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Processo n.º 1055/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
1. Relatório
O representante do Ministério Público junto da 3.ª Vara
Cível do Porto interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra o despacho de 4 de Julho de 2007 do respectivo Juiz, que recusou,
com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa (CRP), a aplicação do “Anexo à Lei n.º
34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º
1085‑A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de
Março, na parte em que determina que seja considerado para efeitos do cálculo do
rendimento relevante do requerente do benefício de apoio judiciário o rendimento
do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em
concreto aferir da real situação económica do requerente em função dos seus
rendimentos e encargos”, e, consequentemente, julgou procedente o recurso
interposto por A. da decisão do Centro Distrital de Segurança Social do Porto,
de 2 de Maio de 2007, que, perante seu pedido de concessão de dispensa total do
pagamento de taxa de justiça e dos demais encargos do processo e pagamento da
remuneração do solicitador de execução designado pelo exequente, com vista a
intervir em processo de execução em que era executada, apenas lhe concedeu os
benefícios de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o
processo e de pagamento faseado da remuneração do solicitador de execução
designado.
É o seguinte o teor da decisão recorrida, na parte que
releva para apreciação do presente recurso:
“Como fundamento deste recurso, alegou a requerente que, face à sua
situação económica em concreto, a Segurança Social deveria ter recorrido ao
dispositivo legal previsto no n.º 2 do artigo 20.º, afastando os critérios
definidos no Anexo à Lei n.º 34/2004, por forma a ser‑lhe concedido o benefício
do apoio judiciário.
A faculdade a que alude a requerente está prevista para a Segurança
Social em sede de fase administrativa do procedimento em análise, momento em que
então prevê a Lei directamente a possibilidade de ser afastada a aplicação dos
critérios previstos no Anexo à Lei n.º 34/2004, para aferir da situação de
insuficiência económica da requerente em concreto, através do recurso a uma
Comissão para o efeito constituída expressamente.
Tal possibilidade não está todavia prevista na Lei em sede de
recurso, por via judicial, sendo que então se deve apreciar a insuficiência
económica alegada pelo requerente de acordo com os critérios estabelecidos e
publicados em Anexo à Lei n.º 34/2004 (e Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de
Agosto, que veio concretizar tais critérios, alterada pela Portaria n.º
288/2005, de 21 de Março), que o requerente através deste recurso pretende sejam
afastados.
O recurso a estes critérios legais estabelecidos através de fórmulas
matemáticas, porém, impossibilita o tribunal de aferir em concreto da situação
económica do requerente do benefício do apoio judiciário.
Nos termos do artigo 20.º da CRP, «1 – A todos é assegurado o acesso
ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos».
A garantia constitucionalmente consagrada de acesso ao direito a
todas as pessoas para defesa da generalidade dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos constitui um direito fundamental de natureza análoga aos
direitos, liberdades e garantias. Direito este a ser concretizado através das
leis, sobretudo processuais. Dependendo, pois, da estrutura processual global
concretamente instituída a efectividade de muitos direitos, liberdades e
garantias (cf. Direito Constitucional, Prof. Gomes Canotilho, 4.ª edição, p.
772).
Sendo o acesso aos tribunais o meio de defesa por excelência dos
direitos referidos no artigo 20.º da Constituição, constituem os tribunais a
instância última de defesa da liberdade e dignidade dos cidadãos (cf. Prof. José
Carlos Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976, 3.ª edição, pp. 368/369).
O princípio do acesso ao direito pretende garantir, assim, não só o
reconhecimento da possibilidade da defesa sem lacunas, como também o exercício
efectivo deste direito, que se pode traduzir, por exemplo, e no que ora
interessa, no direito a litigar com dispensa de taxa de justiça e demais
encargos com o processo, incluindo pagamento da remuneração do solicitador de
execução nomeado.
Sendo certo que todos os actos normativos devem estar em
conformidade com a Constituição (cf. artigo 3.º, n.º 3, da CRP), temos como
consequência que toda a norma que viole os preceitos constitucionais é
inconstitucional.
Para efeitos de se controlar a constitucionalidade de um acto
normativo «é a Constituição no seu todo – tanto, pois, no que toca às suas
regras de competência e de procedimento legislativo, como aos seus princípios
materiais e aos valores nestes incorporados – que é tomada como padrão do
julgamento de constitucionalidade» (cf. Cardoso da Costa, A Justiça
Constitucional no quadro das funções do Estado, p. 51, citado por Fernando
Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 4.ª edição, p. 389).
Sendo material a inconstitucionalidade quando se infringem os
princípios materiais incorporados na Constituição (os vícios materiais são
vícios das disposições), orgânica quando se desrespeitam normas de competência
nela estabelecidas e é formal quando se transgridem regras de forma ou de
procedimento por ela definidas (cf. o mesmo autor, p. 390).
Tecidos estes considerandos e tendo presente a garantia efectiva de
acesso aos tribunais a todos consagrada no artigo 20.º da CRP, impõe‑se
analisar a constitucionalidade material do Anexo à Lei n.º 34/2004, conjugado
com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, alterada pela Portaria
n.º 288/2005, de 21 de Março.
Nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o
sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina‑se a assegurar que a
ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou
cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício
ou a defesa dos seus direitos. Compreendendo o acesso ao direito a informação
jurídica e a protecção jurídica, revestindo esta última as modalidades de
consulta jurídica e de apoio judiciário (cf. artigos 2.º, n.º 2, e 6.º, n.º 1,
da citada Lei).
Definindo quem tem direito à protecção judiciária, dispõe o artigo
7.º, n.º 1, da mesma Lei que a esta têm direito «(...) os cidadãos que
demonstrem estar em situação de insuficiência económica». Esclarecendo o artigo
8.º que se encontra em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em
conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não
tem condições objectivas de suportar pontualmente os custos de um processo.
Sendo a prova e a apreciação da insuficiência económica feitas de
acordo com os critérios estabelecidos em Anexo à presente Lei (n.º 5 deste
artigo 8.º e n.º 1 do artigo 20.º).
Neste Anexo, por sua vez, é dito que a insuficiência económica é
apreciada pelo rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica do
agregado familiar do requerente, nos termos que aí são indicados no n.º 1.
Definindo‑se ainda, no n.º 3 do ponto 1 do Anexo, que para efeitos desta Lei se
considera pertencerem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em
economia comum com o requerente de protecção jurídica.
Visando concretizar os critérios de prova e de apreciação da
insuficiência económica, foi publicada a Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de
Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, onde, e para além
do mais, foi concretizada a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante
para efeitos de protecção jurídica a que se refere o critério de avaliação da
insuficiência económica do requerente previsto na Lei, nos termos dos artigos
6.º a 10.º desta Portaria.
Por base tendo sempre o rendimento líquido completo do agregado
familiar. Resultando este da soma do valor da receita líquida do agregado
familiar (ou seja, o rendimento depois do imposto sobre o rendimento, das
contribuições obrigatórias dos empregados para os regimes da segurança social e
das contribuições dos empregadores para a segurança social) com o montante da
renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do
agregado familiar.
Da conjugação destes normativos resulta que a concessão da protecção
jurídica passou a depender do valor do rendimento relevante para esses efeitos,
determinado a partir do rendimento das pessoas que vivam em economia comum com o
requerente desta protecção jurídica e independentemente de este auferir em
concreto um qualquer rendimento, ou ainda de em concreto ele ter de suprir
outras despesas que tal fórmula não prevê sejam consideradas. É o caso dos
autos, em que, fruto da aplicação de tais fórmulas matemáticas, para além de uma
penhora sobre o vencimento do cônjuge da requerente, viu‑se a requerente
obrigada, juntamente com seu marido, a pagar em três processos o montante de 90
€ em cada processo (45 € para cada cônjuge), num total de 270 € mensais.
Para além de que, mesmo em relação às despesas que a fórmula prevê
sejam consideradas, como é o caso da dedução de encargos com a habitação do
agregado familiar, resulta esta dedução também da aplicação de um coeficiente
determinado em função de diversos escalões de rendimento, implicando na prática
a não consideração directa do valor em concreto que é despendido pelo agregado
familiar.
Se levarmos em consideração o valor do rendimento mensal líquido
deste agregado – no montante de 772,12 € (386,32 € – fls. 16 + 385,80 € – fls.
15), deduzido do valor pago mensalmente de renda de casa – 284,00 € – fls. 50,
restam 488,12 €, com os quais a requerente e seu marido, que constitui o seu
agregado familiar, têm que fazer face às despesas básicas de alimentação, saúde,
água e luz, para além de vestuário.
Acresce que, por força do decidido neste incidente e nos outros dois
mencionados nestes autos, do pecúlio mensal disponível de 488,12 €, a
requerente e seu marido teriam de subtrair mais 270,00 €, o que na prática
implicaria ficarem com 218,12 € mensais para fazer face às mencionadas despesas
básicas de sobrevivência humana.
Note‑se que desde 1 de Janeiro de 2007 o valor do salário mínimo
nacional é de 403,00 €.
Temos, assim, de concluir que, na prática, o modo de cálculo rígido
imposto, sem abrir a possibilidade de em concreto se aferir a situação
económica do(s) requerente(s), que bem pode(m) na prática não fruir de facto
qualquer rendimento do terceiro que integra a economia comum e que é o
contribuinte do rendimento para o agregado familiar, ou que na prática tem
outros encargos obrigatórios – não considerados na fórmula matemática de forma
directa – que lhe não permitem suportar as despesas com o processo judicial,
manifestamente não garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele
que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos de uma
demanda judicial. Violando assim o direito constitucionalmente consagrado de
acesso ao direito a todas as pessoas para defesa da generalidade dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos (cf. artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
De tudo o exposto decide‑se não aplicar o Anexo à Lei n.º 34/2004,
de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004,
de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, na parte
em que determina que seja considerado, para efeitos do cálculo do rendimento
relevante do requerente do benefício do apoio judiciário, o rendimento do seu
agregado familiar calculado nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em
concreto aferir da real situação económica do requerente, por violação do
direito ao acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º da
Constituição da República Portuguesa.
Considerando‑se como factualidade assente, face à prova documental
oferecida nos autos, que a requerente tem um agregado familiar composto por si
e seu marido; que recebe de subsídio de desemprego o valor de 385,80 € mensais
(fls. 97); que no vencimento do seu cônjuge é descontado o valor mensal de
21,85 € a título de desconto judicial, pelo que este recebe mensalmente 386,32 €
líquidos (fls. 67); que o requerente e sua esposa pagam de renda de casa
mensalmente a quantia de 284,00 € (fls. 50), ficando com o restante para fazer
face às necessidades básicas do seu agregado familiar composto por duas pessoas,
sem esquecer que a requerente e seu marido requereram o benefício do apoio
judiciário em três processos, incluindo o ora em apreciação, em todos tendo sido
decidido, face aos seus rendimentos, estarem obrigados ao pagamento faseado da
taxa de justiça no valor de 45,00 € mensais para cada um, temos como certo que a
decisão, no que agora nos diz respeito, no âmbito deste apenso proferida, é
violadora do acesso ao direito e aos tribunais por parte da requerente, já que a
mesma se encontra, na verdade, em situação de efectiva insuficiência económica,
a justificar a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade por si
requerida.
Sendo assim de concluir pela procedência da impugnação deduzida,
concedendo à requerente o benefício do apoio judiciário na modalidade
pretendida, ou seja, na modalidade de total dispensa de taxa de justiça e
demais encargos com o processo. Já não do pagamento de remuneração do
solicitador de execução, por este não ter nos autos sido designado (já que a
execução de que estes autos são apenso se encontra pendente desde Março de
2003).”
O representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes
conclusões:
“1.º – O acesso ao direito e aos tribunais não se configura, no
nosso ordenamento jurídico‑constitucional, como mero direito a uma prestação
social, traduzindo antes um direito fundamental, ligado à efectividade da
protecção jurídica e dependente, em termos essenciais, dos critérios que
delimitam e condicionam a apreciação da insuficiência económica invocada pelo
requerente.
2.º – Constitui restrição excessiva e desproporcionada a tal direito
fundamental a obrigatória, tabelar e rígida ponderação do «rendimento
relevante» do agregado familiar, exclusivamente em função dos índices e
coeficientes estabelecidos nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004,
em conexão com o Anexo à Lei n.º 34/2004, nomeadamente para a determinação dos
valores adequados à satisfação das «necessidades básicas» do agregado familiar,
desvalorizando a amputação patrimonial decorrente de penhora incidente sobre o
vencimento do requerente e do pagamento faseado de custas nos vários processos
em que simultaneamente é parte, conduzindo à possibilidade de denegação
administrativa do apoio judiciário, na modalidade pretendida, mesmo quando uma
apreciação, casuística e prudencial, das circunstâncias do caso revela
manifestamente a existência de uma situação de carência económica, inibidora do
acesso ao direito e aos tribunais.
3.º – Termos em que deverá confirmar‑se o juízo de
inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.”
A recorrida não contra‑alegou.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. O complexo normativo que integra o objecto do
presente recurso já foi objecto de anteriores decisões deste Tribunal, embora
numa dimensão normativa não inteiramente coincidente com a agora em causa.
Com efeito, no Acórdão n.º 654/2006 (Diário da
República, II Série, de 19 de Janeiro de 2007, p. 1650), este Tribunal julgou
inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da CRP, “o Anexo à Lei
n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria
n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento
relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja
necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar,
independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento”,
juízo este que foi reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 206/2007, 530/2007,
603/2007 e 625/2007 (os textos integrais destas Decisões Sumárias, bem como do
referido Acórdão, estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
O juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Acórdão
n.º 654/2006 baseou‑se na seguinte fundamentação jurídica:
“II. Fundamentação
1. A decisão recorrida desaplicou o Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho,
conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de
Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do
rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior,
estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta. Segundo
esta decisão, a aplicação do Anexo à Lei n.º 34/2004, que remete a apreciação da
insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e das
fórmulas matemáticas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º
1085‑A/2004 conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra
conforme ao direito fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais.
Por força do disposto no n.º 5 do artigo 8.º e no n.º 1 do artigo 20.º da Lei
n.º 34/2004, de 29 de Julho (Altera o regime de acesso ao direito e aos
tribunais e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE,
do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos
litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns
relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios), a prova e a apreciação
da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica deve ser feita de
acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo àquela lei.
Compõem o Anexo, para o que agora releva, as seguintes normas:
«I – Apreciação da insuficiência económica
1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional
não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os
custos de um processo;
b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do
valor do salário mínimo nacional considera‑se que tem condições objectivas para
suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar
de consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio
judiciário;
c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o
valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os
custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar
pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do
apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do
n.º 1 do artigo 16.º da presente lei;
2 – (…)
3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado
familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção
jurídica.» (itálico aditado).
Por seu turno, os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, que procede à
concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica,
têm o seguinte conteúdo:
«SECÇÃO II
Apreciação do requerimento
Artigo 6.º
Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
1 – Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que
resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado
familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
(A), ou seja, YAP = YC – A.
2 – O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso
em múltiplos do salário mínimo nacional.
Artigo 7.º
Rendimento líquido completo do agregado familiar
1 – O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da
soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da
renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do
agregado familiar (YR), ou seja, YC = Y + YR.
2 – Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende‑se o rendimento depois
da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos
empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores
para a segurança social.
3 – O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no
artigo 10.º da presente portaria.
Artigo 8.º
Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
1 – O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta
da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado
familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado
familiar (H), ou seja, A = D + H.
2 – O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar
(D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de
dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado
em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo
I.
3 – O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado
familiar (H) resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento
líquido completo do agregado familiar (YC), ou seja, H = h ×YC, em que h é
determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o
previsto no anexo II.
4 – O cálculo do montante da dedução de encargos com a habitação do
agregado familiar (H) apenas tem lugar se o seu valor for superior ao montante
da despesa efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de
renda da casa de morada de família ou de prestações para a sua aquisição ou no
caso de não ter sido declarada qualquer despesa com a habitação do agregado
familiar; caso o valor realmente despendido (B) seja inferior, é este o valor
considerado.
Artigo 9.º
Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante
para efeitos de protecção jurídica
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a fórmula de cálculo do valor
do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificada nos
artigos anteriores e no anexo III, é a seguinte:
2 – Se, porém, o montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado
familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações
para a sua aquisição (B) for inferior ao montante que resulte da aplicação do
coeficiente de dedução de encargos com a habitação do agregado familiar previsto
no artigo anterior, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para
efeitos de protecção jurídica é a seguinte:
Artigo 10.º
Cálculo da renda financeira implícita
1 – O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo
7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor
dos activos patrimoniais do agregado familiar.
2 – A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao
valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o
requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou
no 2.º semestre do ano civil em curso.
3 – Entende‑se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o
declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz
predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
4 – Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1
apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita
medida desse excesso.
5 – O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que
resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do
requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
6 – Entende‑se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado.»
A norma que integra o objecto do presente recurso foi desaplicada pelo Tribunal
Cível de Lisboa, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa, que dispõe o seguinte:
«A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada
por insuficiência de meios económicos.» (itálico aditado).
2. Sobre a modalidade de protecção jurídica que está em causa nos presentes
autos, pode ler‑se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 98/2004 (Diário da
República, II Série, de 1 de Abril de 2004) o seguinte:
«O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência
económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus
direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo plasmado
no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do
referido instituto no nosso ordenamento; impõe‑se que a sua modelação seja
adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que
carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são
inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial,
designadamente custas e honorários forenses.»
O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do
instituto do apoio judiciário dada pela norma desaplicada, extraída do Anexo que
integra a Lei n.º 34/2004, em conjugação com os artigos 6.º a 10.º da Portaria
n.º 1085‑A/2004, garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele
que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são
inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e
honorários forenses. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à
dimensão «prestacional» da garantia fundamental do acesso ao direito e aos
tribunais, que se concretiza no «dever de o Estado assegurar meios (como o
apoio judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de
meios económicos» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/91, Diário da
República, II Série, de 2 de Abril de 1992. Assim também, Gomes Canotilho,
Direito Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 501, e Jorge
Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora,
anotação ao artigo 20.º, ponto VI).
3. Tendo como referência a Constituição da República Portuguesa vigente, o
Decreto‑Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, editado ao abrigo da Lei n.º 41/87,
de 23 de Dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o estabelecimento do
regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais, foi o primeiro diploma
regulador do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, configurando‑o a
partir de acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de
protecção jurídica, revestindo esta última as modalidades de consulta jurídica
e de apoio judiciário (artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º).
Muito embora esta configuração se tenha mantido até ao presente (cf.
artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º da Lei n.º 30‑E/2000, de 20 de Dezembro, e 1.º,
n.ºs 1 e 2, e 6.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), foram introduzidas
alterações significativas através da Lei n.º 30‑E/2000, que atribuiu aos
serviços de segurança social, retirando tal competência aos tribunais, a
apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário (artigo 21.º), e da Lei
n.º 34/2004, que inovou em matéria de determinação da insuficiência económica do
requerente de protecção jurídica.
Na sequência deste diploma, a concessão de protecção jurídica a
quem, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade
contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos
de um processo (cf. artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004) passou a depender do
valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (artigos 8.º,
n.º 5, e 20.º, n.º 1, e ponto 1 do Anexo da Lei n.º 34/2004), determinado a
partir do rendimento do agregado familiar – ou seja, também a partir do
rendimento das pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção
jurídica (n.ºs 1 e 3 do ponto 1 deste Anexo) – e das fórmulas previstas nos
artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto.
A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do
requerente de protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf.
artigos 20.º, n.º 2, da Lei de 2004 e 2.º da referida Portaria), diferentemente
do que sucedia no direito anterior (cf. artigos 7.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1 e 2, e
23.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 387‑B/87, artigos 7.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 1 e
2, da Lei n.º 30‑E/2000 e modelo de requerimento de apoio judiciário para
pessoas singulares aprovado pela Portaria n.º 1223‑A/2000, de 29 de Dezembro),
relativamente ao qual é de salientar, a título exemplificativo, que o
afastamento da presunção de insuficiência económica, legalmente estabelecida,
dependia da circunstância de o requerente fruir outros rendimentos, próprios ou
de terceiros.
Face a esta alteração, a sentença recorrida conclui que «a norma que
constituía o artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 30‑E/2000, de Dezembro, e que era
preenchida em face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida
legislativamente. O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso
concreto passou a ser uma norma fechada, ponderando estritos aspectos
económico‑financeiros, como resulta claro da adopção de uma fórmula
matemática»; assinalando o Ministério Público junto deste Tribunal que aquela
decisão recusa a aplicação das «normas delimitadoras e reguladoras do âmbito do
apoio judiciário, na versão actualmente vigente, enquanto consideram rendimento
relevante para aferir da invocada situação de insuficiência económica todos os
rendimentos auferidos pelo ‘agregado familiar’ do interessado – ou seja, pelo
conjunto das pessoas que vivem em ‘economia comum’ com o requerente de protecção
jurídica, sendo tal insuficiência económica valorada, de modo rígido e tabelar,
através da ‘fórmula matemática’ contida nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º
1085‑A/2004, de 31 de Agosto» (fls. 56 e seguintes dos autos).
4. Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica, determinado a partir do rendimento do requerente e da avó, com quem
vive e de quem recebe alimentos, e das fórmulas previstas na Portaria que fixa
os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a
concessão daquela protecção, levava à inserção do caso em apreço nos presentes
autos na alínea c) do n.º 1 do ponto 1 do Anexo à Lei n.º 34/2004 – concessão de
apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado previsto na alínea d) do n.º
1 do artigo 16.º desta Lei – o tribunal recorrido desaplicou o Anexo à Lei n.º
34/2004, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, por
violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, a aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não
garante o acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser
denegado este acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que o
rendimento relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado
a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente
fruir o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo destacar‑se
que facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de protecção
jurídica não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a economia
comum. Para além de poder haver interesses conflituantes entre os membros da
economia comum, designadamente quanto ao objecto do processo, e de o requerente
de protecção jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre a defesa
dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em causa pode
não estar juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do requerente de
apoio judiciário.
Nos presentes autos, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende
despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses (cf. artigos 2003.º
e 2005.º do Código Civil e 399.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e o que
sobre isto se diz na decisão recorrida e nas alegações do recorrente, a fls. 59
e seguintes), não se pode assumir que o requerente de apoio judiciário dispõe,
efectivamente, de parte do rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica – a parte correspondente ao rendimento de quem lhe presta alimentos (a
avó) –, o que consente a possibilidade de ser denegado o acesso ao direito e aos
tribunais por insuficiência de meios económicos. Podendo ainda invocar‑se, neste
mesmo sentido, o artigo 116.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, uma vez
que em caso de execução por custas respondem apenas os bens penhoráveis do
requerente de protecção jurídica e não também os bens daquele que com ele vive
em economia comum; e o regime de protecção das pessoas que vivam em economia
comum, previsto na Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, já que as pessoas que integram
esta economia não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão
em causa nos presentes autos.
Pelo que se expôs, é de concluir que a norma desaplicada pela
decisão recorrida, extraída do Anexo que integra a Lei n.º 34/2004, em
conjugação com aos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, não garante o
acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios
económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes ao
desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários
forenses.”
2.2. O juízo de inconstitucionalidade constante da
decisão ora recorrida tem um alcance não inteiramente coincidente com o juízo
emitido pelo Acórdão n.º 654/2006, pois neste (bem como nas Decisões Sumárias
n.ºs 206/2007, 530/2007, 603/2007 e 625/2007) estava especificamente em causa a
imposição, pelo conjunto normativo constituído pelo Anexo à Lei n.º 34/2004 e
pelos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de atribuição de
relevância, para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário, ao
rendimento do agregado familiar do requerente de protecção jurídica
independentemente de este fruir desse rendimento, enquanto no presente caso não
é essa a situação que se verifica, antes se julgou inconstitucional o aludido
conjunto normativo por se reputar violador do artigo 20.º, n.º 1, da CRP, a
imposição aos tribunais de um modo de cálculo rígido, sem abrir a possibilidade
de em concreto se aferir a real situação económica dos requerentes.
Mas, sendo embora diversa a causa da inadequação do
rígido sistema estabelecido pelo apontado conjunto normativo, a emissão de um
juízo de inconstitucionalidade impõe‑se com igual força. Nos casos sobre que
versaram o Acórdão n.º 654/2006 e as Decisões Sumárias que reiteraram a sua
doutrina o sistema legal impunha a consideração como rendimento do interessado
de valores de que ele não auferia; no presente caso, o mesmo sistema impede que
se considerem como despesas relevantes dispêndios a que os interessados se não
podem subtrair e que efectivamente diminuem a sua capacidade económica. Em ambos
os casos, não se assegura, como é constitucionalmente imposto, de acordo com
reiterada jurisprudência deste Tribunal, que o sistema de apoio judiciário
assegure efectivamente o acesso aos tribunais por parte dos cidadãos
economicamente carenciados.
No presente caso, apurado que o rendimento mensal
líquido do agregado familiar, constituído pela ora recorrente e pelo seu
marido, também executado na mesma execução, é de € 772,12 (€ 385,80 de subsídio
de desemprego da recorrente e € 386,32 de salário do seu marido), que pagam €
284,00 mensais de renda pela habitação e que em três execuções que contra eles
pendem foi‑lhes concedido o apoio judiciário apenas na modalidade de pagamento
faseado, à razão de € 45,00 mensais por cada um, o que perfaz € 270,00 mensais,
resulta que o rendimento mensal disponível para as despesas básicas do agregado
familiar se reduz a € 218,12 (ou seja, € 7,27 diários).
Como se refere nas alegações do Ministério Público:
“Note‑se que, no caso dos autos, mais do que a «rigidez» da fórmula
matemática, vinculante da decisão da Segurança Social acerca do peticionado
apoio judiciário, está em causa a sua manifesta inadequação e imprestabilidade,
face aos valores constitucionais – sendo «facto notório» que «obrigar» um
«agregado familiar» com as características concretas daquele em que se integra a
requerente a custear – a título de «pagamento faseado» das custas – um valor
mensal de e € 45 para cada cônjuge em cada processo em que sejam partes — não
poderá deixar de constituir um factor inibitório na efectivação em juízo dos
direitos, inadmissível face à proibição constitucional de que a situação de
carência económica possa afectar o efectivo acesso ao direito e aos tribunais.
(…)
Deste modo, o critério normativo, justificadamente posto em causa
pela decisão recorrida, consubstancia‑se na fórmula de cálculo daquele
«rendimento relevante», nomeadamente os «índices» ou «coeficientes» atinentes à
dedução de encargos com as «necessidades básicas» dos elementos do agregado
familiar (conduzindo, no caso, ao valor, manifestamente irrisório, de € 301),
que não tem em conta o custo real das despesas com habitação; e, por outro lado,
como factor agravante, ao condicionar o cálculo do rendimento mensal, para
efeitos de protecção jurídica, ao valor de 0,62, relativamente ao salário
mínimo, já de si garante de um patamar mínimo de sobrevivência condigna.
Por outro lado, a situação económica da requerente é obviamente
agravada pela circunstância de as fórmulas questionadas não permitirem valorar,
quer a penhora sobre o vencimento do marido, quer o reflexo da existência de
múltiplos processos em que intervêm como parte a requerente e o respectivo
cônjuge, em todos eles apenas sendo concedido o beneficio de apoio judiciário na
modalidade de «pagamento faseado», levando a uma acumulação material de encargos
com as taxas de justiça, a qual vai drasticamente cercear o rendimento
disponível dos interessados.
Ora, ao ignorar as inelutáveis consequências decorrentes do facto de
existirem simultaneamente vários processos – em todos eles carecendo as partes
de suportar um valor a título de pagamento de custas, que se vai acumulando e
naturalmente reflectindo na real situação económica do requerente de apoio
judiciário – as normas atinentes ao cálculo do «rendimento relevante» vão
conduzir a uma inevitável inibição na efectivação jurisdicional dos direitos,
decorrente, em termos causais e adequados, da real e concreta situação de
carência económica do interessado, vedada pelo artigo 20.º da Constituição da
República Portuguesa.”
2.3. Nem se diga que a constitucionalidade do regime em
causa seria salva pela “válvula de segurança” prevista no artigo 20.º, n.º 2, da
Lei n.º 34/2004, que dispunha:
“2 – Se os serviços da segurança social, perante um caso concreto,
entenderem não dever aplicar o resultado da apreciação efectuada nos termos do
número anterior, remetem o pedido, acompanhado de informação fundamentada, para
uma comissão constituída por um magistrado designado pelo Conselho Superior da
Magistratura, um magistrado do Ministério Público designado pelo Conselho
Superior do Ministério Público, um advogado designado pela Ordem dos Advogados
e um representante do Ministério da Justiça, a qual decide e remete tal decisão
aos serviços da segurança social.”
É que esta possibilidade nunca se tornou efectiva por a
comissão de que dependia a aplicabilidade deste mecanismo nunca ter sido
instituída. Lê‑se, com efeito, na “Exposição de motivos” da Proposta de Lei n.º
121/X (Diário da Assembleia da República, X Legislatura, 2.ª Sessão
Legislativa, II Série‑A, n.º 58, de 22 de Março de 2007, pp. 19‑46), que esteve
na origem da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto de 2007, que alterou a Lei n.º
34/2004:
“Por outro lado, procurando temperar a objectividade inerente ao
critério de insuficiência económica delineado para as pessoas singulares na Lei
n.º 34/2004, de 29 de Julho, introduz‑se um novo mecanismo de apreciação dos
pedidos de protecção jurídica, que permite ao dirigente máximo dos serviços de
segurança social competente para a decisão sobre a concessão do benefício
decidir, com fundamentação especial, de forma diversa da que resultaria da
aplicação dos critérios previstos na lei se esta conduzir, no caso concreto, a
uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais. O objectivo ora
prosseguido é o mesmo do assumido em 2004, com a previsão, no n.º 2 do artigo
20.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, da comissão constituída por
representantes do Ministério da Justiça e de entidades judiciárias. Esta
comissão não chegou, contudo, a ser criada, julgando‑se mais adequado e
exequível substituí‑la pelo mecanismo ora consagrado, tanto mais que o elevado
número de pedidos que a segurança social avança como susceptíveis de remessa
àquela não parece coadunável com a sua natureza colegial.” (sublinhado
acrescentado)
Em execução destes propósitos, a Lei n.º 47/2007
eliminou o primitivo n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 34/2004, e aditou o artigo
8.º‑A, cujo n.º 8 dispõe que “Se, perante um caso concreto, o dirigente máximo
dos serviços de segurança social competente para a decisão sobre a concessão de
protecção jurídica entender que a aplicação dos critérios previstos nos números
anteriores conduz a uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais
pode, por despacho especialmente fundamentado e sem possibilidade de delegação,
decidir de forma diversa daquela que resulta da aplicação dos referidos
critérios”.
A isto acresce que, na interpretação do direito
ordinário feita pela decisão recorrida, se considerou que a possibilidade
prevista no n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 34/2004 (que, como se viu, não
chegou a adquirir efectividade) valia apenas para a fase administrativa do
procedimento, não sendo extensível à fase jurisdicional. Recorde‑se os termos
dessa decisão, inicialmente transcrita:
“Como fundamento deste recurso, alegou a requerente que, face à sua
situação económica em concreto, a Segurança Social deveria ter recorrido ao
dispositivo legal previsto no n.º 2 do artigo 20.º, afastando os critérios
definidos no Anexo à Lei n.º 34/2004, por forma a ser‑lhe concedido o benefício
do apoio judiciário.
A faculdade a que alude a requerente está prevista para a Segurança
Social em sede de fase administrativa do procedimento em análise, momento em que
então prevê a Lei directamente a possibilidade de ser afastada a aplicação dos
critérios previstos no Anexo à Lei n.º 34/2004, para aferir da situação de
insuficiência económica da requerente em concreto, através do recurso a uma
Comissão para o efeito constituída expressamente.
Tal possibilidade não está todavia prevista na Lei em sede de
recurso, por via judicial, sendo que então se deve apreciar a insuficiência
económica alegada pelo requerente, de acordo com os critérios estabelecidos e
publicados em Anexo à Lei n.º 34/2004 (e Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de
Agosto, que veio concretizar tais critérios, alterada pela Portaria n.º
288/2005, de 21 de Março), que o requerente através deste recurso pretende sejam
afastados.
O recurso a estes critérios legais estabelecidos através de fórmulas
matemáticas, porém, impossibilita o tribunal de aferir em concreto da situação
económica do requerente do benefício do apoio judiciário.”
Não é, assim, possível ancorar na previsão do n.º 2 do
artigo 20.º da Lei n.º 34/2004 qualquer tentativa para tornar o sistema em causa
compatível com as exigências constitucionais de assegurar o acesso aos tribunais
por parte dos economicamente carenciados.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Julgar inconstitucionais, por violação do artigo
20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes do
Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da
Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005,
de 21 de Março, interpretadas no sentido de que determinam que seja considerado
para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício de
apoio judiciário o rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente
impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do
requerente em função dos seus rendimentos e encargos; e, em consequência,
b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos