, a recorrente
que, tomando em consideração o valor da acção em causa, lhe fosse concedido
apoio judiciário, na modalidade de dispensa total da taxa de justiça e demais
encargos com o processo.
O tribunal a quo veio a confirmar integralmente a decisão dos serviços de
segurança social, sustentando, além do mais, e ao invés do propugnado pela
recorrente, que o valor da acção, nos casos em que é reconhecido o direito ao
benefício do apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado de taxa de
justiça e demais encargos com o processo, em resultado da aplicação dos
critérios estabelecidos no Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e nos
artigos 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, não assume
qualquer relevância na apreciação da situação de insuficiência económica da
recorrente.
Na verdade, lê-se nessa decisão:
“…Quanto ao argumento do valor da acção, não se vislumbra qualquer relevância
deste na situação concreta da A., uma vez que o cálculo da prestação mensal a
que a A. estaria obrigada caso tivesse aceite a modalidade de pagamento faseado
é efectuado com referência ao rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica e ao valor do salário mínimo nacional. Quer isto dizer que o montante
da prestação é sempre o mesmo, independentemente do valor da acção, apenas
podendo variar o número de prestações a pagar, sendo certo que este sempre
estaria limitado pelo disposto no art. 13º da Portaria 1085-A/2004: se o
somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário exceder em
dado momento em quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário
pode suspender o pagamento das restantes prestações, sem prejuízo do seu
pagamento poder ser retomado caso venha a apurar-se, na conta final, haver
quantias em dívida pelo beneficiário…”
A desconsideração do valor da acção para efeitos de atribuição de apoio
judiciário, não é defendida pela decisão recorrida, em termos genéricos, sendo
apenas sustentada quando, perante o valor do rendimento disponível do
requerente, é-lhe reconhecido o direito a apoio judiciário, na modalidade de
pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, por
aplicação dos critérios estabelecidos no Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de
Julho, e nos artigos 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto.
Por isso, o objecto de apreciação neste recurso é a inconstitucionalidade das
normas constantes do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e dos artigos 6.º
a 10.º, da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na interpretação segundo a
qual o valor da acção não releva na apreciação da situação de insuficiência
económica para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário, nos casos
em que é reconhecido o direito ao benefício do apoio judiciário, na modalidade
de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Os referidos diplomas legais, em especial as referidas normas, sofreram
alterações, mercê da publicação da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, mas as
mesmas não assumem qualquer relevância no caso concreto, na medida em que só
entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, não se aplicando aos pedidos
apresentados até essa data (artigo 6.º).
3. Do mérito do recurso
Conforme facilmente se alcança, os direitos em geral e os direitos fundamentais
em particular, podem ser realizados ou afectados de modos muito diferenciados,
desde logo pela concreta conformação do regime processual do acesso ao Direito e
aos tribunais (vide JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, em “Constituição Portuguesa
Anotada”, tomo I, pág. 176, da ed. de 2005, da Coimbra Editora).
Tendo essa evidência muito presente, o n.º 1, do artigo 20.º, da Constituição,
na redacção vigente, introduzida pela Revisão Constitucional de 1997, prescreve
que:
“A todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada
por insuficiência de meios económicos”.
A jurisprudência constitucional sobre o conteúdo e alcance desta norma tem sido
abundante, não havendo assim margem para grandes originalidades e inovações
interpretativas, importando, por isso, recuperar algumas das suas notas mais
relevantes para assim melhor densificar o sentido da constitucionalização do
sistema de acesso ao Direito e aos tribunais.
Desde logo, importa ter presente as reflexões firmadas no Parecer n.º 8/78 da
Comissão Constitucional (publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, 5.
Volume, p. 3), nomeadamente:
“ (…) ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos,
o legislador constitucional reafirma o princípio geral da igualdade consignado
no n.º 1 do artigo 13.º.
Mas indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos
tribunais, o n.º 1 do artigo 20.º, na sua parte final, propõe-se afastar neste
domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos,
determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo de
denegação da justiça.
Está assim o legislador constitucional a consagrar uma aplicação concreta do
princípio sancionado no n.º 2 do artigo 13.º, segundo o qual «ninguém pode ser
(…) privado de qualquer direito (…) em razão de (…) situação económica».
Não se dirá, todavia, que do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição decorre o
imperativo de uma justiça gratuita.
O sentido do preceito, na sua parte final, será antes o de garantir uma
igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação
económica dos interessados.
E tal igualdade pode assegurar-se por diferentes vias, que variarão consoante o
condicionalismo jurídico-económico definido para o acesso aos tribunais. Entre
os meios tradicionalmente dispostos em ordem a atingir esse objectivo conta-se,
como é sabido, o instituto de assistência judiciária, mas, ao lado deste, outros
institutos podem apontar-se ou vir a ser reconhecidos por lei.
Será assim de concluir que haverá violação da parte final do n.º 1 do artigo
20.º da Constituição se e na medida em que na ordem jurídica portuguesa, tendo
em vista o sistema jurídico-económico aí em vigor para o acesso aos tribunais,
puder o cidadão, por falta de medidas legislativas adequadas, ver frustrado o
seu direito à justiça, devido a insuficiência de meios económicos.”.
Desenvolvendo um pouco mais esta linha argumentativa, o Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 433/87 (publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12 de
Fevereiro de 1988), reforçaria que:
“A ideia de uma justiça gratuita tem-se, em geral, por utópica. Mas a
onerosidade dos processos constitui, de per si, um factor de forte incidência
discriminatória do acesso aos tribunais, pois que pode reduzir o respectivo
direito a uma pura ilusão para todos aqueles que, por falta de capacidade
económica, não possam suportar as despesas inerentes ao facto de estar em juízo.
Sendo isto assim, o Estado de direito democrático não há-de contentar-se com
proclamar os direitos fundamentais dos cidadãos; designadamente, não lhe basta
afirmar que «a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus
direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos» (cfr. artigo 20.º, n.º 2, da Constituição).
A mais do que isso, tem de preocupar-se com proporcionar a todos os meios
concretos do exercício de um tal direito, providenciando para que os litigantes
carecidos de meios económicos para a demanda se não vejam, por esse facto,
impedidos de defender em juízo os seus direitos, nem tão-pouco sejam colocados
em situação de inferioridade perante a contraparte com capacidade económica.”
Especificamente sobre a relevância dos encargos da lide para a generalidade dos
cidadãos e para os mais carenciados economicamente, o Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 352/91 (publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 17 de
Dezembro de 1991) não deixou de afirmar que:
“ (…) o legislador pode, assim, exigir o pagamento de custas judiciais, sem que,
com isso, esteja a restringir o direito de acesso aos tribunais. E, na fixação
do montante das custas, goza ele de grande liberdade, pois é a si que cabe optar
por uma justiça mais cara ou mais barata.
Essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite — limite
que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem
terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário.
É que, o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio judiciário como
algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente
carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios
rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de
muito elevado valor).
Na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre na devida
conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar
incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois,
se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou
especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa”.
O conceito de insuficiência económica surge, assim, como um dos conceitos
nucleares do regime constitucional do acesso ao Direito e aos tribunais e é
evidente que o valor da acção e das custas daí decorrentes não constituem
realidades descartáveis no esforço de conceptualização normativa da situação de
insuficiência económica, como aliás resulta do excerto do aresto acima
transcrito.
Aliás, tem sido também reconhecido pela doutrina que “o conceito de
insuficiência económica é um conceito relativo, não podendo ser dissociado do
valor das custas e dos encargos no acesso ao direito e aos tribunais. A
incapacidade económica que justifica a concessão de apoio judiciário deve,
concretamente, ser aferida tendo em conta os custos concretos de cada acção e a
disponibilidade da parte que o solicita, não estando excluído que seja
concedido, em maior ou menor medida, se o valor da causa assim o justificar”
(vide JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, ob. cit., p 181, assim como SALVADOR DA
COSTA, em “O apoio judiciário”, pág. 56-57, da 6ª ed., da Almedina).
Na verdade, “a expectativa inicial do provável custo da utilização da via
judiciária constitui um dos elementos que os interessados ponderam na decisão de
aceder ou não aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos” (vide JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, ob. cit., p. 185),
sendo certo que esse custo, no nosso sistema, tem uma relação de
proporcionalidade com o valor da acção.
Vejamos agora as normas cuja constitucionalidade foi colocada expressamente em
crise no presente recurso.
O artigo 8º, n.º 1, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, determina que se
“encontra em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta
factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem
condições objectivas para suportar pontualmente os custos do processo.”
Por força do disposto no n.º 5, do artigo 8.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de
Julho, na redacção originária, a prova e a apreciação da insuficiência económica
do requerente da protecção jurídica devem ser feitas de acordo com os critérios
estabelecidos e publicados em anexo à referida lei.
O Anexo da referida lei é composto pelas seguintes normas:
«I – Apreciação da insuficiência económica
1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional
não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os
custos de um processo;
b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do
valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para
suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de
consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio
judiciário;
c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o
valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os
custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar
pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do
apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do nº
1 do artigo 16º da presente lei;
2 – Se o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de
valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o
requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares forem
superiores a 40 vezes o valor do salário mínimo nacional, considera-se que o
requerente de protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência
económica, independentemente do valor do rendimento do agregado familiar.
3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado
familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção
jurídica
II — Cálculo do montante da prestação mensal na modalidade de pagamento faseado
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do n.º I, o valor da prestação mensal do
pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, de
honorários de patrono nomeado e de remuneração do solicitador de execução
designado é o seguinte:
a) 1/72 do valor anual do rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica, se este for igual ou inferior ao valor do salário mínimo nacional;
b) 1/36 do valor anual do rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica, se este for superior ao valor do salário mínimo nacional».
Por seu turno, os artigos 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, com as
alterações efectuadas pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, que procede à
concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica,
têm o seguinte conteúdo:
«SECÇÃO II
Apreciação do requerimento
Artigo 6.º
Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que
resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado
familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
(A), ou seja, YAP = YC–A.
2 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso
em múltiplos do salário mínimo nacional.
Artigo 7.º
Rendimento líquido completo do agregado familiar
1 — O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da
soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da
renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do
agregado familiar (YR), ou seja, YC= Y+ YR.
2 — Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois
da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos
empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores
para a segurança social.
3 — O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no
artigo 10.º da presente portaria.
Artigo 8.º
Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta
da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado
familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado
familiar (H), ou seja, A = D + H.
2 — O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar
(D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de
dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado
em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo
I.
3 — O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H)
resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do
agregado familiar (YC), ou seja, H = h×YC, em que h é determinado em função dos
diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
Artigo 9.º
Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante
para efeitos de protecção jurídica
O valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificado
nos artigos anteriores, é calculado através da fórmula prevista no anexo III
desta portaria.
Artigo 10.º
Cálculo da renda financeira implícita
1 — O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo
7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor
dos activos patrimoniais do agregado familiar.
2 — A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao
valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o
requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou
no 2.º semestre do ano civil em curso.
3 — Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o
declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz
predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
4 — Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1
apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita
medida desse excesso.
5 — O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que
resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do
requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
6 — Entende-se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado».
Da leitura conjugada destes preceitos resulta que com a Lei n.º 34/2004, a
concessão de protecção jurídica a quem, tendo em conta factores de natureza
económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas
para suportar pontualmente os custos de um processo (cf. artigo 8.º, nº 1, da
Lei n.º 34/2004), passou a depender do valor do rendimento relevante para
efeitos de protecção jurídica (artigos 8.º, n.º 5, e 20.º, e n.º 1., do capítulo
I, do Anexo da Lei n.º 34/2004), o qual é calculado através da aplicação de
fórmulas matemáticas, constantes da lei.
O apoio judiciário compreende várias modalidades, entre as quais avultam, a
dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo e
o pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo (artigo
16.º, n.º 1, alíneas a) e d), da Lei nº 34/2004).
Nos termos do capítulo I, do Anexo desta Lei, a insuficiência económica é
apreciada da seguinte forma:
- “O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do
valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para
suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de
consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio
judiciário” (alínea b), do n.º 1, do capítulo I, do Anexo à Lei n.º 34/2004).
- “O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o
valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os
custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar
pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do
apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do
n.º 1 do artigo 16.º da presente lei” (alínea c), do n.º 1, do Anexo à Lei n.º
34/2004).
O preenchimento da situação de carência económica, merecedora de apoio
judiciário, deixou, assim, de ser efectuado casuisticamente pelo decisor,
perante o universo de circunstâncias do caso concreto, ou através do
funcionamento de presunções ilidíveis estabelecidas na lei, como sucedia nas
legislações anteriores à Lei nº 34/2004, para resultar da aplicação rígida e
tabelar de fórmulas matemáticas, legislativamente consagradas, a determinados
dados do caso concreto.
Só excepcionalmente a decisão sobre a concessão de apoio judiciário se poderá
libertar do espartilho resultante da imposição de aplicação dos referidos
critérios matemáticos, efectuando uma avaliação equitativa casuística da
situação económica do requerente e da sua capacidade para satisfazer os custos
duma acção judicial (artigos 20.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, e 2.º da Portaria
n.º 1085-A/2004).
A esta mudança de opções legislativas não terá sido estranha a avaliação da
aplicação prática da anterior Lei n.º 30-E/2000, que havia atribuído aos
serviços de segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio
judiciário, retirando tal competência aos tribunais, os quais passaram apenas a
julgar as impugnações das decisões daquelas entidades administrativas. As
dificuldades destas em aplicar cláusulas abertas, a requerer um esforço
integrativo para o qual não estavam vocacionadas, levou o legislador a adoptar
esta nova técnica legislativa, em que a decisão sobre a concessão de apoio
judiciário passou a ser, sobretudo, um exercício de aplicação de fórmulas e
critérios matemáticos legalmente estabelecidos.
Na verdade, o Ministério da Justiça, autor da proposta que esteve na base desta
reforma legislativa no domínio do apoio judiciário, justificou esta mudança nos
seguintes termos:
“O regime de apoio judiciário consagrado na Lei n.º 30-E/2000, de 20 de
Dezembro, não contemplava um conceito de insuficiência económica, propiciando
assim uma apreciação subjectiva (dependente da avaliação pessoal do jurista
encarregue da mesma) e geograficamente heterogénea dos pedidos de apoio
judiciário pela Segurança Social. Tal disparidade de procedimentos de avaliação
revelou-se uma fonte evidente de iniquidade do sistema de concessão de apoio
judiciário.
Com a criação do critério de insuficiência económica pretendeu-se introduzir
maior rigor na concessão do benefício, uniformizando os critérios de concessão
do mesmo nos diversos centros decisores da Segurança Social. Tal critério de
concessão, por ser objectivo e transparente, permitirá a qualquer requerente
saber se tem ou não direito ao benefício e em que modalidade e medida.” (no site
www.mj.gov.pt).
Da leitura conjugada e exclusiva dos preceitos legais acima transcritos, é
possível verificar que, nos termos dessas normas, o valor da acção não assume
efectivamente qualquer relevância para efeito de apreciação da situação de
insuficiência económica e de concessão do benefício do apoio judiciário. Esse
elemento só poderá ser ponderado nas situações excepcionais previstas nos
artigos 20.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, e 2.º da Portaria n.º 1085-A/2004
(vide, neste sentido, SALVADOR DA COSTA, em ob. cit., pág. 272).
A recorrente entende que a desconsideração do valor da acção impede a concessão
do apoio judiciário na modalidade mais generosa de dispensa total de pagamento
de taxa de justiça e demais encargos com o processo, quando o valor do
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica do requerente se situa
no intervalo definido na alínea c), do n.º 1, do Anexo da Lei n.º 34/2004
(superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o salário mínimo nacional)
e que essa desconsideração compromete e dificulta o direito fundamental de
acesso ao Direito e aos tribunais já que, em caso de eventual perda da demanda,
sempre terá de pagar, a final, a totalidade das custas calculadas de acordo com
o valor da acção, mesmo que se lhe reconheça o direito de as pagar faseadamente.
Constitui uma evidência, já acima reconhecida, que “a expectativa inicial do
provável custo da utilização da via judiciária constitui um dos elementos que os
interessados ponderam na decisão de aceder ou não ao tribunais para a defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos”.
E não é menos verdade que a perspectiva do eventual pagamento integral das
custas, em caso de perda total da demanda, não deixará de condicionar a referida
decisão.
Todavia, o ordenamento jurídico globalmente considerado contempla soluções
normativas que acautelam o perigo de pagamento de custas judiciais excessivas em
geral e das quais podem beneficiar aqueles que se encontram numa situação de
insuficiência económica que, nos termos do regime da Lei n.º 34/2004, e se
encontram obrigados a pagar as custas, embora faseadamente.
O objecto do presente recurso de constitucionalidade chama à colação, pelo
menos, a interpretação e aplicação de três regimes jurídicos diferentes mas
umbilicalmente ligados entre si, a saber: o Código de Processo Civil; o Código
das Custas Judiciais; e o Regime do Acesso ao Direito e aos Tribunais (aprovado
pela Lei n.º 34/2004, incluindo a respectiva regulamentação aprovada pela
Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto).
A relevância de várias normas do Código de Processo Civil é manifesta no caso
concreto, desde logo atenta a regra geral da condenação da parte vencida em
custas (artigo 446.º, n.º 1, do C.P.C.), e a atribuição necessária de um valor à
causa, a que corresponde a utilidade económica do pedido (artigo 305.º, n.º 1,
do C.P.C.), existindo diversos critérios de atribuição de valor às causas entre
os quais avulta aquele segundo o qual “se pela acção se pretende obter qualquer
quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa” (artigo 306.º, n.º 1, do
C.P.C).
A relevância do Código das Custas Judiciais de 1996 (redacção DL n.º 324/2003,
de 27 de Dezembro) também é facilmente perceptível.
Por um lado, resulta da lei que “os processos estão sujeitos a custas”, as
quais “compreendem a taxa de justiça e os encargos” (artigo 1.º, do C.C.J.).
Por outro lado, “nos casos não expressamente previstos atende-se, para efeito de
custas, ao valor resultante da aplicação da lei de processo” (artigo 5.º, n.º 1,
do C.C.J.).
Acresce a tudo isso que “a omissão de pagamento das taxas de justiça inicial e
subsequente dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei de processo”
(artigo 28.º, do C.C.J.). Por exemplo, a falta de pagamento da taxa de justiça
inicial pode conduzir ao desentranhamento da petição inicial (artigo 467.º, n.º
5, do C.P.C).
Mas, o C.C.J. consagra as seguintes limitações, estranhas ao apoio judiciário,
em matéria de pagamento de taxa de justiça durante a pendência do processo:
a) Nas causas de valor superior a € 250.000 não é considerado o excesso para
efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente (artigo
27.º, n.º 1, do C.C.J.). Por isso o limite máximo da taxa de justiça inicial
devida pela promoção de acções e recursos não pode ultrapassar 12 UC, de acordo
com o artigo 23.º, n.º 1, e a tabela do anexo I do C.C.J..
b) O montante da taxa de justiça subsequente é igual ao da taxa de justiça
inicial (artigo 25.º, n.º 1, do C.C.J.).
c) A taxa de justiça é paga gradualmente (artigo 22.º, do C.C.J.).
d) Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma
fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta
processual das partes, dispensar do pagamento do remanescente (artigo 27.º, n.º
2 e n.º 3, do C.C.J.).
e) As partes podem beneficiar do pagamento das custas finais, quando as mesmas
sejam de valor superior a 4 UC, em 12 prestações mensais não inferiores a 1 UC
(artigo 65.º, do C.C.J.).
Porém, os beneficiários do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado
da taxa de justiça e de outros encargos gozam cumulativamente de aquelas e de
outras vantagens, em matéria de pagamento de custas judiciais.
Num cenário de pagamento faseado da taxa de justiça e de outros encargos, o
valor da prestação mensal de custas – conforme foi bem salientado na decisão
recorrida – é aferido exclusivamente em função do rendimento líquido completo do
agregado familiar e do valor do salário mínimo nacional, com total
desconsideração do valor da acção e das custas que em abstracto seriam devidas
em geral, e portanto, o valor mensal da prestação de custas nunca será superior
a 1/36 do valor anual do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
(Anexo da Lei nº 34/2004 e artigos 6.º a 10.º, da Portaria nº 1085-A/2004).
Obviamente, este traço característico do regime do apoio judiciário não resolve,
de per si, a questão suscitada pela recorrente e que se traduz na exigibilidade
da totalidade das custas devidas, ainda que sob a forma de prestações mais ou
menos suaves.
Seguramente mais relevantes são as limitações existentes quanto ao número de
prestações do pagamento faseado.
Efectivamente, a regulamentação da modalidade de pagamento faseado previu
expressamente a limitação do valor pago durante a pendência do processo, podendo
o beneficiário de apoio judiciário nesta modalidade suspender o pagamento das
prestações, quando na pendência do processo estas excedam o quádruplo do valor
da taxa de justiça inicial.
Na verdade, o artigo 13.º da referida Portaria n.º 1085-A/2004 veio dispor da
seguinte forma:
«Artigo 13º
Limitação do número de prestações do pagamento faseado
1 — Se o somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário na
modalidade de pagamento faseado for, em dado momento, superior a quatro vezes o
valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário pode suspender o pagamento das
restantes prestações; tratando-se de processo em que não seja devida taxa de
justiça inicial, a suspensão pode ter lugar quando o somatório das prestações
pagas pelo beneficiário for superior a 2 UC.
2 — Caso o beneficiário suspenda o pagamento das prestações, nos termos do
número anterior, e da elaboração da conta resulte a existência de quantias em
dívida por parte do mesmo, o seu pagamento pode ser efectuado, de forma faseada,
em prestações de montante idêntico ao anteriormente estipulado pelos serviços de
segurança social.»
Nesta solução, já se vislumbra a preocupação do legislador ordinário com os
eventuais excessos decorrentes da exigência integral do pagamento de custas
directamente determinadas pelo valor da acção.
Dir-se-ia até que nada mais haveria a acautelar na medida em que o acesso ao
Direito e aos tribunais, traduzido na pendência da acção até à decisão final, já
estaria plenamente assegurado sem qualquer exigência do pagamento antecipado da
totalidade das custas devidas em conformidade com o valor da acção.
Porém, mais uma vez, esta solução não permite a resolução cabal dos
constrangimentos financeiros ditados pelo valor da acção, uma vez que,
sobrevindo a perda total da demanda pela recorrente, aqueles se podem reacender
com a elaboração da conta final e com a exigibilidade do pagamento da totalidade
das custas, ainda que faseado.
Sucede que o legislador ordinário também introduziu limitações ao pagamento
faseado das custas após o trânsito em julgado da decisão final sobre a causa.
Efectivamente, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais
encargos com o processo não são exigíveis as prestações que se vençam após o
decurso de quatro anos desde o trânsito em julgado da decisão final sobre a
causa (artigo 16.º, n.º 2, da Lei 34/2004).
Isto significa que, a partir de certo valor, o qual variará em função do
rendimento disponível do beneficiário, que determina o montante da prestação
mensal a pagar, este sempre acabará por não pagar a totalidade das custas
devidas em abstracto, por referência ao valor da acção.
Na pendência da acção ele apenas está obrigado a pagar as prestações mensais
fixadas de acordo com o seu rendimento disponível, até que atinjam o quádruplo
do valor da taxa de justiça inicial, a qual tem o limite máximo de 12 UC.; e
após o trânsito em julgado da decisão final sobre a causa, apenas está obrigado
a pagar aquelas prestações durante um período de quatro anos.
Assim, o cidadão que tenha o rendimento disponível máximo para poder beneficiar
de apoio judiciário, na modalidade de pagamento das custas faseado, ou seja o
equivalente ao dobro do salário mínimo nacional (alínea c), do n.º 1, do
capítulo I, do Anexo à Lei n.º 34/2004), pode pagar as custas de que seja
devedor em prestações mensais, no montante de € 313,44, tendo em consideração o
actual valor do salário mínimo nacional geral (alínea b), do capítulo II, do
Anexo à Lei nº 34/2004). Como apenas está obrigado a pagar tais prestações, no
decurso do processo, com valor superior a € 250.000, até ao montante máximo de €
4.608 (artigo 27.º, n.º 1, do C.C.J., e artigo 13.º, da Portaria n.º
1085-A/2004), e após o seu termo, até ao montante máximo de €. 15.045,12 (artigo
16.º, n. 2, da Lei n.º 34/2004), por mais elevado que seja o valor da acção em
que intervém, nunca lhe poderão ser exigidas custas em valor superior a €
19.653,12, a pagar faseadamente, em prestações mensais de € 313,44.
Tudo isto serve para concluir que o legislador ordinário não deixou de ser
sensível aos constrangimentos financeiros decorrentes do valor da acção quando
aprovou o recente sistema de acesso ao Direito e aos tribunais, apesar de não o
introduzir como elemento a ponderar na decisão-regra de concessão de apoio
judiciário.
Nas situações em que entendeu apenas conceder o benefício do pagamento faseado
das custas, não deixou de prever o funcionamento de mecanismos que estabelecem
um limite máximo ao valor total das custas a pagar em prestações, por mais
elevado que seja o valor da acção.
Será sempre problemática a margem de liberdade de conformação do legislador em
matéria de definição do montante das taxas de justiça a pagar pelos
intervenientes processuais e de fixação dos critérios de apreciação da
insuficiência económica, mas a mesma não pode obviamente deixar de existir,
ainda que sujeita ao crivo da justiça constitucional, o qual não deverá permitir
que o cidadão, por falta de medidas legislativas adequadas, veja frustrado o seu
direito de acesso aos tribunais, devido a insuficiência de meios económicos.
O pagamento de custas é sempre uma despesa que onera o património daqueles que
recorrem aos tribunais e que não deixará de pesar mais ou menos no rendimento
disponível.
Todavia, a dispensa total de pagamento apenas deverá ser concedida aos mais
carenciados economicamente, sem prejuízo do legislador poder introduzir uma
gradação de apoios, nos quais se podem incluir o pagamento faseado das custas.
Este benefício, só por si, pode não ser suficiente para o beneficiário ter um
acesso aos tribunais sem constrangimentos relevantes, nas acções cujo valor
elevado determina o pagamento de custas de elevado montante.
Contudo, o sistema aqui em análise ao prever um conjunto de soluções que,
articuladas entre si, evitam que o valor total das custas a pagar por estes
beneficiários possa atingir montantes acima de um determinado limite, sem que
esse limite se revele manifestamente incapaz de evitar a exigência de custas que
os possa impedir de acederem aos tribunais, é suficiente para que se mostre
respeitado o direito consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da C.R.P..
Assim, impõe-se concluir que as normas constantes do Anexo à Lei nº 34/2004, de
29 de Julho, e dos artigos 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de
Agosto, na interpretação segundo a qual o valor da acção não assume qualquer
relevância na apreciação da situação de insuficiência económica para efeitos de
concessão do benefício do apoio judiciário, nos casos em que é reconhecido o
direito a esse benefício, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça
e demais encargos com o processo, não afectam o direito de acesso ao Direito e
aos tribunais consagrado no n.º 1, do art. 20.º, da C.R.P..
No mesmo sentido decidiu o acórdão n.º 36/2008, deste Tribunal.
*
Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso para o Tribunal
Constitucional interposto por A., da decisão do Tribunal do Trabalho de Bragança
proferida nestes autos em 11-5-2007.
*
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta,
tendo em consideração os critérios do artigo 9.º, do D.L. n.º 303/98, de 7 de
Outubro (artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma).
*
Lisboa, 4 de Março de 2008
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 – Votámos vencido por não podermos acompanhar o juízo de não
inconstitucionalidade que fez vencimento.
2 – De acordo com a jurisprudência firme do Tribunal Constitucional,
o legislador ordinário, podendo embora optar, na estruturação do sistema de
custas, por uma justiça mais cara ou mais barata, não pode deixar de ter “na
devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos, de modo a não tornar
incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois,
se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar incomportável ou
especialmente gravoso, violar-se-á o direito de acesso aos tribunais” (Acórdão
n.º 102/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). E isto é assim, porque
o “nosso ordenamento jurídico concebe o apoio judiciário como algo que visa
apenas garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados” (Acórdão
n.º 352/91, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim sendo, também o apoio judiciário não pode ser configurado em
termos tais que tornem impossível ou especialmente gravoso o acesso aos
tribunais, ou seja, propício, pelo âmbito escasso de concessão do respectivo
benefício relativamente ao montante exigível das custas, a demover os cidadãos
de defenderem em juízo os seus direitos e interesses legalmente protegidos.
No exercício da sua discricionariedade constitutiva, exercida dentro
de tal limite, o legislador ordinário elegeu o valor da acção como elemento
decisivamente determinante do montante das custas que são exigíveis de quem
recorre aos tribunais.
É, na verdade, com base no valor da acção que as tabelas das custas
se acham conformadas, aumentando em função do seu valor até a um limite máximo
(art.º 27.º, n.º 1, do C. C. Judiciais).
Pois bem, o apoio judiciário, na modalidade de dispensa, total ou
parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo ou de pagamento
faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo [art.ºs 16.º, n.º1,
alíneas a) e d), da Lei n.º 34/2004], traduz uma concretização do dever do
Estado de assegurar os meios tendentes a evitar a denegação de justiça por
insuficiência de meios económicos ínsito no direito fundamental de acesso aos
tribunais consagrado no art.º 20.º, n.º 1, da Constituição.
Trata-se, assim, de uma medida “prestacional” que necessariamente
tem de operar por referência ao concreto sistema de custas construído pelo
legislador ordinário, porquanto o grau de insuficiência económica que
concretamente importa relevar é exactamente aquele que corresponde ao montante
das custas exigíveis decorrentes do sistema de custas elegido.
É necessariamente por referência às custas exigíveis que o
legislador terá de efectuar o juízo de insuficiência económica para as suportar.
Não obstante este referente necessário e de o mesmo haver sido
construído com base no valor da acção, o que se verifica é que o legislador
ordinário, na conformação do sistema do apoio judiciário aqui em causa, se
desligou completamente dele ou de elemento de efeito equivalente para aferir da
insuficiência de o suportar.
Na verdade, de acordo com o Anexo constante da Lei n.º 34/2004, quer
a insuficiência económica para suportar as custas quer o cálculo do montante da
prestação mensal na modalidade de pagamento faseado, são aferidos em função do
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica e do salário mínimo
nacional.
Ora, estas realidades normativas e empíricas, tal como foram
delineadas, são absolutamente estranhas ao valor das custas exigíveis, tanto
valendo para uma acção de 8 como de 80, como, consequentemente, para custas que
são pagas em duas prestações como para custas a pagar em 48 prestações mensais.
Na verdade, o legislador ordinário construiu o conceito de
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica e o processo da sua
determinação (este constante da Portaria n.º 1085-A/2004) em termos tais que são
adequados apenas para apurar uma capacidade geral de pagar quaisquer bens ou
serviços públicos, tenham estes ou não por função satisfazer direitos e
necessidades fundamentais, como as que estão aqui em causa, e independentemente
do valor que tenham esses bens (aqui expresso no montante das custas).
O resultado do sistema de apuramento recortado pelo legislador
ordinário para determinar a insuficiência económica poderá ser aplicado com
relação a quaisquer bens públicos, como os cuidados da saúde, acesso à educação,
acesso à justiça, etc., etc.
Logo por aí se constata que o sistema de apoio não se encontra
especificamente, sob o ponto de vista material, conformado para apurar a
capacidade de pagar as custas que são factor do valor da acção.
E é assim porque o legislador, na construção desse conceito de
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, entra em linha de conta
apenas com o rendimento líquido completo do agregado familiar e com deduções de
encargos com necessidades básicas do agregado familiar e com a habitação do
mesmo agregado, sendo que as deduções com encargos para as necessidades básicas
estão, elas próprias, estabelecidas em coeficientes que estão indexados ao
próprio rendimento e o mesmo se passando, essencialmente, no que respeita aos
encargos com a habitação (art.ºs 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004).
Deste procedimento de determinação da insuficiência está ausente
qualquer consideração relativa ao montante das custas, cuja ponderação prévia
influencia decisivamente a decisão do cidadão de recorrer a juízo para fazer
valer os seus direitos.
Trata-se, assim, de um critério normativo manifestamente inidóneo
para o fim concreto em vista.
E essa inidoneidade é tanto mais evidente quanto se constata que os
factores que são estabelecidos pelo legislador para aferir do montante dos
encargos relevantes (com necessidades básicas e da habitação), independentemente
de estarem indexados matematicamente ao rendimento líquido do agregado familiar
(o que denota logo a sua natureza abstracta), especificam valores cuja
correspondência com a realidade económica da generalidade das pessoas não se
acha minimamente demonstrada.
A única conexão que existe com a realidade é assegurada apenas pela
sua ligação ao rendimento real e ao número de elementos do agregado familiar.
Por outro lado, os coeficientes de dedução para despesas que foram
fixados pelo legislador encontram-se claramente desligados da realidade
económica e social.
É que se torna impossível, a qualquer cidadão, viver com a dignidade
reclamada pela sua condição humana apenas com os valores que o legislador
considera como relevantes nas deduções.
A isto acresce que o legislador despreza, ainda, para o efeito do
apuramento do rendimento relevante, outros gastos, para além dos relativas às
necessidades básicas e de habitação, a cuja realização os cidadãos se encontram
muitas vezes obrigados por causas legais ou contratuais, como as despesas já
assumidas com a compra de veículo, despesas com a saúde, alimentos devidos a
pessoas fora do agregado familiar, educação, etc., desconsideração esta que, em
relação a algumas despesas, já foi julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional (cf. Acórdãos n.º 46/2008, n.º 125/08, n.º 126/2008 e 127/08,
todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ademais, não pode, também, ignorar-se que o legislador ordinário, ao
fixar o salário mínimo nacional, se move dentro de parâmetros completamente
distintos: nesse domínio, o que está em causa é saber quanto é que a economia
pode suportar com a despesa em salários e qual é o mínimo necessário para viver
com a dignidade própria da natureza humana.
Representando esse factor valorações ou ponderações mínimas do
legislador, para o efeito de remuneração do trabalho, não se vê que dele possa
inferir-se uma capacidade que se mantenha constante para suportar as despesas do
pleito, com desprezo pelo seu montante e pelo tempo pelo qual dura esse esforço,
dentro do limite máximo de quatro anos (art.º 16.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004)
(“o pobre poderá pagar 7 mas não 70 vezes 7”).
Finalmente, é de anotar, ainda, que, não obstante partir da
consideração da capacidade da generalidade das pessoas para pagar custas, o
legislador do benefício do apoio judiciário não relevou para este efeito o
salário médio dos cidadãos mas antes, de forma incongruente, o salário mínimo
dos cidadãos.
Sustenta o acórdão que o sistema contempla soluções normativas que
acautelam o perigo de pagamento de custas judiciais excessivas, enunciando-as
sob cinco alíneas, bem como limitações aos pagamentos devidos por quem goza do
apoio judiciário.
Todavia, aquelas soluções não reflectem qualquer ponderação relativa
à capacidade de pagar as concretas custas.
Elas respeitam, antes, ao momento de “equilíbrio” entre o valor das
custas e o do valor do serviço público de administração de justiça que é
reclamado pela natureza de taxa do tributo que está em causa. Daí que valha para
todos os sujeitos que paguem as taxas devidas pela utilização do serviço público
ou seja, elas assentam na capacidade geral dos cidadãos de pagarem a taxa de
justiça tida por sinalagma do valor do serviço prestado.
Por outro lado, se é certo que nos art.ºs 13.º e 16.º, n.º 2, da
Portaria n.º 1085-A/2004, o legislador estabelece limites ao pagamento de
custas, de que apenas beneficiam quem goza de apoio judiciário, não poderá
desconhecer-se que essas custas se constituíram em função de um parâmetro
material completamente diferente do que ilumina o regime de apoio judiciário.
É que no regime das custas se atende à capacidade da generalidade
dos cidadãos e não à dos carenciados, mas é pela medida daqueles que estes
acabam por ter de as pagar.
Quer dizer, o legislador acaba por relevar o valor da acção, mas de
forma negativa.
O devedor que goze de apoio judiciário paga prestações que são
determinadas apenas em função da sua capacidade geral de pagar, e sem qualquer
consideração do valor das custas (e da acção), mas o esforço concreto do
pagamento que é lhe é pedido fica, porém, dependente do valor das custas e,
decorrentemente, da consideração de uma capacidade geral de suportar taxas que
não tem.
Donde resulta que as pessoas com igual insuficiência acabam por ter
de pagar montantes concretos diferentes das custas apenas porque são diferentes
os valores das acções.
Depois, há que acentuar que a medida consagrada no art.º 13.º não
tem o relevo que se lhe pretende atribuir: primeiro, porque, consubstanciando
apenas uma suspensão dos pagamentos mensais, não se repercute no montante total
das custas a pagar, e, depois, porque o sistema de pagamento faseado se acha
delineado como mera garantia do Estado pelo eventual crédito futuro das custas,
na medida em que as prestações a que se refere não dizem respeito às custas
finais da acção mas às custas prováveis, caso o litigante as tenha de pagar à
face das respectivas regras processuais.
Assim sendo, resulta claramente do exposto que, tendo o legislador
configurado o sistema das custas segundo a capacidade de as pagar por parte da
generalidade dos cidadãos e em função do valor da acção viola manifestamente o
princípio da proporcionalidade, nas suas dimensões de princípio da adequação e
de “justa medida” (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 2007, pp. 392-393), não relevar, na determinação
da insuficiência económica do requerente do apoio judiciário, segundo os termos
constantes do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e dos art.ºs 6.º a 10.º
da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, o mesmo factor do valor da acção,
enquanto determinante do montante das custas pelas quais pode vir a ser
responsável e a ter de pagar.
Benjamim Rodrigues