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Processo n.º 964/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não
tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Junho de 2007, que rejeitou o recurso
interposto do despacho da Juíza de Instrução Criminal da Moita.
2 – Como fundamentos da sua reclamação, a reclamante aduziu o
seguinte:
«1- Da problemática de suscitar a questão da constitucionalidade no
momento processual adequado.
A questão fulcral que a ora reclamante pretende ver discutida prende-se com o
facto de a queixosa B. ter apresentado queixa por crime de natureza particular,
em Setembro de 2005, momento em que requereu a sua constituição como assistente.
Todavia, só em Junho de 2006, veio requerer a junção aos autos de procuração
forense através da qual veio constituir mandatário. Nesse requerimento em que
junta procuração, de que a ora reclamante foi notificada para efeitos de deduzir
oposição, a referida queixosa diz “ foi notificada para juntar procuração aos
autos”. Em seguida a Mma. Juiz de instrução Criminal verifica os pressupostos da
requerida constituição como assistente e defere-a.
Foram pedidos esclarecimentos, nomeadamente porque é que não foi tida em conta a
oposição deduzida, o que foi recusado.
Salienta-se desde já que o processo estava e está em fase de inquérito, ou seja,
em segredo de justiça, não podendo a ora impetrante consultá-lo para efeitos de
esclarecer quaisquer dúvidas quanto ao facto de quem é que notificou a queixosa
para juntar procuração aos autos.
Assim, não lhe restou outro remédio senão interpor recurso, onde alegou, em
suma, que
“Todavia, antes de ter sido proferido despacho a admitir tal constituição, foi a
ora recorrente notificada para se pronunciar sobre tal pedido. Com essa
notificação foi junto um requerimento, apresentado em juízo em 30 de Junho de
2006, subscrito por advogado, e onde a queixosa refere que foi notificada para
juntar procuração aos autos, notificação essa que se desconhece se existiu ou
não.
No entanto, caso tenha efectivamente existido despacho judicial a ordenar que a
queixosa constitua mandatário, suprindo assim as deficiências do requerimento em
que solicita a constituição como assistente, tal despacho é ilegal por carecer
de fundamento legal. É que, em processo penal não existe o chamado “convite ao
aperfeiçoamento” e muito menos a lei prevê que o Tribunal possa determinar, por
despacho, que alguém seja obrigado a constituir mandatário judicial.
Aliás, salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa, nem ao arguido a
lei impõe tal conduta, pois neste caso sempre que o Juiz verifique a ausência de
mandato nomeia ao arguido um defensor.
Dispõe o Art. 40º do C. Processo Civil que o Juiz deve notificar a parte nos
casos de falta de procuração, insuficiência ou irregularidade do mandato.
Todavia este não é o caso dos autos em que o mandato é inexistente na data em
que o requerimento foi apresentado.
E não se argumente com o disposto no art. 33º do CPC, uma vez que tal normativo,
a aplicar-se ao Processo Penal por analogia, no caso vertente, sempre implicaria
uma diminuição das garantias do arguido pelo que não lhe é aplicável.”
Ou seja, a ora reclamante estava convicta de que o douto despacho a convidar a
denunciante a juntar procuração aos autos era da autoria da Juiz de instrução
Criminal!!!
E quando é que a ora reclamante tem conhecimento de que afinal fora o Ministério
Publico, “o dono do inquérito”, que efectuou tal notificação/convite??
No douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa!!!!!!
Atendendo a que a ora reclamante não tem poderes sobrenaturais, nem de
adivinhação, estaria em condições de, num processo em fase de segredo de
justiça, em que a JIC lhe nega esclarecimentos, de saber que fora o Ministério
Público que convidara a queixosa a reunir os pressupostos legais para a
constituição como assistente fora do prazo legal de 8 dias após a apresentação
da queixa, tal como é exigido para os crimes de natureza particular?
É que a ora recorrente tem consciência de que qualquer ofendido pode
constituir-se assistente até cinco dias antes da audiência de julgamento, mas o
que aqui está em causa é a legitimidade para deduzir acusação particular.
É pois, manifesto que a ora recorrente foi surpreendida, no douto acórdão do
Tribunal da Relação, com um facto insólito: o de saber que foi a convite do
Ministério Publico que foi suprida, extemporaneamente, a inexistência de um dos
requisitos necessários ao deferimento da requerida constituição como assistente:
a constituição de advogado.
Dai que ao invocar a questão da inconstitucionalidade o tenha feito no sentido
interpretativo/normativo do disposto no art. 68°, nº 2 do CPP, no sentido de que
o queixoso poder reunir os pressupostos para a requerida constituição como
assistente, fora do prazo legal de oito dias, desde que o faça a convite do
Ministério Público.
Por último, sempre se diga, em jeito de desabafo que a Convenção Internacional
dos Direitos do Homem garante a todos os cidadãos o direito a um processo justo
e equitativo, todavia, in casu, estamos muito longe disso por várias razões:
1º Nega-se o acesso aos autos através do segredo de justiça;
2° Negam-se os esclarecimentos solicitados sobre decisões duvidosas;
3° Fazem-se “convites” de forma a que possam ser contornados prazos processuais
de forma a que se possam reunir requisitos legais fora do prazo legal,
beneficiando claramente uma das partes.
4º Nega-se o acesso à consulta dos autos por causa do segredo de justiça;
5° A recorrente só fica a saber o que se passou em decisão proferida após ter
sido interposto recurso;
6° Nega-se o conhecimento da constitucionalidade porque a recorrente deveria ter
colocado a questão no recurso, após o qual é que soube o que se passou nos
autos.
Se isto é um processo justo e equitativo parece que só um Tribunal Internacional
é que o vai afirmar, porque neste País existem muitos obstáculos formais, mas só
para uma das partes, que sistematicamente impedem o conhecimento do mérito da
causa. Ao invés, a parte contrária até consegue “convites” para contornar a Lei
e os obstáculos contidos nos prazos legais.
II – Da desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal
Constitucional no acórdão nº 325/2006.
No recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, a ora recorrente
coloca em causa os efeitos da constituição como assistente, tendo em conta que
os pressupostos não estavam reunidos no prazo legal de 8 dias, exigível para os
crimes de natureza particular, considerando que
“Não obstante, caso se entenda que deve ser deferida a requerida constituição
como assistente, deve a mesma ser admitida mas só a partir da data em que
apresentou em Juízo procuração forense, ou seja, 30 de Junho último, pois só
nessa data reunia os pressupostos para ser concedida a requerida constituição
como assistente, não lhe sendo assim atribuída qualquer legitimidade para
intervir nos autos em caso de eventuais crimes de natureza particular.”
Todavia, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa alegou que tal carecia de
fundamento, ou seja, permitiu que a constituição como assistente produza efeitos
desde a data em que foi requerida e ainda que a queixosa não tenha constituído
advogado.
Tal decisão é claramente oposta à doutrina acolhida no douto acórdão nº 325/2006
que perfilhou o entendimento de “estar vedada a constituição como assistente a
ofendido não representado por advogado, ainda que aquele também o seja, não
podendo, contudo, litigar em causa própria.”
TERMOS em que se requer a V. Exa. se digne revogar o douto despacho reclamado e
substitui-lo por outro que admita o recurso ora interposto».
3 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu
que a reclamação é manifestamente improcedente, em nada “abalando a argumentação
da reclamante os fundamentos da decisão reclamada”.
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto nas alíneas i) e b), ambas do n.º 1 do art.º 70.º da lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa, de 27 de Junho de 2007, que rejeitou o recurso interposto do despacho da
Juíza de Instrução Criminal da Moita, que esclareceu que, no seu anterior
despacho relativo à admissão da assistente B., haviam sido tomadas em conta as
posições do Ministério Público no sentido da mesma admissão e da recorrente em
sentido oposto, bem como do acórdão da mesma Relação, de 12 de Setembro de 2007,
que indeferiu pedido de aclaração daquele acórdão, pretendendo, com fundamento
na primeira disposição da LTC, e “por haver decidido em desconformidade com o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 325/2006”, a apreciação da
inconstitucionalidade do “art.º 70.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP”, e, com base na
segunda norma da mesma LTC, a apreciação da questão de constitucionalidade do
art.º 68.º, n.º 2, do CPP, “por ter sido aplicado ao caso sub judice no sentido
de que o queixoso pode reunir os pressupostos para a requerida constituição como
assistente, fora do prazo de oito dias, desde que o faça a convite do Ministério
Público, em violação do disposto nos arts. 13.º, n.º 2, e 20.º, n.º 4, da
Constituição da República Portuguesa, tal como sustentou no pedido de
esclarecimento apresentado em juízo e que estava implícito nas alegações de
recurso para a Relação”.
2 – Porque se configura uma situação que se enquadra na hipótese
recortada no n.º 1 do art.º 78.º-A da LTC passa a decidir-se imediatamente.
3.1 – Na alínea i) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC dispõe-se que “cabe
recurso para o Tribunal Constitucional (…) das decisões dos tribunais que
recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na
sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em
desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal
Constitucional”.
A recorrente pretende prevalecer-se do estatuído na última parte do
preceito, já que não ocorreu, no caso sub judice, a recusa de aplicação a que se
refere a sua primeira parte, argumentando que a decisão recorrida decidiu em
desconformidade com o Acórdão n.º 325/2006.
O referido Acórdão n.º 325/2006, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, julgou não inconstitucional “a norma do nº 1 do
artigo 70° do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de estar vedada
a constituição como assistente a ofendido não representado por advogado, ainda
que aquele também o seja, não podendo, contudo, litigar em causa própria”.
Ora, a decisão recorrida acolheu expressamente esta doutrina,
dizendo que “salvo o devido respeito por opinião em contrário afigura-se-nos que
a posição mais curial (…) é a de que se torna necessária a constituição de
mandatário para que a ofendida mesmo sendo advogada possa adquirir a qualidade
de assistente”.
E foi essa acepção do art.º 70.º, n.º 1, do CPP que o acórdão
recorrido também exactamente aplicou, quando julgou ser manifestamente
improcedente o recurso relativo ao despacho recorrido da juíza de instrução que
admitira a intervir como assistente a ofendida, por, entre outros pressupostos
que considerara verificados, a mesma estar, então, representada por advogado,
que não a ofendida em causa própria.
A circunstância de a ofendida não estar representada por advogado, a
quando da formulação do pedido de constituição como assistente, e se poder
colocar a questão se poderia litigar como assistente em causa própria, não
constituiu ratio decidendi do despacho de admissão da ofendida como assistente,
porquanto este expressamente considerou, para admitir a ofendida como
assistente, a circunstância de, então, a mesma estar representada por (outro)
advogado.
Não existe, assim, qualquer aplicação do art.º 70.º, n.º 1, do CPP
em desconformidade com o julgado no mencionado Acórdão n.º 325/2006 e,
consequentemente, não ocorre o pressuposto especial do recurso de
constitucionalidade definido na última parte da alínea i) do n.º 1 do art.º 70.º
da LTC.
Na verdade, conforme vem sendo repetidamente afirmado pela
jurisprudência do Tribunal Constitucional, o objecto do recurso de fiscalização
concreta de constitucionalidade, previsto no n.º 1 do artigo 280.º da
Constituição e no n.º 1 do artigo 70.º da LTC, disposição esta que se limita a
reproduzir o comando constitucional, corporiza-se na questão de
(in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito
efectiva aplicação ou tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e
incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra
desenhado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da
constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da
natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa,
«A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no
mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de
pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de
20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o
Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de
2000).
Por outro lado, cabe notar que a questão de saber se essa
representação judiciária devia existir já no momento da formulação do pedido de
constituição como assistente, sob pena de indeferimento, como a recorrente
alegou para a Relação (pretendendo com isso demonstrar que o despacho de
admissão de assistente padeceria de uma errada interpretação da lei),
corresponde já, mesmo sem questionar se esse sentido seria ainda cabível no
mesmo preceito de direito positivo, a uma outra, e bem diferente, norma/dimensão
normativa/critério normativo, daquela a que se refere a pronúncia efectuada no
Acórdão n.º 325/2006 que foi invocado como fundamento do recurso ao abrigo da
referida alínea i).
Por isso, o recurso em relação a esse sentido nunca poderia ser
admitido com base na alegação da sua aplicação “em desconformidade com o
anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional”, no Acórdão
n.º 325/2006.
Conclui-se, pois, no sentido da inadmissibilidade do conhecimento do
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade relativo à norma
constante do art.º 70.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP.
3.2 – E o mesmo se diga relativamente à outra questão de
constitucionalidade: a relativa ao preceito do art.º 68.º, n.º 2, do CPP, na
acepção normativa apontada pela recorrente, cuja apreciação, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC, esta pretende.
Na verdade, constitui pressuposto do recurso ao abrigo do artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, que o tribunal a quo haja aplicado, como ratio
decidendi, uma norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o
processo.
Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se assim
necessário que a inconstitucionalidade da norma sindicanda tenha sido suscitada
durante o processo, devendo este requisito ser entendido, segundo a
jurisprudência constante deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º
352/94, in Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994), “não num
sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada
até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que
essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda
pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz
sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”, por
ser este o sentido que é exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal
Constitucional se efectuar em via de recurso, para reapreciação ou reexame,
portanto, de uma questão que o tribunal recorrido pudesse e devesse ter
apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94, Diário da República II
Série, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º 155/95, in Diário da
República II Série, de 20 de Junho de 1995).
Entende-se, por isso, que não constituem já momentos processualmente
idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades,
pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de
decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou
modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter
pronunciado (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da
República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 33º vol., p. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República
II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II
Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 45º vol., p. 559; n.º 155/00, publicado no Diário da República
II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º
vol., p. 821, e n.º 364/00, inédito).
Por outro lado, para que possa considerar-se suscitada adequadamente
uma questão de constitucionalidade, não basta apenas a indicação da norma que se
tem por inconstitucional.
É antes necessário que se problematize a questão de validade
constitucional da norma (dimensão normativa) através da alegação de um juízo de
antítese entre uma determinada norma/dimensão normativa, concretamente definidas
(ainda que antecipadamente em relação ao momento da sua aplicação) e o(s)
parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou
princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
Tais exigências têm sido constantemente reiteradas pela nossa
jurisdição constitucional.
De forma contínua e sistemática, tem este Tribunal estabelecido que
«“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal
que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de
constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
(...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um
segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem
suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte
o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a
norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de
uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao
acto de aplicação do Direito - concretizado num acto de administração ou numa
decisão dos tribunais - mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa
determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cfr. Acórdãos n.ºs
37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República II Série,
de 15-05-1996). [§]É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação
dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade.
[§]Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a
conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua interpretação (...) – cf.
Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que remete para
jurisprudência anterior (ver, por exemplo, os Acórdãos n.º 178/95, publicado no
Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995, n.º 521/95, inédito, e n.º
269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994).
Ora, mesmo admitindo que a recorrente houvesse suscitado a questão
de constitucionalidade, agora em apreciação, no pedido de aclaração do acórdão
do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Junho de 2007 – o que de modo algum
se pode considerar, dado não se ver aí problematizada, nos termos acima
precisados, a questão que ora coloca no recurso de constitucionalidade – sempre
se terá de concluir que ela não suscitou essa questão no momento processualmente
adequado e que era nas alegações do recurso para a relação.
Só fazendo assim, a recorrente permitia ao tribunal da relação
apreciar a questão antes de esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria
da causa.
Ao contrário do que a recorrente sustenta, embora afirmando que o
fez de modo “implícito”, não se vê, nessas alegações, qualquer resquício de uma
argumentação questionadora da validade constitucional de tal norma.
Por último, deve, ainda, referir-se que, muito embora o Tribunal
Constitucional considere inexigível o cumprimento do ónus de suscitação da
questão de constitucionalidade nos casos em que o recorrente seja surpreendido
por uma aplicação de todo “insólita” e “imprevisível” dos preceitos legais por
parte do tribunal a quo, não se está perante uma situação dessas.
Na verdade, a argumentação desenvolvida no recurso para a relação
assenta na tese de que o requerente do pedido de constituição como assistente em
processo penal deve estar representado por advogado logo a quando da formulação
desse pedido, não podendo tomar-se em conta a constituição superveniente de
advogado.
Consequentemente, a recorrente bem estava em condições de
problematizar a validade constitucional de um entendimento diverso.
Assim sendo, por falta de cumprimento do ónus de adequada e atempada
suscitação da questão de constitucionalidade não pode, também, tomar-se
conhecimento deste objecto do recurso.
4 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 7 UCs.».
B – Fundamentação
5 – A reclamante em ponto algum da sua reclamação abala a bondade
dos fundamentos em que se fundou a decisão sumária ora reclamada.
Na verdade, na primeira parte do seu discurso argumentativo, a
reclamante discreteia sobre a correcção da solução dada ao caso, no plano do
direito ordinário.
Ora, o recurso de constitucionalidade não constitui um recurso
inserido nos recursos de instância ou de hierarquia na ordem dos diversos
tribunais, tendente ao reexame da solução dada às questões de facto ou de
direito infraconstitucional de cuja consideração tenha resultado a decisão da
causa. O recurso de constitucionalidade apenas pode ter por objecto a questão de
constitucionalidade da norma que tenha constituído fundamento normativo da
decisão, razão pela qual a definição dada ao direito infraconstitucional na
decisão recorrida constitui um dado ou pressuposto irremovível para o Tribunal
Constitucional.
Por outro lado, como decorre igualmente da argumentação que
desenvolve na segunda parte da sua reclamação, o que a reclamante, aí,
verdadeiramente controverte é uma questão que está para além da acepção
normativa do n.º 1 do art.º 70.º do CPP que foi objecto do juízo de não
constitucionalidade constante do Acórdão n.º 325/2006, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, sendo que, quanto a esta, o aresto recorrido
pressupôs, na sua argumentação, a mesma solução, como se refere na decisão ora
reclamada, questão aquela que se prende com o momento que deve ter-se como
relevante para o efeito da satisfação dos pressupostos legalmente exigidos para
a constituição de assistente e quais os efeitos que decorrem da sua
inverificação.
Ora, esta é uma questão normativa diversa da afrontada no referido
acórdão n.º 325/2006, pelo que não pode este ser convocado para fundar a
interposição do recurso ao abrigo da alínea i) do art.º 70.º da LTC.
Temos, pois, de concluir pela inverificação dos pressupostos do
recurso de constitucionalidade, como se concluiu na decisão reclamada.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 15.01.2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos