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Processo nº 1011/07
1ª Secção
Relatora: Conselheiro Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são
recorrentes o Ministério Público e A. e recorrido o IEP – Instituto das Estradas
de Portugal, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da
alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 3 de Outubro de
2007. Desta decisão A. interpôs ainda recurso ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC.
2. Em acção intentada no Tribunal de Trabalho de Coimbra contra o Instituto de
Estradas de Portugal, a recorrente pediu, entre o mais, que se declarasse que os
contratos designados por tarefas, contratos de trabalho a termo e contrato de
trabalho temporário, sucessivamente celebrados entre as partes desde 1 de Abril
de 2001, são um verdadeiro contrato de trabalho subordinado e que a Autora é
trabalhadora do Réu, ao abrigo de contrato sem termo, desde aquela data.
O Instituto de Estradas de Portugal foi então condenado, entre o mais, a
reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo entre as partes e a
reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e
antiguidade. Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, este
Tribunal confirmou integralmente a sentença de primeira instância, negando
provimento à apelação do Réu, que interpôs, de seguida, recurso de revista.
Produzidas alegações, o Instituto de Estradas de Portugal concluiu, para o que
agora releva, o seguinte:
«10.ª Tendo como pressuposto que o ICERR – Instituto Público – se integra no
conceito constitucional de “função pública”, nos termos e para efeitos do n.º 2
do art.º 47.º da Constituição.
11.ª Os art.os 2.º do DL 184/89 e do DL 427/89 – expressam as bases gerais do
regime e âmbito da função pública – bem como a Lei n.º 114/88, art.º 15.º, al.
c) e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 77/2002, de 18/5, incluem no
âmbito da função pública os institutos públicos, logo o Recorrente.
12.ª Atenta a especialidade constante do art.º 43.º, n.º 1 do DL 427/89, que
derroga o disposto na LCCT sobre as situações (hipótese e circunstância) da
conversão dos contratos a termo certo em contratos sem termo, os contratos
celebrados pelo ICERR ao arrepio do regime previsto naquele diploma são nulos,
nos termos dos art.os 280.º, n.º 1 e 294.º do Cód. Civil, produzindo apenas
efeitos em relação ao tempo em que esteve em execução.
13.ª No caso [a] aplicação da norma constante do n.º 1 do art.º 44.º do DL
427/89, no sentido de que o regime estabelecido pelo Dec.-Lei 427/89, não ser
aplicável ao Recorrente, aplicando-se, antes o regime estabelecido nos seus
Estatutos, esta norma – n.º 1 do art.º 44.º do DL 427/89 – é inconstitucional,
por violação do n.º 2 do art.º 47.º da Constituição da República Portuguesa, ao
permitir-se a contratação da Recorrida sem concurso, o que decorre da conversão
do contrato a termo em contrato sem termo.
14.ª A inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 44.º do DL 427/89, com a
interpretação que é feita pelo acórdão recorrido, é manifesta, pois qualquer
admissão, mesmo no contexto de um instituto público, sem um procedimento de
recrutamento e selecção prévio, que garantisse o acesso em condições de
liberdade e igualdade, violaria o art.º 47.º, n.º 2, da CRP.
15.ª Contrariamente ao que sucede no estabelecido no DL 64-A/89, de 27/2, em que
a celebração de contratos a termo fora dos casos nele previstos ou sem
obediência à forma ali prescrita, têm como efeito a sua conversão em contratos
por tempo indeterminado (art.os 41.º e 42.º), nos casos de inobservância dos
preceitos relativos à celebração dos contratos a termo com a Administração
Pública, a consequência será a nulidade do contrato, produzindo estes efeitos
como se fosse válido em relação ao tempo em que estivessem em execução – art.º
15.º, n.º 1 da LCT – como também veio estabelecer a Lei 23/2004».
3. No Supremo Tribunal de Justiça, em parecer notificado à ora recorrente, o
Ministério Público pronunciou-se no sentido de que:
«(…) é inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, a
norma constante do nº 1 do artigo 44º do Decreto-Lei nº 427/89, de 07 de
Dezembro, quando interpretada no sentido de que a salvaguarda de regimes
especiais nela prevista permite que os contratos de trabalho a termo celebrados
com um instituto público que revista a natureza de serviço personalizado e se
reja pelo regime jurídico do contrato de trabalho, se convertam em contratos de
trabalho por tempo indeterminado, uma vez verificada a falta ou insuficiência do
motivo justificativo invocado para a contratação a termo».
4. Pelo acórdão agora recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, para o
que agora importa, declarar nulo o contrato de trabalho que vinculou as partes
até 14 de Abril de 2004, com os seguintes fundamentos:
«Subscrevendo o juízo de inconstitucionalidade proferido no mencionado acórdão
do Tribunal Constitucional, haverá que reconhecer-se que ele tem projecção no
caso que nos ocupa, apesar de se registarem algumas diferenças entre as
situações de facto e as pretensões com base nelas formuladas, submetidas a
juízo.
Na verdade, o que aqui se nos depara não é, em rigor, apenas, a conversão de um
contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, por força da aplicação, na
sua plenitude, quer dizer sem restrições, do Regime Jurídico da Cessação do
Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de
Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de
Fevereiro.
O quadro que se nos apresenta envolve, de harmonia com os factos declarados
provados, a prestação de actividade remunerada, sem qualquer hiato, durante 3
anos e 14 dias, ao abrigo, sucessivamente, por ordem cronológica, de dois
contratos denominados de “tarefa”, um intitulado contrato de trabalho a termo,
dois contratos denominados de “tarefa”, um contrato de trabalho temporário, e,
finalmente, sem qualquer contrato de trabalho, o que, na óptica da Autora,
sufragada pelas instâncias, consubstancia – face aos termos de subordinação em
que, sempre, se desenvolveu a execução do convencionado pelas partes – a
existência de uma relação laboral perene, com início reportado ao momento da
celebração do primeiro contrato.
Retira-se da exposição dos fundamentos do referido acórdão do Tribunal
Constitucional a conclusão de que o n.º 2 do artigo 47.º da CRP não permite que
uma lei ordinária consinta a contratação por institutos públicos, investidos de
poderes de autoridade – por isso que equiparáveis ao Estado –, de pessoal
sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, sem precedência
de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em
condições de liberdade e igualdade.
Daí o juízo de inconstitucionalidade da interpretação do bloco constituído pelas
normas em causa – os artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, 44.º, n.º
1, do Decreto-Lei n.º 427/89, e 13.º, n.º 1, dos Estatutos do ICERR – no sentido
de ser autorizada a contratação sem aquela garantia, em regra, tornada efectiva
por via de concurso ou procedimento equiparável.
Assim, tendo em atenção o disposto nos artigos 280.º, n.º 1 e 294.º do Código
Civil, nenhuma relação jurídica com a natureza de contrato de trabalho – seja
qual for a denominação que lhe tenha sido atribuída –, em que o Instituto de
Estradas de Portugal figure como empregador, será válida, se tiver sido
preterida, sem motivo excepcionalmente atendível, a prévia realização do
adequado procedimento.
No caso vertente, sabe-se que a Autora, tendo tido conhecimento de que o Réu
estava a admitir trabalhadores, havendo uma vaga para o sector das licenças,
apresentou o seu currículo, foi seleccionada para apresentar uma proposta para a
execução de determinados trabalhos, na sequência do que foi admitida, em 1 de
Abril de 2001, ao serviço do Réu (factos 1., 2. e 3.).
Estes factos não são suficientes para se considerar que houve um procedimento de
recrutamento e selecção de candidatos equiparável ao concurso, que pressupõe a
publicitação da existência da(s) vaga(a)s, de modo a permitir a candidatura de
todos os eventuais interessados, facto que não está demonstrado, nem foi alegado
– como não foi demonstrado, nem alegado o contrário.
Como se observou no supra referido Acórdão de 26 de Setembro de 2007, “estamos
perante aspecto de facto que, na presente acção, reveste natureza constitutiva e
cujo ónus da prova cabe, por isso, ao A., nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do
Cód. Civil (diga-se que parece ter sido também o entendimento subjacente à
posição do Acórdão do TC que vem sendo abordado, como se deduz da passagem acima
transcrita sobre a projecção do juízo de inconstitucionalidade nele formulado ao
caso concreto aí abordado)”.
Não se sabendo se houve ou não o adequado procedimento, porque à Autora competia
alegar e provar o facto, a dúvida resolve-se contra ela, nos termos das
disposições combinadas dos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 516.º do CPC.
De tudo o exposto resulta que a relação estabelecida entre as partes, que se
iniciou em 1 de Abril de 2001, quando encarada como relação de trabalho
subordinado, tem de ser, considerada nula e como tal, em vista do disposto no
artigo 286.º do Código Civil, declarada, o mesmo sucedendo relativamente aos
dois posteriores “contratos de tarefa”.
Quanto aos contratos denominados de trabalho a termo e de trabalho temporário,
nunca poderiam ser convertidos em relação laboral duradoura, face ao assumido
juízo de inconstitucionalidade, no que toca à sua conversão.
Soçobra, por conseguinte, a pretensão da Autora de ver reconhecido um vínculo
laboral permanente e o Réu condenado, por despedimento ilícito, a reintegrá-la e
a pagar-lhe retribuições vencidas e vincendas até à data do trânsito em julgado
da sentença (…).
Já se viu que o vínculo que permaneceu entre 1 de Abril de 2001 e 14 de Abril de
2004 consubstancia um contrato de trabalho.
Esse contrato deve ser declarado nulo, por força do disposto nos artigos 280.º,
n.º 1, 286.º e 294.º do Código Civil».
5. Em requerimento aperfeiçoado ao abrigo do nº 6 do artigo 75º-A da LTC, a
recorrente veio então recorrer para este Tribunal, para apreciação:
«das normas contidas nos artigos 280°, n.º 1 294.° e artigo 342.° n.° 1 todos do
Código Civil, em conjugação com os artigos 44°. n.° 1 do Decreto – Lei n.°
407/89, de 7 de Setembro, 41°, n.° 4 do Decreto – Lei n.° 184/89, de 2 de Junho
e artigo 13°, n.° 1 dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto – Lei n.°
237/99, de 25 de Junho, no sentido de que o contrato de trabalho celebrado entre
a Autora e Réu é nulo na medida em que a contratação da Autora estava sujeita a
procedimento administrativo de recrutamento e selecção de candidatos e que os
contratos celebrados entre Autora e Réu nunca podem ser convertidos face à
inexistência de prova quanto a tal procedimento, prova que incumbia à Autora,
por violação do artigo 13.° e artigo 53.° da Constituição».
6. Em 15 de Janeiro de 2008, foi proferido despacho para produção de alegações
no recurso interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
Relativamente ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) deste artigo foi
proferido despacho com o seguinte teor:
«(…) independentemente da questão de saber se, do teor do requerimento de
interposição de recurso e da resposta ao convite ao respectivo aperfeiçoamento,
pode retirar-se a identificação de uma norma (fl. 349 e s. e 359 dos autos;
artigo 75º-A, nº 1 da LTC), o certo é que não foi suscitada, durante o processo,
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa relativa aos artigos agora referidos – os
artigos 280º, nº 1, 294º e 342º, nº 1, do Código Civil (em conjugação com os
artigos 44º, nº 1, do Decreto-Lei nº 407/89, de 7 de Setembro, 41º, nº 4, do
Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, e 13º, nº 1, dos Estatutos aprovados pelo
Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho). Designadamente, não foi suscitada a
questão nas contra-alegações de revista e na resposta ao parecer do Ministério
Público junto do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. fl. 257 e ss. e 299 e ss. dos
autos).
Não pode, pois, o Tribunal tomar conhecimento do objecto deste recurso (artigos
70º, nº 1, alínea b) e 78º-A, nº 1, da LTC)».
7. Deste despacho vem agora a recorrente reclamar para a conferência,
sustentando o seguinte:
«A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do
disposto na alínea b) do n ° 1 do artigo 70.° da LCT, pretendendo ver apreciada
a inconstitucionalidade do artigo 41.º n.° 4 do Decreto – Lei n.° 184/89, artigo
44.º n.° 1 do Decreto – Lei n.° 427/89 e artigo 13.° dos Estatutos do ICERR
aprovados pelo Decreto – Lei n.° 237/99, de 25 de Junho, com a interpretação que
foi dada no douto acórdão recorrido, no sentido de que tais normas impõem que a
contratação da A. Pelo R. estava sujeita a procedimento administrativo de
recrutamento e selecção que assegurasse a liberdade e igualdade de acesso, bem
como, que a inexistência de prova quanto à prévia existência de tal procedimento
consubstancia a invalidade da conversão do contrato a termo celebrado em
contrato sem termo, por falta de suporte normativo para tal conversão e que tal
facto reveste natureza constitutiva e cujo ónus de prova cabe à A..
Tal interpretação viola claramente, não só o princípio da igualdade previsto no
artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, mas também o princípio da
garantia da segurança no emprego postulada no artigo 53.° do mesmo diploma
constitucional.
Alegou ainda a recorrente que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada
nos autos nas contra-alegações apresentadas no recurso de apelação (30 de
Novembro de 2005), nas contra-alegações apresentadas no recurso de revista (27
de Dezembro de 2006) e na resposta ao douto parecer do Ministério Público junto
do Supremo Tribunal de Justiça (27 de Fevereiro de 2007).
Em cumprimento do douto despacho de fls., a recorrente veio aperfeiçoar o seu
requerimento, alegando que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da
aplicação das normas contidas nos artigos 280°, n.º 1 294.° e artigo 342.° n.° 1
todos do Código Civil, em conjugação com os artigos 44°. n.° 1 do Decreto – Lei
n.° 407/89, de 7 de Setembro, 41°, n.° 4 do Decreto – Lei n.° 184/89, de 2 de
Junho e artigo 13°, n.° 1 dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto – Lei
n.° 237/99, de 25 de Junho, no sentido de que o contrato de trabalho celebrado
entre a Autora e Réu é nulo na medida em que a contratação da Autora estava
sujeita a procedimento administrativo de recrutamento e selecção de candidatos e
que os contratos celebrados entre Autora e Réu nunca podem ser convertidos face
à inexistência de prova quanto a tal procedimento, prova que incumbia à Autora,
por violação do artigo 13.° e artigo 53.° da Constituição.
Por douto despacho sumário proferido nos autos pela Ex.ma Juíza Conselheira
Relatora foi decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso, uma vez que
não foi suscitada a questão da inconstitucionalidade normativa relativa aos
artigos 280°, n.° 1, 294.° e artigo 342.° n.° 1 todos do Código Civil, nas
contra-alegações de revista e na resposta ao parecer do Ministério Público junto
do Supremo Tribunal de Justiça (cfr fls. 257 e ss. e 299 e ss dos autos).
Com efeito, a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade normativa contida
nos artigos 280°, n.° 1. 294.° e artigo 342.° n.° 1 todos do Código Civil, mas
apenas dos artigos 44°. n.° 1 do Decreto – Lei n.° 407/89, de 7 de Setembro,
41°, n.° 4 do Decreto – Lei n.° 184/89, de 2 de Junho e artigo 13°, n.° 1 dos
Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto – Lei n.° 237/99, de 25 de Junho, na
interpretação referida.
Contudo, não podia a Autora suscitar qualquer inconstitucionalidade
relativamente aos referidos artigos do Código Civil, pela simples razão de que,
até à douta decisão do STJ, a contratação da Autora sempre se alicerçou na
aplicação do disposto no artigo 13.° dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo
Decreto – Lei n.° 237/99, de 25 de Junho, ao abrigo do qual aos trabalhadores do
Instituto se aplica o regime do contrato individual de trabalho, sem o prévio
procedimento administrativo de recrutamento e selecção de candidatos.
Ou seja, uma lei do seu País ao abrigo da qual foi contratada e sobre a qual
nenhuma dúvida de constitucionalidade havia sido suscitada, designadamente por
falta do já referido procedimento.
A Autora, ora recorrente, confiou na legalidade e também constitucionalidade do
artigo 13.° dos Estatutos do ICERR e nele não podia deixar de confiar.
Pelo que nenhuma prova tinha que fazer para afastar um vício – a ausência do
prévio procedimento administrativo de recrutamento e selecção de candidatos –
com que não contava, nem podia contar.
Ou seja, a Autora, ora recorrente não pode, nem é obrigada a contar com a
surpresa de uma norma de um diploma legal ao abrigo do qual foi contratada venha
a sofrer de tal vício e, consequentemente, que lhe incumbia a prova da
existência desse prévio procedimento por força da aplicação dos artigos 280°,
n.° 1, 294.° e artigo 342.° n.° 1 todos do Código Civil.
Logo, não podia a Autora previamente suscitar a sua inconstitucionalidade dessas
normas.
De modo que, só quando este vício é suscitado – o que apenas aconteceu com o
acórdão proferido pelo STJ – pode a recorrente a ele reagir.
Pelo que, deve ser apreciada a questão de inconstitucionalidade suscitada».
8. Notificado, o recorrido respondeu, concluindo, que «deverá ser decidido que a
recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa relativa aos artigos agora referidos, não
podendo o Tribunal tomar conhecimento do objecto deste recurso interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artº 70º da LTC».
II. Fundamentação
Pelo despacho reclamado foi decidido não conhecer do objecto do recurso
interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, com fundamento
na não suscitação prévia, durante o processo, da questão de
inconstitucionalidade cuja apreciação a recorrente pretendia.
A reclamante vem agora sustentar que suscitou a questão de inconstitucionalidade
normativa apenas quanto aos artigos 44º, nº 1, do Decreto-Lei nº 407/89, de 7 de
Setembro [Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro], 41°, nº 4, do Decreto-Lei nº
184/89, de 2 de Junho, e artigo 13º, nº 1, dos Estatutos do ICERR, aprovados
pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho; e que não podia suscitar qualquer
inconstitucionalidade relativamente aos artigos 280º, nº 1, 294º e 342º, nº 1,
do Código Civil, pela simples razão de que até à decisão do Supremo Tribunal de
Justiça, a contratação da Autora sempre se alicerçou na aplicação do disposto no
artigo 13º dos Estatutos do Instituto, aprovados pelo Decreto-Lei nº 237/99, de
25 de Junho, ao abrigo do qual aos trabalhadores se aplica o regime do contrato
individual de trabalho, sem o prévio procedimento administrativo de recrutamento
e selecção de candidatos.
Importa começar por notar que é no requerimento de interposição de recurso que
se define o respectivo objecto (segundo o nº 1 do artigo 75º-A da LTC cabe ao
recorrente indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal
aprecie) e que a recorrente, logo na versão primitiva desta peça, ao especificar
a dimensão interpretativa que pretendia apreciada, especificou quer a invalidade
da conversão do contrato a termo em contrato sem termo quer a circunstância de o
ónus da prova recair sobre a Autora. Apesar disso, não reportou também aos
artigos 280º, nº 1, 294º e 342º, nº 1, do Código Civil, a norma que indicou no
requerimento de interposição do recurso, o que veio a fazer na resposta ao
convite feito ao abrigo do nº 6 do artigo 75º-A da LTC.
A argumentação da reclamante no sentido de não lhe ter sido possível suscitar
previamente a questão de inconstitucionalidade posta no requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal, designadamente por referência
àqueles artigos do Código Civil, é totalmente improcedente. A recorrente não
estava dispensada do ónus de suscitar previamente, durante o processo, perante o
Supremo Tribunal de Justiça, tal questão de inconstitucionalidade (artigos 70º,
nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
O Tribunal Constitucional tem vindo a entender, de forma reiterada, que “a
inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se
estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que
pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão
(de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso (…). Todavia, a
orientação geral assim definida, não será de aplicar em determinadas situações
de todo excepcionais, em que os interessados não disponham de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes do proferimento
da decisão, caso em que lhes deverá ser salvaguardado o direito ao recurso de
constitucionalidade. Na verdade, este Tribunal tem vindo a entender, num plano
conformador da sua jurisprudência genérica sobre este tema, que naqueles casos
anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para
suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de
esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir,
ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade” (Acórdão nº
61/92, Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992).
No caso em apreço, a recorrente dispôs de oportunidade processual para suscitar
a questão de inconstitucionalidade cuja apreciação requereu, não tendo sido
confrontada, no tribunal recorrido, com uma aplicação ou interpretação
normativa, de todo imprevisível ou inesperada, “em termos de não lhe ser
exigível que a antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão
antes da prolação dessa decisão” (Acórdão nº 426/2002, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Com efeito, durante o processo, esteve sempre presente a questão da validade dos
contratos celebrados entre a reclamante e o Instituto das Estradas de Portugal
e, consequentemente, a aplicabilidade dos artigos 280º, nº 1, 294º e 342º, nº 1,
do Código Civil. Nas alegações do recurso de revista foi expressamente invocado
o artigo 43º, nº 1, do Decreto-Lei 427/89, de 7 de Dezembro, para daí retirar a
consequência da nulidade dos contratos celebrados com o Instituto ao arrepio do
regime previsto neste diploma (cf. supra ponto 2. do Relatório); no parecer do
Ministério Público, oportunamente notificado à ora reclamante, sustentou-se a
inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 44º do Decreto-Lei nº
427/89, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. supra ponto 3. do
Relatório e fl. 287 e ss. dos presentes autos). Num caso e noutro sempre por
referência ao artigo 47º, nº 2, da Constituição – todos os cidadãos têm o
direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em
regra por via de concurso.
Conforme jurisprudência do Tribunal Constitucional, o requisito da suscitação
prévia da questão de constitucionalidade compreende, salvo casos excepcionais
que no caso se não verificam, a exigência de que os recorrentes efectuem um
juízo de prognose relativamente à aplicação de determinada norma; um dever de
prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado; o ónus de
perspectivar as várias hipóteses razoáveis de selecção e interpretação do
direito potencialmente aplicável (neste sentido, cf. Acórdãos nºs 678/99,
573/2003 e 188/2007, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Resta, pois, concluir pelo indeferimento da reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e, em consequência, confirmar o
despacho reclamado.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Março de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão