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Processo n.º 2/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 169 e 170), ao abrigo do n.º 4 do
artigo 76º da LTC, do despacho da Ex.ma Senhora Juíza do Tribunal Administrativo
e Fiscal de Sintra que rejeitou recurso de inconstitucionalidade para o Tribunal
Constitucional (fls. 166 e 167), interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC, com fundamento na ausência de suscitação processualmente
adequada da questão relativa à norma extraída do n.º 4 do artigo 13º do Código
das Custas Judiciais [de ora em diante, CCJ], cuja inconstitucionalidade o
reclamante pretendia ver apreciada.
2. Em sede de vista, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público (fls. 180-verso)
pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação ora em apreço,
nos seguintes termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, a questão dos efeitos da natureza «solidária» da responsabilidade
dos litigantes pelas custas já se colocava, naturalmente, no momento em que foi
apresentado o requerimento de fls. 156, que o Tribunal «a quo» expressamente
configurou como consubstanciando uma reclamação contra a conta de custas –
cabendo, consequentemente, aos reclamantes o ónus de, nesse âmbito, suscitarem
as questões de inconstitucionalidade normativa que tivessem por pertinentes,
possibilitando a respectiva apreciação jurisdicional, no caso de a decisão a
proferir lhes ser desfavorável.”
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Com efeito, a decisão recorrida limita-se a reiterar jurisprudência por demais
consolidada neste Tribunal, no sentido da não admissão de recursos interpostos
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, por a questão de
inconstitucionalidade não ter sido suscitada de modo adequado, ou seja,
previamente, conforme decorre, aliás, do n.º 2 do artigo 72º do mesmo diploma
legal. Tal decisão encontra-se bem fundamentada e pondera, portanto, de modo
adequado o Direito aplicável à situação processual em causa. Frise-se também que
a decisão de dispensar o convite ao aperfeiçoamento (abstractamente permitido
pelo n.º 5 do artigo 75º-A da LTC) está de acordo com a jurisprudência deste
Tribunal, visto que – como refere a decisão recorrida – tal constituiria um acto
processualmente inútil.
Aliás, note-se que o próprio reclamante admite não ter suscitado
previamente tal questão, alegando, contudo, que tal omissão apenas ocorreu em
função da natureza imprevisível da interpretação concedida à norma. É, portanto,
a natureza imprevisível da interpretação normativa aplicável que importa
apreciar.
É verdade que, como já decidido por este Tribunal, os recorrentes podem
ser dispensados, a título excepcional, da invocação prévia da
inconstitucionalidade de normas aplicadas por decisões dos tribunais comuns,
sempre que não lhes for processualmente exigida a previsão de aplicação da norma
ou da interpretação normativa efectivamente aplicada. Note-se, contudo, que tal
sucede quando a aplicação da norma ou da interpretação normativa seja
objectivamente imprevisível ou insólita. Assim, ver:
a. Acórdão n.º 394/2005 – “A razão pela qual o Tribunal Constitucional tem
dispensado este ónus em casos excepcionais ou anómalos, como se refere na
decisão reclamada, é a de considerar não exigível antecipar um sentido
objectivamente inesperado, sobre o qual o recorrente não teve a oportunidade de
se pronunciar antes de proferida a decisão recorrida”;
b. Acórdão n.º 120/2002 – “Todavia, como este Tribunal também tem
salientado (assim, por exemplo, do citado Acórdão n.º 352/94), tal situação
sofre restrições 'em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado
não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de
inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final'. É o que acontece
também quando, pela natureza insólita ou surpreendente da interpretação (ou da
aplicação) da norma em causa efectuada pela decisão recorrida, não era exigível
ao recorrente que contasse com ela.
Entende-se que é esta a situação no caso presente – tal como, por exemplo, nos
casos dos Acórdãos 74/00 e 56/01 (ainda não publicados), considerando-se como
'decisão-surpresa', de conteúdo imprevisível para o recorrente, a decisão
proferida pelo tribunal recorrido, para rejeição do recurso em causa”;
Contudo, a natureza imprevisível, surpreendente ou insólita da norma
ou interpretação normativa efectivamente aplicada depende do preenchimento de um
grau reforçado de diligência do recorrente. Este grau de diligência implica uma
antecipação das diversas soluções jurídicas potencialmente aplicáveis ao litígio
controvertido, devendo aquele precaver-se contra a adopção de soluções que,
ainda que minoritárias, possam ser configuradas como objectivamente admissíveis
face à letra da lei. Só no caso de não ter sido possível antecipar a aplicação
de norma ou interpretação normativa contrária à Constituição da República –
sendo esta possibilidade sempre aferida de modo objectivo – é que será
admissível a dispensa de suscitação prévia da inconstitucionalidade. Neste
sentido, ver:
a. Acórdão n.º 489/94 – “O Tribunal tem considerado até que cabe às partes
considerar antecipadamente as várias hipóteses de interpretação razoáveis das
normas em questão e suscitar antecipadamente as inconstitucionalidades daí
decorrentes antes de ser proferida a decisão”);
b. Acórdão n.º 479/89 – “(…) não pode deixar de recair sobre as partes em
juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas
de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias
cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma
estratégia processual adequada). E isso – acrescentar-se-á – também logo mostra
como a simples «surpresa» com a interpretação dada judicialmente a certa norma
não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas
situações excepcionais (…) em que seria justificado dispensar os interessados da
exigência da invocação «prévia» da inconstitucionalidade perante o tribunal «a
quo».
Mas – e agora em segundo lugar – se alguma vez tal for de admitir, então haverá
de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita
e imprevisível, que seria de todo o ponto desrazoável a parte contar (também)
com ela”.
Sucede, porém, que no caso em apreço, a fundamentação do despacho recorrido
(fls. 160) assenta expressamente na existência de jurisprudência anterior do
Supremo Tribunal Administrativo, expressamente mencionada pelo Ministério
Público no Parecer emitido em sede de vista da reclamação da conta de custas
(fls. 158). Ora, nos termos do mencionado Acórdão, proferido, no âmbito do Proc.
n.º 01386/03, pela 1ª Subsecção de Contencioso Administrativo, em 15 de Janeiro
de 2004 – ou seja, em momento prévio à reclamação das custas por parte do ora
reclamante –, o Supremo Tribunal Administrativo já havia considerado que:
“Por outro lado, sendo solidária a condenação no pagamento das
custas, a concessão a alguns dos litigantes condenados do benefício de apoio
judiciário, não seria susceptível de alterar a natureza da obrigação, mesmo na
correcta consideração de lhes não poder ser exigido o pagamento das custas, de
cujo pagamento foram, oportunamente dispensados.
Para além do mais e nos termos do art. 512º/2 do CCivil, a obrigação não deixa
de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos
diversos, com diferente conteúdo de prestação.
Assim, sendo as custas da responsabilidade solidária de várias pessoas, gozando
alguma (s) delas de apoio judiciário, não há que discriminar o que cabe pagar a
cada devedor, por todos serem responsáveis pela totalidade da dívida, sem
prejuízo do especial regime de apoio judiciário, dispensando (que não isentando)
os seus beneficiários do respectivo pagamento, pelo o cumprimento da obrigação
lhes não poderia ser exigido.”
Independentemente de qualquer juízo de constitucionalidade que o Tribunal
Constitucional pudesse formular sobre tal interpretação normativa – que já não
pode ser apreciada nos presentes autos –, certo é que a aplicação da
jurisprudência supra aludida pela decisão ora reclamada não pode configurar-se
como insólita ou inaudita, antes afigurando-se como uma das interpretações que
qualquer sujeito processual, devidamente representado por mandatário judicial,
seria obrigado a equacionar. Tendo sido proferido aquele Acórdão pelo Supremo
Tribunal Administrativo, em momento anterior à reclamação de custas, o
reclamante estava obrigado a antecipar a possibilidade de o despacho de fls. 160
aplicar aquela mesma jurisprudência. Caso pretendesse sindicar a
constitucionalidade da interpretação normativa dada ao n.º 4 do artigo 13º do
CCJ, o reclamante mais não teria que suscitar, “ad cautelam”, logo no momento da
apresentação do requerimento de reclamação, a referida questão de
inconstitucionalidade normativa. Não o tendo feito então, não podia
posteriormente vir o reclamante interpor recurso com fundamento na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da LTC, na medida em que está obrigado a antecipar a
possibilidade de aplicação daquela interpretação normativa.
Em conclusão, o recorrente (e ora reclamante) não suscitou de modo
processualmente adequado a questão de inconstitucionalidade, pelo que andou bem
o tribunal recorrido quando recusou a admissão do recurso de
inconstitucionalidade, nos termos do n.º 2 do artigo 72º e do n.º 2 do artigo
76º da LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no do n.º 1 do artigo 77º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, e pelo fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão
reclamada de fls. 166 e 167 dos presentes autos, não se admitindo o recurso
interposto a fls. 162 a 164.
Fixam-se as custas devidas pelo recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º
do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro, sem prejuízo do regime de apoio
judiciário de que goza.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão