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Processo n.º 1059/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Nuns autos de expropriação em que são expropriados A. e mulher e expropriante a
Câmara Municipal de Celorico de Basto, o Tribunal da Relação de Guimarães, por
acórdão de 10 de Maio de 2007 (a fls. 7 e seguintes), concedeu provimento a um
recurso interposto pelos expropriados, pelos seguintes fundamentos:
Como as conclusões das alegações deixam transparecer, a questão decisiva que
sustenta a controvérsia subjacente a estes autos é a classificação da parcela
expropriada como solo apto para a construção ou solo apto para outros fins, em
harmonia com a previsão do n.º 1 do artigo 24º do DL n.º 438/91, de 9 de
Novembro, em vigor à data da Declaração de Utilidade Pública e por isso
aplicável no que a tal qualificação respeita.
Ora, nos termos de tal disposição legal, os “solos para outros fins” são
determinados por exclusão de partes, ou seja, são os que não são subsumíveis à
previsão dos n.º s 2 e 3 do referido artigo.
Mas a multiplicidade de situações que a vida real apresenta, conjugada com a
flexibilidade conceptual do próprio conteúdo das normas, torna por vezes difícil
a tarefa de qualificar os solos nos casos de fronteira, surgindo vozes a pugnar
pela interpretação extensiva/analógica das normas que definem o solo apto para a
construção.
Não subscrevemos tal entendimento pois, como se refere no Ac. R.Lx de Lisboa de
13/7/05 (Salazar Casanova) “não se justifica a interpretação extensiva do n.º 2
e 3 do artigo 24º do CE de forma a considerar outras situações de potencialidade
edificativa (salvo quando se revele abuso de direito ou situação similar por
parte da Administração), visto que a lei quis ela própria subsumir naquele
preceito os casos em que uma determinada parcela de terreno pela sua aptidão
edificativa justifica que seja classificada de solo apto para a construção.”
Como assinalámos em acórdão recente (apelação nº 2193/06) “o legislador, ao
definir solo apto para construção, não adoptou 'um critério abstracto de aptidão
edificatória, já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo incluído ou
integrado em prédios rústicos é passível de edificação, mas antes, um critério
concreto de potencialidade edificativa, sublinha Fernando Alves Correia na
Introdução ao Código das Expropriações e Outra Legislação sobre Expropriações
por Utilidade Pública, Aequitas. Editorial Notícias, 1992.
O legislador, ao proceder à identificação dos solos aptos para a construção,
teve na verdade em conta (…) elementos certos e objectivos espelhados na dotação
do solo com infraestruturas urbanísticas [artigo 24° nº 2, alínea a)], na sua
inserção em núcleo urbano [artigo 24º, nº 2, alínea b], na qualificação do solo
como área de edificação por um plano municipal de ordenamento do território
plenamente eficaz [artigo 24º nº 2,alínea c)] ou na cobertura do mesmo por
alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração
de utilidade pública [artigo 24º, nº 2, alínea d)].”
Assim, a aptidão construtiva traduz uma qualidade normativamente valorada: tem
aptidão construtiva o solo onde é legalmente possível construir de acordo com a
lei e os pertinentes regulamentos administrativos.
Mas ainda que devendo ser como se refere, subsistem as dificuldades de
caracterização da aptidão construtiva dos solos as quais induziram, ainda na
vigência do DL n.º 845/76, incontáveis decisões de inconstitucionalidade que
vieram a enformar algumas das inovações introduzidas pelo DL n.º 438/91, aqui
aplicável.
Com efeito, diz-se no preâmbulo deste diploma:
“(…) O novo Código, no seguimento do disposto no artigo 62°, n.º 2, da
Constituição, vem inovar em matéria da justa indemnização a atribuir aos
particulares pela expropriação dos seus terrenos para fins de utilidade pública,
sendo inegável que o cálculo da justa indemnização continua a ser uma das
questões mais delicadas de qualquer regime jurídico de expropriações por
utilidade pública. No cálculo do valor dos solos expropriados, o projecto, como
não poderia deixar de ser, tomou em consideração a jurisprudência do Tribunal
Constitucional a propósito do artigo 30° do Código ora revogado. O Tribunal
Constitucional tem considerado que o direito à justa indemnização se traduz num
direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias,
pelo que as suas restrições deverão limitar-se ao necessário para salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (Acórdãos nos
131/88, publicado no DR, I série, de 29 de Junho de 1988, e 52/90, publicado no
Diário da República, 1ª série, de 30 de Março de 1990).
Relativamente à jurisprudência do Tribunal Constitucional, e partindo da ideia
básica desta jurisprudência de que a não consagração na lei da potencial aptidão
da edificabitidade dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados
urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano violaria os princípios
constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei
(artigos 62º,n.º 2, e 1.°, n.º 1, da Constituição) entendeu-se, para efeitos do
valor a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos,
classificar o solo em apto para a construção e para outros fins.”
Ou seja, solo apto para a construção tanto pode ser aquele que, à luz das
pertinentes normas, já possui capacidade edificativa como aquele que reúne
condições para em futuro próximo vir a ter essa mesma capacidade.
Como se sublinha nos Acs. do TC nº 341/86 e 131/88 “ o ius aedificandi deve ser
considerado como um dos factores de fixação valorativa ao menos naquelas
situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva
capacidade edificativa.”
Porém, tal só acontece quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade
e não uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos
municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de
construção.”
No caso vertente temos então a seguinte situação: a parcela expropriada situa-se
no centro urbano de Celorico de Basto, confina com o parque da Central de
Camionagem (construída noutra parcela do mesmo prédio adquirida pela
expropriante para tal efeito em 8/5/86, cfr, fls 741 e segs); está a 100 metros
da escola secundária e a 400 da Câmara Municipal, como se fez constar do acórdão
arbitral de fls 216 e segs (entretanto foi edificado um novo edifício dos Paços
do Concelho numa parcela confinante com a destes autos).
Mas o prédio a que pertence a parcela expropriada está abrangido pela Reserva
Agrícola Nacional e assim foi caracterizado no PDM de C. aprovado no ano
anterior à DUP (Resolução do Conselho de Ministros nº 85/94, de 20/9), o que
implicou a desafectação pela Comissão Regional da Reserva Agrícola (fls 87 ou
85).
Como consta dos autos, a parcela a expropriar destina-se à construção do
“arruamento noroeste da sede do concelho” e fazia parte integrante de um prédio
que confina com a rua principal de C. (a Avenida da República).
Em 8/5/86 o Município expropriante adquiriu, por compra documentada a fls 741
uma parcela do mesmo prédio com a área de 4.405 m2 pelo preço de 6.750.000$00
(além de outros encargos) para a construção das infraestruturas da Central de
Camionagem do concelho.
A expropriação da parcela a que estes autos se respeitam inscreve-se num
desígnio mais abrangente e ambicioso que no projecto de candidatura de fls 33 é
apresentado do modo seguinte:
“A presente candidatura reporta-se a uma acção global de revitalização,
dinamização e qualificação de alguns espaços de valência supra municipal que a
Câmara Municipal possui na sede do concelho, mais propriamente no Quadrante
Noroeste da sede do concelho.
Estes espaços integram a zona de mais forte fixação de equipamentos colectivos e
de maior potencial em termos de expansão urbana, com pleno enquadramento em
termos de definições e orientações do PDM (em vigor) e do PU (em elaboração).
Subdivide-se em três acções conexas e complementares;
1-‘Valorização patrimonial e integração urbana da zona envolvente do Solar do
Prado”
2 –“Núcleo museológico de Basto (ligado à vinha e ao vinho)”;
3 - “Arruamentos da Zona Noroeste da Sede do Concelho – 1ª fase.”
(…)
Do exposto resulta à evidência que a situação em apreço não pode ser equiparada
à expropriação de uma qualquer parcela agrícola de um fértil vale transmontano
ou da lezíria ribatejana, hipoteticamente também eles integrados na RAN, para a
construção de uma estrada: trata-se aqui da ablação de uma parcela de um prédio
agrícola, mas para execução de uma nova centralidade urbana.
Ora foi exactamente esta situação que, na esteira da jurisprudência do TC, o CE
de 91 quis prevenir: obviar a que, manipulando os instrumentos ao seu dispor
para ordenar o território, a Administração se locuplete, adquirindo bens que ela
própria onerou para os afectar a finalidades absolutamente alheias à sua matriz
essencial e à finalidade que havia presidido à sua inclusão na RAN.
[…]
Não se desconhece naturalmente que o Tribunal Constitucional no que tange à
valorização do solo integrado na RAN se pronunciou pela inconstitucionalidade no
Ac. de 19/3/97 (junto a fls 344) mas decidiu exactamente em sentido oposto, por
exemplo, nos Acs. 20/00, 243/01 e 172/02.
Deu-nos, porém, explicação cabal dessa aparente discrepância no último dos
acórdãos (DR, II série de 3/6/2002) nos termos seguintes:
“Pode ler-se neste aresto nº 243/01 a este respeito:
«Do julgamento de inconstitucionalidade feito no citado Acórdão n.º 267/97 não
decorre, porém, que o dito n.º 5 do artigo 24” também seja inconstitucional
quando […] a parcela expropriada é destacada de um terreno integrado na Reserva
Agrícola Nacional com vista à construção de uma auto-estrada, em vez de, como
aconteceu no caso sobre que incidiu aquele aresto, o destino da parcela
expropriada ter sido a edificação de um quartel de bombeiros: desde logo porque,
embora em ambos os casos se tenha dado ao terreno expropriado uma utilização não
agrícola, na presente situação, a expropriação não pressupôs a libertação do
terreno daquela Reserva Agrícola, enquanto, na hipótese julgada naquele aresto,
foi necessário proceder à sua desafectação da referida Reserva.
Ora, quando o terreno expropriado é afectado à construção de uma auto-estrada,
não pode falar-se em aptidão edificativa: o terreno não a tinha, porque estava
integrado na Reserva Agrícola Nacional, e o destino que lhe é dado continua a
não revelá-la. E, por isso, não pode dizer-se que, num tal caso, haja injustiça
ou se viole a igualdade com o facto de, na indemnização a pagar ao expropriado,
se não entrar em linha de conta com a potencialidade edificativa do terreno:
esta, pura e simplesmente, não existia nem decorre da expropriação.
Como se sublinhou no Acórdão n.º 20/2000 (publicado no Diário da República, 2ª
série, de 28 de Abril de 2000) — que concluiu não ser inconstitucional a norma
constante do nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991,
“interpretada por forma a excluir da classificação de “solo apto para a
construção” solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para
implantação de vias de comunicação”—, a ratio decidendi daquele Acórdão n.º
267/97 baseou-se “não na desvinculação de uma utilização agrícola pela
expropriação ou na ilegitimidade de expropriação de prédios impostos na Reserva
Agrícola Nacional, mas na circunstância de, nesse caso, a interpretação
normativa em apreço conduzir à não consideração de “‘solo apto para a
construção” de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles se
construírem prédios urbanos, em que, portanto, a “muito próxima ou efectiva”
potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação — aliás
acompanhada de desafectação da Reserva Agrícola Nacional — ser efectuada para
edificação de construções urbanas”.»
E acrescentou-se nesse aresto:
“Em lugar da eliminação da utilização agrícola, é, pois, relevante, para tal
juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como ‘solo apto
para a construção’, a potencialidade edificativa efectiva que vai actualizar-se
na construção visada pela própria entidade expropriante
O que interessa, para efeitos de ‘justa indemnização’, não é o facto de o
terreno deixar de ter aptidão agrícola — como acontece quer na construção de um
prédio urbano quer com os terrenos nos quais se constrói uma auto-estrada —,
pois isso não afecta a necessidade da sua qualificação como ‘solo apto para a
construção’. Relevante para esse efeito é, sim, o facto de terem ou não uma
muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o
expropriante lhe dar uma utilização para construção.»
Não se ignora também que a parcela expropriada se destina à construção de um
arruamento na zona noroeste da sede do concelho, o que poderia sugerir estarmos
em situação análoga à equacionada nos acórdãos a que respeita a citação
transcrita.
Manifestamente seria desvirtuar em absoluto o espírito das referidas decisões:
não existe nenhuma similitude entre um arruamento executado com o único
propósito de servir uma nova centralidade urbana e uma via de comunicação que
atravesse o concelho e que, por imperiosa necessidade, tivesse de ocupar terreno
da RAN.
Como os autos evidenciam, a expropriante adquiriu por compra uma parcela do
prédio em 86 para construção da Central de Camionagem e já na pendência deste
processo promoveu a expropriação de uma nova parcela “para construção dos
arranjos exteriores do novo edifício dos Paços do Concelho” (Ac. de fls 1148).
Os levantamentos topográficos (v.g. fls 318 e 979) mostram-nos que o arruamento
intencionado pela expropriante dá seguimento à rua que serve a Piscina
Municipal, a Escola C+S e o Pavilhão Gimnodesportivo.
Em suma, a parcela situa-se no centro de C. como é reconhecido por todos no
processo!
Sabe-se que a definição da RAN corresponde a uma necessidade estratégica de
preservar a aptidão agrícola de solos de elevado potencial, ou que foram objecto
de importantes investimentos com tal finalidade (tarefa tanto mais ingente
quando se sabe que só 12% dos solos nacionais tinham tal aptidão, segundo se
informa no DL 196/89).
Por isso, no artigo 8º, n.º 1, alínea a) do mencionado diploma estabelece-se que
(…) “os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo
proibidas (…) as obras hidráulicas, vias de comunicação, construção de
edifícios, aterros e escavações.”
Como o expropriado certeiramente assinala, não se integram na RAN os solos
destinados a expansões urbanas consignados em PDM, em planos de urbanização, em
áreas de desenvolvimento urbano prioritário (…) nem os solos destinados à
construção que se encontrem dentro dos limites ou perímetros dos aglomerados
urbanos definidos por PDM e planos de urbanização plenamente eficazes (alíneas
a) e b) do artigo 7º do diploma citado).
Como pode o PDM ratificado em 20/9/94 continuar a incluir o prédio na RAN,
quando já nele construíra a Central de Camionagem e se propunha destacar várias
parcelas para a construção de novos edifícios?
Deverá aqui lembrar-se o que se escreve sobre o tema no Ac. do TC 172/02 já
atrás citado:
“Conforme sustenta V. Alves Correia (…), o sentido profundo daquela primeira
decisão “é o de impedir que a Administração, depois de ter integrado um
determinado terreno na RAN — integração essa de que resulta uma proibição de
construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal proibição é
uma mera consequência da vinculação situacional da propriedade que incide sobre
os solos integrados na RAN, isto é, um simples produto da situação factual
destes, da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas características
intrínsecas— venha posteriormente a desafectá-lo com o fim de nele construir um
equipamento público, pagando pela expropriação um valor correspondente ao de
solo não apto para a construção. Na verdade, acrescenta-se, “se o Tribunal
Constitucional coonestasse um tal comportamento da Administração e não julgasse
inconstitucional a norma do artigo 24.º, n.º 5, do CE na referida interpretação,
estaria a legitimar a manipulação das regras urbanísticas por parte da
Administração, que poderia traduzir-se na integração de um terreno na RAN,
desvalorizando-o, para mais tarde o desafectar para nele construir, adquirindo-o
por expropriação, e pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto
para a construção”.
Em resumo, a indemnização a arbitrar há-de ter em consideração a evidente
capacidade edificativa da parcela, decorrente da sua localização, sob pena de
ser violado o princípio da igualdade, no cotejo da situação dos expropriados com
a dos demais proprietários de terrenos circundantes.
[…]
Do atrás exposto resulta que o custo de construção por metro quadrado a
considerar é de 49.000$00 (0,7x70.000$00) sobre o qual se aplica a percentagem
de 18,5% em ordem a determinar o valor bruto para efeito do cálculo
(49.000$00x0.185 =9.065$00).
Ao valor assim encontrado, deduz-se então a percentagem de 40% para despesas de
infraestruturas, resultando o valor líquido do metro quadrado (5.439$00) que,
multiplicado pela área da parcela, nos dá o valor da indemnização atinente ao
terreno (23.833.698$00).
Tal valor, adicionado do atinente ao moinho (€ 2.450,00) e deduzido de €
1.244,72 arbitrado a favor do arrendatário pela caducidade do encargo que
onerava a parcela, dá-nos com rigor a indemnização a pagar aos expropriados,
operada a pertinente conversão na moeda actual: € 120.087,26.
Por fim refere-se que o valor arbitrado deve ser actualizado desde a publicação
da declaração de utilidade pública (2/2/96), de acordo com a evolução do IPC,
sem habitação e relevando o pagamento por conta a que se reporta a cota de fls
262vº em harmonia com o Ac do STJ nº 7/01”.
A Câmara Municipal de Celorico de Basto arguiu a nulidade deste acórdão (a fls.
29 e seguintes), alegando que, em tal acórdão, se havia desaplicado, com
fundamento em inconstitucionalidade, a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das
Expropriações de 1991, desconsiderando-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional
n.º s 20/2000 e 172/2002, nos quais se entendera não ser inconstitucional tal
norma, interpretada por forma a excluir da classificação como “solo para
construção” solos integrados na Reserva Agrícola Nacional, expropriados para
implantação de vias de comunicação; mais alegou que, no mesmo acórdão, se havia
desaplicado a norma do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, bem como
a do artigo 26º do mesmo Código, “na interpretação de que devem ser considerados
solos aptos para construção” os terrenos que, mesmo sem aptidão construtiva,
pelo facto de, pelo instrumento urbanístico aplicável (PDM), se integrarem na
RAN, deverem como tal ser considerados, somente pelo facto de se situarem no
núcleo urbano (sede do concelho), mas sem disporem de acesso rodoviário e serem
dotados de quaisquer infra-estruturas urbanísticas”.
A arguição de nulidade foi julgada improcedente, por acórdão de fls. 26 e
seguintes, no qual se refere, entre o mais, que nem no acórdão anterior fora
emitido qualquer juízo de constitucionalidade sobre qualquer das normas
referenciadas pela reclamante, nem a reclamante imputava a esse acórdão qualquer
omissão ou excesso de pronúncia. E acrescenta-se:
“Com efeito, pretende o requerente não ter sido levado em conta o teor do n°5 do
artigo 24° do Decreto-Lei n° 438/91, de 9 de Novembro, que manda equiparar a
solo para outros fins” o solo que por lei ou regulamento, no possa ser utilizado
na construção.
A fls 10,11 e 12 do acórdão relatámos o percurso da jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre o tema, sendo naturalmente vicioso renovar aqui tudo quanto
na circunstância se escreveu.
Será todavia pertinente questionar a legitimidade do município para invocar o
PDM que ele próprio fez aprovar e a integração da parcela na Reserva Agrícola
Nacional, quando em sucessivas intervenções acabou aparentemente por se
apropriar da totalidade do prédio para nele construir equipamentos e
infraestruturas absolutamente estranhas à vocação produtiva que determinara tal
integração.
Crê-se mesmo que a conduta da expropriante será até paradigmática no que tange à
manipulação das regras urbanísticas por parte da Administração” de que nos fala
Aves ureia citado no Ac. do LO. n° 172/02, pois aprovou a inclusão do prédio no
PDM como terreno da reserva agrícola nacional, para depois dele se apropriar
para fins absolutamente estranhos à actividade agrícola (como se assinalou a
expropriante apropriou-se de 1Q.497m2 muito embora na descrição conste que o
prédio tem apenas 10.100 m2).
Deveria a entidade expropriante ter promovido a alteração da delimitação da RAN
e a consequente reclassificação dos terrenos, sob pena de a sua conduta ser
justamente apontada como pré-ordenada a obter por baixo custo os terrenos para a
expansão urbana que intencionava.
E foi por isso que nos perguntámos “como pode o POM ratificado em 20/9/94
continuar a incluir o prédio na RAN, quando já nele construíra (a expropriante)
a Central de Camionagem e se propunha destacar várias parcelas para a construção
de novos edifícios?”
Foram analisadas na decisão, com abundantes referências jurisprudenciais, as
razões justificativas da valoração da parcela, não se justificando a sua
renovação nesta sede.
Como os expropriados assinalam, o recente acórdão do T.C. n°234/2007 (DR, II
série de 24 de Maio) segue na mesma linha ao decidir não julgar inconstitucional
a norma do artigo 26°, n° 12, do CE, no sentido de permitir que solos integrados
na RAN à data da DUP, expropriados para implantação de vias de comunicação,
possam ser avaliados em função do valor médio das construções existentes ou que
seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro
exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada”
Concede-se que, em princípio, uma parcela de terreno integrado na RAN e
expropriada para implantação de uma via de comunicação não deva ser valorada
como solo apto para a construção pela óbvia razão de lhe estar coarctada por lei
tal edificabilidade.
Mas, se tal via se destinar a melhorar as acessibilidades dos prédios urbanos
confinantes da parcela expropriada ou infraestruturar o terreno para as demais
construções intencionadas pela expropriante, seria uma intolerável violação do
principio da igualdade pretender valer-se da classificação do terreno, pois
estar-se-ia a onerar os expropriados em beneficio dos proprietários confinantes.
Diremos então, na esteira do citado Ac. do TC n°234/Q7, que ‘penalizar os
expropriados nestas circunstâncias quando o seu prédio foi sujeito a
classificação de RAN, depois desafectado dela nesta parcela por força do
interesse público, nos termos das limitações resultantes do artigo 9º do
Decreto-Lei n° 196/89, de 14 de Junho, e continuar a considerá-lo como solo
agrícola integrado na RAN para efeitos de atribuição de indemnização por
expropriação, quando a respectiva parcela expropriada tem na sua envolvente
solos classificados como os que constam no n° 12, do artigo 26° do CE (solos
para infraestruturas), seria, no caso, desrespeitar o princípio constitucional
da igualdade que a justa indemnização postula.”
Como quer que seja, tal análise respeita ao mérito da decisão que não ao vício
nela surpreendido pelo município expropriante, cuja arguição se revela,
flagrantemente, desprovida de fundamento.”
A Câmara Municipal de Celorico de Basto interpôs então, a fls. 73 e seguinte,
recurso para o Tribunal Constitucional, “ao abrigo do disposto no artigo 69° e
alínea a) do artigo 70º e artigo 75º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com
as alterações introduzidas pelas Leis n.º s 143/85, de 26 de Novembro, 85/89, de
7 de Setembro, 88/95, de 1 de Setembro e 13-A/98, de 26 de Fevereiro”,
pretendendo a apreciação das seguintes normas, “por violação dos princípios da
igualdade” (artigo 13º da CRP) e da ‘justa indemnização” (artigo 62º, n.º 2, da
CRP)”:
“a) O artigo 24, n.º 5, do CE/91, quando interpretado por forma a excluir a sua
aplicação em relação a solo integrado na RAN, e destinado, com a expropriação, à
implantação de uma via de comunicação, classificando-o como “solo apto para
construção”;
b) O artigo 24º, n.º 2, do mesmo Código, em conjugação com o artigo 26º do
citado Código, quando interpretado por forma a considerar como “solo apto para
construção” o que, embora situado na sede do concelho, não está dotado de
quaisquer infraestruturas urbanísticas”.
O recurso para o Tribunal Constitucional não foi, porém, admitido, por despacho
de 13 de Setembro de 2007, a fls. 30, pelos seguintes fundamentos:
“Pretende o município expropriante interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, alegando fazê-lo ao abrigo do disposto no art°69°, alínea a), do
art° 70º e art° 75°-A, da Lei n°28/82, de 16 de Novembro”, na sua actual
redacção.
Como já se sublinhou no acórdão de fls 1219 tirado em conferência sob arguição
de nulidade do anteriormente proferido, “não foi emitido qualquer juízo de
constitucionalidade sobre nenhuma das normas referenciadas” (no requerimento de
arguição de nulidade).
Com efeito, não foi proferida decisão recusando a aplicação de qualquer norma
com fundamento na sua inconstitucionalidade, do mesmo modo que não foi aplicada
norma cuja inconstitucionalidade tivesse sido arguida no processo.
Não vem igualmente imputada à decisão qualquer dos vícios previstos nas demais
alíneas do artigo 70° da lei referida, acrescendo que o sentido da mesma veio
mesmo a ser sufragado pelo Tribunal Constitucional no seu Ac. n°234/07, como
também já se disse.
Assim, porque inexiste decisão a recusar a aplicação de qualquer norma com base
na sua inconstitucionalidade, carece o recurso de objecto, razão por que não se
admite.”
Deste despacho reclamou a Câmara Municipal de Celorico de Basto para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal
Constitucional, nos seguintes termos (cfr. fls. 2 e seguinte):
“1- A não admissão do requerido recurso fundamentou-se no facto de que não foi
proferida decisão recusando a aplicação de qualquer norma cuja
inconstitucionalidade tivesse sido arguida no processo.
2- Salvo o devido respeito, na arguição de nulidade foi invocado o art. 24°,
n°5, do CP/91, que o douto acórdão recorrido desaplicou quando classificou a
parcela expropriada como “solo para construção”, não obstante este se integrar
na RAN,
3- contrariando a numerosa e abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional
quanto à implantação de vias de comunicação em solo classificado como de reserva
agrícola.
4- O invocado Acórdão do T.C. n° 234/2007 do TC, não altera – nem pretende
alterar — o sentido de tal jurisprudência, como se alcança, aliás, do douto
Acórdão n° 238/2007, do mesmo Tribunal.
5- Aliás, o art. 204° da CRP é bem explícito em preceituar que os tribunais
também devem respeitar os princípios consignados na Constituição, como os
invocados princípios da “igualdade” e da “justa indemnização.
6- Por outro lado, o douto acórdão recorrido também violou tais princípios,
desaplicando o disposto nos art.s 24° e 26° do mesmo Código, na singular
interpretação de que estando a parcela expropriada em núcleo urbano (sede) do
concelho, sem dispor de acesso rodoviário, nem ser servida por quaisquer
infra-estruturas urbanísticas, seja a mesma classificada como “solo apto para
construção”.
7- Não deixará de se salientar que não tem qualquer apoio factual — tendo em
vista a manipulação das regras urbanísticas por parte da Administração — que à
data da DUP (2/02/1996) o local tenha qualquer centralidade urbana — a Central
de Camionagem foi construída para fins de circulação rodoviária e não
urbanísticos — estando o edifício da Câmara Municipal bem longe do mesmo (a
cerca de 400 metros).
8- A expropriante não tem culpa que este processo tenha demorado a decidir cerca
de 11 anos e a centralidade do concelho se tenha, entretanto, alterado.
9- A expropriante limitou-se a expropriar a parcela do terreno necessária para a
construção do arruamento, mantendo-se os expropriados como proprietários dos
terrenos confinantes.
10- À data da DUP a parcela de terreno tinha “características eminentemente
rurais” (cfr. item 29 da matéria de facto), sendo utilizada na produção
agrícola, pelo que o seu dono, bem como os restantes proprietários da zona, não
tinham qualquer expectativa razoável de os seus terrenos serem destinados à
construção (até porque não tinham acesso rodoviário).
11- O legislador ao definir “solo apto para construção’’, não adoptou um
critério abstracto de aptidão edificatória, como o de situar num núcleo
pretensamente urbano, mas que, concretamente, não constituindo uma “muito
próxima ou efectiva potencialidade edificativa”, como tem sido apanágio da
jurisprudência constitucional.
l2- Como se diz no Acórdão da Relação de Évora de 14/04/94 in CJ 1994, T.2, 265,
“as decisões judiciais podem enfermar de inconstitucionalidade indirecta na
medida em que na sua parte dispositiva aplicam norma feridas daquele vício.”
O despacho reclamado foi mantido, por despacho de fls. 5.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu
à reclamação, nos seguintes termos (cfr. fls. 76 e seguinte):
“A questão suscitada pela presente reclamação traduz-se em saber se o acórdão
recorrido terá procedido a uma desaplicação implícita das normas que integram o
objecto do recurso.
Não nos parece que tal se haja verificado no que respeita à norma constante do
artigo 24º, n.º 2, do C. E. de 1991, já que – ao contrário do sustentado pela
entidade reclamante – a qualificação do solo expropriado como apto para
construção se baseou precisamente na sua efectiva e iminente capacidade
edificativa, decorrente da sua “centralidade” urbana – e, portanto, da
contiguidade do solo expropriado aos equipamentos e infraestruturas que
caracterizam tal “centralidade”. Ora, como é evidente, tal juízo “fáctico” do
Tribunal “a quo” não é sindicável no âmbito do presente recurso de
constitucionalidade.
Admitimos, porém, quanto à outra norma especificada pela entidade recorrente – a
constante do artigo 24º, n.º 5, do mesmo Código – que o raciocínio jurídico
subjacente à fundamentação que consta do acórdão recorrido comportou
efectivamente uma implícita desconsideração, por razões de ordem constitucional,
do regime normativo segundo o qual os solos situados em áreas abrangidas pela
RAN não podem – independentemente das suas características “físicas” e da sua
maior ou menor proximidade de um “núcleo urbano” – ser tidos como
“juridicamente” aptos para construção.
Na verdade, face à estatuição constante do referido preceito legal, a mera
inserção do solo expropriado na área da RAN implicava a existência de um
obstáculo regulamentar à possibilidade de nele se edificar (que o acórdão
recorrido, aliás, bem sentiu e notou ao determinar qual o “índice de construção”
num espaço “onde seria suposto não se poder construir”) – o qual foi, afinal,
afastado através da invocação do princípio da igualdade (cfr. p. 1197 e 1221).
Ou seja: funcionou como efectiva “ratio decidendi” do acórdão recorrido a
constatação de que a “negação da evidente capacidade edificativa da parcela,
decorrente da sua localização”, em termos de “centralidade urbana”, que decorria
da aplicação do regime normativo “formalmente” consagrado no n.º 5 do artigo 24º
do CE (que privilegia os obstáculos regulamentares ao direito de edificação,
relativamente à capacidade edificativa “naturalística” dos terrenos, decorrente
da sua proximidade à malha urbana) implicaria violação do princípio
constitucional da igualdade – o que traduz, precisamente, a nosso ver, a
formulação de um juízo de implícita desaplicação da referida norma legal,
conduzindo ao deferimento parcial da reclamação”.
II. Fundamentação
O recurso de constitucionalidade cuja admissão se pretende foi interposto ao
abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
pelo que constitui seu pressuposto processual a recusa de aplicação da norma
submetida à apreciação do Tribunal Constitucional, com fundamento na sua
inconstitucionalidade.
Cumpre, portanto, verificar se o tribunal recorrido recusou a aplicação - por
entender que são inconstitucionais - das seguintes normas (que são aquelas que
vêm identificadas no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade):
- a do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, preceito que
estatui que “[p]ara efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo
para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na
construção”;
- a do artigo 24º, n.º 2, em conjugação com o artigo 26º, ambos do mesmo Código,
que respectivamente estabelecem quais os solos que se consideram aptos para
construção e como se calcula o valor dos solos para outros fins.
Segundo a reclamante, a recusa de aplicação da primeira norma teria levado o
tribunal recorrido a considerar como “solo apto para construção” o solo
integrado na RAN, e destinado, com a expropriação, à implantação de uma via de
comunicação; a recusa de aplicação da segunda norma, por seu lado, teria levado
o tribunal recorrido a considerar como “solo apto para construção” o solo que,
embora situado na sede do concelho, não está dotado de quaisquer infraestruturas
urbanísticas.
Relativamente a esta segunda norma – a do artigo 24º, n.º 2, em conjugação com o
artigo 26º, ambos do Código das Expropriações de 1991 -, salienta o Ministério
Público, na resposta à reclamação, que não houve qualquer recusa de aplicação
(ainda que implícita) pelo tribunal recorrido, pois que a consideração do
terreno em causa como solo apto para construção resultou imediatamente da
aceitação da sua efectiva e iminente capacidade edificativa, decorrente da sua
centralidade urbana, não tendo subjacente a formulação de qualquer juízo de
inconstitucionalidade sobre o entendimento contrário.
Aceita-se esta conclusão, pois que, como se lê no acórdão recorrido (cfr. fls.
15), “a parcela expropriada situa-se no centro urbano de Celorico de Basto,
confina com o parque da Central de Camionagem (construída noutra parcela do
mesmo prédio adquirida pela expropriante para tal efeito em 8/5/86 […]); está a
100 metros da escola secundária e a 400 da Câmara Municipal […]”.
Não pode, assim, conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade, no
que à segunda norma identificada pelo recorrente diz respeito, por não ter o
tribunal recorrido recusado a sua aplicação, com fundamento em
inconstitucionalidade: o que também significa que, nesta parte, improcede a
presente reclamação.
Relativamente à norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991,
verifica-se, percorrendo o texto do acórdão recorrido, bem como o daquele que
desatendeu a arguição de nulidade desse acórdão, que o tribunal recorrido não
recusou expressamente a sua aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade;
aliás, no despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, ora
reclamado, nega-se frontalmente a existência de tal recusa de aplicação.
Terá, todavia, ocorrido uma recusa implícita de aplicação dessa norma, com
fundamento em inconstitucionalidade, como admite o Ministério Público na
resposta à reclamação?
Aparentemente, poderia formular-se uma resposta afirmativa, uma vez que tanto o
acórdão recorrido como aquele que desatendeu a arguição de nulidade referem
numerosa jurisprudência constitucional e apelam a princípios constitucionais, o
que permite inferir que a solução acolhida pelo tribunal recorrido traduz um
juízo de inconstitucionalidade sobre qualquer entendimento que se mostre
contrário ao daquela solução; mas, por outro lado, tais circunstâncias não são
suficientes para concluir que a razão da não aplicação de certa norma residiu na
consideração da sua inconstitucionalidade, pois que a solução encontrada pelo
tribunal recorrido pode ter decorrido imediatamente da utilização das regras
gerais de interpretação, funcionando a jurisprudência constitucional e os
princípios constitucionais como mero reforço argumentativo.
Julga-se que, no caso dos autos, a solução acolhida pelo tribunal recorrido
assentou, antes do mais, no elemento teleológico de interpretação, pois que este
tribunal partiu do princípio de que o Código das Expropriações de 1991
pretendeu, “na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional”, “obviar a
que, manipulando os instrumentos ao seu dispor para ordenar o território, a
Administração se locuplete, adquirindo bens que ela própria onerou para os
afectar a finalidades absolutamente alheias à sua matriz essencial e à
finalidade que havia presidido à sua inclusão na RAN” (cfr. o acórdão recorrido,
a fls. 16).
Isto é, o tribunal recorrido partiu do princípio de que a inaplicabilidade, ao
caso concreto, do disposto no artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de
1991, resultava imediatamente dos fins que presidiram à elaboração do Código
(ainda que “na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional”): não houve
recusa de aplicação do preceito, com fundamento na sua inconstitucionalidade,
desde logo porque se excluiu a susceptibilidade de o preceito ser aplicado ao
caso concreto.
O acórdão que desatendeu a arguição de nulidade confirma a conclusão segundo a
qual a razão determinante para a não aplicação do referido artigo 24º, n.º 5,
não consistiu na sua inconstitucionalidade, mas na razão de ser do próprio
preceito, atendendo à muito duvidosa “legitimidade do município para invocar o
PDM que ele próprio fez aprovar e a integração da parcela na Reserva Agrícola
Nacional, quando em sucessivas intervenções acabou aparentemente por se
apropriar da totalidade do prédio para nele construir equipamentos e
infraestruturas absolutamente estranhas à vocação produtiva que determinara tal
integração” (cfr. fls. 27): na verdade, acrescenta-se, “[d]everia a entidade
expropriante ter promovido a alteração da delimitação da RAN e a consequente
reclassificação dos terrenos, sob pena de a sua conduta ser justamente apontada
como pré-ordenada a obter por baixo custo os terrenos para a expansão urbana que
intencionava” (ibidem).
São estas considerações de ordem ética - que enformam, na perspectiva do
tribunal recorrido, a teleologia do artigo 24º, n.º 5, do Código das
Expropriações de 1991 - que imediatamente justificam a qualificação do terreno
em causa como “solo apto para a construção”, e não quaisquer considerações
acerca da inconstitucionalidade de um hipotético (porque não querido pelo
próprio legislador) entendimento oposto.
Ou, dito de outro modo, as razões de ordem constitucional que o tribunal
recorrido invoca – concretamente, a de que “a indemnização a arbitrar há-de ter
em consideração a evidente capacidade edificativa da parcela, decorrente da sua
localização, sob pena de ser violado o princípio da igualdade, no cotejo da
situação dos expropriados com a dos demais proprietários de terrenos
circundantes” (cfr. o acórdão recorrido, a fls. 19), ou a de que se a via de
comunicação (para cuja implantação serve a parcela de terreno integrado na RAN e
expropriada) “se destinar a melhorar as acessibilidades dos prédios urbanos
confinantes da parcela expropriada ou infraestruturar o terreno para as demais
construções intencionadas pela expropriante, seria uma intolerável violação do
princípio da igualdade pretender valer-se da classificação do terreno, pois
estar-se-ia a onerar os expropriados em benefício dos proprietários confinantes”
(cfr. o acórdão que desatendeu a arguição de nulidade, a fls. 28) – surgem, na
economia do acórdão recorrido, a título de mero reforço argumentativo para a
eventualidade se se não concordar com a interpretação da lei que se perfilhara,
e não como razões justificativas para o afastamento da solução que imediatamente
resulta da lei.
Não pode, assim, também quanto à primeira norma identificada no requerimento de
interposição do recurso, conhecer-se do objecto deste, por falta de
preenchimento de um dos seus pressupostos processuais: consequentemente,
improcede igualmente a reclamação, nesta parte.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação,
mantendo-se o despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão