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Processo n.º 666/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das
alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), da decisão de 8 de Março de 2007, do Tribunal do Trabalho de Bragança,
que julgou improcedente a impugnação judicial de decisão da autoridade
administrativa que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário, na modalidade de
dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, numa acção em que
litiga contra o Estado.
O relator proferiu despacho (fls. 429), a rejeitar o recurso quanto
à questão suscitada ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e a
delimitá-lo, quanto à alínea b) do mesmo preceito legal, à questão de
constitucionalidade dos critérios normativos de apreciação da insuficiência
económica constantes do Anexo, à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, interpretados
no sentido de que para efeito de apreciação da insuficiência económica do
requerente da protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e
demais encargos com o processo não releva a ponderação do montante provável das
custas.
O recorrente apresentou oportunamente alegações em que conclui nos
seguintes termos:
“A) Deve ser revogada a decisão impugnada, de fls. 307 a 312, declarando-se
inconstitucionais por violação do art. 20 da Constituição da República
Portuguesa, as normas previstas na Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto,
nomeadamente as referidas no art. 6 a 10 da mesma Portaria, assim como do Anexo
à Lei nº 34/2004 de 29 de Julho.
B) Face ao aumento do valor processual, a AA. requereu Apoio Judiciário na
modalidade de dispensa total de pagamento da taxa de justiça e encargos com o
processo;
C)Foi-lhe indeferido o pedido de apoio judiciário, na modalidade pretendida;
D) A recorrente alegou aquando do seu pedido, além de que o seu vencimento tinha
baixado, que o valor da acção foi “...fixado em 569,819 euros, pelo que a taxa
de justiça é agora de 2.304 euros, inicial e subsequente e as custas finais
importam em 12.092 euros devido à alteração processual do valor”;
E) Porém tal facto foi simplesmente ignorado pelos serviços de Segurança Social,
não lhe atribuindo qualquer importância, e,
F) Só considerou os (factos) rendimentos apresentados e em resultado da
aplicação das fórmulas matemáticas previstas na Portaria nº 1805-A/2004 de 31 de
Agosto...verificando-se dispor o agregado familiar da requerente de um
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica no valor de 476,50
euros, pelo que nos termos da alin.C) do Anexo Lei nº 34/2004, tem direito a
pagamento faseado de 160 euros de periocidade mensal”
G) E nos termos do artigo 20 da Lei nº 34/2004, indeferiu a modalidade
pretendida;
II) Interposto recurso de tal decisão, o douto despacho ora impugnado manteve a
decisão administrativa, com o fundamento de que além do mais,
I) O pagamento faseado não impede o acesso ao direito e aos tribunais por
insuficiência económica e de que a recorrente interpreta o art. 20 da C.R.P, no
sentido de que a justiça deveria ser gratuita para todos os que estivessem em
situação de carência económica, independentemente do grau e medida dessa
insuficiência económica;
J) A recorrente alegou, é que a alteração do valor processual, não deveria ter
sido ignorado e que tal facto, não é indiferente, já que se reflecte na (in)
suficiência económica da recorrente, sendo um encargo excepcional que terá de
suportar para manter o acesso à justiça e ao direito;
L) Entende-se pois, que tais fórmulas e diplomas legais, são inconstitucionais,
no sentido de que tal valor é ignorado pelas ditas fórmulas,
M) Sendo certo que não será indiferente litigar com o valor de mil ou um milhão,
atendendo-se simplesmente ao resultado das fórmulas e ignorando-se o rendimento
e a sua correlação com os custos do processo;
N) Quer dizer, é absurdo que calculado o rendimento, não se atente ao valor da
acção e à insuficiência económica ou não para suportar antecipadamente ou a
final os custos do mesmo;
O) O valor da acção foi alterado para 569.810 euros e daí todas as consequências
processuais conhecidas, nomeadamente na impugnação de qualquer decisão judicial,
onde a taxa de justiça inicial é de 2.304 euros e as custas finais importam em
12.092 euros;
P) Ora tal facto, mesmo em pagamentos faseados e tendo em conta o valor apurado
dos rendimentos da AA., importa o reconhecimento da insuficiência económica da
mesma para suportar tais custos;
Q) E isto mesmo que tais prestações, sejam suspensas após excederem quatro vezes
o valor da taxa de justiça inicial, mas claro pagando tudo quando no final se
apurar o que ainda esta em dívida;
R) À recorrente é pois legitimo impugnar e não aceitar o pagamento em prestações
e pedir isenção de pagamento por insuficiência económica,
S) Até porque sempre teria de pagar e suportar os encargos processuais em
prestações sucessivamente acrescidas onerando o seu insuficiente património, em
caso de recursos e impugnações que não pode recear dele se socorrer quando
entender, por falta de meios económicos;
T) A aplicação das fórmulas previstas na Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto,
constantes do art. 6 a 10, em concreto ao caso dos autos, é assim
inconstitucional, quando não atende ao valor processual da acção e consequente
encargos daí decorrentes;
U) Na verdade, o art. 20 da CRP, refere que a todos é assegurado o acesso ao
direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos;
V) Ora tal desiderato, não pode ser mera retórica, e não pode afastar da defesa
dos seus direitos, as pessoas que careçam de meios económicos suficientes para
suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um
processo judicial, designadamente custas e honorários forenses”- cfr ACTC, n°
98/2004- DR.II série de 1/04/2004;
X) Quer dizer, reitera-se, não é indiferente, litigar com um valor processual de
mil euros ou um milhão, pois é pelo valor processual que é liquidada a taxa de
justiça em cada momento processual, seja na acção principal recursos e
incidentes;
Z) “O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser
uma norma fechada, ponderando estritos económico-financeiros, como resulta claro
da adopção de uma fórmula matemática “Ac.Trib.Const.n°840/05”, in”
www.tribunalconstitucional.pt
AA) Quer dizer, a recorrente pediu protecção jurídica para este seu processo,
com aquele valor e cujas consequências e encargos se vão reflectir no desenrolar
da demanda e não para qualquer direito a reclamar abstractamente, pelo que lhe
devia ser concedido o dito Apoio na modalidade pretendida;
BB) Isto mesmo em pagamento faseado, que implica sempre pagamento, podendo até
incorrer em diversos pagamentos faseados, caso pretendesse e necessitasse de
invocar, recorrer ou reclamar de decisões, com as quais não concordasse;
CC) Além disso, a recorrente litiga contra o Estado e em processo de trabalho
reivindicando direitos sociais que o próprio Estado ignora, mas que exige aos
particulares;
DD) O Estado está confortavelmente instalado, na isenção de prévio pagamento de
taxas de justiça e outros encargos processuais e nas leis que ele próprio
elabora numa situação pois de desigualdade processual para com a recorrente;
EE) É que os processos de trabalho, tendo a onerosidade social implícita, eram
contados em metade de custas processuais devidas, até há algum tempo,
FF) E conforme anunciado (sendo concretizado), deverão ter isenção de taxa de
justiça, precisamente tendo em conta a fragilidade económica e social dos
litigantes nos Tribunais de Trabalho;
GG) Acresce também, que quem propôs a acção foi a requerente mulher e são os
seus rendimentos que devem contar para efeitos de insuficiência económica e não
os do marido;
HH) A requerente não pode pois suportar os encargos judiciais, nem mesmo em
pagamentos faseados;
II) Acresce ainda que as normas aplicadas, foram declaradas inconstitucionais
por acórdão deste Venerando Tribunal, nº 654/2006, publicado no D.R. 2 Série, de
19/01/2007, acarretando deste modo a sua inconstitucionalidade de acordo com o
fundamento do art.70º, nº 1 alin g) da LTC;
JJ) Deve ser revogada a decisão impugnada, declarando-se inconstitucionais por
violação do art. 20 da Constituição da República Portuguesa, as normas previstas
na Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto, nomeadamente as referidas no art.6 a 10
da mesma Portaria, assim como do Anexo à Lei nº 34/2004 de 29 de Julho.”
Alegou também o Ministério Público, em representação do Estado, concluindo do
seguinte modo:
“1. Não são inconstitucionais as normas do anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de
Julho, interpretadas no sentido de que para apreciação da insuficiência
económica do requerente na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais
encargos com o processo, não releva a ponderação do montante provável das
custas.
2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
II. Fundamentos
2. Comecemos por recordar a situação a que foi aplicado o critério
normativo cuja apreciação de conformidade à Constituição é pedida ao Tribunal
Constitucional.
A ora recorrente requereu apoio judiciário na modalidade de dispensa total de
pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Os serviços da
Segurança Social, calculando em € 482,77 o rendimento relevante da requerente
para efeitos de protecção jurídica, por aplicação das fórmulas estabelecidas nos
artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, concluíram que esse rendimento
não lhe conferia o direito a apoio judiciário com a extensão pretendida, mas
apenas na modalidade de pagamento faseado dessa taxa e encargos, nos termos da
alínea c) do n.º I do Anexo à Lei n.º 34/2004.
A requerente impugnou judicialmente esta decisão, pondo em causa a
constitucionalidade dos critérios de determinação da insuficiência económica
constantes do referido Anexo, quando interpretados como não devendo ser
ponderado o valor da acção para que o apoio é pedido, enquanto determinante do
montante da taxa de justiça, para decisão sobre a modalidade (ou extensão) do
apoio judiciário a conceder.
A isso respondeu a decisão recorrida o seguinte:
“(…)
Quanto ao argumento do valor da acção, não se vislumbra qualquer relevância
deste na situação concreta da A., uma vez que o cálculo da prestação mensal a
que a A. estaria obrigada caso tivesse aceite a modalidade de pagamento faseado
é efectuado com referência ao rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica e ao valor do salário mínimo nacional. Quer isto dizer que o montante
da prestação é sempre o mesmo, independentemente do valor da acção, apenas
podendo variar o número de prestações a pagar, sendo certo que este sempre
estaria limitado pelo disposto no n.º 13 da Portaria n.º 1085-A/2004; se o
somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário exceder em
dado momento em quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário
pode suspender o pagamento das restantes prestações, sem prejuízo do seu
pagamento poder ser retomado caso venha a apurar-se, na conta final, haver
quantias em dívida pelo beneficiário.
(…).”
3. A recorrente procede como se ignorasse (cfr., designadamente, as
alíneas A), T, II) e JJ) das alegações) a delimitação do objecto do recurso que
resulta do despacho preliminar do relator, que não foi impugnado.
Com efeito, por esse despacho ficou definitivamente decidido:
A) Que a decisão recorrida não fez aplicação do sentido normativo julgado
inconstitucional pelo acórdão n.º 654/2006, publicado no Diário da República, II
Série, de 19 de Janeiro de 2007, porque o rendimento considerado foi o
efectivamente auferido e fruído exclusivamente pela requerente do apoio
judiciário, não estando em causa a questão de o cálculo do valor do rendimento
relevante para efeitos de protecção jurídica se fazer a partir do rendimento do
agregado familiar, independentemente de o requerente fruir efectivamente de tal
rendimento.
B) Que a questão que a decisão recorrida apreciou se restringe ao critério
de apreciação da insuficiência económica, em função do rendimento relevante
apurado, para determinar a modalidade de apoio judiciário susceptível de ser
concedido, não relevando para resolução da questão controvertida – nem delas
tendo sido feita aplicação, como ratio decidendi – as normas dos artigos 6.º a
10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, que respeitam ao modo de
cálculo do rendimento relevante.
Face a isto e tendo presentes os poderes cognitivos do Tribunal em recurso de
fiscalização concreta, as alegações da recorrente são irrelevantes em tudo o que
excede a verificação de conformidade à Constituição dos critérios normativos de
apreciação da insuficiência económica estabelecidos pelo Anexo à Lei n.º
34/2004, quando interpretados no sentido de que, para efeito de apreciação de
insuficiência económica do requerente de apoio judiciário, não releva a
ponderação do montante provável da taxa de justiça e outros encargos com o
processo de cujo pagamento o interessado se quer ver dispensado.
Só este aspecto do regime jurídico do apoio judiciário, que consiste na
insensibilidade dos critérios de apreciação da insuficiência económica ao
montante das custas prováveis (que são, de um modo geral, função do valor da
acção, ou melhor, do valor tributário do processo – cfr. artigos 5.º a 12.º e as
“Tabelas” anexas ao Código das Custas Judiciais), no momento da opção pela
modalidade de apoio judiciário a conceder, que importa confrontar com a garantia
constitucional de que a justiça não seja denegada por insuficiência de meios
económicos.
Aliás, em mais rigorosa delimitação do objecto do recurso, embora sem perder de
vista o conjunto desses critérios porque na sua globalidade exprimem
escalonadamente alternativas decisórias, atendendo a que o 'rendimento
relevante” calculado corresponde à previsão da alínea c) do n.º I do referido
Anexo é esta a norma que, no aspecto questionado, importa confrontar com a
garantia da parte final do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.
4. Sobre a garantia de que a justiça não seja denegada por insuficiência de
meios económicos, consagrada no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, disse-se
no Acórdão n.º 602/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«[…]
Está constitucionalmente consagrado o princípio de que a todos é assegurado o
acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da Lei Fundamental).
Variada tem sido a jurisprudência deste Tribunal emitida a respeito de um tal
princípio.
Assim, e sempre enfrentando problemas em torno de normas (ou interpretações
normativas) de onde resulte uma impossibilidade ou uma acentuada dificuldade de
acesso à justiça motivada pela obrigação de pagamento de determinadas quantias
condicionadoras do exercício do acesso ao direito e aos tribunais, têm sido
múltiplos os juízos formulados a este respeito por este órgão de administração
de justiça.
O fio condutor dessa jurisprudência, que não tem deixado de sublinhar que a
garantia que decorre do n.º 1 do art.º 20.º do Diploma Básico não pode ser
perspectivada como «uma mera ou simples afirmação proclamatória», poderá ser
condensado nas palavras utilizadas no Acórdão n.º 30/88 (in Diário da República,
I Série, de 10 de Fevereiro de 1988), citando o Parecer n.º 8/87 da Comissão
Constitucional, e segundo as quais a Constituição deveria ter-se “por violada
sempre que, por insuficiência de tais meios, o cidadão pudesse ver frustrado o
seu direito à justiça, tendo em conta o sistema jurídico‑económico em vigor para
o acesso aos tribunais na ordem jurídica portuguesa”, pois que aquele diploma
fundamental “indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso
aos tribunais”, propõe-se “afastar neste domínio a desigualdade real nascida da
insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal
insuficiência não pode constituir motivo para denegação da justiça”.
[…].»
Anteriormente, escreveu-se no Acórdão n.º 491/2003 (igualmente disponível em
www.tribunalconstitucional.pt):
«[…]
Como já tem sido reafirmado por várias vezes por este Tribunal, a nossa Lei
Fundamental não consagra o direito a uma justiça gratuita. Ao legislador
ordinário é lícito exigir o pagamento de custas judiciais, podendo optar por um
sistema de custas mais barato ou mais caro ou conceder o benefício do apoio
judiciário em termos mais ou menos generosos. Ponto é que, no delineamento do
sistema de custas judiciais, se não torne impossível ou particularmente oneroso
o direito de acesso aos tribunais, sob pena de violação deste direito
fundamental consagrado no art.º 20.º da CRP.
Tal baliza funciona como limite à restrição constitucionalmente permitida de tal
direito ou garantia fundamental, de acordo com o disposto no art.º 18.º, n.ºs 2
e 3 da CRP (cf., entre outros, os acórdãos n.ºs 352/91, 467/91 e 646/98,
publicados no D. R. II Série, respectivamente, de 17 de Dezembro de 1991, 2 de
Abril de 1992 e 3 de Março de 1999).
[…]».
Decorre da parte final do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição uma dimensão
“prestacional” (dever de o Estado assegurar meios tendentes a evitar a denegação
da justiça por insuficiência de meios económicos). Esta dimensão postula
soluções legislativas que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais.
Centrando-nos no que respeita a custas e demais encargos judiciais, que é o
aspecto agora em análise, o legislador não pode adoptar soluções de tal modo
onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça e está obrigado a
assegurar às pessoas economicamente carenciadas formas de apoio que viabilizem a
salvaguarda dos seus direitos.
5. O legislador propôs-se cumprir esta imposição constitucional de
assegurar condições de acesso aos tribunais a quem não disponha de meios
económicos que lhe permitam suportar as despesas inerentes através do instituto
do apoio judiciário, hoje regulado pela Lei n.º 34/2004, que compreende as
seguintes modalidades (artigo 16.º ):
a) Dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos
com o processo;
b) Nomeação e pagamento de honorários de patrono;
c) Pagamento de remuneração de solicitador de execução designado;
d) Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o
processo, de honorários de patrono nomeado e de remuneração do solicitador de
execução designado;
e) Pagamento de honorários de defensor oficioso.
A apreciação do pedido de protecção jurídica, de que o apoio
judiciário é uma das vertentes (artigo 6.º da Lei n.º 34/2004), compete (em
'primeira palavra') aos serviços da Segurança Social, no termo de um
procedimento administrativo destinado à apreciação da alegada situação de
insuficiência económica do requerente.
Segundo o n.º 1 do artigo 8.º considera-se em situação de
insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de natureza
económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas
para suportar pontualmente os custos de um processo. Por força do disposto no
n.º 5 do artigo 8.º e no n.º 1 do artigo 20.º da Lei nº 34/2004, a apreciação da
insuficiência económica do requerente de protecção jurídica deve ser feita de
acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo àquele diploma
legal.
Este Anexo, é do seguinte teor:
«I – Apreciação da insuficiência económica
1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional
não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os
custos de um processo;
b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do
valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para
suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de
consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio
judiciário;
c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos
de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o
valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os
custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar
pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do
apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do nº
1 do artigo 16º da presente lei;
d) Não se encontra em situação de insuficiência económica o requerente cujo
agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
não se encontra em situação de insuficiência económica, independentemente do
valor do rendimento do agregado familiar.
2 – (…)
3 – (…)
II – Cálculo do montante da prestação mensal na modalidade de pagamento faseado.
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do n.º 1, o valor da prestação mensal do
pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, de
honorários de patrono nomeado e de remuneração do solicitador de execução
designado é o seguinte:
a) 1/72 do valor anual do rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica, se este for igual ou inferior ao valor do salário mínimo nacional;
b) 1/36 do valor anual do rendimento relevante para efeitos de protecção
jurídica, se este for superior ao valor do salário mínimo nacional.”
6. Além de cometer a apreciação do pedido à Administração – opção
que, aliás, já vem da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro –, o legislador
estabeleceu um processo de concretização do juízo de insuficiência económica
tendente a eliminar a margem de apreciação do decisor (Portaria n.º 1085‑A/2004,
de 31 de Agosto, alterada pela Portaria 288/1005, de 21 de Março), procurando
assegurar objectividade e uniformidade de apreciação dos pedidos de protecção
jurídica.
Assim, o processo está desenhado para que, num primeiro momento do iter
decisório, se apure o chamado 'rendimento relevante', mediante a aplicação de
fórmulas matemáticas, que expressam o valor do rendimento do agregado familiar e
da renda financeira implícita dos respectivos activos patrimoniais, deduzido dos
encargos com as necessidades básicas e habitação desse mesmo agregado. O
resultado dessas operações revela, no critério da lei, a capacidade contributiva
do interessado e vai depois ser submetido às hipóteses normativas dos preceitos
do Anexo à Lei 34/2004, estas também construídas de modo objectivo, com recurso
ao padrão (múltiplos ou submúltiplos) do salário mínimo nacional (na denominação
actual, remuneração mínima garantida).
Não há nestas fórmulas constantes da Portaria n.º 1085-A/2004 e nas
disposições legais em que se acobertam, segundo a interpretação acolhida pelo
despacho recorrido, lugar para ponderação ou confronto com o valor das custas de
que o interessado se quer ver dispensado ou, o que indirectamente conduziria a
resultado substancialmente equivalente, ao valor processual e tributário da
causa. Aquilo que se vai determinar é a capacidade de esforço financeiro por
banda do requerente para fazer face a prestações de pagamento de custas e demais
encargos com o processo, seja qual for o montante que, na conta final, possa ser
de sua responsabilidade.
Assim, determinado que seja um 'rendimento relevante' entre metade e
duas vezes o salário mínimo nacional, por aplicação do critério da alínea c) do
n.º I do Anexo, considera-se que a capacidade contributiva do interessado apenas
lhe permite beneficiar de pagamento faseado das quantias em causa – quer se
trate de taxa de justiça e demais encargos (assistência judiciária – o que no
presente processo se discute), quer de honorários de patrono nomeado e de
remuneração ao solicitador de execução (patrocínio judiciário, em sentido lato)
–, ou seja, impõe-se-lhe um esforço financeiro de pagamento em prestações
calculadas em determinada percentagem do salário mínimo nacional, de acordo com
o n.º II do mesmo Anexo.
Nesta lógica, não há lugar para ponderação autónoma do valor da
acção nem do montante das custas e encargos prováveis, que de um modo geral, é
função desse valor. O montante das custas prováveis só indirectamente releva,
como limite aos pagamentos parcelares exigíveis na pendência do processo (artigo
13.º da Portaria n.º 1085-A/2004) e, mais tarde, pela via do limite temporal de
exigibilidade das prestações da dívida de custas contadas (n.º 2 do artigo 16.º
da Lei 34/2004).
7. Não resulta daqui que a norma em causa – lembra-se, a da alínea
c) do n.º I do Anexo à Lei n.º 34/2004 – colide com a garantia de que a justiça
não seja denegada por insuficiência de meios económicos.
A 'insuficiência de meios económicos' é uma noção relativamente
indeterminada, que consente uma larga margem de discricionariedade ao legislador
ordinário na modelação do sistema de apoio judiciário, desde que não estabeleça
procedimentos, pressupostos e critérios de decisão em termos tão restritos que
cause uma efectiva incapacidade de acesso à justiça. Embora a Constituição não
determine a gratuitidade dos serviços de justiça, os encargos estabelecidos para
a eles aceder tem de levar em linha de conta a capacidade dos economicamente
carecidos e observar os princípios básicos do Estado de direito, como o
princípio da proporcionalidade e da adequação (Cfr. Gomes canotilho e vital
moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª ed. rev.,
Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pág. 411).
No presente recurso não está em discussão a opção normativa de
exigir pagamento faseado a quem se situe no patamar de rendimento relevante
superior a metade do salário mínimo nacional (o acerto do escalão de rendimento
que implica pagamento faseado), nem o cálculo do montante da prestação exigível
em fracções deste mesmo elemento padrão (o montante das prestações do pagamento
faseado). Sob crítica está apenas o facto de o juízo de insuficiência económica
abstrair do montante provável das custas do processo que, a final, podem ficar
sob responsabilidade do requerente de apoio judiciário.
Ora, se o interessado é considerado em situação de não poder fazer face ao
pagamento total da taxa de justiça e demais encargos, de uma só vez e nos
momentos processuais normais (“não pode suportar pontualmente os custos de um
processo”), mas pode suportar o pagamento de prestações cujo valor não exceda
determinada fracção do salário mínimo, exigir-lhe um contributo periódico na
pendência da causa e na medida dessa capacidade não é sacrifico excessivo nem
desadequado ao fim em vista com a imposição de pagamento de taxa de justiça
inicial e subsequente e outros encargos ao longo do processo. Trata-se, como é
sabido, por um lado, de assegurar preventivamente que os custos da justiça
sejam, ao menos parcialmente, suportados por quem dela possa tirar vantagem e
não integralmente pela comunidade e, por outro, de estabelecer um factor de
moderação para o uso irracional ou ineficiente do sistema judicial.
Na verdade, o que a Constituição proíbe é que o acesso aos tribunais
seja impedido ou exija sacrifícios desrazoáveis aos economicamente
desfavorecidos. O apoio judiciário tem de ser concebido por forma a não tornar
impossível ou demasiado onerosa a prática dos actos em que o acesso à justiça se
traduz. Os pagamentos a fazer no decurso do processo, ou seja, a taxa de justiça
e os encargos que sejam condição do exercício de poderes processuais, não podem
exceder o que, face à sua situação económica (rendimentos e património
racionalmente mobilizável), o interessado possa afectar a esse fim sem
sacrifício da satisfação das demais necessidades do agregado familiar e sem
eventual compromisso ruinoso do seu património, alienando-o ou onerando-o com
vista à obtenção de liquidez para adiantar quantias que, em rectas contas, podem
não vir a ser da sua responsabilidade definitiva. Mas isso apenas impede que se
façam exigências de pagamento que, na pendência da acção, o interessado não
possa ou não seja exigível que suporte. Assentando o sistema na avaliação
daquilo que é exigível que o interessado faseadamente afecte a tais pagamentos,
mostra-se satisfeita a imposição da parte final do n.º 1 do artigo 20.º da
Constituição. Abstrai-se da relação entre a situação económica do requerente e a
possibilidade de solver a dívida final de custas porque esta não interfere com a
possibilidade de prática de actos ao longo do processo, nem determina o montante
de cada uma das prestações.
Finda a acção, aquilo que a final possa vir a ser devido pertence já a outro
universo de considerações. Nesse momento já não se coloca o problema de a
exigência de pagamento de custas obstar ao acesso à justiça, porque o litígio
está findo. O que resta é um problema de cobrança do crédito correspondente por
parte do Estado, por um serviço (acesso à justiça) de que o interessado já
beneficiou. A situação económica do devedor, a sua possibilidade efectiva de
solver a dívida de custas, relevará ainda, mas através dos mecanismos que
limitam a penhorabilidade de bens na execução, a que é estranho o comando da
parte final do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.
Em conclusão, a circunstância de o montante das custas prováveis da
acção não integrar os elementos de ponderação para efeito de determinação da
modalidade de pagamento faseado previsto na alínea c) do n.º I do Anexo à Lei
n.º 34/2004, não constitui violação da garantia de que a justiça não seja
denegada por insuficiência de meios económicos.
8. É certo que o montante global das custas em que o interessado
possa vir a ser condenado não é indiferente numa opção racional de recorrer ou
não aos tribunais para defesa do que entende serem os seus direitos ou
interesses legalmente protegidos. E também é inegável que a decisão de arrostar
com o risco da condenação em custas é influenciada pela capacidade económica do
interessado, sendo o montante global das custas mais dissuasor do recurso à
justiça para aqueles que se encontrem em pior situação económica. Nesta
perspectiva, o montante provável das custas em que a parte possa ser condenada
não é indiferente em relação à situação económica do interessado, na opção pelo
recurso aos tribunais.
Porém, a verificação desta desigualdade fáctica, ineliminável onde o
acesso a bens ou serviços públicos não seja gratuito (salvo, teoricamente, pela
via de diferenciação das taxas em função da situação económica, além de outras
razões, praticamente irrealizável) não respeita à proibição de a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos, ultrapassando a situação para
que o instituto do apoio judiciário é chamado a proporcionar remédio. O que
aquela realidade obriga é a que as custas não sejam estabelecidas em termos tais
que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça. As custas não devem ser
incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio, não sendo
constitucionalmente admissível a adopção de soluções em matéria de custas que,
designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo,
inibam os interessados de aceder à justiça.
Não deixa, contudo de referir-se que o regime do apoio judiciário
acolhe ou concede protecção, mesmo na fase de cobrança do crédito de custas, à
situação económica do devedor, na medida em que permite o pagamento das custas
contadas de forma faseada, em prestações de montante idêntico ao anteriormente
estipulado pelos serviços da segurança social (n.º 2 do artigo 13.º da Portaria
n.º 1085-A/2004) e que considera não exigíveis as prestações que se vençam após
o decurso de quatro anos desde o trânsito em julgado da decisão final da causa
(n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 34/2004).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a
decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita.
Custas pela recorrente, com 25 (vinte e cinco) UC.s de taxa de
justiça.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2008
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha (com declaração de voto)
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não havendo lugar à ponderação do valor da acção no cálculo da prestação a
liquidar para pagamento faseado da taxa de justiça e dos demais encargos com o
processo, conforme reconhece o acórdão e resulta do disposto no artigo 11º da
Portaria n.º 1083-A/2004, de 31 de Agosto, haveria que indagar se essa fórmula,
ao determinar o limite de capacidade contributiva do interessado para fazer face
às despesas judiciais, tem em linha de conta o período de tempo durante o qual
se poderá prolongar o pagamento faseado.
As custas são calculadas pelo valor do pedido inicial (artigo 5º, n.º 3, do
Código das Custas Judiciais), pelo que o valor da causa acaba por influenciar o
montante da taxa de justiça inicial e da taxa de justiça subsequente e, em
necessária decorrência, o número de prestações a liquidar pelo beneficiário do
apoio judiciário.
O valor da causa não é, por conseguinte, irrelevante, para efeito de determinar
a capacidade de esforço financeiro que o requerente pode suportar, visto que não
é indiferente o número de prestações que poderá ser exigível para satisfazer os
encargos com o processo.
Não basta, por isso, dizer, para efeito de averiguar se existe ou não violação
do direito de acesso à justiça, que o sistema de apoio judiciário permite
definir a ocasional capacidade contributiva do requerente para suportar encargos
judiciais, tornando-se necessário também apurar se o contributo periódico
(apurado nos termos do n.º II do anexo à Lei n.º 34/2004) se poderá prolongar
por um lapso de tempo mais ou menos alargado.
Não é suficiente, para o efeito, a invocação das cláusulas de salvaguarda dos
artigos 16º, n.º 2, da Lei n.º 34-A/2004, de 31 de Agosto, e 13º da Portaria n.º
1083-A/2004. A primeira dessas disposições estabelece um limite temporal (quatro
anos após o trânsito em julgado da decisão final sobre a causa) que é aplicável
a qualquer situação de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado e não
pondera o montante global das custas em função do valor da causa. A segunda,
conferindo ao interessado a faculdade de suspender o pagamento faseado quando o
somatório de prestações pagas for, em dado momento, superior a quatro vezes o
valor da taxa de justiça inicial, tem em conta um cálculo das custas de parte
que sejam devidas a final, e não propriamente a repercussão negativa que o
pagamento das ulteriores prestações possa ter na capacidade económica do
interessado.
Carlos Alberto Fernandes Cadilha