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Processo n.º 45/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1.
A. apresentou, no processo, um requerimento do seguinte teor:
A., recorrente no processo à margem cotado, vem face à aliás douta decisão de 4
de Fevereiro, pedir a aclaração da mesma no segmento seguinte:
“Ora, resulta do texto do acórdão que a norma que foi aplicada como e fundamento
normativo da decisão proferida foi a do art. 401.º nº 1 alínea b) do Código de
Processo Penal e não a indicada pelo recorrente”.
Salvo o devido respeito, o recorrente já havia levantado a questão da
interpretação inconstitucional do art. 343.º n.º 3 pelo Tribunal da Relação de
Lisboa.
Será que o tribunal teve em conta esta situação?
Foi ouvido o representante do Ministério Público neste Tribunal, que respondeu à
reclamação nos seguintes termos:
1.º
A decisão reclamada é perfeitamente clara e insusceptível de dúvida quanto ao
que nela se decidir e respectivos fundamentos.
2º
Pelo que carece obviamente de sentido a “dúvida” expressa pelo ora reclamante.
2.
A 'decisão de 4 de Fevereiro' a que se refere o requerimento ora formulado por
A. é a decisão sumária proferida a fls. 3091 e seguinte dos autos, que julgou:
A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), dizendo:
“Pretende ver-se apreciada a constitucionalidade da norma do artº 374 nº 3 do
CPP na interpretação de que a sentença em 1ª instância não tem de conter o
destino dos objectos aprendidos, mormente um veículo na posse do recorrente.
E não se diga que o recorrente não tem legitimidade para tal reivindicação:
Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/5/2006, proc.
N°1571/06-5, decidiu-se além do mais, que «(III) – No que refere à perda de bens
em virtude do cometimento do crime de tráfico de estupefacientes a propriedade
dos objectos não releva. (IV) – Em tal contexto, a legitimidade para recurso,
conferida por lei ao arguido, depende apenas de dois pressupostos: ser‑lhe a
decisão desfavorável – artº 61 nº1, al b) do CPP – ou, é o mesmo, ter sido
objecto de decisão contra si proferida – artº 401 nº 1 al b) do CPP.
É que a entender-se que lhe é conferido o direito de recorrer é manifesto a
necessidade de haver sido cumprido o disposto no artº 374 nº 3 do CP, o que até
agora não foi feito.
A melhor interpretação da norma constante do artº 374 nº 3 do CPP é a que vem
claramente expressa no Código do Processo Penal e que aqui se transcreve:
3 – A sentença termina pelo dispositivo que contêm:
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime.
Os diversos Tribunais por onde o processo passou fizeram interpretação de forma
inconstitucional do disposto no 374 n°3 do CPP, porquanto aceitou que a sentença
não contivesse o destino do veículo apreendido ao recorrente.
A questão da constitucionalidade foi levantada no recurso para o Tribunal da
Relação de Lisboa (…)”.
É pressuposto, entre outros, do recurso de constitucionalidade interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a norma arguida de
inconstitucional seja aplicada pela decisão recorrida enquanto sua ratio
decidendi.
Ora, resulta do texto do acórdão recorrido (...) que a norma que foi aplicada
como fundamento normativo da decisão proferida foi a do artigo 401.º, n.º 1
alínea b) do Código de Processo Penal, e não a indicada pelo recorrente;
efectivamente, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não tomar conhecimento do
recurso em virtude da falta de legitimidade do recorrente para impugnar a
decisão proferida na Relação de Lisboa.
Ou seja, a decisão de que o interessado recorre não se pronunciou sobre o
problema relacionado com a inconstitucionalidade do artigo 374.º, n.º 3 do
Código de Processo Penal, por entender que o recorrente não tinha legitimidade
para recorrer por não ser o sujeito afectado pela decisão então em análise.
Nestes termos, resulta que a norma cuja inconstitucionalidade o recorrente
pretende suscitar não foi aplicada pela decisão recorrida enquanto sua ratio
decidendi.
Em face do exposto, decide-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A
da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
3.
A questão ora colocada ao Tribunal não traduz um pedido de aclaração, pois, na
verdade, o reclamante não denuncia qualquer obscuridade que obnubile o sentido
da decisão sumária em apreço.
Todavia, ainda que de forma deficientemente expressa, o reclamante confronta a
decisão com argumentos tendentes à sua substituição, pois alega que 'já havia
levantado a questão da interpretação inconstitucional do artigo 343.º n.º 3 pelo
Tribunal da Relação de Lisboa', declaração apenas concebível no contexto de uma
pretensão destinada a obter o prosseguimento do recurso para impugnação da dita
norma contida no aludido artigo 343.º n.º 3 do Código de Processo Penal,
diversamente do que decidiu a decisão sumária em causa que, identificando como
objecto do recurso a norma contida no artigo 374.º n.º 3 do Código de Processo
Penal, se recusara, no entanto, a dele conhecer.
Por este motivo, o pedido em análise não pode deixar de ser interpretado – e
analisado – como uma reclamação contra a aludida decisão sumária, conforme se
prevê no artigo 78º-A n.º 3 da LTC.
4.
A reclamação é, todavia, manifestamente improcedente.
Com efeito, o objecto do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC, como é o presente, fica definido no momento da interposição do recurso.
Ora, tendo em conta que o recorrente, no requerimento de interposição do
recurso, identificara como seu objecto a 'norma do artigo 374.º n.º 3 do Código
de Processo Penal na interpretação de que a sentença em 1ª instância não tem de
conter o destino dos objectos aprendidos, mormente um veículo na posse do
recorrente', deve admitir-se que o recurso apenas pode ter por objecto a dita
norma do artigo 374.º n.º 3 do Código de Processo Penal, e não outra,
designadamente aquela que o reclamante invoca de forma inovadora na presente
reclamação, contida no aludido artigo 343.º n.º 3 do Código de Processo Penal.
Assim, mesmo que esta norma tivesse sido aplicada como ratio decidendi da
decisão recorrida, e que a questão da sua desconformidade constitucional tivesse
sido adequadamente suscitada no Tribunal recorrido (e nada disso é certo), ainda
assim não seria possível incluí-la no objecto do presente recurso, dada a
delimitação já operada pelo recorrente, ora reclamante, no aludido requerimento
de interposição do recurso.
É, pois, patente a sem razão do pedido.
5.
Em consequência, decide-se indeferir a reclamação, mantendo a decisão de não
conhecimento do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
20 UC.
Lisboa, 4 de Março de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão