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Processo n.º 953/07
3ª Secção
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu a seguinte
decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A. e como recorrido
Ministério Público, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, o primeiro veio
interpor recurso de acórdão daquele, proferido em 12 de Julho de 2007 (fls. 49 a
52), que indeferiu reclamação do despacho do Ex.mo Juiz do 1º Juízo Criminal de
Viana de Castelo que não admitiu recurso de decisão que havia indeferido uma
arguição de irregularidade alegadamente ocorrida em processo
contra-ordenacional.
Para bom julgamento da causa, importa referir que, subsidiariamente a esta
arguição de irregularidade, o ora recorrente havia interposto, em simultâneo,
recurso da decisão que o condenou ao pagamento de coima de 500,00 € e à sanção
acessória de inibição de condução, por contra-ordenação prevista e punida nos
n.ºs 1 e 2 do artigo 81º do Código da Estrada, tendo esse mesmo recurso sido
admitido.
2. Na medida em que o recorrente não indicou os elementos exigidos pelos n.ºs 1
e 2 do artigo 75º-A da LTC, a Relatora proferiu despacho para convite do
recorrente ao aperfeiçoamento do mesmo (fls. 64). Na sequência de tal convite, o
recorrente viria a esclarecer que o recurso vem interposto “ao abrigo da alínea
b), do n.º 1 do artigo 70º, da LTC, considerando o normativo do art. 73º, do
D.L. nº 433/82, de 27 de Outubro, por não assegurar ao arguido toda a defesa, em
que se deverá considerar incluído o duplo grau de jurisdição, inconstitucional,
por violação do disposto nos art.s 20º, nº 1, e 32º da Constituição da República
Portuguesa, inconstitucionalidade invocada na reclamação apresentada” (fls. 66).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Conforme, aliás, demonstrado pela própria decisão recorrida – que cita
expressamente jurisprudência relevante proferida do Tribunal Constitucional –, a
questão de inconstitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada não é
nova, tendo já este Tribunal tido inúmeras oportunidades de se pronunciar sobre
os limites do direito ao recurso, seja em processo penal, seja em processo
contra-ordenacional. Como tal, justifica-se a prolação de decisão sumária,
atenta a simplicidade da questão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
Apesar de convidado a aperfeiçoar o requerimento, o recorrente não precisa quais
são as normas exactas constantes do artigo 32º da Lei Fundamental que entende
serem colocadas em causa pela norma vertida no n.º 1 do artigo 73º do Regime
Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social [de ora em diante, RGIMOS, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro]. Contudo, atentas as referências
ao direito à defesa e ao acesso a um duplo grau de jurisdição, conclui-se que o
mesmo pretendeu invocar as normas resultantes dos n.º 1 e 10 do referido artigo
32º da CRP.
4. Segundo jurisprudência firme e constante deste Tribunal, o n.º 10 do artigo
32º da CRP não determina uma equiparação integral aos processos
contra-ordenacionais de direitos aplicáveis em processo penal, designadamente,
do direito ao recurso.
Veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 659/06, de 28 de Novembro de 2006
(disponível in «Diário da República», Série II, n.º 6, de 09 de Janeiro de 2007,
pp. 539 e seguintes):
“Diga‑se, desde já, que o invocado n.º 10, na sua directa estatuição, é de todo
irrelevante para o presente caso. Com a introdução dessa norma constitucional
(efectuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de
contra‑ordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos
sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os
direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão
originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos
arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º,
n.º 3, correspondente ao actual artigo 269.º, n.º 3). Tal norma implica tão‑só
ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção,
contra‑ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer
outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa
defender‑se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando
meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a
verdade (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo
I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do
artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de
1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, “nos
processos disciplinares e demais processos sancionatórios”, de “todas as
garantias do processo criminal” (artigo 32.º‑B do Projecto de Revisão
Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da
Assembleia da República, II Série‑RC, n.º 20, de 12 de Setembro de 1996, pp.
541‑544, e I Série, n.º 95, de 17 de Julho de 1997, pp. 3412 e 3466).
É óbvio que não se limitam aos direitos de audição e defesa as garantias dos
arguidos em processos sancionatórios, mas é noutros preceitos constitucionais,
que não no n.º 10 do artigo 32.º, que eles encontram esteio. É o caso, desde
logo, do direito de impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias
em causa, direito que se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e,
especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da
CRP. E, entrados esses processos na “fase jurisdicional”, na sequência da
impugnação perante os tribunais dessas decisões, gozam os mesmos das genéricas
garantias constitucionais dos processos judiciais, quer directamente referidas
naquele artigo 20.º (direito a decisão em prazo razoável e garantia de processo
equitativo), quer dimanados do princípio do Estado de direito democrático
(artigo 2.º da CRP), sendo descabida a invocação, para esta fase, do disposto no
n.º 10 do artigo 32.º da CRP (Já no Acórdão n.º 77/2005 se expressaram reservas
quanto à atribuição ao n.º 10 do artigo 32.º da CRP de um alcance tão amplo que
abarcasse, no “direito de defesa” nele contemplado, quer o direito de impugnação
judicial das decisões de aplicação de coimas, quer ainda o direito de recorrer
das decisões desta impugnação judicial, isto é, a imposição da garantia de uma
2.ª instância judicial para apreciação da impugnação da decisão administrativa,
tendo‑se nesse aresto não julgado inconstitucional o artigo 74.º, n.º 1, do
RGCO, “interpretado no sentido de que, sendo notificado o mandatário do dia
designado para leitura da decisão de impugnação judicial em processo
contra‑ordenacional, o prazo para recorrer se conta a partir da data da leitura
da decisão em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário”).
2.3. Dentre os processos sancionatórios é o processo contra‑ordenacional um dos
que mais se aproxima, atenta a natureza do ilícito em causa, do processo penal,
embora a este não possa ser equiparado.
Constitui afirmação recorrente na jurisprudência do Tribunal Constitucional a da
não aplicabilidade directa e global aos processos contra‑ordenacionais dos
princípios constitucionais próprios do processo criminal, desde logo o princípio
da judicialização da instrução consagrado no n.º 4 do artigo 32.º (neste
sentido: Acórdão n.º 158/92). A diferença de “princípios
jurídico‑constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a
legislação penal e a legislação das contra‑ordenações” reflecte‑se “no regime
processual próprio de cada um desses ilícitos”, não exigindo “um automático
paralelismo com os institutos e regimes próprios do processo penal,
inscrevendo‑se assim no âmbito da liberdade de conformação legislativa própria
do legislador”, por exemplo, a não atribuição ao assistente (admitindo que a lei
consente em processo contra‑ordenacional esta figura) de legitimidade para
recorrer, legitimidade que o artigo 73.º, n.º 2, do RGCO apenas reconhece ao
arguido e ao Ministério Público (Acórdão n.º 344/93).
(…)
2.4. Assente que, dada a diferente natureza dos ilícitos em causa e a menor
ressonância ética do ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos regimes
processuais próprios de cada um deles, não é constitucionalmente imposto ao
legislador a equiparação das garantias em ambos esses regimes, é evidente que
não se pode considerar inconstitucional a não admissibilidade de recurso
jurisdicional de decisões proferidas em sede de impugnação judicial de decisões
administrativas aplicadoras de coimas quando nem sequer relativamente às
correspondentes decisões no âmbito do processo criminal idêntica garantia é
exigida.
Como é sabido, constitui entendimento reiterado deste Tribunal (cf., por último,
o Acórdão n.º 2/2006 e demais jurisprudência aí citada) que a Constituição não
estabelece em nenhuma das suas normas a garantia da existência de um duplo grau
de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies. Perspectivando –
como cumpre – a problemática do direito ao recurso em termos substancialmente
diversos relativamente ao direito penal, por um lado, e aos outros ramos do
direito, por outro, por a consideração constitucional das garantias de defesa
implicar um tratamento específico desta matéria no processo penal (a
consagração, após a revisão de 1997, no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, do direito
ao recurso mostra que o legislador constitucional reconheceu como merecedor de
tutela constitucional expressa o princípio do duplo grau de jurisdição no
domínio do processo penal, sem dúvida, por se entender que o direito ao recurso
integra o núcleo essencial das garantias de defesa), mesmo aqui e face a este
específico fundamento da garantia do segundo grau de jurisdição no âmbito penal,
o Tribunal Constitucional entendeu que não decorre desse fundamento que os
sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz
nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto às
decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões respeitantes à situação
do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros
direitos fundamentais. Fora destas espécies de decisões, consideraram‑se, assim,
conformes à Constituição normas processuais penais que deneguem a possibilidade
de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões proferidas na
pendência do processo.
Por maioria de razão, em processo contra‑ordenacional não é constitucionalmente
imposta a consagração da possibilidade de recurso de todas as decisões judiciais
proferidas no decurso da impugnação judicial da decisão administrativa
sancionatória.
De acordo com a interpretação acolhida na decisão ora recorrida – cuja
correcção, ao nível da interpretação do direito ordinário, não cumpre a este
Tribunal sindicar –, só são recorríveis para o Tribunal da Relação a sentença ou
o despacho que decidam o caso, verificadas as condições referidas nas alíneas a)
a e) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, não sendo recorrível o
despacho, posterior à decisão de rejeição da impugnação (decisão esta entendida
como constituindo a decisão que põe termo ao processo), que julgou improcedente
arguição de nulidade processual.
Esta interpretação, que assegura a possibilidade de recurso das decisões
“centrais” da impugnação judicial (decisões que “põem termo” ao processo, embora
sem prejuízo da suscitação de incidentes pós‑decisórios), não se pode
considerar, pelas razões expostas, violadora das garantias de defesa do processo
criminal, referidas no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, na parte em que sejam
extensíveis ao processo contra‑ordenacional. A possibilidade de defesa do
arguido perante a alegada irregularidade da notificação podia ser exercitada ou
pela sua directa arguição (mecanismo que, por razões que lhe são imputáveis, se
entendeu não ter sido utilizado em tempo), ou pela alegação desse vício no
âmbito do recurso jurisdicional do despacho de rejeição da impugnação da decisão
administrativa, a entender‑se que se trataria das chamadas “nulidades
processuais cobertas por decisão judicial” (cf. Acórdão n.º 183/2004, com texto
integral disponível, tal como todos os acórdãos anteriormente citados, em
www.tribunalconstitucional.pt), via essa que o recorrente também não utilizou.”
Da fundamentação supra transcrita decorre não ser inconstitucional a limitação
ao direito de recurso prescrita no n.º 1 do artigo 73º do RGIMOS, na medida em
que a decisão ora recorrida não colocou termo ao processo contra-ordenacional,
tendo antes decidido sobre irregularidade suscitada pelo ora recorrente, por –
de acordo com o entendimento deste último – não terem sido adoptadas todas as
diligências instrutórias necessárias, conforme resulta da reclamação apresentada
(fls. 2). À semelhança do que sucedeu nos autos que deram lugar ao citado
Acórdão n.º 659/06, o presente recurso não vem interposto de decisão que colocou
termo ao processo, mas apenas – e parcialmente – de decisão que julgou
improcedente requerimento para arguição de irregularidade, conforme decorre da
decisão recorrida:
“(…) foi proferida decisão que, julgando improcedente o recurso, em consequência
condenou o arguido A. na coima de € 500,00 e na sanção acessória de inibição de
condução pelo período de 120 dias (…).
Notificado desta decisão veio o arguido ao processo invocar em seu proveito a
irregularidade que nele se constata e susceptível de influir no exame e decisão
da causa, e consubstanciada na circunstância de não ter sido notificado para se
pronunciar acerca dos documentos de fls. 66 a 69, desta forma concluindo que lhe
não foi assegurado o pleno direito de defesa consagrado no art. 32º, n.º 10 da
Constituição da República Portuguesa.
(…) e para a hipótese de tal não ser entendido, por mera cautela jurídica, não
se conformando com a, aliás, douta sentença proferida, dela pretende interpor
recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães (…).
Apreciando e decidindo este requerimento, o Ex.mo Juiz, julgando inexistir a
ocorrência da alegada irregularidade praticada no processo, indeferiu o pedido
do arguido de dar sem efeito o processado, muito embora tenha também ordenado
que, para que não se gerem dúvidas sobre o teor dos ditos documentos, fosse
enviada a cópia deles ao arguido.
Pronunciando-se sobre o requerimento de interposição do recurso, proferiu
despacho a admitir o recurso interposto (…).
Face ao assim decidido, o arguido, não se conformando com o despacho que
indeferiu a irregularidade por si suscitada, dele interpôs recurso e apresentou
a respectiva motivação.” (fls. 49, com sublinhado nosso).
Daqui decorre que o recurso vem interposto da decisão que indeferiu reclamação
relativa ao indeferimento do pedido de declaração de irregularidade, com
anulação do processado e não da decisão que condenou o ora recorrente ao
pagamento de coima e à inibição de condução por 120 dias. Como tal, não se
afigura que o direito ao recurso previsto no n.º 1 do artigo 32º da CRP, em sede
de processo penal, seja extensível às situações ocorridas em processo
contra-ordenacional em que não esteja em causa a interposição de recurso de
decisão que coloque termo ao processo, na esteira no já afirmado pelo Acórdão
n.º 659/06.
5. Por outro lado, conforme já evidenciado pelo excerto do Acórdão que acabou de
ser referido, este Tribunal tem entendido, por jurisprudência constante que se
mantém, que não é possível extrair da Constituição, seja do n.º 1 do artigo 20º,
seja do n.º 1 do artigo 32º, qualquer direito absoluto e irrestringível ao
recurso. A mero título de exemplo, veja-se o Acórdão n.º 415/01, de 03 de
Outubro de 2001, (publicado in «Diário da República», II Série, de 30 de
Novembro de 2001, pp. 19992 e segs):
“(...)
O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos ‘o acesso ao direito e aos
tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não
podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos’. Tal
direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei
aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência,
e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz
respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a
insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e
ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes
direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais
de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou
bastará um grau de jurisdição?
A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso
para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil;
e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei
Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a
menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando,
aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual
a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida
(mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das
garantias de defesa previstas naquele artigo 32º. Para além disso, algumas vozes
têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de
direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos,
liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito
penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital
Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do
Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol.
16, pág. 505).
Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir
ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer”. Na verdade, este Tribunal
tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual
Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição
uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no
topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo
210º), terá de admitir-se que ‘o legislador ordinário não poderá suprimir em
bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos’ (cfr., a este propósito,
Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº
340/90, id., vol. 17, pág. 349).
Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode
concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a
faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática.
Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a
existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. os citados
Acórdãos nº 31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
vol. 12, pág. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº
359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág. 605), nº 24/88,
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 525), e nº 450/89, (Acórdãos
do Tribunal Constitucional, vol. 13, pág. 1307)(…). (Sublinhado nosso)
Em conclusão, afigura-se manifesto que a questão a decidir é simples,
designadamente por existir jurisprudência anterior sobre a mesma questão
normativa – que se acompanha e reitera –, pelo que se justifica a prolação de
decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
III. DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, e pelos fundamentos constantes dos Acórdãos n.º
659/06, de 28 de Novembro de 2006, e n.º 415/01, de 03 de Outubro de 2001, para
os quais se remete, decide-se não julgar inconstitucional a norma constante do
n.º 1 do artigo 73.º do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, interpretada
no sentido de não permitir recurso para o Tribunal da Relação de despacho de
indeferimento de arguição de irregularidade processual, proferido posteriormente
a decisão condenatória adoptada em sede de procedimento jurisdicional de
impugnação de decisão administrativa que puniu facto descrito como
contra‑ordenação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência,
contra a não admissão do recurso, com os fundamentos que de ora em diante se
sintetizam:
«No presente caso, pretendeu o recorrente a anulação do processado por não ter
sido notificado de documentos, em face dos quais, poderia ter requerido
diligências que, no seu entender, seriam susceptíveis de poder afastar o valor
probatório de tais documentos, conforme fundamentos do recurso interposto, o que
fora desatendido pela decisão da 1ª Instância. Desta decisão, por considerar,
para si, prejudicial, interpôs recurso que não viria a ser admitido.
Pela douta decisão ora reclamada é entendido não haver inconstitucionalidade na
não admissão do recurso de tal decisão, designadamente por a questão já ter sido
objecto de decisão anterior desse Alto Tribunal.
E embora se aceite tratar-se de uma questão simples, contudo, de suma
importância, como neste caso concreto.
Trata-se de um processo de contra-ordenação, mas nem por isso se deixando de
referir que de um processo de contra-ordenação podem resultar consequências
nefastas para a vida das pessoas, quando, por exemplo, como no presente caso,
haja aplicação de sanções acessórias, que poderá levar o arguido a perder o
emprego, ou, em geral, se houver lugar a uma coima de valor muito elevado, com
graves reflexos na situação patrimonial do arguido.
Pelo que, na nossa perspectiva, e salvo o devido respeito por outra opinião, em
processo de contra-ordenação deverão ser admitidos os mesmos recursos,
normalmente, admitidos em outros processos, como é o caso do processo penal,
perante um não reconhecimento de irregularidade processual invocada, com
repercussões, ao nível probatório, determinantes da decisão final, que redunde,
também como neste caso, numa condenação.
Referindo, nomeadamente, o Ac. nº 415/2001, citado na douta decisão reclamada,
que “o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a
faculdade de recorrer”.
Isto é, salvo melhor entendimento, terá o legislador de enumerar os casos em que
o recurso não seja admissível — como o faz, v. g., pelo art. 400º, do C. P.
Penal.
Não o incluindo no âmbito do RGIMOS, e atento o princípio da legalidade por que
este se rege, pela interpretação que fazemos, da decisão em causa é admissível
recurso, pelas regras gerais.
Conforme idêntico entendimento da doutrina citada na reclamação para o Exmo.
Presidente do Tribunal “a quo”, e o mais dela constante que aqui se dá por
reproduzida.
Assim se entendendo, e sempre com o devido respeito, que é muito, dever ser
proferido douto acórdão no sentido da procedência do recurso, devendo este
seguir os normais termos.» (fls. 80 e 81)
3. Notificado para se pronunciar sobre a referida reclamação, o recorrido veio
pronunciar-se no seguinte sentido:
«1°
A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente.
2°
Na verdade a argumentação do reclamante nada contém de inovatório relativamente
aos fundamentos da decisão reclamada, assente na firme corrente jurisprudencial
acerca do âmbito constitucional do direito ao recurso.» (fls. 88)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. O ora reclamante limita-se a reproduzir as considerações já anteriormente
tecidas, perante o Tribunal da Relação de Guimarães (fls. 42 a 44), a maior
parte delas relativas à interpretação do Direito infra-constitucional que aquele
reputa de mais idónea. Ora, tais questões não constituem objecto de decisão por
parte deste Tribunal, que apenas dispõe de poderes para sindicar a
constitucionalidade de normas jurídicas.
Ao longo da sua reclamação, o reclamante persiste em invocar, de forma vaga e
sem qualquer conexão concreta ao caso em apreço nos presentes autos,
considerações genéricas sobre uma pretensa equiparação integral entre o regime
de recursos em processo penal e em processo contra-ordenacional sem que consiga
identificar, por uma vez que seja, qualquer fundamento constitucional para tal
entendimento.
Conforme já ilustrado na decisão sumária, este Tribunal tem decidido que o
direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da
República Portuguesa não se traduz numa faculdade ilimitada de acesso a todos os
níveis de jurisdição abstractamente consagrados nas leis processuais
portuguesas. Ora, no caso dos autos, o reclamante viu o direito de acesso aos
tribunais duplamente salvaguardado, quer beneficiando da sindicância
jurisdicional, por um tribunal de primeira instância, da decisão administrativa
que o condenou, quer mediante a reapreciação de tal decisão pelo Tribunal da
Relação de Guimarães.
Todas as questões aludidas encontram-se suficientemente esclarecidas quer na
decisão ora reclamada, quer na jurisprudência por ela citada, pelo que não se
justifica qualquer reponderação do sentido da decisão reclamada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação;
b) Confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão