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Processo n.º 6/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
A., S.A. interpôs recurso de revista de um acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa que declarara que a autora, B., era trabalhadora por tempo indeterminado
da ré A., S.A. desde 3 de Janeiro de 2005, sendo ilícito, por não ter sido
precedido de processo disciplinar, o seu despedimento, tendo, consequentemente,
condenado a mesma ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho com as
funções e antiguidade que deteria se não tivesse ocorrido o despedimento e a
condená-la a pagar as retribuições vencidas até à decisão final e as vincendas
até à efectiva reintegração.
Nas alegações da revista, concluiu assim A., S.A., para o que agora releva (cfr.
fls. 17 e seguintes):
[…]
J – A consequência que em virtude do acórdão ora Recorrido se imputou à
Recorrente fixa-se muito para além de quaisquer limites admissíveis à luz dos
mais elementares princípios de direito, Visou-se e conseguiu-se efectivamente
imputar de forma inadmissível à ora Recorrente as vicissitudes de um contrato
que, intencional ou negligentemente, foram sem sombra de dúvidas provocadas por
um comportamento da R. C. SA que, a configurar-se como ilícito, não pode senão
responsabilizar ela própria. Desconhecem-se quaisquer razões de justiça que
desta forma injustificada permitam, conscientemente, punir uma entidade, uma
empresa, pelo comportamento ilícito intencional ou negligentemente assumido por
outra, mais a mais, quando a principal prejudicada nem sequer responsabilidade
fiscalizadora tinha, teve ou tem para neste domínio. Nas palavras do ilustre
Professor Dr. Pedro Romano Martinez se encontre melhor razão, quando refere,
‘Não sendo observada a forma escrita ou faltando a indicação do motivo que
justifica a celebração do contrato, remete-se para a conversão em contrato sem
termo (...) não se esclarecendo contudo quem fica vinculado por este negócio
jurídico.” Mais adiantando que “Diferentemente do disposto nos artigos 11°, n.°
4, e 16°, n.° 3, da LCT, onde se comina que o contrato sem termo se considera
celebrado entre o trabalhador e o utilizador, no artigo 19°, n.° 2, da LCT fica
em aberto o sentido da estatuição legal, devendo entender-se que o vínculo se
consolida entre a ETT e o trabalhador, pois não seria curial responsabilizar o
utilizador por factos de que não é imputável.”
L – Não só pouco curial seria, como, segundo pensamos, se poderia até situar
para além dos limites da própria legalidade porquanto, não existindo expressão
legal claramente fixada nesse sentido, seria no mínimo controverso forçar uma
parte a ‘aderir” à manifestação de uma vontade contratual que não foi por si
emitida, recepcionada e até, por vezes, conhecida. Conforme refere o ilustre
Professor Dr. Monteiro Fernandes,
“A sanção mais significativa para a inobservância de tais condições é a que
corresponde à «atipiciade» do trabalho temporário, como esquema contratual de
utilização da força de trabalho, no quadro das valorações que continuam a
prevalecer no nosso ordenamento laboral. Essa sanção consiste na consideração
legal da existência de contrato de trabalho de duração indeterminada.
Na maioria das situações, esse contrato ligará o trabalhador à entidade
utilizadora: são os casos do prosseguimento do trabalho ao serviço desta, por
mais de dez dias além da cessação do contrato de utilização (art. 10°), da falta
de contrato de utilização escrito ou da omissão dos motivos da sua celebração
(art. 11°), da celebração de contrato de utilização com empresa de trabalho
temporário não autorizada (...)
O contrato sem termo considera-se existente entre o trabalhador e a empresa de
trabalho temporário quando a cedência é feita sem contrato de trabalho
temporário (art. 17º), ou quando este é celebrado sem indicação do motivo
justificativo (art. 19°)”
M – Não pode a Recorrente, neste domínio e considerado que seja tudo o que infra
se expôs, deixar de afirmar que a conversão do contrato de trabalho temporário,
porque de uma conversão se trata efectivamente, não pode deixar de se
estabelecer entre a empresa de trabalho temporário, aqui a R. C. SA e a
trabalhadora Recorrida, conforme suporta jurisprudência recente do próprio
Tribunal da Relação de Lisboa, acima claramente evidenciada”.
A autora e então recorrida, B., contra-alegou (cfr. fls. 30 e seguintes),
formulando as seguintes conclusões:
“1 Os motivos justificativos dos contratos de trabalho temporário celebrados
entre a recorrida e a C. são insuficientes, vagos e falsos.
2. A motivação apresentada, além de falsa, omite os factos e circunstâncias
concretas que justificam o recurso à contratação excepcional de trabalhadores.
3. O contrato de trabalho temporário, datado de 3/01/2005, não respeitou os
formalismos exigidos pelo Decreto-Lei n.° 358/89, razão por que deve ser
considerado um contrato de trabalho por tempo indeterminado que vincula a
recorrida à recorrente.
4. A recorrente foi a responsável pela indicação dos motivos presentes naquele
clausulado, tentando iludir as disposições legais que regulam a contratação a
termo.
5. Só a recorrente tem meios, estrutura organizativa e funções compatíveis com a
categoria e natureza da actividade desempenhada pela recorrida que permite a
real efectivação do seu direito à reintegração.
6. A cessação do contrato sub judice configura um despedimento ilícito, porque
não foi precedido do necessário processo disciplinar.
7 A celebração abusiva de 101 contratos de trabalho a termo e temporário, no
período compreendido entre 17 de Maio de 1999 e 7 de Fevereiro de 2005 atenta,
gravemente, contra a dignidade da pessoa humana que é a trave mestra da
“Constituição do Trabalho” e do Estado de Direito Democrático (arts. 1º. e 2.°
da CRP)”.
Por acórdão de 17 de Outubro de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu a
revista e, em consequência, absolveu A., S.A. dos pedidos que haviam sido
formulados pela autora, pelos seguintes fundamentos (cfr. fls. 43 e seguintes):
“[…]
4. No caso sub specie, os diversos contratos a termo celebrados entre a
recorrida autora e a recorrente Empresa-A e, bem assim, os contratos de trabalho
temporário celebrados entre a primeira e as empresas de trabalho temporário
Empresa-C, S.A., e Empresa-B, S.A., encontram-se documentados nos autos,
constando da matéria de facto assente as cláusulas apostas nos primeiros, que
intentavam justificar os motivos da contratação a termo, e as menções exaradas
nos segundos, também apostas ao jeito de justificação dos motivos da respectiva
celebração.
O que, talqualmente sucedia na situação apreciada pelo Acórdão de 6 de Dezembro
de 2006, não se encontra documentado são os contratos de utilização de trabalho
temporário celebrados entre as empresas de trabalho temporário e a ré.
Como deflui da transcrição supra efectuada, naquele citado acórdão, este Supremo
Tribunal concluiu, a dado passo, que, embora a falta do motivo da contratação
determinasse que o contrato de trabalho temporário se considerasse por tempo
indeterminado, por força do n.º 2 do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17
de Outubro, que remetia para o n.º 3 do artigo 42º do Regime Jurídico da
Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do
Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de
Fevereiro, essa consequência não se repercutia directamente na relação jurídica
titulada pelos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre a
empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora do trabalho; e isso
porque, não se encontrando esses contratos documentados nos autos nem sendo eles
referenciados na matéria de facto dada como assente, não se podia extrair, em
face da factualidade então assente, que os contratos de utilização de trabalho
temporário estavam, também eles, feridos de invalidade por falta de motivação.
E isso, realçou-se no mesmo acórdão, conduzia a uma decisão diversa da tomada no
Acórdão de 13 de Julho de 2005, proferido na Revista n.º 1173/2005 (o qual se
encontra disponível em www.dsgi.pt sob o n.º de documento SJ200507130011734),
pois que, nos autos em que foi prolatada tal decisão, estavam documentados os
contratos de utilização de trabalho temporário, pelo que, acrescenta-se agora,
era possibilitada a aferição dos motivos que levaram especificamente ao negócio
jurídico celebrado entre duas das partes da «relação tripartida» do trabalho
temporário, justamente a empresa de trabalho temporário e o utilizador desse
trabalho.
Ora, também aqui nos postamos em idêntica situação. E, não se lobrigando motivos
para dissentir do decidido nesse particular no Acórdão de 6 de Dezembro de 2006,
se concluirá de idêntico jeito, obviamente com referência aos contratos de
trabalho temporário invocados pela autora e enunciados na matéria fáctica tida
por demonstrada em que apenas se faz mera alusão a «acréscimo temporário ou
imprevisto de actividade», «acréscimo temporário de tráfego» ou «acréscimo
temporário de tráfego (pagamento de vales)», já que essas alusões são
manifestamente insuficientes para uma densificação ou menção concreta dos factos
e circunstâncias elencados no n.º 1 do artigo 41º da LCCT, e que, por via da Lei
n.º 38/96, de 31 de Agosto, se veio a interpretar autenticamente por sorte a que
as indicações dos motivos justificativos da celebração do contrato (a termo) só
serem atendíveis se se mencionassem concretamente os factos e circunstâncias
integradores desses motivos.
5. O acórdão da Relação de Lisboa agora impugnado, entendeu, porém – após aferir
da validade dos contratos de trabalho temporário celebrados entre a autora e as
empresas de trabalho temporário, e concluindo pela não ocorrência dessa validade
em relação a muitos deles (precisamente com base na falta de indicação concreta
dos factos e circunstâncias integradores dos motivos da contratação da autora,
já que, ao fim e aos resto, se limitaram praticamente a fazer uma mera menção da
expressões utilizadas na lei) –, que a invalidade se havia de repercutir, não
nas empresas de trabalho temporário (mais concretamente na Empresa-B, aliás como
foi decidido na 1ª instância, em face de um dos pedidos formulados pela autora
na petição inicial) – repercussão essa em termos de vir a ser entendido haver um
contrato sem termo –, mas sim na ora recorrente Empresa-A.
Para tanto, o aresto recorrido, inter alia, socorreu-se do referido no acórdão
do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Setembro de 2006 (disponível em
www.dgsi.pt sob o n.º de documento RP2006091806612883), no qual se citaram, por
entre outros, os ensinamentos de Maria Regina Gomes Redinha em A Relação Laboral
Fragmentada, Estudo sobre o Trabalho Temporário, e Trabalho Temporário:
Apontamento sobre a Reforma do seu Regime Jurídico, in Volume I dos Estudos do
Instituto do Direito do Trabalho, 2001.
É a essa postura que, na esteira do acórdão de que grande parte se encontra
extractada, se não anui, e isso, como deflui do acima exposto, porque não
disponibilizam os autos ou a matéria fáctica a eles trazida quaisquer elementos
de onde se possa extrair o que foi mencionado nos contratos de utilização do
trabalho temporário celebrados entre a Empresa-B e os Empresa-A.
Anote-se aqui, todavia, que a autora citada no acórdão do Tribunal da Relação do
Porto, por seu turno citado pelo acórdão recorrido, refere que a “omissão dos
motivos que justificam a celebração do contrato de trabalho temporário que não
possa ser suprida pela correspondente menção do contrato de utilização, importa,
igualmente, a conversão do contrato de trabalho num contrato sem termo, mas,
desde que o trabalhador preste efectivamente a sua actividade à empresa
utilizadora, presumir-se-á a existência de um contrato de trabalho de duração
indeterminada com o utilizador, como resulta, algo contraditoriamente, da
conjugação do n.º 2 do artigo 11.º com o artigo 19.º, n.º 2”.
E é justamente a falta de dados de facto tocantes aos contratos de utilização do
trabalho temporário que levam ao juízo agora efectuado, no seguimento do que
veio a suceder no Acórdão de 6 de Dezembro de 2006.
6. Por outro lado, no vertente recurso de revista – aliás tão só interposto
pelos Empresa-A – não foi colocada a questão de dever ser operada a revogação do
acórdão recorrido em termos de vir a subsistir a decisão tomada na 1ª instância.
Vem isto a propósito das considerações, ínsitas no Acórdão de 6 de Dezembro de
2006, no ponto em que nele é vincado que, tendo sido observado que vários dos
contratos de trabalho temporários não se encontravam suficientemente
justificados, o que teria determinado que a ali autora tivesse adquirido a
qualidade de trabalhadora permanente da empresa de trabalho temporário, nos
termos do artº 19º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 358/89, o que era facto era que o
reconhecimento jurisdicional desse direito apenas podia operar no âmbito da
acção judicial que viesse a ser intentada pela autora contra a empresa de
trabalho temporário que, então, nem sequer era parte no processo, sendo que a
invalidade cometida na outorga daqueles contratos (e que eventualmente também
resultasse da celebração de contratos sucessivos) não se reflectia directamente
na relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré através dos
correspondentes contratos de utilização de trabalho temporário.
Ora, no processo de onde emergiu o presente recurso, a empresa de trabalho
temporário Empresa-B foi também demandada, vindo até, como se viu, a ser
condenada na 1ª instância a reconhecer que a autora era sua trabalhadora
permanente, em virtude da invalidade dos contratos de trabalho firmados com
esta.
Simplesmente, em face da apelação interposta da sentença tomada pela 1ª
instância, essa decisão foi revogada pelo acórdão agora em crítica, não vindo,
como se disse, impostada na revista a subsistência da decisão daquela primeira
instância, sendo certo que, nesse ponto, poderia ter havido recurso subordinado
por banda da autora.
7. Dar-se-á, também, nota do seguinte:
Da matéria de facto tida por assente resulta que, após a entrada em vigor da Lei
nº 18/2001, de 3 de Julho, ocorrida 30 dias após a sua publicação (cfr. seu artº
4º), celebrou a ré Empresa-A, em 3 de Maio de 2004 e com a autora, o contrato a
termo certo, por cento e oitenta dias, sendo que os demais, a termo certo ou
incerto, outorgados entre ambas são datados antes da ocorrência da vigência
daquele diploma (reportamo-nos aos contratos de 19 de Maio de 1999, 29 de
Outubro de 1999, 3 de Maio de 2000 e 2 de Maio de 2001).
Ora, de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, de que dá nota o
Acórdão de 6 de Dezembro de 2006, não contendo aquela Lei nº 18/2001 normativos
transitórios que delimitem a sua vigência quanto aos efeitos da nova regulação
às relações jurídicas que subsistiam aquando da sua entrada em vigor, haverá,
para se saber desses efeitos, que recorrer aos critérios de aplicação da lei no
tempo constantes do artº 12º do Código Civil; e, assim, à míngua de normação
consagradora de eficácia retroactiva, deverá entender-se que os efeitos da
regulação daquela Lei só se poderão aplicar para o futuro.
Daí que o desencadeamento de efeitos do artº 41º-A (e, no que ora releva, do seu
nº 1) introduzido na LCCT pela dita Lei, só possa ser aplicado às relações
jurídicas constituídas após a entrada em vigor da Lei nº 18/2001.
Não tendo, pois, os contratos de 19 de Maio de 1999, 29 de Outubro de 1999, 3 de
Maio de 2000 e 2 de Maio de 2001, sido celebrados no domínio da Lei nº 18/2001,
não poderá cobrar âmbito de aplicação o citado artº 41º-A, já que, em tal
domínio, apenas foi outorgado o contrato datado de 3 de Maio de 2004, não dando
os autos qualquer notícia de outros contratos celebrados entre as mesmas partes
– autora e ré Empresa-A – após a vigência de tal Lei.
[…].
Deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça interpôs B. recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, nos seguintes termos (cfr. fls. 82 e seguintes):
1. (…)
1. Na fundamentação recorrida, o STJ afirma que:
“embora a falta do motivo da contratação determinasse que o contrato de trabalho
temporário se considerasse por tempo indeterminado, por força do n.º 2 do artigo
19.º do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que remetia para o n.° 3 do
artigo 42º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e
da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a termo aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, essa consequência não se repercutia
directamente na relação jurídica titulada pelos contratos de utilização de
trabalho temporário celebrados entre a empresa de trabalho temporário e a
empresa utilizadora do trabalho
2. Salvo o devido respeito, esta interpretação não se harmoniza com o princípio
da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República
Portuguesa (CRP), sendo, por isso, inconstitucional.
(…)
3. Desde logo, foi a empresa utilizadora “CT’T” que comunicou à “C.” as
necessidades temporárias e transitórias que permitiam o recurso à contratação da
recorrente quando, na realidade, bem sabia que esta foi contratada para
satisfazer as suas necessidades permanentes e que aqueles motivos invocados para
a sua contratação são manifestamente falsos!
Neste caso, o STJ nem sequer colocou a hipótese da reintegração do trabalhador
na empresa de trabalho temporário uma vez que, obviamente, é a utilizadora quem
informa a empresa de trabalho temporário da necessidade da contratação e
respectiva justificação, devendo, por isso, aquela ser responsabilizada pelo
carácter vago, insuficiência ou falsidade dos motivos invocados.
Acresce que nas situações de celebração de contratos de trabalho temporário com
fundamento na substituição de trabalhadores, a empresa utilizadora “A.” teve o
cuidado de indicar à “C.”, com rigor, quais os trabalhadores que a recorrente
iria substituir, bem como os motivos subjacentes a essa substituição Ao invés,
nas situações em que a apelante foi satisfazer necessidades permanentes da
empresa utilizadora “A.”, tendo perfeita consciência da falsidade do motivo
justificativo, limitou-se a informar a “C.” que se tratava de um “acréscimo
temporário de tráfego”.
(…)
4. Se o STJ entende que o motivo que justifica a contratação é nulo, conforme se
verifica no caso sub judice, então estamos perante a celebração de um contrato
de trabalho temporário nulo, ao arrepio dos preceitos legais que regulamentam a
sua celebração. Por isso, esclarece o n.° 5 do artigo 18.° do referido diploma
legal que “o trabalhador cedido a um utilizador sem estar vinculado à empresa de
trabalho temporário por contrato celebrado nos termos do n.° 2 do artigo 17.º ou
por contrato de trabalho temporário considera-se vinculado àquela empresa
mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado”.
Como é óbvio, o legislador quando explicita “àquela empresa” pretende referir-se
à empresa utilizadora.
5. Mais ainda, na decisão recorrida, transcreve-se parcialmente um acórdão do
Tribunal da Relação do Porto, segundo o qual “a omissão dos motivos que
justificam a celebração do contrato de trabalho temporário que não possa ser
suprida pela correspondente menção do contrato de utilização, importa,
igualmente, a conversão do contrato de trabalho num contrato sem termo, mas
desde que o trabalhador preste efectivamente a sua actividade à empresa
utilizadora, presumir-se-á a existência de um contrato de trabalho de duração
indeterminada com o utilizador, como resulta, algo contraditoriamente, da
conjugação do n.° 2 do art. 11.° com o art. 19º, n. 2. Contudo, argumenta o STJ
que “não disponibilizam os autos ou a matéria fáctica a eles trazida quaisquer
elementos de onde se possa extrair o que foi mencionado nos contratos de
utilização do trabalho temporário celebrados entre a C. e os A.” para decidir a
não integração da apelante na empresa utilizadora.
Este entendimento viola o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva,
previsto no art. 20.° da CRP.
Com efeito, a recorrente fez prova plena da insuficiência dos motivos
justificativos que levaram à sua contratação.
De resto, a falsidade ou inexistência desses motivos deve ser imputável à
empresa utilizadora A., porquanto foi ela quem os indicou à empresa de trabalho
temporário C.. Por isso, é chocante afirmar-se que não foram juntos aos autos os
contratos de utilização e, por isso não ter sido decidida a reintegração da
recorrente na empresa utilizadora. Se alguém tinha interesse em demonstrar a
veracidade dos preditos motivos justificativos era a empresa utilizadora ou a
empresa de trabalho temporário.
Efectivamente, não se compreende a decisão de recusar a reintegração da
recorrente na empresa utilizadora, pelo facto de tais documentos não terem sido
juntos, uma vez que esta junção era um ónus das empresas.
Tal junção era um ónus das empresas e não da recorrente. Esta decisão, além de
chocantemente injusta, contraria o direito de acesso à tutela jurisdicional
efectiva, previsto no art. 20° da CRP, sendo por isso inconstitucional.
6. Por outro lado, a decisão recorrida atenta contra a dignidade da pessoa
humana, que é a trave mestra do nosso Estado de direito democrático (arts. 1.º
2.° da CRP). Ao longo de seis anos de exercido de funções, em exclusivo, para a
empresa utilizadora, a recorrente foi obrigada a celebrar 101 contratos de
trabalho, quer com esta, quer com várias empresas de trabalho temporário por si
indicadas!
7. O Acórdão do STJ em apreço, desresponsabiliza as empresas utilizadoras,
permitindo a exteriorização do emprego de uma forma quase selvagem. Ao invés do
Acórdão recorrido, o legislador pretendeu responsabilizar ambas as empresas pelo
cumprimento rigoroso das formalidades previstas no diploma, com vista a reforçar
os objectivos de “clarificação e protecção social”, definidas no preâmbulo da
lei do trabalho temporário. De contrário, verificar-se-ia um vazio no tocante às
consequências previstas para a nulidade dos contratos de trabalho temporário.
8. De facto, a recorrida foi eximida de qualquer responsabilidade não obstante
ter beneficiado do trabalho da recorrente desde 1999.
No caso vertente, a empresa utilizadora “A.” teve uma atitude negligente face à
relação triangular que estabeleceu, procurando, apenas, usufruir das vantagens
retiradas a partis da utilização do trabalho temporário, sem, para tal, se
preocupar com as condições em que o mesmo era prestado, designadamente, com a
licitude do contrato de trabalho celebrado entre o trabalhador e a empresa de
trabalho temporário, por si contratada.
9. Este caso paradigmático não pode ser compreendido através da análise
casuística de cada contrato, antes deve ser interpretado à luz dos princípios
fundamentais da nossa constituição laboral, maxime a dignidade do trabalhador e
a segurança no emprego, conforme foi sucessivamente invocado nas alegações da
recorrente para o TRL e STJ.
Este Supremo Tribunal, não logrou descortinar a inaudita “floresta” dos 101
contratos, quedando-se pela análise de cada um...
10. Atentas as sobreditas inconstitucionalidades laborais, vem, ao abrigo do
disposto nos arts 280º, n.º 1 al. b) da Constituição da República, 70º, nº 1,
al. b), 72º, nºs 1 al. b( e 2 e 75ºA, estes da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
com a redacção introduzida pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, requerer a
V. Exª se digne admitir o presente recurso, seguindo-se a ulterior tramitação
prevista nos arts 76º e seguintes da mesma Lei.
O recurso de constitucionalidade não foi, porém, admitido, por despacho de 9 de
Novembro de 2007, pelos seguintes fundamentos (cfr. fls. 89 e seguintes):
[…]
Fundando-se o recurso na mencionada alínea b) do n.° 1 do art° 70° da Lei n°
28/82, de 15 de Novembro, mister é, inter alia, que quem nele se apresente como
impugnante tenha, precedentemente à prolação da decisão judicial querida colocar
sob a censura do Tribunal Constitucional, suscitado a questão da desarmonia
constitucional da norma ou das normas cuja sindicância pretende que seja
efectivada por aquele órgão de administração de justiça, sendo que, se essa
norma ou essas normas resultarem de um processo interpretativo incidente sobre
determinados preceitos, deverá ser indicado qual o sentido ou dimensão normativa
questionada.
Exige-se, outrossim, que a norma ou as normas sindicadas tenham, com esse
preciso sentido ou com essa precisa dimensão, sido objecto de aplicação na
decisão recorrenda.
Por outro lado, objecto dos recursos visando a fiscalização concreta da
constitucionalidade normativa são normas ínsitas no ordenamento jurídico
ordinário e não outros actos emanados do poder público como, verbi gratia, as
decisões judiciais qua tale consideradas.
No caso em apreço, não se lobriga, na resposta à alegação produzida na revista
pela recorrente A., SA., e resposta essa ao tempo apresentada pela agora
impugnante, a suscitação de qualquer questão de desarmonia constitucional
reportada a um qualquer sentido normativo de preceitos cuja violação era,
naquela alegação, sustentada pela então recorrente A..
Ainda por outra banda, atentando-se no requerimento de interposição de recurso
em apreço, o que do mesmo resulta é que é o aresto de que se pretende fazer
impugnação que enferma do vício de desacordo com a Lei Fundamental, o que,
aliás, se torna nítido pelo que é escrito no segundo parágrafo do item 5 e no
item 6 daquele requerimento, como se verifica do extracto supra efectuado.
Anote-se, no que àquele último item 6. concerne, que aquilo que o acórdão agora
intentado recorrer sublinhou foi que não era possível impostar-se a questão de
saber se haveria de subsistir a decisão tomada pela sentença da lª instância -
isto é, ser a então ré C. (Empresa de Trabalho Temporário), SA., condenada a
reconhecer que a autora B. era sua trabalhadora permanente —, já que essa
sentença fora revogada pelo acórdão lavrado na 2.ª instância e deste não fora,
subordinadamente, interposto recurso de revista pela mesma autora, ora
recorrente.
Ora, como se viu acima, não podendo as decisões judiciais constituir objecto do
recurso de apreciação da constitucionalidade, também por aqui não é possível
concluir-se da propriedade da impugnação ora desejada.
Adite-se, ainda, que no requerimento de interposição de recurso agora em análise
não é feita a concretização dos sentidos normativos que se reputam insolventes
do ponto de vista da sua conformidade constitucional.
Obtemperar-se-ia a isso, que, lançando-se mão do prescrito no n.° 5 do artigo
75°-A da Lei n.º 28/82, poderia, porventura, a ora impugnante vir a clarificar
aquele específico aspecto.
Simplesmente, um tal convite representaria um acto inútil, pois que, pelos
motivos já indicados, o recurso querido interpor não é cabido; e, sendo assim,
ainda que viessem a ficar formalmente explicitados ou clarificados os sentidos
normativos, sempre o recurso, pelas avançadas razões, não seria admissível. Daí
a inutilidade da feitura do convite a que se reporta aquele n.° 5 do artigo
75°-A.
Em face do exposto, não admito o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional.
Notificada do despacho de 9 de Novembro de 2007, dele reclamou B. para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal
Constitucional, pelos seguintes fundamentos (fls. 2 e seguintes):
1. Pelo despacho reclamado, não foi admitido o recurso para o Tribunal
Constitucional, com o argumento de que se prendia impugnar o aresto, senda que
“as decisões judiciais não podem constituir objecto do recurso de apreciação da
constitucionalidade”.
Como é óbvio, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar o mérito de
determinada decisão judicial, ainda que chocantemente injusta.
2. Por isso, logo no ponto 1. do seu requerimento, a ora reclamante, após ter
citado parcialmente o douto Acórdão recorrido, designadamente, a interpretação
do “n.° 2 do artigo 19º do Decreto-Lei n.° 358/89, de 17 de Outubro (...) sobre
a conversão do contrato de trabalho temporário em contrato por tempo
indeterminado por falta do motivo da contratação e a sua alegada não
repercussão, “na relação jurídica titulada pelos contratos de utilização de
trabalho temporário celebrados entre a empresa de trabalho temporário e a
empresa utilizadora do trabalho”, invoca ‘expressis verbis” que esta
interpretação não se harmoniza com o princípio da segurança no emprego
consagrado no artigo 53.° da Constituição da República Portuguesa (CRP). sendo,
por isso, inconstitucional.
3. Deste modo, não há dúvida que a reclamante suscitou a questão da desarmonia
constitucional da interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no caso
sub judice, com a norma ínsita no artigo 53.° da CRP, recorrentemente, invocado
ao longo deste penoso e ziguezagueante processo judicial.
4. Assim sendo, forçoso será concluir que o despacho em apreço viola o disposto
no artigo 70°, n.° 1, alínea b), da LTC, segundo a qual cabe recurso para o
Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos Tribunais (...) que
apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo”.
5. Nos pontos subsequentes, a reclamante argumenta ainda que a sobredita
interposição do STJ não respeita o princípio matricial da dignidade da pessoa
humana, que é a trave mestra do nosso Estado de direito democrático (arts. 1º
2º da CRP).
Efectivamente, tal entendimento legitimaria a desresponsabilização das empresas
utilizadoras pela precarização selvagem do trabalho que, in casu, se traduziu na
celebração de 101 contratos de trabalho temporário e a termo, apenas, num
período de 6 anos.
6. Ademais, a reclamante não considera que o convite previsto no n.° 5 do art.
75°-A da LTC seria inútil. Diferentemente, considera que o despacho reclamado
viola o disposto neste preceito, bem como o direito de acesso ao Tribunal
Constitucional.
In casu, a interpretação excessivamente formalista do STJ redundaria numa
gritante injustiça. Summum jus, suma injuria!
7. Pelo exposto, deve ser julgada procedente a presente reclamação, admitindo-se
o recurso, oportunamente, interposto para o Tribunal Constitucional, como é de
direito e de toda a Justiça!
A., S.A. respondeu a esta reclamação, sustentando que a mesma devia ser
desatendida (cfr. fls. 7 e seguintes).
O representante do Ministério Público junto do Tribunal pronunciou-se no sentido
da improcedência da reclamação, nos seguintes termos (cfr. fls. 97 v.º e
seguinte):
A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente, já que a ora reclamante não
suscitou, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa que
só tentou delinear no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal
Constitucional.
Na verdade, confrontada com a interposição de recurso de revista por parte da ré
A. – e tendo, aliás, produzido contra-alegações no âmbito de tal recurso –
cabia-lhe o ónus de nelas ter suscitado, a título cautelar, as questões de
constitucionalidade normativa que considerasse que inquinavam a argumentação
expendida pela entidade recorrente, levando a que o Tribunal sobre elas se
pronunciasse no acórdão em que, porventura, viesse a inflectir o sentido
decisório das instâncias. Note-se que a circunstância de a parte que pretende
aceder a este Tribunal Constitucional figurar como recorrida no recurso
interposto pela parte contrária para o Supremo não a dispensa do referido ónus,
que tem oportunidade processual para cumprir no momento em que pode
contra-alegar que tal recurso, confrontado, a título subsidiário, o Tribunal com
as questões de constitucionalidade que tenha por pertinente, face a uma eventual
procedência do recurso de revista.
Deste modo, não sendo a interpretação acolhida pelo STJ qualificável como
“decisão-surpresa”, de conteúdo insólito ou imprevisível face ao objecto do
litígio, e tendo a ora reclamante plena oportunidade processual para confrontar
o Supremo com as invocadas inconstitucionalidades, antes de ser proferido o
acórdão recorrido, não se verificam efectivamente os pressupostos de
admissibilidade do recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
nº 28/82.
Cumpre apreciar.
II. Fundamentação
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a suscitação da questão de constitucionalidade, de modo
processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer (cfr., ainda, o disposto no
artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
No caso vertente, tendo a recorrente invocado, no seu requerimento de
interposição de recurso, a violação do princípio da segurança no emprego
consagrado no artigo 53º da Constituição, bem como a violação do direito de
acesso à tutela jurisdicional efectiva, constante do artigo 20º, e a violação do
princípio da dignidade da pessoa humana, decorrente dos artigos 1 e 2º, todos da
Lei Fundamental, não suscitou, no entanto, designadamente nas contra-alegações
de recurso de revista que apresentou perante o Supremo Tribunal de Justiça,
qualquer dessas questões de constitucionalidade.
Sendo certo que, tendo os A., S.A. defendido, nas alegações de revista, a
bondade da solução jurídica que veio a obter vencimento, era exigível que a ora
recorrente contrabatesse, na resposta, essa argumentação, aduzindo as
pertinentes considerações que permitissem evitar, com fundamento em
inconstitucionalidade, a prolação de uma decisão que lhe fosse desfavorável.
Não podendo, por conseguinte, afirmar-se que a decisão proferida pelo tribunal
recorrido constitui uma decisão surpresa quanto ao mérito da causa, é
inteiramente irrelevante que o recorrente tenha vindo a aduzir as faladas
questões de constitucionalidade apenas no requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, quando podia e devia tê-lo feito, desde
logo, nas contra-alegações de recurso de revista.
Poderá dizer-se que, no momento próprio, a recorrente invocou, pelo menos, a
violação do princípio da dignidade da pessoa humana, a que alude na conclusão 7º
daquela peça processual. Mas se bem se notar, a recorrente limita-se aí a
referir que «[A] celebração abusiva de 101 contratos de trabalho a termo e
temporário, no período compreendido entre 17 de Maio de 1999 e 7 de Fevereiro de
2005, atenta, gravemente, contra a dignidade da pessoa humana que é a trave
mestra da “Constituição do Trabalho” e do Estado de Direito Democrático (artigos
1º. e 2.° da CRP)», sem identificar a norma ou a interpretação normativa que,
tendo sido aplicada, pelo Tribunal da Relação, então recorrido, poderia
encontrar-se ferida do apontado vício de inconstitucionalidade. E, sendo assim,
não pode considerar-se como tendo sido devidamente suscitada a questão de
constitucionalidade.
Nestes termos, por incumprimento do ónus de suscitação das questões de
constitucionalidade, não poderia admitir-se o recurso.
Acresce que, como se depreende do teor do requerimento de interposição de
recurso, há pouco transcrito, em nenhum momento, a recorrente identifica norma
ou interpretação normativa, que, tendo sido aplicada pela decisão recorrida,
possa encontrar-se inquinada por violação de qualquer dos princípios
constitucionais a que, nesse requerimento, se faz referência.
Na verdade, a recorrente imputa a invocada violação do disposto no artigo 53º da
CRP a um certa interpretação adoptada pelo tribunal recorrido – aquela pela qual
se considera que a falta do motivo para a contratação trabalho temporário não
se repercute directamente na relação jurídica existente entre a empresa de
trabalho temporário e a empresa utilizadora do trabalho –, sem indicar qual é a
norma a que se refere uma tal interpretação, limitando-se, como tal, a formular
uma crítica quanto à posição adoptada pelo Supremo relativamente a este aspecto
da apreciação da causa (n.ºs 1 a 4 do requerimento).
Do mesmo modo, a recorrente correlaciona a pretendida violação do direito de
acesso à tutela jurisdicional efectiva com um certo entendimento formulado pelo
Supremo Tribunal de Justiça na parte em que considera que “não disponibilizam os
autos ou a matéria fáctica a eles trazida quaisquer elementos de onde se possa
extrair o que foi mencionado nos contratos de utilização do trabalho temporário
celebrados entre a C. e os A.” para decidir a não integração da interessada na
empresa utilizadora (n.º 5 do requerimento).
Por fim, alega-se que a «decisão recorrida atenta contra a dignidade da pessoa
humana» no ponto em que desconsiderou o facto de a recorrente, ao longo de seis
anos de exercido de funções, em exclusivo, para a empresa utilizadora, ter sido
obrigada a celebrar 101 contratos de trabalho, quer com esta, quer com várias
empresas de trabalho temporário por si indicadas (n.ºs 6 a 9 do requerimento).
Como bem se vê, em qualquer dos casos, a recorrente dirige o recurso contra a
própria decisão recorrida, a quem imputa as referidas inconstitucionalidades, e
não contra uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada nessa
decisão.
Sabe-se, no entanto, que o Tribunal Constitucional não possui competência para
apreciar a própria decisão recorrida, em si mesma considerada, mas apenas para
apreciar a questão jurídico-constitucional relativa à aplicação ou recusa de
aplicação de uma norma ou interpretação normativa, que, para esse efeito, carece
de ser adequadamente identificada (cfr. as várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º
da Lei do Tribunal Constitucional).
Não se verificam, por conseguinte, dois dos pressupostos do recurso de
constitucionalidade.
E no ponto em que a falta de um desses pressupostos não é sequer passível de ser
suprida, visto que se refere à oportuna suscitação da questão de
constitucionalidade, que necessariamente apenas poderia ocorrer no decurso do
processo - e, por isso, antes da prolação da decisão recorrida -, não tem
qualquer utilidade o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição
de recurso, a que alude o artigo 75º-A, n.º 5, da Lei do Tribunal
Constitucional.
Não havendo, por conseguinte, motivo para alterar o despacho de não admissão do
recurso, cuja fundamentação é de acolher.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão