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Processo n.º 1113/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
A. e B., no processo crime em que foram condenados pela prática, em co-autoria
material, de um crime de burla, previsto e punível pelos artigos 313º e 314º,
alínea c), do Código Penal de 1982, pretenderam impugnar a decisão condenatória,
quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito, perante o
Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 17 de Maio de 2007, o tribunal de recurso entendeu ser de não
conhecer da decisão proferida quanto à matéria de facto, por os recorrentes não
terem cumprido o ónus de alegação que resulta do disposto no artigo 412º, n.º 3,
alínea b), do Código de Processo Penal, dizendo, além do mais, o seguinte:
[…] se analisarmos a motivação apresentada e as conclusões formuladas,
verificamos que embora os recorrentes manifestem discordar, em maior ou menor
medida, da decisão de facto proferida na 1ª instância, não especificaram os
factos que consideravam incorrectamente julgados (mais parecendo, como referem
os assistentes na sua resposta, que pretendem a reapreciação de todos os pontos
de facto) nem indicaram as provas que impunham decisão diversa (n.º s 3 e 4 do
artigo 412º [do Código de Processo Penal]), tendo-se limitado a afirmações
genéricas. E, relativamente ao exigido pela alínea b) do n.º 3 do referido
artigo 412º, os recorrentes não deram minimamente cumprimento a tal ónus, sendo
certo que, em parte alguma da motivação e muito menos nas conclusões,
especificaram, por referência aos suportes técnicos, as provas que, na sua
perspectiva, impõem decisão diversa da impugnada, isto é, não indicando a
localização da gravação dos depoimentos através dos quais fundamentam a sua
discordância relativamente aos pontos de facto que consideram incorrectamente
julgados.
Por isso, deve considerar-se que os recursos se restringem à matéria de direito,
o que, como resulta do corpo do n.º 2 do artigo 410º citado, não obsta à
apreciação daqueles vícios da sentença.
Em recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, os recorrentes sustentaram,
que “[é] inconstitucional, por violação das normas contidas no n.º 1 do artigo
32º e n.º 4 do artigo 20º, ambos da Constituição da República Portuguesa, a
interpretação (e decisão) perfilhada no Acórdão recorrido, no sentido de que a
falta de indicação, nas conclusões da motivação, das menções contidas nos n.º s
3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, tem como efeito a rejeição
liminar do recurso dos arguidos, sem que aos mesmos seja facultada a
oportunidade de suprir tal deficiência, convidando-se ao aperfeiçoamento” (cfr.
conclusão 20ª).
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 31 de Outubro de 2007, negou
provimento ao recurso, por entender que o convite para aperfeiçoamento das
conclusões apenas se justifica quando o recorrente, na própria motivação do
recurso, tenha cumprido o ónus de alegação, designadamente mediante a indicação
específica dos pontos de facto que reputa incorrectamente julgados, não
bastando, para esse efeito, uma mera impugnação genérica.
A esse propósito, invocou ainda o seguinte:
É verdade que o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça têm
decidido pela inconstitucionalidade do entendimento que rejeita o recurso quanto
à matéria de facto sem previamente convidar o recorrente a suprir as
deficiências e obscuridades das conclusões do mesmo – veja Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 529/2003, de 31. 10 […].
Compreende-se: são casos em que o recorrente expôs de forma válida e consistente
as razões concretas da sua discordância, mas depois, por lapso, não as assinalou
devidamente nas conclusões. Isto em nome de uma proibição de excesso, do
princípio da proporcionalidade (art.º 18.º n.º 2, da CRP), de compressão ao
mínimo dos direitos, essencialmente do arguido, na filosofia marcada ao direito
processual, que, enquanto instrumental, serve o direito material, substantivo.
Esse convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente no
corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é
meramente formal, antes com implicações gravosas ao nível substantivo, não
enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido
porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua
reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso,
com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade de
prazo de apresentação do direito ao recurso.
A correcção há-de mover-se dentro dos termos da própria motivação, e esta
conclusão mostra-se, hoje, inteiramente suportada pela lei, muito
particularmente pelo artigo 417º, n.º s 3 e 4, na redacção introduzida pela Lei
n.º 48/07, de 29/8, onde se consente, na concretização legislativa da
jurisprudência constitucional e sem o ser, o convite ao aperfeiçoamento das
conclusões em ordem à harmonização com a motivação, mas sempre dentro dos
limites da motivação do recurso. Neste sentido se pronunciou o Ac. do Tribunal
Constitucional, de 10.3.2004, n.º 140/2003 […].
O convite não vai ao ponto de “substituição ainda que parcial” da motivação; a
jurisprudência do Tribunal Constitucional não vai ao extremo de permitir, por
exemplo, ao arguido “apresentar uma segunda motivação de recurso, quando na
primeira não tivesse indicado os fundamentos do recurso ou a completar a
primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos” –
Ac. do Tribunal Constitucional n.º 259/02, de 18/6 […].
A jurisprudência constitucional nunca consagrou um genérico direito de
aperfeiçoamento nas novas conclusões.
Deste acórdão interpuseram A. e B. recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
pretendendo “ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3
do artigo 412º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a
falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções
contidas nas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso,
sem que seja facultado ao recorrente a oportunidade de suprir tal deficiência,
convidando-o ao aperfeiçoamento, tal qual entendeu o Tribunal da Relação de
Lisboa no Acórdão tirado nos presentes autos, interpretação essa sufragada pela
decisão do Supremo Tribunal de Justiça também aqui proferida”.
Tendo sido admitido o recurso no tribunal recorrido, o relator, no Tribunal
Constitucional, por decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º
1, da Lei do Tribunal Constitucional, decidiu dele não tomar conhecimento, com
base nas seguintes ordens de considerações:
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação
normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie.
Verifica-se, porém, que no presente caso este pressuposto processual não se
encontra preenchido, uma vez que o tribunal recorrido – tal como, aliás, o
Tribunal da Relação de Lisboa – não interpretou o n.º 3 do artigo 412º do Código
de Processo Penal no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da
motivação, de qualquer das menções contidas nas alíneas a), b) e c) tem como
efeito a rejeição liminar do recurso, sem que seja facultado ao recorrente a
oportunidade de suprir tal deficiência, convidando-o ao aperfeiçoamento: ou
seja, não perfilhou a interpretação normativa que os recorrentes censuram e
submetem à apreciação do Tribunal Constitucional.
E tal interpretação não foi perfilhada porque o tribunal recorrido atendeu, não
apenas à circunstância de as menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º
3 do artigo 412º do Código de Processo Penal não constarem das conclusões da
motivação que os recorrentes haviam apresentado, mas também à de essas menções
não constarem da própria motivação.
Dito de outro modo: o motivo pelo qual o tribunal recorrido entendeu que não era
de formular convite ao aperfeiçoamento não consistiu na falta de indicação, nas
conclusões da motivação, das menções a que se reporta o artigo 412º, n.º 3, do
Código de Processo Penal, mas na falta de indicação, tanto nas conclusões como
no corpo da motivação do recurso, dessas mesmas menções.
Não tendo a interpretação normativa que constitui o objecto do presente recurso
de constitucionalidade sido perfilhada na decisão recorrida, não pode dele
conhecer-se, por falta de preenchimento de um dos seus pressupostos processuais.
É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a conferência, em
que os reclamantes formulam, em conclusão, os seguintes fundamentos:
1ª- Haver-se entendido na decisão sumária que o objecto do recurso se encontra
fora do âmbito do conhecimento pelo Tribunal Constitucional, por em nenhum dos
acórdãos recorridos se haver feito interpretação de que a falta das
especificações contidas nos n.°s 3 e 4 do art.° 412° CPP nas conclusões da
motivação conduzem à rejeição liminar do recurso que verse matéria de facto;
2ª- Que tal rejeição se ficou a dever ao facto de as especificações indicadas
nessas normas, não estarem contidas nem nas conclusões, nem nos fundamentos ou
corpo da motivação;
3ª- Implicitamente, por apoio às teses da Relação de Lisboa e STJ, se considerar
com a decisão sumária que a eventual manifestação genérica e abrangente não é
susceptível de, por um lado ser considerada indicação — ainda que imperfeita—
das especificações a que os n.°s 3 e 4 do art.° 412° CPP aludem; e, por outro,
4ª- Que, assim indicadas (de forma genérica, abrangente), são insusceptíveis de
serem concretizadas nas conclusões,
5ª - Quando na realidade podem e devem ser concretizadas, resumidas (se é que
não estão já). Assim,
6ª - Mesmo que considerada imperfeita a especificação, é devido o convite ao
aperfeiçoamento no que toca às conclusões. Quando assim não se proceder
7ª - Tal equivale a “denegação de justiça”, ou não conferir aos arguidos um
processo equitativo no sentido lhe ser permitido um duplo grau de jurisdição no
que à matéria de facto se refere.
8ª- Que as decisões recorridas vêm ferindo os comandos constitucionais dos art°s
18°, n° 2, 20°, n° 1, e 32°, n° 1, da CRP.
O Exmo representante do Ministério Público respondeu, pronunciando-se no sentido
do indeferimento da reclamação por ser manifesto não ter sido aplicado, no
acórdão recorrido, o critério normativo a que o recorrente reportou o recurso de
fiscalização concreta interposto.
2. Fundamentação
Os reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo
ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 412º
do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a falta de
indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas
alíneas a), b) e c) desse preceito tem como efeito a rejeição liminar do
recurso, sem que seja facultado ao recorrente a oportunidade de suprir tal
deficiência, mediante convite de aperfeiçoamento.
Através da decisão ora reclamada, entendeu-se ser de não conhecer do objecto do
recurso, por não ter sido aplicada, na decisão recorrida, a norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional vinha posta em causa.
Na reclamação, sem discutirem propriamente a validade desta asserção, os
reclamantes limitam-se a considerar que a eventual indicação genérica das
especificações exigidas pelos n.°s 3 e 4 do art.° 412° Código de Processo Penal
não impedia que se formulasse o convite ao aperfeiçoamento no que toca às
conclusões, pelo que a decisão recorrida seria contrária ao disposto nos artigos
18°, n° 2, 20°, n° 1, e 32°, n° 1, da Constituição.
Como é sabido, o objecto do recurso de constitucionalidade é constituído pela
questão da conformidade constitucional do critério normativo que tenha sido
aplicado pelo tribunal recorrido, não cabendo ao Tribunal Constitucional
verificar a correcção da solução jurídica que tenha sido adoptada, a qual deve
ser considerada como um mero dado da questão.
Ora, o motivo do não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade,
tal como resulta com evidência do contexto da decisão sumária, foi a simples
circunstância de não ter sido aplicada pela decisão recorrida a interpretação
normativa que se pretendia ver sindicada.
De facto, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão da Relação, no
sentido do não conhecimento do recurso relativo à matéria de facto, por ter
considerado que os recorrentes não cumpriram, sequer na própria motivação do
recurso, o ónus de alegação exigível para efeito de obter a reapreciação da
matéria de facto; e não foi essa a questão que os reclamantes identificaram como
constituindo o objecto do recurso de constitucionalidade, já que no respectivo
requerimento de interposição de recurso aludem a uma interpretação segundo a
qual foi a falta de cumprimento do ónus processual na própria conclusão da
motivação que teria impedido a possibilidade de suprimento da deficiência.
O prosseguimento do recurso não teria, neste condicionalismo, qualquer efeito
útil, visto que qualquer que fosse o juízo formulado quanto à questão de
constitucionalidade, tal como foi identificada, não afectaria o sentido da
decisão recorrida.
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão