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Processo n.º 511/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, o
Ministério Público interpôs recurso obrigatório de fiscalização concreta de
constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal, de 05.02.2007, que
julgou organicamente inconstitucionais as normas do artigo 29.º do Decreto-Lei
n.º 76-A/2006, de 29 de Março, e do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17
de Janeiro, na parte em que vieram conferir nova redacção à alínea a) do n.º 1
do artigo 89.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais
(LOTJ).
2. O presente recurso emerge de processo de insolvência intentado por A., Lda.
contra B., no qual o 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa proferiu
sentença declarando-se materialmente incompetente para conhecer do pedido e
recusando aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, das
sucessivas versões do artigo 89.º, n.º 1, alínea a), da LOTJ, resultantes do
artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, e do artigo 14.º do
Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, e repristinando a redacção anterior,
introduzida pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março.
3. O Ministério Público alegou, concluindo da forma seguinte:
«1°
É organicamente inconstitucional a norma constante do artigo 29° do Decreto-Lei
n° 76-A/06, na parte em que conferiu nova redacção à alínea a) do n° 1 do artigo
89° da Lei n° 3/99, de 13/01, conforme este Tribunal Constitucional vem
reiteradamente julgando.
2°
Não é inconstitucional a versão de tal preceito legal, decorrente do artigo 14°
Decreto-Lei n° 8/07, de 17/01, já que a nova redacção da citada alínea se
limita, sem qualquer carácter inovatório, a “repristinar’, nos seus precisos
termos, a versão normativa que já decorria do Decreto-Lei n° 53/04, sem inovar,
consequentemente, na definição do âmbito da competência dos tribunais do
comércio, em matéria de insolvência.
3°
Termos em que deverá proceder o presente recurso quanto à questão de
constitucionalidade suscitada quanto à versão normativa, decorrente do referido
artigo 14° do Decreto-Lei n° 8/2007.»
O recorrido não apresentou contra-alegações.
4. Por despacho de fls. 58, foi suscitada a questão prévia de não conhecimento
do recurso, com fundamento em inutilidade, na parte respeitante à versão da
norma do artigo 89.º, n.º 1, alínea a), da LOTJ, resultante do artigo 14.º do
Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro.
Notificado o Ministério Público para se pronunciar, nada disse.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
5. Importa começar por apreciar a questão prévia, acima identificada,
respeitante à alteração do artigo 89.º, n.º 1, alínea a), da LOTJ, operada pelo
artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 8/2007.
Pelas razões já explanadas nos Acórdãos n.ºs 482/2007 e 531/2007 (disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt), em situações em tudo idênticas à dos presentes
autos, e atento o teor da decisão recorrida, não é útil conhecer do objecto do
recurso, nesta parte.
Lê-se no citado Acórdão n.º 482/2007:
«[…] Acontece que o Tribunal de Comércio se declarou incompetente para o
conhecimento do pedido formulado pelo requerente com fundamento na circunstância
de não ter sido alegado ('não resulta da p.i.') que 'a requerida seja
comerciante ou que na sua esfera jurídica se integre um qualquer estabelecimento
comercial'. Com efeito, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 89º da Lei
n.º 3/99 de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais
Judiciais), quer na versão adoptada no Decreto-Lei nº 53/2004, quer na redacção
conferida pelo artigo 14º do Decreto-Lei n.º 8/2007 de 17 de Janeiro, 'compete
aos tribunais de comércio preparar e julgar o processo de insolvência se o
devedor for uma sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa'.
Assim, ao especificar, como razão de decidir do juízo de incompetência do
tribunal de comércio, a circunstância de a requerida não ser comerciante nem no
seu património se integrar um qualquer estabelecimento comercial, a decisão
recorrida está, na verdade, a fazer aplicação da norma, embora retirada do
diploma de 2004, para reconhecer que se não verifica um pressuposto da sua
aplicação, isto é, como um feito totalmente coincidente à sua aplicação pela
norma 'desaplicada'. Daqui se retira a completa inutilidade do conhecimento do
recurso nesta parte, pois, fosse qual fosse a decisão tomada, permaneceria
incólume, nesta parte, a decisão recorrida. […]»
No caso vertente, a decisão de incompetência também se fundamenta na
circunstância de o requerido não ser uma sociedade comercial nem a sua esfera
jurídica integrar um estabelecimento comercial, pelo que, pelos fundamentos
acima transcritos, não se tomará, nesta parte, conhecimento do recurso.
6. Quanto à questão da inconstitucionalidade do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º
76-A/2006, de 29 de Março, na parte em que altera o artigo 89.º, n.º 1, alínea
a), da LOTJ, já foi a mesma objecto de várias decisões do Tribunal, julgando a
norma organicamente inconstitucional (vd., entre outros, os Acórdãos n.ºs
690/2006, 692/206, 43/2007, 88/2007 e 485/07, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt)
Reitera-se esta jurisprudência, inteiramente aplicável ao caso em apreço.
III − Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do recurso quanto à norma
do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, na parte que veio
conferir nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da Lei de Organização
e Funcionamento dos Tribunais Judiciais;
b) Julgar organicamente inconstitucional, por
violação do disposto na alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, a
norma do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, na parte que
veio conferir nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da Lei de
Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais;
c) Consequentemente, negar provimento ao recurso,
na parte em que dele se conhece.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos